Conflitos de competência sobre a incidência do ISS à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

17/08/2015 às 20:57
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O presente artigo tem por objetivo superar a recrudescência do clima de dúvidas quanto à definição do "local da prestação dos serviços" no que tange à incidência do ISSQN, mesmo após a edição da Lei Complementar n. 116/2003.

INTRODUÇÃO

  O imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISSQN, ou simplesmente imposto sobre serviços – ISS, é um tributo municipal incidente sobre a prestação dos serviços que compõem a lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003 e que também estejam reflexamente previstos em lei.

O ponto controvertido em relação à incidência do mencionado tributo diz respeito à definição do "local da prestação dos serviços" e ao papel que exerce a lei complementar para se identificar, no plano da sujeição ativa tributária, para qual ente deverá ser recolhido: se para o município do estabelecimento do prestador; para o município do estabelecimento do tomador; ou se para o Município da prestação.

Acerca de tal circunstância, adverte Aires F. Barreto (2009, p. 341):

Na verdade, nenhum outro imposto, em nosso sistema, oferece tantas faces a zonas cinzentas e áreas comuns como o ISS. O escopo deste tópico, todavia, é versar os conflitos de competência não entre esferas de governo diversas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), mas daqueles verificáveis entre entes tributantes aos quais foi outorgada a mesma competência. Ou seja, de ISS com ISS, exigível por dois ou mais Municípios.

Pela própria materialidade desse imposto e em face da multiplicidade de Municípios, vê-se que, no quadro da nossa repartição de competências tributárias, estamos diante de área que, por excelência, é ensejadora de conflitos. Simples consideração superficial da atividade de prestação de serviços, na sua ontologia, já mostra a evidente e próxima possibilidade de atrito entre Municípios, a propósito da pretensão tributária concernente a esta matéria: é que há um sem-número de prestadores de serviços (pessoas físicas ou jurídicas) estabelecidos ou domiciliados em um Município, que prestam serviços em outro. Isto enseja a legítima questão: quem pode tributar tais prestações? O Município em que estas se dão ou aquele em que estabelecido ou domiciliado o prestador?

[…]

Os conflitos intermunicipais são deflagrados em razão de peculiaridades do prestador ou da própria prestação de serviços. São conflitos entre a lei instituidora do ISS do Município “X” e a lei do ISS do Município “Z” (ou, ainda, de diversos outros Municípios), em razão da pretensão de mais um Fisco entender “seu” determinado fato imponível.

Por tais motivos é extremamente importante, no caso do ISS, a definição legal das circunstâncias de lugar, consideradas juridicamente relevantes, para efeito de regular o surgimento das relações tributárias respectivas.”

O tema é atual e, ao contrário do que possa parecer, a Lei Complementar n. 116/2003, a despeito de sua vocação constitucional para solver o impasse dos chamados “conflito de competência”, não solucionou a problemática envolvendo o tema “local da prestação do serviços”, tanto que a jurisprudência ainda hoje controverte a respeito do assunto.

Nos expressivos dizeres de Eduardo Sabbag, “(...) a guerra está instaurada, e o palco do conflito é a interpretação das normas – uma atividade hermenêutica que cabe àqueles que protagonizam a cena jurídico-tributária” (2014, p. 1.042).

1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E SUJEITO ATIVO

1.1 A SUJEIÇÃO ATIVA SOB A SISTEMÁTICA DO DECRETO-LEI N. 406/1968

O art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, em suas alíneas “a”, “b” e “c”, previu como regra geral o “local da prestação do serviço” como sendo o do estabelecimento prestador (alínea “a”), pouco importando onde de fato viesse a ser prestado; as exceções ficaram por conta das alíneas “b” e “c”, respectivamente, nos casos de construção civil e exploração de rodovia, admitindo -se o município da prestação como o “local da prestação do serviço”, in verbis.

Art 12. Considera-se local da prestação do serviço:

a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

c) no caso do serviço a que se refere o item 101 da Lista Anexa, o Município em cujo território haja parcela da estrada explorada.

Nada obstante, apesar da expressa previsão do art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça passou a adotar o entendimento de que, a despeito do critério eleito pelo legislador, a lei “(...) pretende que o ISS pertença ao município em cujo território se realizou o fato gerador” (REsp 54.002/PE, rel. Min. Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, j. em 05/04/1995).

Esta, aliás, é a razão pela qual José Eduardo Soares de Melo (2003, p. 218) questiona:

(…) o comando inserto na alínea “a” poderia padecer de vício de inconstitucionalidade sob o fundamento de que estaria restringindo o exercício da competência dos Municípios, tendo em vista a autonomia que lhes é conferia para legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive tributo que lhe é exclusivo (art. 30, I e II, da CF)?

Independentemente da resposta que venha a ser dada, neste momento, ao referido questionamento, o fato é que a orientação que passou a ser adotada pelo Superior Tribunal de Justiça ampliou o clima de dúvidas quanto à definição do "local da prestação dos serviços", gerando insegurança jurídica, dificultando a arrecadação fazendária e, sobretudo – o que é pior –, a vida do contribuinte.

Se de um lado prestigiava-se o “princípio implícito da territorialidade da tributação”, em homenagem à autonomia municipal para a exigência dos seus próprios impostos, de outro, tal entendimento colidia frontalmente com a sistemática preconizada pelo art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968 – portanto, contrariamente a texto expresso de lei –, concluindo nesse sentido José Eduardo Soares de Melo (2003, p. 225) e também Eduardo Sabbag (2014, p. 1.043).

1.2 A EDIÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003

Com a edição da Lei Complementar n. 116/2003, houve alteração de entendimento em relação ao local de recolhimento do ISSQN sobre os serviços prestados, porquanto alterado o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/1968, passando-se a estabelecer o lugar do estabelecimento do prestador (ou, na falta deste, do domicílio do prestador) como o local de recolhimento do ISSQN, nos termos do caput do art. 3º:

Art. 3º O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:

[...]

Afora as 20 (vinte) exceções previstas nos incisos do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003 (subtraídos os vetos dos incisos X e XI) – v.g., da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas, no caso dos serviços descritos no subitem 3.05 da lista anexa (inciso II); da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa (inciso III); da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da lista anexa (inciso IV); etc., em que o "local da prestação do serviço" é efetivamente o município do local da prestação –, a novel regra geral estabelecida no caput do art. 3º teria consagrado a expressa definição de que o sujeito ativo do ISSQN é, em verdade, o município do local do estabelecimento do prestador.

1.3 A MUDANÇA DE PARADIGMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Com a edição da Lei Complementar n. 116/2003, qual deveria ser a postura adotada pelo Superior Tribunal de Justiça? A solução estaria em simplesmente em manter a diretriz historicamente fixada em relação ao “princípio da territorialidade” como elemento consagrador do “local da prestação do serviço”?

No julgamento do REsp 1.117.121/SP (relª. Minª. Eliana Calmon), submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, havia-se assentado o entendimento de que: a) sob a égide do Decreto-Lei n. 406/1968, o ISSQN seria devido ao município do local da prestação do serviço (art. 12); e b) após a Lei Complementar n. 116/2003, passou a ser devido ao município do local da sede do estabelecimento prestador (art. 3º).

À guisa de ilustração, colaciona-se a ementa dos seguintes julgados:

         TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. LOCAL DO SERVIÇO. ESTABELECIMENTO PRESTADOR. AGRAVO NÃO PROVIDO.

         1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça reafirmou o entendimento segundo o qual, na vigência da LC 116/2003, o ISS é devido ao Município em que estabelecido o prestador do serviço.

         2. Agravo regimental não provido.(AgRg nos EDcl no AREsp 332.593/MS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, j. em 22/05/2014, DJe 28/05/2014) [grifou-se]

         AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ISSQN. COMPETÊNCIA. LOCAL DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003. PRECEDENTES.

         [...]

         2. Para Corte a quo, a competência tributária para a cobrança do ISSQN se fixa a partir do local da prestação do serviço, isto é, onde se dá o fato gerador.

         3. Ao decidir assim, o tribunal estadual dissentiu da jurisprudência desta Corte Superior que já decidiu: "a competência para cobrança do ISS, sob a égide do DL 406/68 era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).

         Agravo Regimental improvido. (AgRg no AREsp 304.493/SP, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 13/08/2013, DJe 26/08/2013) [grifou-se]

Sucede que a Primeira Seção, mais recentemente, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, em 28/11/2012, também submetido ao regime dos recursos repetitivos, firmou a orientação de que: a) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do Decreto-Lei n. 406/1968, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); e b) a partir da Lei Complementar n. 116/2003, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional – naquele caso específico – da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento, assim considerado como o núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo.

Em apertada síntese, foram assentadas as seguintes premissas: a) o art. 12 do Decreto-Lei n. 406/68 estipulava que, à exceção dos casos de construção civil e de exploração de rodovias, o “local da prestação do serviço” coincidia com o do estabelecimento prestador; e b) após a vigência da Lei Complementar n. 116/2003, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, é para aquele ente que deverá ser recolhido o tributo.

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O precedente foi firmado no caso de serviço envolvendo contratos de arrendamento mercantil, após longos anos de uma histórica disputa judicial entre os Municípios do local em que é assinado o contrato e as empresas arrendadoras, no mais das vezes concentradas nos grandes centros urbanos do País.

Porém, ao que tudo indica, houve uma clara mudança de paradigma na jurisprudência, e não apenas para os serviços envolvendo contratos de leasing  – ressalvadas, é claro, as exceções previstas na lei de regência –, mas também para todos aqueles casos de conflitos originados pelo fato de o serviço objeto da tributação ser considerado prestado em local distinto do estabelecimento prestador.

De tal sorte, é a mais moderna orientação do Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. ENGENHARIA CONSULTIVA. SERVIÇO QUE NÃO SE CONFUNDE COM O DE CONSTRUÇÃO CIVIL. ART. 11, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO-LEI N. 406/68. MUNICÍPIO COMPETENTE DO ESTABELECIMENTO PRESTADOR. CONTROVÉRSIA DECIDIDA PELA PRIMEIRA SEÇÃO NO RESP 1.060.210/SC, SUBMETIDO AO REGIME DO ART. 543-C DO CPC.

1. A Primeira Seção, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 08/2008, firmou a orientação no sentido de que: "(b) o sujeito ativo da relação tributária, na vigência do DL 406/68, é o Município da sede do estabelecimento prestador (art. 12); (c) a partir da LC 116/03, é aquele onde o serviço é efetivamente prestado, onde a relação é perfectibilizada, assim entendido o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento - núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo".

2. Ao contrário do que se possa imaginar, as premissas estabelecidas nesse precedente aplicam-se a todos os casos que envolvam conflito de competência sobre a incidência do ISS em razão de o estabelecimento prestador se localizar em municipalidade diversa daquela em que realizado o serviço objeto de tributação.

3. No caso dos autos, a controvérsia se refere a fatos geradores do ISSQN ocorridos na vigência do Decreto-Lei n. 406/68, restando incontroverso que a sociedade recorrida possuía, à época dos fatos, estabelecimento prestador no Município de São Paulo.

4. O serviço de engenharia consultiva desenvolve-se antes ou até mesmo em concomitância com o serviço de "construção civil", mas com esse não se confunde, conforme se depreende do art. 11, parágrafo único, do Decreto-Lei n. 406/68. Inaplicabilidade, portanto, da exceção à regra de competência prevista na alínea "b" do art. 12 desse normativo.

5. Dessa forma, aplicando-se a recente orientação jurisprudencial deste Tribunal Superior firmada nos autos do REsp 1.060.210/SC, tem-se que subsiste relação jurídico-tributária apta a legitimar a instituição e cobrança do ISSQN pelo Município de São Paulo em relação aos fatos geradores ocorridos sob a vigência do Decreto-Lei n. 406/68, uma vez que, para esse período, o município competente corresponde àquele onde situado o estabelecimento prestador.

6. Recurso especial a que se dá provimento. (REsp 1211219/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. em 24/04/2014, DJe 20/05/2014)

Com efeito, no julgamento no REsp 1.211.219/SP, o Min. Og Fernandes apresentou a seguinte tabela para uma melhor visualização da alteração na jurisprudência:

Antes do julgamento do REsp 1.060.210/SC

Depois do julgamento do Resp 1.060.210/SC

DL n. 408/69

LC n. 116/2003

DL n. 408/69

LC n. 116/2003

Município onde ocorrido o fato gerador do ISS

Município onde localizado o estabelecimento prestador

Município onde localizado o estabelecimento prestador

Município onde ocorrido o fato gerador do ISS

A mudança de paradigma pode ser visualizada com muito mais facilidade, evidentemente, a partir da lição de Hugo de Brito Machado (2014, p. 411-412):

O STJ vinha entendendo que competente para a cobrança do ISS seria o Município em cujo território ocorre a prestação do serviço, sendo irrelevante o local em que se encontra o estabelecimento prestador. Com essa orientação jurisprudencial, a pretexto de interpretar o art. 12 do Decreto-lei 406/1968, vinha declarando implicitamente sua inconstitucionalidade.

A Lei Complementar 116/2003 manteve a regra de competência do art. 12 do Decreto-lei 406/1968, embora tenha ampliado as exceções a essa regra. Em seu art. 3º estabeleceu que o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas em seus incisos, que indicam o local em que será devido o imposto.

Na determinação de qual seja o Município competente para a cobrança do ISS é de grande importância sabermos o que se deve entender por “estabelecimento prestador do serviço”.

Para esse fim, considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevante para caracterizá-lo as denominações – sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato, ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas (Lei Complementar 116/2003, art. 4º).

É de suma importância, portanto, sobretudo num sistema tributário tão complexo como o do País, a partir da análise de casos comumente submetidos à análise dos Tribunais, fornecer subsídios para que a comunidade jurídica possa superar o clima de instabilidade e insegurança que paira sobre a sujeição ativa do ISSQN.

2. OS CONFLITOS DE COMPETÊNCIA ENVOLVENDO A INCIDÊNCIA DO ISSQN

2.1 O ISSQN DEVIDO SOBRE O SERVIÇO DE ADVOCACIA

Como visto, os conflitos de competência sobre a incidência do ISSQN surgem quando a prestação do serviço envolver mais de um Município, o que não é raro de acontecer em se tratando da prestação do serviço de advocacia. Partindo-se da premissa de que a advocacia não engloba apenas a atuação física dos advogados no juízo em que o escritório estiver estabelecido, não se pode deixar de considerar que muitas vezes são movimentados processos em outras comarcas, conforme autoriza o próprio Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94).

Tal circunstância, por si só, não desnatura a competência do município do estabelecimento prestador para a instituição e cobrança do tributo.

Conquanto o prestador movimente processos em municípios distintos, ainda assim consideram-se prestados os serviços de advocacia no local em que estiver estabelecido, tanto de acordo com o art. 12. do Decreto-Lei n. 406/68, como, de uma forma geral, com o art. 3º da Lei Complementar n. 116/03, isto se não restar evidenciada, é claro, a existência de estabelecimento/unidade autônoma em local distinto (e não o mero deslocamento de recursos humanos).

Tal conclusão decorre do posicionamento firmado a partir do julgamento do REsp 1.060.210/SC e foi respaldada por recentes decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul (Apelação Cível n. 70058744400, Vigésima Primeira Câmara Cível, rel. Des. Almir Porto da Rocha Filho, j. em 09/04/2014) e também de Santa Catarina (Apelação Cível n. 2011.101997-0, Primeira Câmara de Direito Público, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. em 09/09/2014).

2.2 O ISSQN DEVIDO SOBRE ARRENDAMENTO MERCANTIL

A conclusão não pode ser diferente para os casos envolvendo o ISSQN devido sobre o serviço de arrendamento mercantil, o próprio plano de fundo para a mudança de paradigma na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Quanto aos fatos geradores ocorridos sob a vigência do Decreto-Lei n. 406/68 não há mais qualquer margem para dúvida: a competência é do município do estabelecimento prestador.

Porém, sob a égide da Lei Complementar n. 116/03, não é demasiado pontuar que o ente tributante é aquele do local em que o serviço é efetivamente prestado, assim considerado o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento: o núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo.

O Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do REsp 1.060.210/SC, esclarece o posicionamento:

As grandes empresas de crédito do País estão sediadas ordinariamente em grandes centros financeiros de notável dinamismo, onde centralizam os poderes decisórios e estipulam as cláusulas contratuais e operacionais para todas suas agências e dependências. Fazem a análise do crédito e elaboram o contrato, além de providenciarem a aprovação do financiamento e a consequente liberação do valor financeiro para a aquisição do objeto arrendado, núcleo da operação. Pode-se afirmar que é no local onde se toma essa decisão que se realiza, se completa, que se perfectibiliza o negócio. Após a vigência da LC 116.2003, assim, é neste local que ocorre a efetiva prestação do serviço para fins de delimitação do sujeito ativo apto a exigir ISS sobre operações de arrendamento mercantil. [grifou-se]

Assim, o município tributante deve comprovar, ao tempo da prestação do serviço de arrendamento mercantil, a existência de unidade econômica da empresa arrendadora em seu território.

Denota-se, do teor do acórdão proferido no REsp n. 1.060.210/SC, que o posicionamento firmado no recurso repetitivo representativo da controvérsia levou em consideração o aspecto de que, mesmo que haja no município um complexo organizado tendente à assinatura de contratos e formalização de propostas, estes são procedimentos meramente acessórios à prestação do serviço, sendo, por isso, dispensáveis no que diz respeito à fixação da competência tributária:

[...] 9. O tomador do serviço ao dirigir-se à concessionária de veículos não vai comprar o carro, mas apenas indicar à arrendadora o bem a ser adquirido e posteriormente a ele disponibilizado. Assim, a entrega de documentos, a formalização da proposta e mesmo a entrega do bem são procedimentos acessórios, preliminares, auxiliares ou consectários do serviço cujo núcleo – fato gerador do tributo – é a decisão sobre a concessão, aprovação e liberação do financiamento. [grifou-se]

Nesse sentido: EDcl no REsp 1.490.006/SC, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 12/02/2015, DJe 20/02/2015; AgRg no REsp 1.021.108/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 18/09/2014, DJe 09/10/2014; AgRg no REsp 1.334.305/SC, rel. Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. em 27/03/2014, DJe 22/04/2014; dentre outros precedentes.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para que não se pretenda conceber normatizado aquilo que não foi, foi acertada a posição do Superior Tribunal de Justiça ao rever sua posição histórica quando do julgamento do REsp 1.060.210/SC, privilegiando, assim, o postulado da legalidade.

De acordo com este novo entendimento, para as discussões envolvendo fatos geradores ocorridos sob a vigência do Decreto-Lei n. 406/1968, a solução de controvérsia sobre a competência para instituir e cobrar o ISS não requer análise mai apurada, pois exige apenas a identificação do local onde situado o estabelecimento prestador.

A dificuldade surge, no entanto, para os casos em que os fatos geradores ocorreram já sob a égide da Lei Complementar n. 116/2003, período em que a identificação do município competente para instituir e cobrar o ISS imprescinde que se descubra e identifique o local da ocorrência do fato gerador.

Vale dizer, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado – e não um singelo depósito de materiais ou a existência de um imóvel –, ali deverá ser recolhido o tributo.

Melhor dizendo, inexistindo "unidade econômica ou profissional" da empresa no local onde eventualmente os funcionários se deslocam para a prestação de determinado serviço – v.g., serviços de manutenção de elevadores, limpeza e vigilância, etc. –, sobeja indevida, de acordo com a regra geral estabelecida pelo caput do art. 3º da Lei Complementar n. 116/2003, a cobrança do tributo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.117.121/SP. Primeira Seção. Rel. Min. Eliana Calmon. Sessão de 14/10/2009, DJe 29/10/2009.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.060.210/SC. Primeira Seção. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Sessão de 28/11/2012, DJe 05/03/2013.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.211.219/SP. Segunda Turma. Rel. Min. Og Fernandes. Sessão de 24/04/2014, DJe 20/05/2014.

BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. São Paulo: Saraiva, 2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário.19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

LOBO TORRES, Ricardo. Curso de direito financeiro e tributário. 16ª ed. Rio de Ja-neiro: Renovar, 2009, páginas 77 a 83 e 91 a 98. Material da 4ª aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário: princípios e imunidades, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – REDE LFG.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

MELO, José Eduardo Soares. Incidência do ISS no local do estabelecimento prestador. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Org. O ISS e a LC 116. São Paulo: Dialética, 2003

PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4ª ed. rev. atual. e ampl.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.

SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de direito tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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Sobre o autor
João Clemente Wuerges

Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduando em Direito Tributário pela rede LFG/Universidade Anhanguera.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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