Reflexões sobre a cooperação jurídica internacional: o auxílio direito e a carta rogatória

20/08/2015 às 18:10
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São analisadas as inovações na cooperação jurídica internacional.

Resumo: São analisados os dispositivos do novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, sobre a cooperação jurídica internacional, as inovações surgidas e os trâmites do auxílio direito e da carta rogatória.

Palavras – chave: Novo Código de Processo Civil. Cooperação jurídica internacional. Auxílio direito. Carta rogatória. Homologação de sentença estrangeira.

Sumário: 1. Introdução. 2. Disposições gerais sobre a cooperação jurídica internacional. 3. Auxílio direito. 4. Carta rogatória. 5. Trâmites do pedido de cooperação jurídica internacional. 6. Conclusão. 7. Referências

 1. Introdução

A cooperação jurídica internacional tem um capítulo próprio no Código de Processo Civil de 2015, o capítulo II, do título II, do livro II, artigos 26 a 41, que tratam dos requisitos gerais da cooperação, do auxílio direito, e da carta rogatória. Além disto, a homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur à carta rogatória têm um capítulo próprio (II) no livro III, no título I, que abrange os artigos 960 a 965.

A importância do tema se deve ao aumento das relações comerciais exercidas entre os países, que passam a necessitar de instrumentos ágeis de cooperação jurídica internacional para que o intercâmbio entre as justiças se torne menos morosa e onerosa para as partes.

Antes do CPC/2015, tratados internacionais já dispunham sobre alguns mecanismos de cooperação internacional, no intuito de agilizar o cumprimento de tutelas provisórias, o pagamento de prestações alimentícias, a restituição de crianças ao seu país de residência habitual, o benefício da gratuidade de justiça e outros.

No presente texto trataremos dos requisitos gerais da cooperação jurídica internacional e de seus mecanismos como o auxílio direito e a carta rogatória. No tocante a homologação de sentença estrangeira e a concessão do exequatur a carta rogatória serão feitas apenas referências sem uma análise mais profunda dos artigos que tratam dos institutos.

2. Disposições gerais sobre a cooperação jurídica internacional

A cooperação jurídica internacional é o mecanismo por meio do qual um Estado solicita a outro Estado a realização de medidas administrativas ou judiciais para fins de instrução processual ou de execução de decisões proferidas em causas ajuizadas na Justiça requerente. Deste modo, para que a Justiça de um Estado possa atingir determinada pessoa ou seus bens quando localizados em território estrangeiro, deve ser realizada a cooperação jurídica internacional em respeito a soberania dos demais Estados.

Nos termos do artigo 26 do novo CPC (Lei nº 13.105/2015) a cooperação jurídica internacional será regida por tratado internacional de que o Brasil seja parte signatária e observará: o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente; a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se a assistência judiciária aos necessitados; a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente; a existência de autoridade central para a recepção e a transmissão dos pedidos de cooperação, sendo o Ministério da Justiça o órgão que exercerá as referidas funções na ausência de designação específica; a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras. Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática. Não se exigirá a reciprocidade para a homologação de sentença estrangeira.

Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro. Não se admite a ofensa a soberania nacional e a ordem pública.

Serão recusados os pedidos de cooperação jurídica internacional, feitos ao Brasil, quando configurarem ofensa à ordem pública (art. 39 do CPC/2015).

Os instrumentos para a efetivação da cooperação jurídica internacional na jurisdição civil são a homologação da sentença estrangeira, as cartas rogatórias e o auxílio direto.

Quando o Estado brasileiro solicita a cooperação de outro Estado diz-se que a cooperação é ativa. Caso contrário, quando um Estado solicita a cooperação do Brasil diz-se que a cooperação é passiva.

Na existência de acordo formal, tratado, concluído entre pessoas jurídicas de direito internacional público para produzir efeitos entre as partes relativamente à cooperação jurídica internacional, este deve ser observado quanto a admissibilidade, requisitos e procedimentos para dar cumprimento aos instrumentos de cooperação.

 Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá se realizar com base na reciprocidade, manifestada por via diplomática, que gera um compromisso para o Estado por constituir uma promessa que não se sujeita a aprovação do Congresso Nacional. Como dito anteriormente, não se aplica a reciprocidade para a homologação de sentença estrangeira.

O princípio da reciprocidade já tinha aplicação principalmente na cooperação jurídica internacional em matéria penal, como pode se notar da ementa do seguinte julgado proferido no Agravo Regimental na Carta Rogatória nº 6692: “Não sendo hipótese de ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou de inobservância dos requisitos da Resolução n. 9/2005, cabe apenas a este e. Superior Tribunal de Justiça emitir juízo meramente delibatório acerca da concessão do exequatur nas cartas rogatórias, sendo competência da Justiça rogante a análise de eventuais alegações relacionadas ao mérito da causa. II - Além dos tratados e acordos bilaterais entre o Brasil e os demais países, a garantia de aplicação do princípio da reciprocidade é também fundamento da cooperação jurídica internacional” (STJ, Corte Especial, Min. Félix Fischer, DJe 24/10/2012).

Na cooperação jurídica internacional devem ser observados os princípios do devido processo legal, da publicidade, da igualdade entre as partes, do acesso à justiça com a assistência judiciária aos necessitados, a existência de autoridade central para a recepção e a transmissão dos pedidos de cooperação e a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras. Isto porque os procedimentos da carta rogatória e da ação de homologação de sentença estrangeira são de jurisdição contenciosa.

No Brasil o Ministério da Justiça foi o órgão designado para exercer a função de autoridade central, concentrando neste as atividades de envio e recebimento dos pedidos de cooperação jurídica internacional, analise da efetividade, da celeridade e da lisura da cooperação.

O Brasil é signatário de tratados relativos à cooperação jurídica internacional e também coopera mediante promessa de reciprocidade. Por meio desses instrumentos internacionais, o Brasil não apenas adquire o direito de solicitar cooperação jurídica, mas também se compromete a dar cumprimento aos pedidos vindos desses países.

Dentre os tratados multilaterais que o Brasil é signatário destaca-se a Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro (Decreto nº 56.826, de 02 de setembro de 1965), a Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias (Decreto 1.899, de 9 de maio de 1996), a Convenção Interamericana sobre Prova e Informação acerca do Direito Estrangeiro (Decreto nº 1.925, de 10 de junho de 1996), o Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e do Chile (Decreto nº 6.891, de 2 de julho de 2009), o Protocolo de Medidas Cautelares (Decreto 2.626, de 15 de junho de 1998). Dentre os tratados bilaterais destaca-se a Convenção entre Brasil e a Bélgica sobre Assistência Judiciária Gratuita (Decreto nº 41.908, de 29 de julho de 1957), o Convênio de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha (Decreto nº 166 de 3 de julho de 1991), o Acordo de Cooperação em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa (Decreto no 3.598, de 12 de setembro de 2000), o Tratado Relativo à Cooperação Judiciária e ao Reconhecimento e Execução de Sentenças em Matéria Civil entre a República Federativa do Brasil e a Republica Italiana (Decreto nº 1.476, de 2 de maio de 1995), o Acordo sobre Cooperação Jurídica em Matéria Civil entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Libanesa (Decreto nº 7.934, de 19 de fevereiro de 2013), a Convenção sobre Assistência Judiciária Gratuita entre o Brasil e o Reino dos Países Baixos (Decreto nº 53.923, de 20 de maio de 1964), a Convenção sobre Assistência Judiciária Gratuita com a Argentina (Decreto nº 62.978, de 11 de julho de 1968), o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Argentina (Decreto nº 1.560, de  18 de julho de 1995), o Acordo de Cooperação Judiciária em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Oriental do Uruguai (Decreto nº 1.850, de 10 de abril de 1996), o Tratado sobre Auxílio Judicial em Matéria Civil e Comercial entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China (Decreto nº 8.430, de 09 de Abril de 2015).

Os demais acordos internacionais sobre cooperação jurídica internacional podem ser obtidos no endereço eletrônico do Ministério da Justiça.

A cooperação jurídica internacional se aplica aos pedidos vindos e feitos pelo Poder Judiciário e pelo Juízo Arbitral, conforme dispõe o artigo 34 da Lei nº 9.307/96. Na ausência de tratado dispondo sobre a cooperação em matéria arbitral a sentença arbitral estrangeira, para ser reconhecida ou executada no Brasil, deve ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 35 da Lei nº 9.307/96), seguindo o procedimento do artigo 960 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015.

O CPC/2015 enumera os tipos de pedidos que podem ser formulados via cooperação jurídica internacional. São os atos de comunicação processual, como a citação, a intimação e a notificação judicial e extrajudicial; obtenção de provas e informações, como a oitiva de testemunhas; homologação e cumprimento de decisão estrangeira; efetividade das tutelas de urgência; a assistência jurídica internacional, bem como qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro (art. 27).

Os tratados internacionais podem contemplar outros objetos para a cooperação jurídica internacional, como o pagamento de prestações alimentícias e a restituição de crianças ao seu país de residência habitual.

Os atos de comunicação processual e de produção de provas são solicitados via carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira ocorre por meio de ação judicial (art. 960 do CPC). As decisões interlocutórias, como as concessivas de tutela de urgência podem ter efetividade no Brasil via carta rogatória, bem como o benefício da gratuidade de justiça.

O artigo 27, no inciso VI, amplia o objeto da cooperação jurídica internacional ao dispor sobre qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira, deixando a matéria afeta aos tratados internacionais. De qualquer forma, os atos que representem ofensa a soberania nacional e à ordem pública não poderão ser objeto de pedido de cooperação (art. 39 do CPC).

Deste modo, a enumeração do artigo 27 não é exaustiva visto que os Estados podem estipular outros mecanismos de cooperação internacional mediante a conclusão de tratados.

3. Auxílio direto

Conforme dispõe o artigo 28 do CPC/2015 cabe o auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil.

O auxílio direto consiste num pedido que, por sua natureza administrativa ou pelo fato de buscar uma decisão judicial brasileira relativa a litígio em curso em outro Estado, não necessita do juízo de delibação do Superior Tribunal de Justiça.

Nesse último caso, não se trata de reconhecimento e execução de uma decisão estrangeira no Brasil, mas da obtenção de uma decisão judicial proferida por juiz brasileiro. É utilizado mediante previsão em tratado ou por compromisso de reciprocidade e usado apenas na cooperação desenvolvida entre autoridades centrais.

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O auxílio direto se diferencia dos demais mecanismos de cooperação jurídica internacional porque nele as autoridades brasileiras não proferem exequatur nem homologam ato jurisdicional estrangeiro. É a cooperação efetuada entre autoridades centrais de países signatários de tratados internacionais com previsão para essa forma de cooperação jurídica internacional.

Deste modo, uma solicitação revestida sob a denominação de carta rogatória que não pede providência que requeira o exequatur do Superior Tribunal de Justiça configura uma solicitação de auxílio direto. Nesses casos, cabe à autoridade central identificar a natureza do pedido, procedendo a seu devido encaminhamento como auxílio direto.

O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça dispõe que os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo deliberatório do Tribunal, ainda que denominados de carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento por auxílio direto (art. 216-O, § 2º).

Essa modalidade de cooperação por ser menos burocrática torna-se menos morosa para as partes do que os procedimentos de cooperação tradicional.

A solicitação de auxílio direto será encaminhada pelo órgão estrangeiro interessado à autoridade central, cabendo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido (art. 29 do CPC/2015).

Ao receber o pedido de cooperação proveniente do Estado requerente, o Ministério da Justiça analisa a documentação para saber se todos os requisitos formais estão preenchidos. Caso não estejam, o Ministério da Justiça encaminha a informação a respeito da inadequação do pedido de cooperação à autoridade central do Estado requerente, para que instrua o pedido com a documentação necessária. Assim que cumprido o pedido de cooperação, o Ministério da Justiça envia a resposta à autoridade central do Estado requerente.

Pode ser objeto de pedido de auxílio direto uma ampla gama de medidas que varia desde a comunicação de atos processuais, a obtenção de provas, a prolação de decisões em tutela de urgência até a restituição de crianças ao seu país de residência.

O artigo 30 do CPC/2015 dispõe que além dos casos previstos em tratados internacionais de que o Brasil seja parte signatária, o auxílio direto terá os seguintes objetos: a obtenção e a prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso; a colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira; e qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Como dito anteriormente o auxílio direto se diferencia dos demais mecanismos de cooperação jurídica internacional porque nele as autoridades brasileiras não proferem exequatur nem homologam ato jurisdicional estrangeiro. É a cooperação efetuada entre autoridades centrais de países signatários de tratados internacionais com previsão para essa modalidade de cooperação internacional. Deste modo, a autoridade central brasileira comunica-se diretamente com as autoridades centrais estrangeiras, sem necessidade de passar pela via diplomática e pelo Poder Judiciário (art. 31 do CPC/2015).

Se o pedido de auxílio direito tratar de cooperação de natureza administrativa, havendo um órgão administrativo competente diverso da autoridade central para o atendimento do pedido de auxílio, o pedido é enviado a este pelo Ministério da Justiça, para cumprimento. Não havendo um órgão administrativo competente diverso da autoridade central, esse é cumprido pela própria autoridade central. Em qualquer dessas hipóteses, assim que executado o pedido de cooperação, o Ministério da Justiça envia sua resposta à autoridade central do Estado requerente.

É o que dispõe o artigo 32 do CPC/2015: “no caso de auxílio direto para a prática de atos que, segundo a lei brasileira, não necessitem de prestação jurisdicional, a autoridade central adotará as providências necessárias para seu cumprimento”.

Se o pedido de auxílio direto envolver cooperação judicial, o Ministério da Justiça fará o encaminhamento da documentação que instrui o pedido à Advocacia-Geral da União (AGU), a quem incumbe representar a União Federal em juízo, para buscar a obtenção da necessária decisão judicial junto a Justiça Federal do juízo em que deva ser executada a medida objeto do pedido de auxílio direto. Recebida a informação referente ao cumprimento do pedido de cooperação, o Ministério da Justiça encaminha a resposta à autoridade central do Estado requerente.

Como o auxílio direito é uma forma de cooperação jurídica internacional efetuada entre autoridades centrais autorizada em tratado internacional, a União Federal é parte interessada na obtenção da medida judicial objeto do pedido de auxílio direito, razão pela qual a pretensão deve ser ajuizada na Justiça Federal (art. 109, I, da CF).

O foro escolhido pelo legislador foi o do local onde deve ser executada a medida pleiteada no auxílio direito (art. 34 do CPC/2015).

4. Carta Rogatória

A carta rogatória é um dos instrumentos por meio do qual se formaliza a cooperação internacional, consistindo numa solicitação feita por um órgão jurisdicional de um Estado Soberano ao outro para a prática de determinado ato processual. A solicitação pode vir do Poder Judiciário Estrangeiro ou do Juízo Arbitral Estrangeiro.

O artigo 36 do CPC/2015 trata das cartas rogatórias enviadas por órgão jurisdicional estrangeiro a órgão jurisdicional nacional, dispondo que o procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal.

A defesa na carta rogatória deve se restringir à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil. Em qualquer hipótese, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira.

A solicitação contida na carta rogatória deve ser referente à prática de atos de comunicação ou instrução processual, como a citação da parte domiciliada no Brasil e a produção de provas como, por exemplo, a oitiva de testemunhas. Quanto se tratar de resolução judicial deve-se proceder a sua homologação para que possa produzir efeitos no território nacional.

Como tratado nos artigos 21 a 25 do CPC/2015 o exercício da jurisdição pelo magistrado brasileiro é limitado ao território nacional, sendo vedado ao poder jurisdicional extrapolar as fronteiras do país.

Conforme ensina CÃNDIDO RANGEL DINAMARCO “a rogatória, que vai de um país a outro, é um rogo, ou pedido respeitoso, como convém no trato com soberanias estrangeiras. Todas elas contêm solicitações de cooperação jurisdicional mediante a realização dos atos que indicam, sempre segundo a lei e conforme permitam as relações nacionais ou internacionais” (Instituições de direito processual civil, volume II, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 514).

O Supremo Tribunal Federal (antes da EC nº 45/2004) havia consolidado o entendimento de que a prática de atos de caráter executório para a efetivação da decisão judicial estrangeira dependia da prévia homologação da sentença para que pudesse produzir efeitos no território nacional, salvo quando houvesse instrumento de cooperação internacional firmado pelo Brasil autorizando o cumprimento das rogatórias executórias. É o caso de efetivação das medidas cautelares deferidas pela justiça estrangeira. (Informativo do STF nº 109 - Carta Rogatória 8.279 – República Argentina).

No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça ao adotar o entendimento de que cabe a ele apenas emitir juízo meramente deliberatório acerca da concessão do exequatur nas cartas rogatórias, sendo competência da Justiça rogante a análise de questões relacionadas ao mérito da causa. A simples notificação acerca da prolação de sentença estrangeira não tem natureza executória, não ofendendo a ordem pública ou a soberania nacional (Corte Especial,  AgRg na CR nº 7858 EX 2013/0074820-7, Ministro Félix Fischer, DJe 14/08/2014). Do mesmo modo, a simples citação não tem natureza executória nem ofende a ordem pública ou a soberania nacional, destinando-se a dar conhecimento da ação em curso e permitir a defesa das partes interessadas (Corte Especial,  AgRg na CR 3560, Min. Presidente, DJe 12/08/2010 e Corte Especial, AgRg na CR 3720, Min. João Otávio de Noronha, DJe 17/12/2009).

O artigo 40 do CPC/2015 inova ao dispor que “a cooperação jurídica internacional para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, de acordo com o art. 960”.

A sentença proferida por juiz estrangeiro precisa ser homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i da CF e art. 961 do CPC) para que possa produzir os seus efeitos no território nacional.

O procedimento da homologação da sentença estrangeira está previsto nos artigos 960 a 965 deste Código, e será requerida por ação de homologação de sentença estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado. A decisão interlocutória estrangeira (como a tutela liminar) poderá ser executada no Brasil por meio de carta rogatória, se houver previsão em tratado (art. 960, § 1º e art. 962, § 1º do CPC/2015).

Haverá homologação de decisão estrangeira para fins de execução fiscal quando prevista em tratado ou em promessa de reciprocidade apresentada à autoridade brasileira (art. 961, § 4º do CPC/2015).

O Protocolo de Medidas Cautelares realizado pelo Conselho do Mercado Comum – MERCOSUL (com natureza de tratado internacional), concluído em Ouro Preto/MG, com o objetivo de regulamentar o cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a irreparabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e obrigações de dar e de fazer ou não fazer, foi aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 192/95, ratificado por instrumento de ratificação depositado em 18/03/97 e promulgado por Decreto Presidencial de nº 2.626/98, sendo incorporado ao direito interno brasileiro. Deste modo, para os Países que o ratificaram, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, é cabível a concessão de exequatur para as cartas rogatórias de nítido caráter executório.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 introduziu a alínea i ao inciso I do artigo 105 da Constituição Federal de 88 para determinar a competência originária do Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar a homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur às cartas rogatórias. Antes da alteração do texto constitucional a competência para conceder o exequatur às cartas rogatórias era do Supremo Tribunal Federal, conforme dispunha a revogada alínea h do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal.

A concessão do exequatur a carta rogatória está disciplinada nos artigos 960 a 965 do CPC/2015 e no regimento interno do Superior Tribunal de Justiça.

Nos termos do regimento interno do Superior Tribunal de Justiça (art. 216-O) é atribuição do Presidente do Tribunal conceder o exequatur às cartas rogatórias. Inicialmente a Resolução nº 9, de 04 de maio de 2005, editada pelo STJ é que dispunha sobre a nova atribuição conferida pela EC nº 45/2004. Atualmente o Regimento Interno do STJ dispõe sobre o procedimento de concessão de exequatur às cartas rogatórias nos artigos 216-O a 216-X (incluídos pela Emenda Regimental nº 18/2014). A referida norma interna dispõe que as cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios ou não decisórios e os pedidos de cooperação jurídica internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento por auxílio direto.

O procedimento da carta rogatória é de jurisdição contenciosa e deste modo está sujeito a todos os princípios norteadores do processo civil, principalmente o do devido processo legal. Entretanto, a defesa deve se restringir à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil.

Nos termos do artigo 216-Q a parte interessada será intimada para, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnar a carta rogatória. A medida solicitada por carta rogatória poderá ser realizada sem ouvir a parte interessada quando sua intimação prévia puder resultar na ineficácia da cooperação jurídica internacional.

Na carta rogatória, a defesa somente poderá versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos procedimentais. Havendo impugnação às cartas rogatórias decisórias, o processo poderá, por determinação do Presidente, ser distribuído para julgamento pela Corte Especial. Das decisões do Presidente na homologação de sentença estrangeira e nas cartas rogatórias cabe agravo.

O Superior Tribunal de Justiça no Agravo Regimental na Carta Rogatória nº 6529 decidiu que “não sendo hipótese de ofensa à soberania nacional, à ordem pública ou de inobservância dos requisitos da Resolução n. 9/2005, cabe apenas a este e. Superior Tribunal de Justiça emitir juízo meramente delibatório acerca da concessão do exequatur nas cartas rogatórias. A tramitação da comissão pela autoridade central brasileira assegura a autenticidade dos documentos e dispensa a tradução juramentada no Brasil” (Corte Especial, Min. Félix Fischer, DJe 26/10/2012).

Não será concedido exequatur à carta rogatória que ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública.

Ordem pública é um conceito aberto que varia no tempo e no espaço, sendo tarefa do judiciário a sua aplicação aos casos concretos. Entretanto, o termo “ordem pública” abarca necessariamente o respeito aos fundamentos, objetivos e princípios da República Federativa do Brasil (arts. 1º, 2º, 3º e 4º da CF), aos direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivos (art. 5º da CF), aos direitos sociais (arts. 6º a 12 da CF), e demais valores dominantes na ordem jurídica brasileira.

O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência consolidada no sentido de que não será concedido o exequatur as cartas rogatórias quando o pedido formulado configurar ofensa a soberania nacional e a ordem pública. O artigo 216-P do regimento interno do STJ dispõe que não será concedido exequatur à carta rogatória que ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública.

Do mesmo modo, não será homologada a decisão estrangeira que configurar ofensa a ordem pública (inciso VI, do art. 963 do CPC). O artigo 216-F do regimento interno do STJ vai além e dispõe que não será homologada a sentença estrangeira que ofender a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e/ou a ordem pública.

Após a concessão do exequatur, a carta rogatória será remetida ao Juízo competente para cumprimento. Das decisões proferidas pelo Juiz competente no cumprimento da carta rogatória caberão embargos, que poderão ser opostos pela parte interessada ou pelo Ministério Público Federal, no prazo de dez dias. Os embargos poderão versar sobre qualquer ato referente ao cumprimento da carta rogatória, exceto sobre a própria concessão da medida ou o seu mérito. Da decisão que julgar os embargos cabe agravo.

Cumprida a carta rogatória ou verificada a impossibilidade de seu cumprimento, será devolvida ao Presidente do STJ, no prazo de 10 (dez) dias, e por este remetida, em igual prazo, por meio do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações Exteriores, à autoridade judiciária de origem (art. 216-X do Regimento Interno do STJ).

5. Trâmite do pedido de cooperação jurídica internacional

A cooperação jurídica internacional se realiza por via diplomática ou Autoridades Centrais, indicadas em acordos internacionais.

A autoridade brasileira requerente deverá formular o pedido de cooperação e encaminhá-lo para o Ministério da Justiça, que, por sua vez, o transmitirá para a Autoridade Central do Estado requerido (art. 37 do CPC/2015).

A autoridade central, no caso do Brasil o Ministério da Justiça, é o órgão responsável pela correta condução da cooperação jurídica internacional, cabendo-lhe, o recebimento e a transmissão dos pedidos de cooperação, bem como a análise e a adequação das solicitações no tocante aos requisitos da legislação estrangeira e aos tratados.

As informações que devem constar no pedido de cooperação variam de acordo com as leis do Estado requerido, com o tratado que o fundamenta e com a medida solicitada. Contudo, deve ser fornecido o resumo da causa em que se baseia o pedido, com elementos que identifiquem o juízo perante o qual tramita o processo; a descrição da medida de cooperação solicitada; se a parte interessada é beneficiária de justiça gratuita (acompanhada da decisão que lhe concede o benefício) ou a indicação do responsável pelo pagamento de custas processuais no Estado Requerido e residente naquele outro país, salvo se tratado dispensar tal requisito. O artigo 260 do CPC/2015 dispõe sobre os requisitos da carta rogatória, como a indicação dos juízes de origem e de cumprimento do ato; o inteiro teor da petição, do despacho judicial e do instrumento do mandato conferido ao advogado; a menção do ato processual que lhe constitui o objeto; o encerramento com a assinatura do juiz.

O trâmite da carta rogatória será o seguinte: deverá ser remetida ao Ministério da Justiça (autoridade central brasileira), pelo juízo competente ou pela parte. Recebida pelo Ministério, este deverá proceder à análise da solicitação para verificar se estão preenchidos os requisitos necessários para o encaminhamento à autoridade central do Estado requerido, caso exista acordo internacional, ou ao Ministério das Relações Exteriores, para que a encaminhe, via diplomática, ao Estado destinatário. A carta rogatória que não preencher os requisitos necessários será devolvida ao juízo requerente, para que sejam preenchidas todas as formalidades indispensáveis ao seu cumprimento no Estado destinatário.

O processo referente à carta rogatória instaurado no Ministério da Justiça fica no aguardo do retorno da carta, cumprida ou não, via autoridade central ou via diplomática. Em qualquer hipótese procede-se a sua devolução ao juízo requerente.

As cartas rogatórias oriundas das Justiças estrangeiras são recebidas pelo Ministério da Justiça que efetua a análise da documentação para verificar se todos os requisitos formais determinados pelo acordo internacional estão presentes, e posteriormente as encaminha ao Superior Tribunal de Justiça, ou por via diplomática, no Ministério das Relações Exteriores, que as transmite ao Ministério da Justiça para posterior encaminhamento ao Superior Tribunal de Justiça, para a concessão ou denegação do exequatur.

No auxílio direto o pedido de cooperação proveniente do Estado requerente é recebido pelo Ministério da Justiça que analisa a documentação para saber se todos os requisitos formais estão preenchidos.

Os documentos que instruem os pedidos de cooperação jurídica internacional serão redigidos no idioma do Estado requerente com tradução para o idioma do Estado requerido, devidamente certificada por intérprete juramentado (art. 38 do CPC/2015).

No Brasil o Decreto nº 13.609, de 21 de outubro de 1943, regulamenta o ofício de tradutor público e de intérprete comercial, dispondo no artigo 18 que nenhum livro, documento ou papel de qualquer natureza escrito em idioma estrangeiro, produzirá efeito em repartições da União, dos Estados e dos municípios, em qualquer instância, Juízo ou Tribunal ou entidades mantidas, fiscalizadas ou orientadas pelos poderes públicos, sem ser acompanhado da respectiva tradução, abarcando, também, os serventuários de notas e os cartórios de registro de títulos e documentos que não poderão efetuar registro, passar certidões ou públicas-formas de documento no todo ou em parte redigido em língua estrangeira (art. 130, 6º da Lei nº 6.015/73).

A Instrução Normativa nº 17, de 05 de dezembro de 2012, do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), contem dispositivos acerca dos tradutores públicos e do intérprete comercial. Cada estado brasileiro tem autonomia para definir, através da respectiva Junta Comercial Estadual, os aspectos práticos do ofício de Tradutor Público e Intérprete Comercial, tais como emolumentos, habilitação e fiscalização. Os livros de traduções são registrados na junta comercial onde o tradutor é matriculado.

A legislação brasileira exige que os documentos redigidos em língua estrangeira sejam traduzidos (tradução juramentada) para o idioma nacional para que possam ter validade no território nacional. No caso da tradução juramentada do português para uma língua estrangeira, a aceitação de traduções juramentadas feitas por tradutores públicos e intérpretes comerciais brasileiros é determinada pela legislação do país de destino.

A tradução juramentada é feita a partir de documentos originais, textos eletrônicos, como e-mails, imagens digitalizadas e fax, que devem ser anexados à tradução e o tradutor deve mencionar na tradução a natureza do texto em que se baseou para fazer a tradução (documento original, cópia autenticada, cópia simples, arquivo eletrônico, fax etc.). Uma particularidade da tradução juramentada é que ela deve descrever fielmente o documento original, inclusive carimbos, selos, brasões, escudos, assinaturas e outras marcas não textuais do documento.

Partes do documento podem ser omitidas a pedido do solicitante, contudo, o tradutor deverá citar o motivo da omissão e declarar que a tradução é parcial e ainda citar e brevemente descrever as partes omitidas na tradução.

O Brasil passou a ser signatário da Apostila da Convenção de Haia, por meio do Decreto Legislativo nº 148, de 06 de julho de 2015, que elimina a exigência de legalização diplomática ou consular de documentos públicos estrangeiros dos países signatários da Convenção de Haia de 61 no termo apostila.

O artigo 41 do CPC/2015 considera como autênticos os documentos que tramitam pelas autoridades centrais ou pela via diplomática, dispensando as legalizações e autenticações dos documentos estrangeiros. O intuito é desburocratizar o procedimento de legalização de documentos no exterior, reduzindo o custo do processo para as partes e aumentando a celeridade no andamento processual.

O Brasil passou a ser signatário da Apostila da Convenção de Haia, por meio do Decreto Legislativo nº 148, de 06 de julho de 2015, que adota um método simplificado de legalização de documentos para verificar sua autenticidade no âmbito internacional. A apostila é um certificado de que a assinatura/firma e selo/carimbo de um documento público foram emitidos pela autoridade competente.

O certificado, amplamente utilizado pela comunidade internacional, visa a facilitar transações comerciais e jurídicas, já que consolida num único ato toda a informação necessária para gerar validade a um documento público em outro país signatário da Convenção da Haia de 1961.

6. Conclusão

Pode se verificar que os artigos do CPC/2015 que tratam da cooperação jurídica internacional têm por fim tornar menos burocrático o intercâmbio entre a justiça brasileira e a estrangeira, criando mecanismos de diálogo direito, desde que previstos em tratado internacional, suprimindo exigências custosas como a legalização dos documentos estrangeiros, autorizando a execução das tutelas de urgência proferidas por juiz estrangeiro mediante carta rogatória, e outros.

A observância dos princípios processuais é assegurada na cooperação jurídica internacional, privilegiando-se a razoável duração do processo, o acesso à justiça, o devido processo legal e a igualdade das partes.   

7. Referências

ARAUJO, Nadia de. In: Ministério da Justiça - Secretaria Nacional de Justiça, DRCI. (Org.). Manual de Cooperação Jurídica Internacional e Recuperação de Ativos - matéria penal. 4a ed., 2013, v. 1, pp. 39-50.

BARBOSA JÚNIOR, Márcio Mateus. O novo Código de Processo Civil e o Auxílio Direto: Contexto do Direito Brasileiro Contemporâneo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 90, jul 2011. Disponível em: < http://www.ambito‐juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9943>. Acesso em maio 2015.

BRASIL. Secretaria Nacional de Justiça. Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Manual de cooperação jurídica internacional e recuperação de ativos: cooperação em matéria civil. 4ª ed. Brasília: Ministério da Justiça, 2014.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil II. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

MIRANDA, Pontes. Comentários ao Código de Processo Civil, tomo III: arts. 154 a 281. 4ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 1997.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 22ª ed. Forense: Rio de Janeiro, 2002.

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Sobre o autor
Raphael Funchal Carneiro

Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pós graduado em direito tributário

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