No Brasil é notório o tratamento conferido à honra no ordenamento jurídico. Rosalliny Pinheiro Dantas observa que, modernamente, no Direito brasileiro, amparam a honra tanto a Constituição Federal de 1988 como dispositivos do Pacto de São José da Costa Rica, do Código Civil e do Código Penal.[1]
Conceituada por Andréa Neves Gonzaga Marques, “honra, proveniente do latim honor, indica a própria dignidade de uma pessoa, que vive com honestidade e probidade, pautando seu modo de vida nos ditames da moral”. A mesma autora cita a definição elaborada pelo jurista italiano Adriano de Cupis, que considera que “a honra é a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros (honra objetiva) e no sentimento da própria pessoa (honra subjetiva)”, e acrescenta que “a pessoa jurídica também pode ser objeto de ofensa ao direito à honra, pois poderá ter sua reputação maculada, ainda que esta não possua o sentimento da própria dignidade”.[2]
Paulo Queiroz esclarece que a doutrina distingue honra objetiva de honra subjetiva, a primeira aludindo à imagem (reputação social) que as pessoas fazem do indivíduo, e a segunda representando o conceito que o próprio sujeito tem de si. No entanto, atenta que a lei não estabelece essa distinção e que a honra compreende tanto o sentimento objetivo quanto o subjetivo sobre a dignidade. Ademais, no entendimento do autor, “o que se quer realmente proteger penalmente é a pretensão de respeito à honra, inerente à própria personalidade, razão pela qual a separação resulta artificial e desnecessária”.[3]
Cezar Roberto Bitencourt ratifica o entendimento de que não “parece adequado nem dogmaticamente acertado distinguir honra objetiva e subjetiva, o que não passa de adjetivação limitada, imprecisa e superficial, na medida em que não atinge a essência do bem juridicamente protegido”.[4]
Na esfera constitucional, a Carta Política de 1988 determina, no inciso X do artigo 5º, a inviolabilidade à honra, sob pena de indenização, fruto do dano material ou moral decorrente de sua violação, nos seguintes termos: “[...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.[5]
Nesta perspectiva, José Afonso da Silva declara que “a honra é o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, a reputação”, sendo assim um direito fundamental da pessoa a ser resguardado, de forma a preservar sua dignidade.[6]
O Código Civil de 2002, por outro lado, protege a honra no artigo 20. Segundo Maurício Gonçalves Pereira, em conformidade com o referido artigo, a utilização do direito à imagem não pode ser lesiva à honra, à boa fama ou à respeitabilidade de seu titular, nem se destinar a fins comerciais, com exceção dos casos em que haja consentimento, além daqueles em que haja a necessidade para a administração da justiça ou da manutenção da ordem pública.[7]
Na seara penal, mesmo antes da qualificação dos crimes passionais em 1930, a honra era apontada como justificativa para a absolvição dos culpados. Nesta seara, Mariza Corrêa ensina que “no Brasil, a significação implícita da expressão crime passional, no campo das discussões jurídicas como na publicação pela imprensa ou em sua utilização literária, era da punição da esposa adúltera”.[8] Contudo, Luiza Nagib Eluf elucida que os motivos que levam o criminoso passional a praticar o ato delituoso têm mais a ver com sentimentos de vingança, ódio, rancor, frustração sexual, vaidade ferida, narcisismo maligno, prepotência, egoísmo do que com o verdadeiro sentimento de honra[9], razão pela qual, hodiernamente, o estatuto penal elenca como crimes contra a honra, nos artigos 138 a 140, a calúnia, a injúria e a difamação.
No âmbito dos pretórios pátrios observa-se que, em sede dos direitos do consumidor, na concessão de indenização por danos morais, exige-se comprovação de que a honra ou a dignidade foram de fato atacadas para ensejar condenação reparatória:
RESPONSABILIDADE CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. REMESSA DE MENSAGENS ELETRÔNICAS PUBLICITÁRIAS - SPAM. POSSIBILIDADE DE RECUSA. SITUAÇÃO DE MERO ABORRECIMENTO. AUSENTE COMPROVAÇÃO DE DANOS MORAIS. 1. O autor recorre da decisão que julgou improcedente o pedido para que fosse cessado o envio de emails de publicidade pela demandada, bem como postulou indenização por danos morais. 2. O Código de Defesa do Consumidor em seu inciso III do artigo 39 prevê a vedação de práticas abusivas. Em que pese classificar o autor como prática abusiva o envio de SPAM, diversas são as possibilidades para evitar tal aborrecimento, tais como bloqueio, deletação, recusa, entre outros oriundos da evolução tecnológica. Portanto, em que pese o incômodo, a situação narrada não atingiu a honra ou dignidade do autor a ensejar uma condenação reparatória. Nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do REsp 844.736/DF, bem como as Turmas Recursais no Recurso Inominado 71005499876. 3. Ainda, conforme disposto no artigo 927, caput, do Código Civil, necessária a comprovação do dano para que surja o dever de indenizar, o que não ocorreu no caso. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO IMPROVIDO.[10]
Na esfera penal, por outro lado, a injúria preconceituosa ofende a honra subjetiva da vítima, no entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DEFENSIVO. VIAS DE FATO E INJÚRIA PRECONCEITUOSA. OFENSA RACIAL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVA OU ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA, EM RELAÇÃO À CONTRAVENÇÃO DE VIAS DE FATO. Como regra, o princípio da insignificância não se aplica aos delitos cometidos mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa, em que o desvalor da conduta se faz sempre presente justo em razão dessa elementar, ainda que se trate de mera contravenção. Caso em que o réu é acusado de agredir o ofendido, idoso, com uma pedrada, o que não pode ser considerado crime de bagatela. Prova suficiente para a condenação nos moldes proclamados pela sentença. Relato do ofendido amparado pela prova coligida aos autos, sendo merecedora de crédito. Perfeita tipificação legal quanto à injúria preconceituosa, pois comprovada a intenção do acusado em ofender a honra subjetiva do ofendido, utilizando elemento racial em caráter pejorativo. Penas aplicadas de modo parcimonioso na sentença, não merecendo reparos. RECURSO DESPROVIDO.[11]
Encerrando esta breve dissertação, resta ressaltar, ainda, que o tratamento conferido à honra no meio jurídico é muito amplo, limitamo-nos, aqui, a modestos comentários do ordenamento pátrio e sua interpretação pelo Tribunal de Justiça Gaúcho.
Destaca-se, assim, que ainda há muitos outros enfoques de análise da honra no meio jurídico.
Notas
[1] DANTAS, Roselliny Pinheiro. A honra como objeto de proteção jurídica. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. XV, n. 96, jan. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php? n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11017>. Acesso em: 13 jul. 2015.
[2] MARQUES, Andréa Neves Gonzaga. Direito à honra. Publicado em: 5 abr. 2010. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2010/direito-a-honra-andrea-neves-gonzaga-marques>. Acesso em: 15 jul. 2015.
[3] QUEIROZ, Paulo. Honra objetiva e subjetiva? Publicado em: 5 dez. 2012. Disponível em: <http://pauloqueiroz.net/honra-objetiva-e-subjetiva/>. Acesso em: 15 jul. 2015.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 281. v. 2.
[5] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 5 out. 1988.
[6] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 209.
[7] PEREIRA, Maurício Gonçalves. Direito à honra e a (in)justiça das indenizações por danos morais. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 19., Fortaleza, 2010. Anais... Fortaleza, CE: Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito, 2010, p. 2980-2992.
[8] CORRÊA, Mariza. Os crimes da paixão. São Paulo: Brasiliense, 1981, p. 18.
[9] ELUF, Luiza Nagib. A paixão no banco dos réus. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 164.
[10] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Recurso Cível n. 71005429451, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em: 21 jul. 2015.
[11] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Crime n. 70062317102, Terceira Câmara Criminal, Relator: João Batista Marques Tovo, Julgado em: 2 jul. 2015.