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Regime da unimilitância nas "cooperativas" Unimed

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25/10/2003 às 00:00
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6. Trabalho subordinado:

Sob outro enfoque a unimilitância, excedendo a limitação constante do § 4º do artigo 29 da lei nº 5.764/71, substituiu o trabalho autônomo pelo trabalho controlado e fiscalizado, pois a cooperativa assume a primacia sobre o relacionamento médico/paciente mesmo porque não existe prestação de serviços da cooperativa aos sócios, mas dos sócios à cooperativa que, inclusive, os paga a valor estipulado por ela ‘ad nutum’, em clara equiparação aos empregadores em geral no que ficam atropelados os artigos 4º e 7º da lei de regência; realmente, tal pagamento, em não sendo ‘pro labore’ dos cooperados, este restrito aos dirigentes (Lei nº 5.764/71, art. 47), nem participação dos sócios pelo capital investido - pelo menos não deverá - (Lei nº 5.764/71, art. 24 § 3º) porém remuneração de trabalho, põe em evidência o caráter salarial, presente como está a exploração econômica dos serviços.

" 5. A relação jurídica do serviço é firmada entre, no caso, o médico e a Cooperativa. Esta supervisiona, controla e remunera os serviços prestados pelo profissional " (STJ – 1ª T - RERSP 299388/SC - 2001/0003080-7). "A Unimed, por outro lado, não pode ser considerada apenas uma cooperativa de serviços médicos, pois constitui-se em operadora de planos de saúde que cobre, além dos honorários médicos, despesas hospitalares, de diagnóstico e tratamento, incluindo o trabalho de outros profissionais " (CREMERSP - Consulta nº 3.225/99-CFM (03/00) - 10.11.1999).

Como está claro o trabalho médico se desenvolve em nome e por conta da cooperativa vez que diretamente relacionado com a atividade econômica desta quando, ao contrário, o trabalho autônomo deveria desenvolver-se em nome e por conta própria do médico. Em tema de direito cooperativo, como já assinalado, é essencial o surgimento de relações jurídicas bilaterais entre a sociedade e os sócios tais que, sendo como o são dois centros de atividade e de imputação jurídica com vida separada, dois sujeitos de direito diferenciados, as relações entre os sócios e terceiros não afetam a sociedade mormente quando diversa a natureza do objeto não constituindo óbice sequer a eventual afinidade ou mesmo correlação; mas, em contrário, surpreendentemente, aqui o mesmo Consultor Jurídico da Aliança Unimed opina no sentido de que há na cooperativa: "agregação da atividade individual de cada um, sua organização e formação de um produto que é usufruído diretamente pelos usuários ou consumidores, sem qualquer intermediação".

Aqui, reconhece que a cooperativa atua como tomadora da mão de obra ao absorver o trabalho médico, nele se alicerçando e dele não prescindindo, à falta de outro tomador que a utilize em sua atividade fim (posto que não se estabelece relação jurídica individual, mas coletiva, com o universo de consumidores).

O labor dos cooperados se destina, então, à atividade outra da cooperativa diferente da atividade dos cooperados eleita estatutariamente, o que atropela o artigo 90 da lei de regência e contraria o disposto no artigo 442 da CLT. A cooperativa se tornou tomadora direta da mão de obra ante a pessoalidade e habitualidade a par do pagamento do trabalho face à já aludida integração deste no produto comercializado no mercado consumidor.

Com o aliciamento de consumidores para os planos de saúde a cooperativa passa a deter o poder de barganha e, com a imposição da exclusividade de atuação, paga, repita-se, pelo serviço dos cooperados, níveis de remuneração por ela fixados ‘ad nutum’ consoante sua tabela de remuneração de serviços o que guarda inclusive observância à regra da isonomia salarial (CLT art. 46 § único). Não há de resto, nenhum óbice no fato do trabalho poder ser, ou de regra ser, no consultório particular; o trabalho ‘em domicílio’ – não o ‘doméstico’ – está previsto (CLT arts. 6º e 83).

Oportuno o depoimento no Jornal AMRIGS – OUTUBRO 1998, sobre a tabela de honorários da Federação Unimed: "Demonstrando um total desinteresse pela situação do médico, e se preocupando somente com a "empresa Unimed", essa caravana unimediana propala meias verdades e pequenas inverdades na busca do adeptos. Ao serem eleitos indiretamente por não mais de 30 singulares, o compromisso destes colegas dirigentes não ultrapassa os limites deste pequeno grupo".

A experiência tem revelado que toda ação da cooperativa provém do poder ‘minoritário’ expresso na vontade da pessoa jurídica, seu poder executivo, restando ao ‘poder’ ligado à individualidade dos membros por pacto de mera adesão, apenas ratificar ou testemunhar sua confiança o que traduz toda vulnerabilidade ou inferioridade de posição. Tanto isto ocorre no trato interno que a própria lei de regência admite um ‘quorum’ de apenas metade do número mínimo sócios, de 20 somente (art. 6º, I e art 40, III); ora, para o exíguo ‘quorum’ de apenas dez (10) presenças bastam os integrantes da Diretoria e do Conselho Fiscal.

Corolário forçoso: as Unimed se caracterizam como tomadoras dos serviços dos cooperados a determinado preço e fornecedoras desses no mercado consumidor a outro preço dado que o usuário paga um custo contratual que, obviamente, inclui o preço desses serviços além de outros. Com isto o afastamento do direito do trabalho na relação cooperado/cooperativa preconizado pelo art. 90 da Lei nº 5.764/71 sofreu golpe mortal. Parece, pois, forçoso admitir que sob o ângulo do direito cooperativo tal situação é inadmissível.

Emergem, então, os requisitos da relação de emprego (CLT art. 3º), a saber: prestação pessoal do labor por conta da cooperativa (o cooperado não atua como autônomo porque, aqui, ele não atua em nome próprio e por conta própria); retribuição salarial paga pela cooperativa; subordinação, ante o poder de organização, de controle, de disciplina e comportamento pré-estabelecidos com as sanções previstas (CLT, art. 482, ‘h’).

A cooperativa preenche, a seu turno, os requisitos que a caracterizam como empregadora (CLT, art. 2º): assume os riscos da atividade econômica; admite, assalaria e dirige a prestação dos serviços.

Tanto é assim que a matéria chegou aos pretórios da Justiça do Trabalho; v. g., o colendo TRT 3ª R. (RO 10.536/97 – lª T.em 15.09.1998) que viu as Unimed sob este enfoque fático:

"COOPERATIVA – FRAUDE – O art. 7º da Lei nº 5.764/71 é incisivo: caracteriza-se a cooperativa pela prestação direta de serviços aos associados e, não, pela prestação de serviços dos associados, o que consubstancia distinção fundamental. A verdadeira intelecção da norma regente do cooperativismo sustenta-se, como bem doutrina SYLVIO MARCONDES, no "...princípio da ‘dupla qualidade’, resultante da duplicidade intrínseca da atuação dos cooperados, por ser ‘essencial ao próprio conceito de cooperativa que as pessoas, que se associam, exerçam simultaneamente, em relação a ela, o papel de sócio e cliente’(...). Ora, precisamente aí é que cada cooperado, ao agir, atua, não como associado, no exercício de ‘relação societária’, mas sim, como cliente, na prática de ‘relação operacional’ com a cooperativa..." " Na verdade, não há falar em ato cooperativo, em relação cooperativista, quando se trate de prestação de trabalho subordinado. A aparência é ineficaz, incapaz de afastar a relação empregatícia, nulo que é o ato de desvirtuamento. No prisma da relação cooperativa-cliente, que é pressuposto fundamental à caracterização da verdadeira vinculação regida pela Lei nº 5.764/71, o prestador de serviços à Cooperativa, sem ser um seu órgão diretor, efetivamente, não recebe serviços dela, e trabalhando para a mesma em atividade econômica é seu empregado. O Direito não convive com aparência e, sim, com substância, de modo que a simulação engendrada é ineficaz ao desvirtuamento do regramento legal impositivo juslaboralista. Fraude à lei se caracteriza por violação disfarçada da norma imperativa. Há respeito ostensivo a ela, mas desrespeito real e oculto. Quando, relativamente idôneo o meio iludente, se descobre, na investigação restrospectiva do fato, a idéia preconcebida, o propósito ab initio da frustração do equivalente econômico, tem-se a fraude, na lição de Nélson Hungria".

Ainda que assim não fosse, ou assim não se deva entender, embora todas essas veementes circunstâncias, é cristalinamente claro, de qualquer modo, que as Unimed foram constituídas sociedades cooperativas apenas formalmente passando logo a funcionar em regime de sociedades outras, civis ou comerciais, no exercício de atividade não declarada nos estatutos, incompatível sob o regime da Lei nº 5.764/71.Tudo seria diferente se seguido o regime apropriado, genuíno, de verdadeira sociedade para efetiva prestação de serviços profissionais caracterizada, esta sim, pelo trabalho exclusivamente profissional através dos sócios, – opèrer a travers ou ‘opèrer ensemble’ (Thaller) - como no caso das sociedades de advogados, das sociedades de engenheiros, para exemplificar, enquanto cooperativas hão de negociar somente ‘avec sés propres associées (id.).


7. Aplicação da Lei 9.656/98:

Para legitimar a continuidade da prática da unimilitância foi também entendido, como antes mencionado, que a lei que regulamenta a atividade relacionada com os planos/seguros de saúde – lei nº 9.656/98 - não se aplica para cooperados.

O argumento soa a sofisma, ‘data máxima venia’, na medida em que manifesta um convencimento de que a lei, ao disciplinar a atividade específica dos planos/seguros saúde acaso o campo de atuação das Unimed, interpretada de outro modo estaria interferindo no funcionamento interno dessas cooperativas não podendo, então, obrigar os cooperados.

7.1. Ora, antes de tudo a lei disciplina matéria de relevantíssimo interesse social: a saúde, direito de todos e dever do Estado, cabendo a este assegurar a universalidade e a igualdade de acesso às ações e serviços destinados à sua promoção, proteção e recuperação. Neste sentido expressa a Constituição Federal que são de relevância pública as ações e serviços de saúde e o Poder Público há de dispor, em termos de lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle para o setor privado que lhe é suplementar (art. 197).

No caso, a lei atende precisamente à sua peculiar função social devendo, então, a exploração econômica, como corolário da propriedade privada, em seu sentido atual de função e serviço integrante da riqueza nacional, vincular-se obrigatoriamente aos fins sociais de ordem superior, o que, por conseguinte justifica a regulamentação. O Estado, regulando a vida econômica, assegura a satisfação das necessidades de consumo mediante a participação do empresário nos fins perseguidos pela atividade estatal; aqui não importa a forma como se organiza a atividade econômica desde que se desenvolva segundo os ditames maiores da estrutura e organização da ordem econômica como concebida pela lei maior da República.

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Esse setor de mercado estava livre à auto-regulamentação podendo conduzir, se não conduzindo, à deturpação da liberdade e engendrando cerceadores das relações de consumo através de monopólios, cartéis e outros meios de atuação maléfica. O texto original da lei com alterações provindas de Medidas Provisórias incorporadas ao Direito Positivo pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001 estatui:

"Está subordinada às normas e à fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS qualquer modalidade de produto, serviço e contrato que apresente garantia de cobertura financeira de riscos e assistência médica, ambulatorial, hospitalar ou odontológica, e outras características que o diferencie de atividade exclusivamente financeira " (art. 1º, § 1º ).

O inciso II define:

"Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo".

Ainda assim, para afastar quaisquer interpretações renitentes, o § 2º do artigo 1º da lei estatui:

"Incluem-se na abrangência desta Lei as cooperativas que operem os produtos de que tratam o inciso I e o § 1º deste artigo, bem assim as entidades ou empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde, pela modalidade de autogestão ou de administração".

Para operar no setor é obrigatória a autorização de funcionamento a ser concedida pelo Ministério da Saúde através da Agência Nacional de Saúde Suplementar (arts. 8º, 9º, 19). Como ninguém de sã consciência irá negar que as Unimed atuam neste mercado dos serviços de saúde também não poderá negar que elas se submetem à sua regulamentação; a lei, no caso, preserva a igualdade jurídica assegurada constitucionalmente (CF/88, art. 5º): refere-se a todas as formas empresariais, independente de sua natureza jurídica constitutiva. Neste ponto mostra-se inclusive espantosamente redundante ao repisar que sua abrangência alcança as cooperativas pois regula atividade econômica específica.

Se a lei legitimou a atividade para o setor privado o fez em caráter supletivo às ações do Poder Público conforme determina a Constituição Federal e sob sua peculiar normatividade onde a doença tem outro conceito: é evento futuro e incerto, ‘incertus an’, ‘incertus quando’, de ineliminável caráter aleatório obrigando a operadora, entre outras exigências, formar um fundo financeiro além de constituir garantias.

Se, pois, tendo de indenizar os usuários, o volume de recursos dispendidos deixou saldo houve lucro operacional; se não, houve prejuízo ou somente equilíbrio entre a receita e a despesa no que evidencia-se caráter eminentemente de resultado econômico da atividade, em conflito direto ao disposto no art. 3º da Lei nº 5.764/71 quanto ao fim lucrativo.

Ora, a atividade empresarial implica a conseqüente ordenação das relações assentada na liberdade de iniciativa e de concorrência na forma do direito aplicável. Decorre daí que as Unimed, na qualidade de empresárias, têm um negócio com vida própria, com caráter próprio e fisionomia, criando para si um círculo próprio de relação com outros indivíduos. Havendo, como há, conclusão reiterada, permanente, de negócios com terceiros, surge o fim econômico; portanto presente o intuito de lucro, ainda que não haja lucro, ou se destine a cobrir somente as despesas, ou se destine a alguém que não os sócios. Somente se só acidental, ou esporadicamente tal ocorre, não se trata de fim econômico (cfe. Pontes de Miranda – Tratado de Direito Privado).

A edição da lei que regulamenta as ações privadas nesse mercado em que se situa a saúde

já evidencia, por si, sua relevância pública, valendo mencionar que as operações nesse mercado dos planos/seguros de saúde se desenvolvem em três segmentos:

1.- segmentação assistencial que define diferentes espécies e amplitudes de coberturas assistenciais resultando em maior opção do consumidor pela oferta de diferentes planos pelas operadoras;

2 - segmentação econômica que seleciona a fatia de mercado em função do poder aquisitivo do consumidor;

3 - segmentação geográfica concorrendo para a distribuição dos serviços no mercado consumidor.

Conclusão que se impõe é que as Unimed, em limitando os direitos individuais dos cooperados, extrapolam o estreito circulo interno ferindo além muros a liberdade das relações de consumo, atingindo direitos difusos, especialmente os consumidores. Atingem, outrossim principalmente a liberdade de concorrência, criando, sem serem únicas e absolutas no mercado, um monopólio da medicina através do cartel formado pela rede das cooperativas autônomas distribuídas no mercado de tal sorte que é de supor inclusive que a posição que conquistaram não resulta tanto de sua eficiência operacional mas do regime pelo qual manipulam os profissionais médicos em desrespeito ao valor social do trabalho, à busca do pleno emprego além de agredir externamente a livre concorrência e o direito do consumidor.

Como está claro, a matéria nada tem a ver com o regime cooperativo que, no caso, não arreda a normatividade específica da lei nº 9.656/98 pelo só fato das Unimed estarem rotuladas como cooperativas. Então, o argumento de que a lei não se aplica para cooperativados mais parece um sofisma a autorizar a singular e inadmissível solução de submeter a normatividade daquele diploma legal aos interesses internos dessas cooperativas.

Às normas do direito cooperativo interessam somente as questões internas donde seu afastamento no tocante às operações com planos de saúde é um imperativo da igualdade jurídica, mesmo porque também regulado por igual modo o seguro saúde que é mercantil por força de lei. Por isto mesmo, no caso dos planos/seguros de saúde, a lei não estabelece diferença entre cooperativa ou sociedade comercial, ou outra, de qualquer tipo; o que se normatiza é a atuação do agente econômico em benefício da coletividade (não o interesse dele).

" Somente quem desconhece a realidade econômica do mercado de planos de saúde pode acreditar que o intuito da Unimed, ao proibir a dupla militância, seja a defesa econômico-social dos integrantes da profissão de médico, através do aprimoramento do serviço de assistência coletiva ou individual. Na realidade, o que visa a Unimed é dominar o mercado relevante dos serviços de prestação à saúde, de modo a eliminar a livre concorrência e restringir a livre iniciativa, o que é vedado pelos arts. 170, IV e 173, § 4°, da CF. Se não bastasse macular o princípio constitucional econômico da livre concorrência, a conduta da Unimed, ao proibir seus cooperados de atenderem a outros convênios médicos, sob a alegação de dupla militância, viola também de forma direta, o princípio constitucional da liberdade de iniciativa, aqui entendida como liberdade de trabalho, atributo inalienável do homem, e, de forma reflexa, o princípio constitucional da proteção do consumidor " (TAMG, AC-275.064-9 - 4ª Câm. Cív. - DJMG 16.09.1999).

" O efeito pernicioso desse tipo de contratação é bastante sentido em cidades pequenas, que contam com poucos profissionais especializados - às vezes apenas um. Se ele é exclusivo de uma operadora, os consumidores locais são obrigados a ingressar no plano ou seguro-saúde oferecido. Isso é abusivo, ilegal e viola o direito de livre escolha do consumidor, além de inviabilizar a concorrência " (Desemb. LUIZ RIZZATTO NUNES - Lei do Plano e Seguro-Saúde).

As entidades de representação dos médicos reconhecem que a saúde Pública é um dever do Estado porém a deficiência da estrutura pública acabou abrindo espaço para o sistema suplementar que, portanto, exigiu regulamentação, mas que só apresentará serviços de qualidade se respeitado o direito dos médicos de exercerem com autonomia sua atividade profissional. (Jornal do CREMERS, julho de 2000).

Neste sentido, Pontes de Miranda lembra as limitações constitucionais: " Só a lei – não os Poderes que não sejam lei – pode limitar a liberdade dos indivíduos." Só a lei pode criar obrigação de fazer, ou de não fazer, isto é, de prestar, de não prestar, de dar, de não dar, de fazer (compor, criar, fabricar, cantar, mastigar, escrever, preparar a comida, comer, tocar, romper, sorrir), ou de não fazer" (Comentários à Constituição de 1967).

Por isto mesmo o artigo 18 da lei estatui que a aceitação por qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam o inciso I e o º 1º do art. 1º desta Lei, implica "a manutenção de relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com número ilimitado de operadoras, sendo expressamente vedado às operadoras, independente de sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional".

Aqui, aqueles que persistem na convicção de que o direito anterior deixou margem ao auto-regramento encontram o espaço preenchido; não olvidem que quando a lei atribui efeitos aos fatos (jurídicos) e a estes resguarda só lhes preserva os já ocorridos; o que foi continua sendo porque irreversível; porém a partir do presente há efeitos pendentes, ainda a acontecer no curso do tempo, como mera expectativa de exercício futuro.

"A doutrina do ato jurídico perfeito limita-se aos efeitos já produzidos antes da lei, mas os efeitos do ato jurídico perfeito, posteriores, ficam sob o domínio da lei nova, que é e há de ser a do momento em que se produzirem". "O que se tem de dividir é o tempo: passado, regido pela lei do passado; presente, pela lei do presente; futuro, pela lei do futuro" (P. Miranda, ob. cit.).

Neste sentido também o colendo Supremo Tribunal Federal:

"..os conceitos de direito adquirido e de ato jurídico perfeito, para aplicação desse dispositivo constitucional (Art. 5º, II, LIV, LV, XXXV da CF/88), são ínsitos a questão de direito intertemporal, vedado que é constitucionalmente que a lei nova possa prejudicar o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, e, portanto, ser aplicada nessas hipóteses retroativamente..."

"...é de notar-se, ainda, que se assim não fosse, toda questão relativa à violação, no âmbito puramente legal ou convencional, de direito ou do estipulado em ato jurídico daria ensejo à alegação de ofensa ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição, porque todo direito seria direito adquirido (ou seja, direito que nasceu da ocorrência, no mundo real, da hipótese de incidência da norma jurídica cuja conseqüência é o nascimento desse direito) e todo ato jurídico validamente celebrado seria ato jurídico perfeito" (RE 226894-TP-DJU de 07.04.2000).

Às Unimed resta adequarem suas relações internas, pelo menos no concernente ao objeto regulado pela lei nº 9.656/98, porque não há pacto interno que possa proibir o Poder Público de prover as relações de consumo desprotegendo os consumidores ou de coibir práticas e cláusulas abusivas no fornecimento de produtos e serviços.

7.2. A relação societária constituiu uma das premissas (maior) do argumento que procura excluir a aplicação da lei a cooperados, pois afirmou-se que na relação entre as Unimed e seus associados só existiria relação societária, não credenciamento (adiante analisado).

Então o vínculo societário nos conduz à regra do artigo 15 da lei de regência do cooperativismo (Lei nº 5.764/71). Ora, segundo esta regra as normas fundamentais sobre a organização e o funcionamento da cooperativa não se encontram no estatuto mas sim no ato constitutivo cujo conteúdo define e delimita sem incluir a exclusividade na forma do regime da unimilitância.

" Ato constitutivo, (ou institutivo) é todo ato dos que constituem (ou instituem) a pessoa jurídica in fieri. O ato constitutivo se refere à pessoa jurídica; refere-se à entidade que vai ser personificada, embora não entre na classe dos contratos, estatutos ou compromissos"- (P. Miranda - Tratado de Direito Privado).

No caso das cooperativas o estatuto não é o ato constitutivo, nem contém o ato constitutivo nem é parte do ato constitutivo, sequer como um ‘plus’; a lei exige a ata de constituição. Na ata de constituição até poderá ser transcrito o estatuto, mas, de qualquer forma, o ato constitutivo não contém cláusula de unimilitância que é cláusula estatutária não pertinente à pessoa jurídica.

Quanto às regras estatutárias: "As regras estatutárias são como normas jurídicas internas, sem que se façam regras jurídicas; são normas negociais". "Toda teoria que empreste às regras estatutárias natureza de lei, regra jurídica, exorbita."(Pontes de Miranda – Tratado de Direito Privado). Com mais razão quando a regra interna exorbita os limites legais (Lei nº 5.764/71, art. 29, § 4º).

Ora pois, mesmo que se afaste o regime do credenciamento, é de ver que o vínculo societário que deveria reger então com exclusividade o desenvolvimento da atividade interna, no caso das sociedades cooperativas, tem sua base em contrato: o contrato social.

Isto está escrito na lei: "Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro" (Lei 5.764/71, art. 3º).

Mas o contrato, no caso traduzido pelas normas estatutárias das Unimed, é uma das formas de vinculação pelas quais uma operadora poderia impor – as Unimed impõem - a exclusividade ou restrição proibida pela lei nº 9.656/98 (art. 18) que, no caso, não ressalvou o ‘contrato social’.

7.3. Segunda premissa (menor): que não há credenciamento. Reduz o exame à mera aparência do tema onde cabe descer ao plano da realidade; nega os fatos ‘data venia’. As Unimed negam a prática do credenciamento, embora inúmeras vezes comprovada em ações judiciais e processos administrativos e lembrada em pareceres das entidades de classe. É fato constatado que esta é a prática habitual constituindo, de resto, ato discricionário da administração, como ato unilateral. Efetivamente só mesmo face à esdrúxula relação negocial à parte, inserta só no estatuto, incompatível com o direito societário, estranha ao ato constitutivo, seria possível encontrar base para o rompimento do ‘vínculo’ se o cooperado resiste ao cumprimento do ‘avençado’.

Ele é tão presente, sentido e premente que a Confederação Médica Brasileira, inicialmente deliberou a desvinculação total dos médicos de todo e qualquer plano ou sistema de assistência à saúde particulares existentes. Em segundo ato houve por bem preferir encaminhar um Projeto de Lei (nº 4660/2001) para que se institua legalmente o credenciamento universal dos médicos aos planos e seguros de saúde e quaisquer outras modalidades de assistência à saúde de modo que nenhum médico mais será privativo de empresa de qualquer tipo.

Fazem sentido as providências tomadas pelos Conselhos de Medicina porque a concreta realidade, a verdade real é que pela prática persistente do credenciamento as Unimed policiam o cumprimento pelos cooperados do regime de unimilitância inserido no estatuto como cláusula contratual.

Credenciamento foi objeto de definição, v.g., pelo CRMBA (Resolução nº 236/98) como relação que se estabelece entre uma instituição de Direito Público ou Privado e o médico, grupos de médicos eticamente organizados e legalmente habilitados para a voluntária prestação de serviços médicos em consultórios, clínicas, hospitais ou ainda em quaisquer estabelecimentos privados de assistência médica que possuam ou não, finalidade lucrativa, onde inexista a forma de subordinação trabalhista na prestação destes mesmos serviços médicos. O credenciamento, sob quaisquer de suas formas, refere-se a Empresas de Medicina de Grupo, Empresas de Seguro Saúde, Empresas com Assistência Médica Supletiva, Empresas Administradoras de Assistência Médica, Caixas de Assistência e Cooperativas Médicas. Considerou obrigatoriamente credenciados todos os médicos e grupos de médicos eticamente organizados e legalmente habilitados, que aceitarem livremente este tipo de relação. O CRMGO (Resolução nº 03/1969), v.g., a seu turno proibiu terminantemente o credenciamento, ou outros fórmulas a este assemelhadas para prestação de serviços de segurados de quaisquer instituições quando os mesmos se restrinjam somente a uma parcela da classe médica.

Sem o credenciamento nenhum usuário vinculado aos planos de saúde da cooperativa terá acesso ao consultório de médico filiado. Será sempre necessário que a cooperativa recomende, autorize, indique, legitime, divulgue o cooperado e/ou encaminhe por este modo os usuários dos planos de saúde forte no negócio externo (ato não cooperativo), não bastando o só vínculo societário.


8. Final:

O antagonismo entre o que o estatuto declara e o que a cooperativa efetivamente pratica é desvio de função ante os artigos 79 e 86 da Lei nº 5.764/71 revelando uma simulação de cooperativa. No caso das Unimed ocorre que:

1.não são cooperativas porque não prestam exclusivamente serviços aos cooperados ( se é que prestam algum), mas essencialmente a terceiros não cooperados;

2.não são cooperativas porque não resguardam a duplicidade de atuação dos cooperados: sócios e clientes, cujo trabalho supervisionam e remuneram;

3.não são cooperativas de trabalho médico porque não atuam como intermediárias dos cooperados, e sim, exercem o comércio dos planos de saúde remunerado por terceiros.

Não obstante tudo isto, argumentos de toda sorte se ofertam para tentar convencer que tudo se passaria, sim, em sede de direito cooperativo, inclusive porque nada mesmo aconteceria sem o ato médico; este seria o ato ‘principal’; ‘acessórios’ todos os demais.

O argumento carece de base jurídica e lógica, ‘data maxima venia’. Juridicamente, ‘principal’ é a saúde, direito de todos, dever do Estado (CF/88, art.196); e sob elementar visão lógica não existiria médico, não existiria hospital, não existiria medicamento, não existiria qualquer atividade de saúde, se não existisse a doença, estado oposto da saúde.

Todas as ações são pilares da complexa estrutura de atendimento que se inter-relacionam, umas apoiando as outras, nenhuma prescindindo das demais no empenho de restabelecer a saúde quando ela falte.

Do exposto resulta que não existe sentido numa cooperativa que nega ao cooperado as vantagens adicionais que poderá obter em atendimentos outros fora da cooperativa, mormente se esta não garante, pelo atendimento exclusivo, o exercício quantitativo e a remuneração justa. Vedando ao médico cooperado qualquer possibilidade de atendimento a clientes de outras empresas concorrentes volta-se contra as próprias Unimed o chavão, com que tanto atacam os concorrentes, da mercantilização da medicina. Com efeito, o que mais seria a ‘unimiltância’ se não uma manobra tipicamente mecantilista e monopolista?

Nas Unimed nada se desenvolve com base no regime cooperativo e, em não sendo, na substância, verdadeiras cooperativas mas empresas comerciais dissimuladas, a unimilitância tem a serventia de formar uma frente nacional de agressão à livre concorrência.

De resto é de todo questionável, muito duvidoso mesmo, que o estatuto traduza a real e espontânea vontade dos cooperados em rejeitar todas as oportunidades de trabalho em sua área profissional.

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Sobre o autor
Cláudio Juvenal Wolf

professor universitário aposentado em Santa Maria (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WOLF, Cláudio Juvenal. Regime da unimilitância nas "cooperativas" Unimed. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 113, 25 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4213. Acesso em: 28 mar. 2024.

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