Necessidade dos filtros para a realização da Justiça

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25/08/2015 às 19:55
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4. Da mácula da imparcialidade no exercício irregular das funções

Feitas as considerações de maneira genérica acerca das atribuições de cada órgão da persecução penal, fica claro que com o respeito desses filtros, existe uma maior possibilidade de eficiência no desvendar do fato delituoso assegurando o máximo respeito aos direitos do cidadão.

Entretanto, com o crescimento da criminalidade atrelada a falta de políticas pública no que tange à segurança pública, soluções meramente paliativas e populistas são cada vez mais comuns, gerando institucionalmente a usurpação de funções por órgãos que não possuem capacidade para tanto gerando prejuízo à sociedade, que acaba sendo a maior prejudicada.

Atualmente, diante dos parcos investimentos na polícia judiciária, esta vem deixando de exercer com eficiência sua função primordial de repressão da criminalidade através da investigação especializada. Visto isso, a solução encontrada em nível de executivo e também do judiciário é a possibilidade de investigação por órgãos encarregados da função preventiva, que, por conseguinte acabam por não exercer suas atribuições institucionais, fazendo com que o problema da criminalidade não seja tratado do início, no primeiro filtro.

Estão se tornando comuns acordos de cooperação entre o Ministério Público, a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal, e ainda mais decisões judiciais, nos quais ao arrepio da constituição e demais leis esparsas, permitem que tais órgãos elaborem Termo Circunstanciado de Ocorrência, peça de caráter investigativo, mesmo com pronunciamento do Supremo Tribunal Federal proibindo a prática de tais atos, conforme Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.614 PR, entendimento este confirmado no Recurso Extraordinário 702617 do Amazonas.

A justificativa de tais acordos é sempre a mesma: o combate à criminalidade. Entretanto, verifica-se facilmente que medidas como estas não surtem efeitos, haja vista que são imediatistas e emergenciais, e quando se trata de segurança pública, direito social, esse não é o caminho correto.

Alguns procuram ainda justificar a permissão destas forças de prevenção para que realizem o TCO, pelo fato de se tratar de crimes de menor potencial ofensivo. Outra justificativa que não pode prosperar, considerando que o tratamento correto dado a estes crimes pode evitar a evolução para crimes mais bárbaros, pois uma simples ameaça pode se transformar em um homicídio, caso não seja proposta uma solução correta pelo profissional especializado.

Há que se enfatizar que com a banalização do TCO deixando como responsável por este encargo a polícia militar, com a inevitável condução de civis para quartéis, não fica difícil associar tal fato a um triste episódio da história brasileira: a ditadura militar.

Ainda em relação ao Termo Circunstanciado de Ocorrência, agora no que se refere ao crime de porte de drogas para consumo próprio, contido na Lei 11.343/06, o referido diploma legislativo explicita que além de ser um fato a ser tratado pelo direito penal, é um tema também de saúde pública, tanto que não existe a possibilidade de cárcere penal do usuário de drogas e que este, ao ser flagrado cometendo tal delito, deveria ser encaminhado diretamente a uma autoridade judicial, como regra.

Todavia, na prática a realidade é outra, pois tal encargo fica na grande maioria das vezes nas mãos do Delegado de Polícia, que deveria ser a autoridade subsidiária, fazendo com que a polícia civil deixe de investigar para exercer função cartorária do judiciário.

Outra grande celeuma acerca da investigação e da quebra dos filtros pelos quais deve passar o cidadão quando do suposto cometimento de uma infração penal se dá na investigação criminal pelo Ministério Público. A grande polêmica se deu com a proposta de emenda à Constituição nº 37 que previa a investigação das infrações de que tratam os §§ 1º e 4º do afrt. 144 da CF privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, a qual foi rejeitada pela Câmara dos Deputados.

O Ministério Público, órgão independente e autônomo possuidor de independência funcional, foi inserido na Constituição de 1988 nos mesmos moldes do poder judiciário, conforme se observa em uma comparação dos artigos 93 e 128 da Constituição, possuindo inclusive princípios semelhantes, como o do promotor natural – equivalente ao do juiz natural – e o da imparcialidade.

Dessa forma, percebe-se que o Ministério Público foi constituído para exercer precipuamente a função de fiscal da lei, e excepcionalmente no processo penal, a função de órgão acusador, mas sempre dentro do círculo maior que contém suas atribuições, a de custo legis, tendo em vista que mesmo nessa segunda função, não é obrigado a se manifestar sempre pela condenação do acusado.

O Código de Processo Penal no seu artigo 252, inciso I e II, informa que o Juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que tiver funcionado como autoridade policial, sendo que tal impedimento conforme o artigo 258 do CPP é extensível aos membros do Ministério Público.

Percebe-se que o fundamento lógico desse impedimento é o respeito à imparcialidade, tendo em vista que se um desse órgãos tiverem contato com a investigação antes da fase processual, a Lei considera que houve mácula ao princípio da imparcialidade, prejudicando eventual andamento do feito.

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Em razão disso, a conclusão lógica que se pode extrair é a de que quem investiga um fato, se torna parcial, não podendo dessa forma julgar ou acusar!

Tal entendimento se coaduna com a Constituição de 1988, pois antes dela era cabível o chamado procedimento judicialiforme, no qual o próprio magistrado, conforme o art. 26 do CPP poderia iniciar a ação penal através de sua própria portaria. Com o advento da Carta Magna atual, este artigo foi tacitamente revogado.

Ademais, mesmo com a não aprovação da Proposta de Emenda nº 37, e com a abertura de uma brecha para a investigação pelo Ministério Público, o que se percebe nos fóruns é que a maioria das denúncias ou queixas vem subsidiadas principalmente através do Inquérito Policial. Além disso, o que se percebe é uma espécie de uma seletividade das investigações por parte do Ministério Público, em clara desobediência ao principio da obrigatoriedade.

Quanto a salvaguarda dos direitos e garantias do cidadão, percebe-se que o procedimento de investigação criminal – PIC – não tem um regramento claro – sendo regulamentado por Resolução do próprio CNMP (Resolução 13/2006) –, ficando muitas vezes sob total sigilo nos gabinetes dos promotores de justiça, sem que o defensor tenha acesso ao que já está documentado. Insta informar que uma investigação nestes termos pode se perpetuar por vários anos, tendo em vista a ausência de controle judicial, ao qual se submete o Inquérito Policial, considerando que quem se autoconcede os prazos e suas prorrogações é o próprio Ministério Público, conforme art. 12 da Resolução nº 13 de 2006.

Percebe-se então que o não cumprimento (ou o cumprimento deficitário) da legislação atual, em clara desobediência às atribuições das instâncias que compõe a persecução penal, fazem com que soluções paliativas sejam utilizadas como regra, adicionada a crescente inflação legislativa penal e processual penal, que cria novas regras antes mesmos de serem integralmente obedecidas as anteriores, em um claro direito promocional.


5. Conclusão

Com base no que foi exposto, percebe-se que o cidadão ao ceder parcelas de suas liberdades ao Estado, o faz objetivando que este as gerencie da melhor forma possível, possibilitando pleno respeito aos seus direitos e garantias como controle das ações estatais, o que se faz através da Lei.

Dentre os direitos mais relevantes e que merece uma proteção diferenciada, está o direito a um regular desenvolver da persecução penal quando da suposta prática de uma infração desta natureza.

Visando assegurar o regular curso deste procedimento, uma das formas encontradas é a garantia de filtros que façam com que as ações de um órgão sirvam de subsídio para o outro, evitando a concentração de poderes e permitindo a soberania da imparcialidade.

Nestes termos é importante ressaltar a relação da imparcialidade com a divisão de poderes dentro da investigação criminal. Determinada autoridade deve estar incumbida da função investigatória, a ser desenvolvida, sim, de forma imparcial. Mas esta mesma autoridade não pode se apossar da função instrutória/processual, tendo em vista que inevitavelmente ficaria maculada pelo vício, sendo tendenciosa, não exercendo com isenção o seu mister.

Dessa forma percebe-se apesar de a atividade investigatória ser basilar para o desenvolvimento da acusação/instrução processual propriamente dita, estas não se devem confundir, pois tal atitude inevitavelmente acarreta prejuízos aos atos praticados, e consequentemente viola direitos do cidadão.

Sendo assim, soluções paliativas em relação à segurança pública não devem ser bem-vindas para o bem da sociedade, que somente poderá ter uma sensação de paz com maciços investimentos, e não com apenas remédios pontuais.

Daí a necessidade de vários filtros na investigação, comandados por diferentes autoridades, para que se possa chegar à condenação ou mesmo a absolvição do investigado, mas de forma justa, em total respeito aos direitos e garantias constitucionalmente estabelecidas.


Notas

1. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/menuSumario.asp?sumula=1230 Acesso em 25 de agosto de 2015.

2. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. São Paulo: Atlas, 2012.

3. BRASIL. Lei 12.830 de 20 junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Diário Oficial, Brasília, DF, 20 de junho de 2013.

4. BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. 3ª ed.Salvador: Juspodvim, 2015.

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Sobre o autor
Thiago Sales e Silva

Formado em Bacharelado em Direito pela Universidade Estadual do Piauí e Delegado de Polícia Civil no estado do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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