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A grande falácia em torno do art. 170-a do CTN

14/09/2003 às 00:00
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Muito já se tem discutido em relação ao incipiente art. 170-A do CTN recém introduzido pela LC 104/01, especialmente porque tem-se entendido ser restritivo de direitos. Contudo, nos parece, salvo melhor juízo, que toda a argumentação, neste sentido apresentada, toma por base, sempre, o fundamento óbvio de que a administração pública, que envidou todos os esforços para sua criação, tinha, e possivelmente ainda tem, o intuito único de impedir os contribuintes de efetivar a compensação de seus créditos, existentes em função de recolhimentos indevidos, de forma pronta e imediata, necessitando, assim o dizem, aguardar o provimento final dos respectivos processos em que tenham formulado tal pedido compensatório.

Ora, todo cuidado é pouco com os fundamentos que se dizem óbvios, por mais óbvios que sejam, sendo necessário termos muita precaução com a atitude mental que deles se origina, e assim já dizia com brilhantismo em sua visão, o indiscutível e festejado ALFREDO AUGUSTO BECKER, inclusive comentando o não menos ilustre Mestre CARNELUTTI, in Teoria geral do direito tributário, 3. ed., Ed. Lejus:

"Há juristas - adverte F. CARNELUTTI - que quase sempre cometem o erro de aceitar e utilizar empiricamente os conceitos das ciências pré-jurídicas, sem cuidarem de pesquisar o novo e diferente conteúdo (significado) que elas passam a vestir no momento em que entram no mundo jurídico. Este mau costume - lamenta F. CARNELUTTI - tem gerado dentro do direito dificuldades numerosas e graves.

Ora, em nenhum outro ramo do direito, estas dificuldades são tão numerosas e tão graves quanto as que este mau hábito tem gerado dentro do direito tributário. O maior equívoco no Direito Tributário é a contaminação entre princípios e conceitos jurídicos e princípios e conceitos pré-jurídicos (econômicos, financeiros, políticos, sociais, etc...).

Esta contaminação prostitui a atitude mental jurídica, fazendo com que o juiz, a autoridade pública, o jurista, o advogado e o contribuinte desenvolvam (sem disto se aperceberem) um raciocínio pseudo-jurídico. Deste raciocínio pseudo-jurídico resulta, fatalmente, a conclusão invertebrada e de borracha que se molda e adapta ao caso concreto segundo o critério pessoal (arbítrio) do intérprete do direito positivo (regra jurídica). Em síntese: aquele tipo de raciocínio introduz clandestinamente a incerteza e a contradição para dentro do mundo jurídico; incertezas e contradições que conduzem todos ao manicômio jurídico tributário e à terapêutica e à cirurgia do desespero."

Assim, vemos que a atitude mental do manejador do Direito Tributário em muito influencia as conclusões a que se chegam da análise dos textos legais, invariavelmente, por força de fundamentos óbvios, que carecem de discussão, e quanto a isso já nos alertava o ilustre e mencionado mestre, lembrando-nos sempre que necessário se faz observar a linguagem expressa nos textos legais, para somente então, após acurada análise gramatical, semântica e textual, inclusive quanto à validade dos fundamentos ditos óbvios utilizados como premissas, partirmos para a interpretação lógico-jurídica da norma posta em destaque, na forma já eternizada como correta pelos doutos estudiosos do direito, entre eles, mas não menor, o Dr. RICARDO LOBO TORRES, in Normas de interpretação e integração do direito tributário, Ed. Renovar:

"A interpretação literal, em outro sentido, significa um limite para a atividade do intérprete. Tendo por início o texto da norma, encontra o seu limite no sentido possível daquela expressão lingüística. É a fórmula brilhante de K. LARENZ, para quem a interpretação literal é a compreensão do sentido possível das palavras (mögliche Wortsinn), servindo esse sentido de limite da própria interpretação, eis que além dele é que se iniciam a integração e a complementação do direito. Esse conceito de interpretação literal desenvolvido por LARENZ influenciou na Alemanha as decisões judiciais sobre a matéria tributária, bem como a orientação da doutrina em geral e da teoria tributária em particular."

Assim, torna-se óbvio e é o que neste estudo se toma como parâmetro, que se deve iniciar o estudo e a própria tentativa de interpretação e integração da norma legal, pelo processo de aplicação da análise do sentido possível do texto, para, seqüencialmente, após esta equalização, passarmos à aplicação dos demais recursos de argumentação retórica, dos dados históricos, da teleologia, da hermenêutica e das demais valorações éticas, políticas e intencionais, para perfeita compreensão do texto e assim da norma a ser alcançada.

E diz-se tudo isso em função exatamente, neste caso concreto, da premissa previamente existente e tomada por óbvia e certa, por calcada no fundamento (político) de que a criação do dispositivo em comento teve a finalidade expressa de restringir o direito do contribuinte à compensação, o que impediu uma melhor análise do texto em questão, vez que grande maioria daqueles que o perscrutaram (senão todos, até o momento), sem analisar de forma profunda o próprio texto legal, já partiram do ponto onde entendiam indiscutível a existência da restrição à compensação de créditos antes da decisão definitiva do próprio processo onde se discute a dita compensação.

Porém, utilizando os parâmetros aqui tomados como basilares, justamente por ser a forma mais correta de análise para a espécie, é que antes da análise da intenção político-administrativa existente como fundamento para a formulação da legislação em foco, é que se insiste em que iniciemos pela interpretação literal, naquele modelo de encontro do sentido possível do texto, dentro de suas particularidades gramaticais e lingüísticas.

Com o que, ressalvada a validade do argumento, porque na verdade, muito provavelmente, esta tenha sido a intenção da qual se originou o normativo expresso, que seja, impedir o contribuinte de imediatamente efetuar a compensação, fortalecendo assim o caixa estatal, não se pode dizer que tal vontade esteja inserida no texto a ser analisado.

Na verdade, o texto existente encontra-se, por parte de seus próprios comentaristas, relegado a segundo plano, pois todas as análises até agora iniciam-se pela premissa de que é proibida a compensação de créditos que estejam sendo discutidos judicialmente, o que, na realidade, em nenhum momento é introduzido pelo normativo em questão, isso se vê de sua literalidade, através de sua reprodução, que aqui se faz necessária:

"Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial." (grifo nosso).

Do texto legal, salvo suas verificáveis falhas, já muito apontadas, que contudo não merecem destaque no presente estudo, extrai-se que o impedimento existente volta-se apenas e tão somente para a utilização de tributo (ou seja, débito do contribuinte, na forma expressa pelo CTN, como se vê a seguir) que seja alvo de contestação (leia-se, contenda) judicial, apresentada pelo Sujeito Passivo (sempre o Contribuinte), não sendo possível nenhuma outra interpretação por maior que seja o esforço para tanto.

"CTN:

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada."

Afinal, o que se vê, tendo-se conhecimentos básicos de nossa língua, primeira forma de interpretação da lei, é que entre as vírgulas encontra-se texto explicativo que tem por objeto a palavra "tributo", portanto, somente em relação a tributos que se enquadrem no termos ali apostos é que encontra-se impedida a compensação antes do trânsito em julgado da decisão.

De clareza ímpar o dispositivo que impede o aproveitamento de tributos que sejam alvos de discussão judicial por parte do contribuinte, ou seja, desde que o contribuinte questione a validade, existência, formação ou regularidade de algum tributo, o mesmo não poderá ser alvo de aproveitamento/quitação através da sobreposição de créditos existentes a favor do contribuinte, antes da definição de sua existência válida e o quantum devido, através do trânsito em julgado da respectiva sentença.

Na verdade, o impedimento posto na citada norma dirige-se especificamente aos tributos que serão aproveitados/abatidos por força da existência dos créditos, ou seja, o contribuinte não pode quitar com seus créditos, débitos (tributos) que tenham sido alvo de contestação judicial de sua própria parte.

E, como visto do texto legal acima apresentado, não podemos confundir "tributos" com os "créditos do contribuinte", que são normalmente referentes a recolhimentos indevidos, ora, recolhimento indevido não é tributo, mesmo que por estar inserido na esfera de atuação jurídico-tributária, vez que débito da adminsitração pública, possa ser considerado ente de feição tributária.

Feição tributária é qualificação extensiva aos itens informados pela qualidade de estarem vinculados à atuação legal da esfera tributária, contudo, sem manter as características próprias dos tributos, ou outras figuras definidas na legislação, por exemplo, as obrigações acessórias ou, como preferem os cientistas do direito, os deveres instrumentais, têm expressiva feição tributária, mas jamais se confundiriam com os tributos, assim também é com os créditos dos contribuintes, que mesmo relacionados a atividades e acontecimentos tributários, definitivamente, não são tributos.

Assim, mesmo ligados aos temas tributários, os créditos do contribuinte em face da União não podem se classificados como tributos na conformação posta pelo CTN, portanto, o texto do art. 170-A, sendo muito preciso em suas disposições, informa da impossibilidade de compensação com tributos que se enquadrem em determinada situação.

A qualificação expressa, como requisito para o seu não-aproveitamento, é que esteja sendo contestado/discutido pelo sujeito passivo, que sempre é o contribuinte.

Logicamente que o termo contestação foi utilizado, como bem verificou a doutrina dominante, no sentido amplo da palavra, significando qualquer discussão ou manifestação judicial, contrária à validade do tributo, ou mais apropriadamente, no nosso entender, na forma do Dicionário Michaelis de Português, no sentido de contenda.

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E, mesmo que assim não fosse, tivesse o termo seu sentido estrito, em nada alteraria o sentido da norma, restringindo seu alcance apenas ao tributos que fossem alvo de contestação em alguma ação de cobrança ou similar, vez que nem mesmo Execuções Fiscais seriam alcançadas, já que nas mesmas não há contestação no sentido estrito da palavra.

Assim, para maior nitidez, imaginemos sob a forma de figura, a situação hipotética em que se aplica a hipótese, que ocorrerá quando tendo o contribuinte um crédito qualquer, busque o judiciário para dirimir o conflito, vendo ser deferido seu pedido de compensação, sob a forma de tutela antecipada.

Pois bem, imaginemos que ao mesmo temo em que pleiteou esta compensação, o contribuinte apresentou também um ação anulatória de débito, referente a uma cobrança/auto de infração relacionado a um dos tributos que poderia compensar com seu possíveis créditos.

Temos que tal contribuinte poderá compensar seus créditos de forma normal com todos os tributos, na forma permitida na decisão proferida naqueles autos que tratam da compensação. Contudo, por força da nova legislação sob comento, muito acertadamente, não poderá compensar seus créditos com aqueles débitos/tributos que discute na ação anulatória, até porque, antes de decisão final, o valor do tributo por ele devido não é certo, o que poderia acarretar uma compensação indevida.

Na verdade, tal dispositivo é inócuo, como tantos outros postos de supetão em nosso ordenamento, pois qual contribuinte pretenderia compensar seus créditos justamente com aqueles débitos que, por entender inexistentes ou indevidos, está discutindo a validade e existência ?

Verifica-se, ademais, que basta o contribuinte desistir de sua contestação para que deixe de existir o óbice à compensação.

De toda forma, o que se pode debilmente apreender do dispositivo é a salutar (porém efêmera) tentativa de trazer certa segurança às relações jurídicas, tentando impedir a compensação nos casos em que o contribuinte contesta a validade do tributo, até a decisão definitiva do judiciário, para que ocorra a definição do quantum realmente devido a título do tributo questionado, se poderá efetivamente abatê-lo do crédito existente, evitando variados procedimentos administrativos, caso a compensação seja efetivada e depois o contribuinte seja considerado como não-devedor, o que acarretaria novas compensações.

Não havendo, portanto, nenhum prejuízo para as partes.

Óbvio, portanto, que pode e deve o judiciário, através de todos os seus órgãos, permitir e determinar, de forma antecipada, a compensação dos créditos dos contribuintes, resguardado o direito da administração pública verificar a correção dos procedimentos, para somente então ocorrer a quitação do débito, mediante o aproveitamento de todos os tributos devidos pelo Contribuinte, excetuando-se aqueles que tenham sua validade/existência sendo discutida judicialmente pelo sujeito passivo, que é justamente o que prevê a norma em destaque.

Temos ainda a fortalecer tal entendimento a incongruência dos pensamentos diversos, que absurdamente pretendem que onde o judiciário teria sido impedido de agir a administração poderia atuar, afinal, validado tal entendimento de que o art. 170-A impede a compensação dos créditos do contribuinte, o Poder Judiciário estaria impedido de permitir a compensação antes da decisão final dos processos onde se discutisse o crédito do contribuinte, contudo, na esfera administrativa, poderia o órgão permitir a mesma compensação.

E, por fim, com a conclusão aqui apresentada, de forma diferente de outras teorias, não haveria qualquer ferimento aos princípios constitucionais, que prevêem que nenhum pedido poderá ser excluído da apreciação do Poder Judiciário.

Em resumo, o Art. 170-A, do CTN, instalado pela LC 104/01, não traz qualquer prejuízo para o contribuinte, vindo apenas ressalvar a segurança jurídica, impedindo exclusivamente o aproveitamento de tributos que estejam sendo discutidos, quanto a sua validade/existência, pelo próprio contribuinte.

Em todos os casos de compensação (e são vários, o que será melhor analisado em outro estudo), pois tanto aquela prevista na Lei 8.383/91, art. 66 e suas alterações, que pode ser feita sem autorização, desde que entre tributos da mesma espécie da qual se originou o crédito, quanto aquela prevista pela Lei 9.430/96, arts. 73 e 74, que prevê o requerimento ao órgão administrativo, contudo, podendo aproveitar qualquer tributo ou contribuição administrado pela mesma secretaria, sem contar até mesmo, para aqueles que assim entendem, aquela compensação prevista elo próprio art. 170 do CTN, ainda, diriam, pendente de regulamentação (pois depende de liquidez e certeza), ficam condicionadas, sem qualquer prejuízo, aos ditames do art. 170-A do CTN que trata de forma geral a hipótese, de maneira que toda e qualquer compensação somente pode ser efetivada com o aproveitamento de tributo não questionado/contestado pelo sujeito passivo.

Inclusive nos casos de IPI e semelhantes, onde não há recolhimento indevido, mas existem créditos extemporâneos não aproveitados, tal situação também será cabível, por óbvio.

Portanto, não se pode permitir a continuidade e difusão desta falácia, que já atinge até mesmo os nobres julgadores pátrios, que com suas decisões equivocadas vêm causando graves prejuízos aos contribuintes, que é o absurdo entendimento de que o artigo mencionado traz em si a intenção política dos seus fomentadores; na verdade, o estudo sério e atento do mencionado dispositivo legal, como visto, nos faz perceber clara e distintamente que a legislação se volta para outras plagas.

Assim, deve-se esquecer, quando da análise da norma, a intenção supostamente oculta no citado artigo de impedir qualquer compensação antes do trânsito em julgado da própria decisão do pedido de compensação, para, analisando-o de forma objetiva e metódica, perceber-se sem qualquer assombro que, em todas as modalidades de compensação, ainda persiste a possibilidade inquebrantável de se proceder à compensação de forma imediata, através de concessão de liminares ou antecipação de tutela, existindo agora somente um empecilho, que seja o aproveitamento de tributo que esteja sendo discutido pelo contribuinte, até porque, somente após a decisão desta discussão se terá certeza da existência de obrigação de pagamento por parte do contribuinte e, conseqüetemente, da existência real de crédito tributário a ser aproveitado; outros raciocínios, qualquer análise mais acurada demonstrará que, além de ferirem frontalmente a Constituição Federal em vários momentos, também atingem de forma irreparável os mais comezinhos princípios de direito e de hermenêutica.

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Sobre o autor
Gildo Dalto Junior

advogado, pós-graduando em Direito Tributário, membro do CIPET

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DALTO JUNIOR, Gildo. A grande falácia em torno do art. 170-a do CTN. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 73, 14 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4219. Acesso em: 5 nov. 2024.

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