Apesar da incessante elaboração normativa e jurisprudencial acerca do ICMS, muitas questões ainda merecem uma análise, máxime, as que se referem ao estorno de crédito, quando as mercadorias são objeto de saída com base de cálculo inferior à operação de entrada.
No caso "in comento", quando se constata vendas com base de cálculo inferior as de entradas, o procedimento adotado pelos auditores fiscais enseja o estorno do crédito proporcional à redução, conforme podemos observar na transcrição ipsis literis abaixo:
"Art. 85. O sujeito passivo deverá efetuar estorno do imposto de que se tiver creditado sempre que o serviço tomado ou a mercadoria entrada no estabelecimento, observado o disposto no § 6º:
III - for objeto de saída com base de cálculo inferior à operação de entrada, hipótese em que o valor do estorno será proporcional à redução;"
(RICMS-PB)No caso vertente, após o exame exegético da norma supra, observamos que a empresa deverá estornar o crédito do ICMS, proporcional a diferença verificada entre o preço de custo e o de venda, quanto este for menor, assim, ao perfilhar essa tese, mister se faz ressaltar que não discordamos da exigência relativa ao estorno, haja vista o disciplinamento está hialinamente contido no RICMS, o que não concordamos, é a maneira como se efetua o estorno.
Pois, o glosamento do crédito efetuado compulsória e diretamente, quando da aplicação do percentual proporcional à diferença entre o preço de custo e o preço de venda, evidencia grave atentado ao princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS, caso não seja feito com critério e respeitando o princípio retro mencionado, o qual é previsto na inteligência emergente do art. 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal.
Destarte, é de bom alvitre tecermos algumas considerações no intróito de nossas fundamentações, com o intuito precípuo de esposarmos nosso entendimento, pois, comungamos com a exigência quanto ao estorno proporcional do crédito, em virtude de vendas com base de cálculo inferior ao custo de aquisição, porém, mister se faz restringir a interpretação de tal norma ao princípio constitucional da não-cumulatividade tributária, que assim dispõe:
"Art. 155 –. ...............................................................
§ 2º - O imposto previsto no inciso I, "b", atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal."
Visto tal disciplinamento ter sido incorporado na íntegra à Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996, pelo art. 19, conforme transcrição ipsis literis abaixo:
"Art. 19 – O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado."
"In casu",
é pacífico e uníssono que qualquer tributo previsto no sistema tributário consagrado pela Constituição de 5 de outubro de 1998, tem as regras básicas de seu regime jurídico tributário fixadas, primordialmente, pela Carta Política, e o ICMS não constitui exceção, porque, segundo o ordenamento constitucional brasileiro, a Constituição é o instrumento legislativo próprio para definir e delimitar competências tributárias.Ora, o exercício dessa competência tributária, também conceituada como o poder atribuído a uma pessoa jurídica de direito público interno, para instituir, cobrar e fiscalizar a arrecadação de tributos, é regido por princípios dos quais o outorgado, titular da competência, não pode se afastar, assim, ao atribuir competência aos Estados e ao Distrito Federal, para instituir o ICMS, através do art. 155, inciso I, alínea "b", o legislador constituinte submeteu, ao § 2º, inciso I, do mesmo artigo, a instituição do ICMS à observância ao princípio da não-cumulatividade.
Destarte, nota-se que o dispositivo constitucional, ao estabelecer a não-cumulatividade do ICMS com base no sistema de compensação de débitos e créditos escriturais, utiliza, em relação ao imposto, às expressões "devido" e "cobrado", pois quando o legislador constituinte refere-se ao ICMS, utilizando o termo "devido", ele contempla a obrigação tributária do imposto em tese, isto é, em sua generalidade, sem distinguir qualquer hipótese de afastamento dessa obrigação por força de normas de imunidade, de isenção, de exclusão do objeto da obrigação, de suspensão e outras espécie de exoneração da mesma.
Assim, o legislador constituinte parte do pressuposto, puro e simples, de que o imposto é devido naquela operação ou prestação praticada pelo contribuinte. Todavia, ao se referir ao "montante cobrado", o legislador constituinte não parte do mesmo pressuposto, pois contempla apenas a obrigação tributária em concreto, não mais em tese, ou seja, aquela que foi efetivamente exigida e paga, pelo contribuinte, na operação anterior, destarte, imposto devido não significa, necessariamente, imposto cobrado, pois o imposto pode ser devido e não ser cobrado, por força de uma isenção, por exemplo, outra, porque imposto devido e imposto cobrado geram efeitos distintos, dessa forma, o fato de o imposto ser devido pode, ou não, autorizar a apropriação de crédito fiscal, o imposto cobrado sempre autoriza essa apropriação.
Ao perfilhar essa tese, chegamos à ilação de que a compensação dos débitos e créditos do ICMS nas operações anteriores e posteriores com uma mesma mercadoria ou serviço, operam da seguinte maneira:
"O montante do imposto cobrado no ingresso da mercadoria ou serviço no estabelecimento pode ser compensado com o imposto devido na saída dessa mercadoria ou na prestação de um serviço subseqüente, se este imposto for efetivamente exigível e recolhido e na proporção do valor efetivamente pago quando da entrada."
Diante dessas considerações, mister se faz nos reportarmos ao procedimento geralmente utilizado pelos fazendários quando da exigência do estorno, visto o cuidado que se deve ter ao efetuá-lo, tendo em vista não se poder ultrapassar o limite delineado pelo princípio da não-cumulatividade tributária.
Portanto, urge ressaltar que o disciplinamento norteador do estorno do crédito proporcional à redução, tem sua literalidade esposado de maneira mais cristalina, quando interpretamos que o estorno do crédito se dá quando o crédito apropriado na ocasião de sua entrada no estabelecimento for superior à carga tributária incidente na saída da mercadoria (débito).
Pelo exposto, infere-se que a condição sine qua non para a exigência do estorno se avulta quando o crédito fiscal lançado em conseqüência das entradas (crédito), for superior a carga tributária incidente sobre as saídas das mercadorias (débito), ou seja, não caberia a exigência do estorno do crédito proporcional, quando a carga tributária da saída (débito) for superior ao crédito fiscal lançado, sob pena de ferir o princípio da não-cumulatividade tributária, então vejamos:
=> Exemplo I:
OPERAÇÃO |
VALOR BC |
ALÍ. |
ICMS CRÉDITO |
ICMS DÉBITO |
Entrada |
1.000,00 |
7% |
70,00 |
|
Saída redução |
800,00 |
17% |
136,00 |
|
Saldo Devedor |
66,00 |
No exemplo supra, vislumbra-se que o crédito lançado se reportou a R$ 70,00, valor este pago quando da entrada das mercadorias no estabelecimento, enquanto o débito pela saída enseja a quantia de R$ 136,00, assim, como o ICMS é um imposto não cumulativo, o disciplinamento dominante prevê que deverá se compensado do valor a ser recolhido ao Erário Estadual quando das saídas das mercadorias, na ordem de R$ 136,00 (débito), a quantia anteriormente paga quando da aquisição das mercadorias, no valor de R$ 70,00 (crédito), devendo ser recolhido aos cofres estaduais, de acordo com a não-cumulatividade do ICMS, o valor de R$ 66,00, sendo bom lembrar, que a carga tributária total recolhida na operação, deve ser de 17%, que no caso em tela, corresponde a R$ 66,00 (136,00 – 70,00), valor a ser recolhido referente à operação de saída das mercadorias, acrescido dos R$ 70,00 (pago quando da aquisição das mercadorias), perfazendo de carga tributária total recolhida na operação o montante de R$ 136,00 (70,00 + 66,00), correspondente aos 17%, que seria a carga tributária paga na operação, respeitando assim o princípio da não-cumulatividade tributária.
Porém, no caso de se exigir o estorno proporcional do crédito fiscal, mesmo tendo sido o débito fiscal relativo à saída, maior que o crédito lançado, estaríamos, além de ferindo o princípio da não-cumulatividade, levando o contribuinte a recolher como carga tributária total da operação, um valor bem superior aos 17% legalmente exigidos, pois é uníssono o entendimento de ser a base de cálculo do ICMS o valor da operação, independente desse valor ser maior ou menor que o preço de custo da mercadoria, dessa forma, conforme vislumbramos no exemplo II, abaixo, ao se exigir o estorno proporcional do crédito relativo à redução da base de cálculo (20%), sem levarmos em conta se o débito da saída foi superior ou inferior ao crédito fiscal lançado, estaremos cometendo uma anomalia que afronta a não-cumulatividade do ICMS, ou seja, o crédito a ser compensado com o débito no momento das saídas das mercadorias seria de R$ 56,00 (70,00 – 14,00 (20%) = 56,00), onde o valor recolhido no momento da saída das mercadorias seria de R$ 80,00 (136,00 (débito) – 56,00 (crédito) = 80,00), ensejando assim, a clara ilação de que, procedendo dessa forma, no final, o contribuinte iria recolher como carga tributária total na operação, o percentual de 18,75%, equivalente à quantia de R$ 150,00, que corresponde a R$ 70,00 (pago efetivamente quando da aquisição das mercadorias), e R$ 80,00 (pago quando das saídas das mercadorias), e não o percentual de carga tributária de 17%, que seria o legalmente exigível para a operação, equivalente a R$ 136,00, conforme podemos observar abaixo:
=> Exemplo II:
OPERAÇÃO |
VALOR BC |
ALÍ. |
ICMS CRÉDITO |
ICMS DÉBITO |
Entrada |
1.000,00 |
7% |
70,00 |
|
Saída |
800,00 |
17% |
136,00 |
|
Estorno Propor. |
(14,00) |
|||
V. Crédito |
56,00 |
|||
Saldo Devedor |
80,00 |
Obs: A carga tributária total recolhida na operação (70,00 + 80,00 = 150,00), equivale a 18,75%.
No caso em tela, a ilação a que se chega é de que ao se exigir o estorno proporcional do crédito, quando o débito fiscal relativo à saída for maior, o Fisco Estadual estará exigindo que o contribuinte assuma o ônus de uma carga tributária bem superior a legalmente aceitável e exigível, que seria de 17% para a operação efetuada, pois como é cediço, a base de cálculo é o valor da operação, já que o confronto a ser feito para a aferição da não-cumulatividade tributária se lastreia na conta gráfica do ICMS (crédito e débito), e não na base de cálculo da operação, comprovando assim, que o estorno proporcional do crédito fiscal, no caso do débito fiscal da saída ser maior, enseja uma hialina afronta ao princípio constitucional da não-cumulatividade tributária, inadmissível no ordenamento jurídico vigente, pois a proibição de compensar no débito pela saída, o percentual relativo ao estorno, enseja a transferência para etapa mercantil posterior de uma carga tributária acima dos 17%, no caso de uma operação interna, maculando assim, o objetivo primordial da não-cumulatividade do ICMS, quanto ao seu aspecto teleológico, que é evitar o abominável imposto em cascata, conforme está provado acima.
Posto que, infere-se que o estorno proporcional só teria amparo legal nos caso em que o débito fiscal, quando da saída das mercadorias, fosse menor que o crédito fiscal lançado no momento da aquisição das mercadorias, ai sim, neste caso, a empresa teria de estornar o crédito até o limite do débito fiscal aplicado na saída das mercadorias, conforme podemos observar no exemplo III, infracitado:
=> Exemplo III:
OPERAÇÃO |
VALOR BC |
ALÍ. |
ICMS CRÉDITO |
ICMS DÉBITO |
Entrada |
1.000,00 |
17% |
170,00 |
|
Saída |
800,00 |
17% |
136,00 |
|
A Estornar |
(34,00) |
|||
Crédito |
136,00 |
No caso vertente, após perscrutarmos o exemplo supra, aflora a evidência de que deve ser exigido o estorno do crédito fiscal na ordem de R$ 34,00, pois é corolário do princípio da não-cumulatividade, que o valor pago na entrada (crédito) deverá compensar o valor a ser recolhido quando da saída (débito), haja vista não ser cabível o aproveitamento do excesso de crédito, quando o débito fiscal da saída for menor que o crédito fiscal lançado na entrada, devendo, ai sim, haver a exigência do estorno, conforme podemos observar no exemplo supra.
"Ex positis",
a ilação a que se chega após as considerações tecidas, é de que o estorno do crédito se dá quando o crédito fiscal apropriado na ocasião da entrada da mercadoria no estabelecimento for superior a carga tributária incidente na saída da mercadoria (débito), portanto, sendo constatada venda de mercadorias com base de cálculo inferior a de entrada, é prudente se proceder, a priori, a análise da conta gráfica do ICMS, com o intuito de verificar se o valor do crédito é superior ao débito lançado em virtude das saídas, caso positivo, proceder ao estorno do crédito proporcional até o limite do débito lançado, conforme exemplo II, sob pena de ferir o princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS.Lembrando que, quando do cálculo do estorno, não se deve aplicar diretamente no crédito fiscal lançado o percentual da proporção relativo à redução da base de cálculo, pois o procedimento mais justo para a obtenção do percentual a estornar, enseja que se aplique o percentual de redução de base de cálculo nos valores de saídas, para a posteriori, com base no confronto com o valor de entrada, encontrar o percentual a ser estornado.
"In fine",
é de bom alvitre ressaltar que a contumácia por parte da fiscalização no tocante a mantença do procedimento do estorno proporcional aplicado diretamente ao crédito fiscal lançado, sem a observância da não-cumulatividade do ICMS, além de ser deletéria ao contribuinte, afronta um princípio constitucional.