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A análise da prova no processo do trabalho

20/09/2003 às 00:00
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O Processo do Trabalho, enquanto ciência, possui princípios e regras próprias, às vezes bastante distintos daqueles encontrados no Processo Civil e Penal. Da mesma forma, a prática trabalhista difere sobremaneira daquela existente nos demais foros.

Isso porque, no processo trabalhista, na grande maioria das vezes se confrontam duas partes, sendo uma delas detentora de capital e recursos suficientes para suportar verdadeiras batalhas judiciais, enquanto outra é hipossuficiente, buscando na Justiça Obreira a satisfação de direitos básicos necessários à sua própria sobrevivência. Dessa situação decorre a diferença real entre as partes, de certa forma compensada pela proteção dada ao trabalhador pelo direito material. Evidente que esse equilíbrio gerado pela lei nem sempre é suficiente, sendo que na prática o empregado normalmente se vê, mesmo perante o juiz, em posição desvantajosa em relação ao seu antigo empregador.

Essa desvantagem é notada principalmente no campo das provas, onde a empresa, além de ter grande parte delas em seu poder antes do processo (controles de jornada, recibos de pagamento, atestados médicos, etc.), tem uma maior facilidade na produção de outras provas na instrução processual, como acontece com as testemunhas, perícia técnica, etc.

Destaca-se ainda que algumas das provas utilizadas no processo são produzidas numa fase pré-processual, quando o direito do empregado começa a ser lesado. Explicamos. É com o contrato de trabalho que surgem os direitos do empregado, e é no seu decorrer que eventual lesão ocorre. Como a prova visa demonstrar a existência de um fato, normalmente ela nasce no mesmo momento daquele (testemunha que vê um acontecimento, pagamento que é efetuado, etc.), especialmente as provas documentais. Assim, além de ter em mãos tais documentos antes da própria propositura da ação, a empresa pode, utilizando de seu poder de comando sobre o empregado, produzir a prova da maneira que melhor lhe convir. Isso acontece especialmente com os controles de jornada e registros de vendas/comissões, quando o empregado é compelido à anotar, não necessariamente a realidade, mas sim aquilo que lhe é determinado por seu empregador.

Essa prova, apesar de não ser absoluta (trata-se de presunção juris tantum) tem plena validade, se não produzida prova em contrário no processo. Sucede que essa contraprova, além da dificuldade em sua produção, muitas vezes não possui a "clareza" esperada pelo juiz. Isso porque, enquanto o documento apresenta dias e horários precisos ou valores expressos, a prova do empregado muitas vezes é falha, imprecisa e até mesmo confusa, justamente porque ele tem de utilizar meios inadequados para provar (ou melhor, desmentir a prova da empresa) fatos e situações discutidas no processo.

É sabido que a maior prova de que dispõe o empregado é a testemunhal. Embora seja um tipo de prova arriscada – afinal de contas o ser humano normalmente inclui a sua própria visão dos fatos ao relatar um acontecimento – muitas vezes é a única disponível. Também é sabido que a testemunha nem sempre age como um anjo da guarda, acompanhando o obreiro durante toda sua jornada de trabalho, ou mesmo estando atento a cada detalhe, por mais insignificante que possa lhe parecer.

O que muitas vezes acontece é a exigência de que a testemunha diga aquilo que o julgador quer ouvir ou que esclareça os fatos segundo a ótica da justiça, e não dela própria. Tal comportamento é inaceitável. Primeiro, porque dispõe o juiz dos meios necessários para evitar as testemunhas "preparadas", bem como para coibir aquelas que vão à juízo para faltar com a verdade. As demais devem ser ouvidas de maneira a extrair-se a verdade dos fatos, lembrando que, como o próprio CPC estabelece em seu artigo 415, a testemunha deve prestar o compromisso de dizer a verdade "daquilo que souber", não sendo exigível, obviamente, que a testemunha saiba de toda a verdade, ou que conheça todos os fatos que envolvem a lide.

Em segundo lugar, deve-se ter em mente que a testemunha normalmente relata os fatos da forma por ela percebida. Embora nem sempre possa precisar exatamente se a tese do empregado ou da empresa é a correta, as informações por ela prestadas servem como base para que o juiz possa estabelecer um raciocínio lógico e com isso alcançar a verdade. Se a prova testemunhal dá indícios de que os documentos juntados pela empresa não refletem a verdade, mesmo que não indique precisamente os fatos ocorridos, certamente restará comprovado que a prova trazida pela empresa, especialmente aquela criada antes do processo, não merece fé.

Ao lado da prova testemunhal existe a confissão da empresa, que pode ser expontânea (quando a própria empresa reconhece como verdadeira a tese do empregado) ou provocada (através do desconhecimento de certos fatos pertinentes ou mesmo da incongruência das afirmações prestadas). Muitas vezes a confissão é a única prova de que dispõe o empregado, pois os documentos ficam em poder da empresa, e as testemunhas ou têm receio de depor (por continuarem laborando no mesmo local) ou sequer existem, como é o caso dos trabalhadores que trabalham sozinhos, como motoristas, vigias, etc. Deve assim o depoimento pessoal do representante da empresa ser sabiamente explorado, tanto pelo juiz quanto pelo patrono do empregado, pois muitas ações são julgadas com base na confissão extraída da parte. Da mesma forma, o depoimento pessoal do empregado nunca deve ser dispensado, pois com ele também é possível desmascarar pretensões infundadas e descabidas.

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Contudo a prática de perguntas capciosas deve não só ser evitada, mas abolida dos corredores judiciários. O simples questionamento sobre as anotações dos cartões ponto, por exemplo, pode levar o empregado a dar uma resposta insuficiente, utilizando-se o juiz para ter como confessado por ele que todas as informações ali constantes são verdadeiras (mesmo que conste afirmação contrária na peça inicial). O mesmo ocorre com a empresa que, quando seu preposto desconhece o horário de repouso e alimentação do ex-funcionário, é tido como certa a mera alegação de que ele não possuía intervalo algum.

Esse quadro desastroso da análise e produção da prova no processo do trabalho certamente precisa ser combatido, seja pela utilização de meios mais eficientes de controle dos documentos produzidos por parte da empresa, seja pelo procedimento ético por parte dos advogados (tanto na defesa do empregado quanto da empresa), e também pela conscientização do juiz em não se ater apenas às formalidades da lei, mas buscar efetivamente a verdade real. A efetivação da justiça depende da correta noção dos fatos que envolvem a lide, e se a prova existente no processo não for devidamente analisada, aquele objetivo não será alcançado.

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Sobre o autor
Luiz Fernando Pereira

advogado em Joinville (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Luiz Fernando. A análise da prova no processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 79, 20 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4231. Acesso em: 16 abr. 2024.

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