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Os concursos públicos e os procedimentos de verificação da condição de candidato negro

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08/10/2015 às 10:38
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4. Critérios que poderiam ser considerados como objetivos, de uma breve análise jurisprudencial.

Embora sejam apenas introdutórios, tenho que alguns critérios poderão ser considerados para o exame da validade da autodeclaração de cor preta ou parda, embora, não sejam critérios estanques e que solucionem todos os casos com os quais o Poder Judiciário, inevitavelmente, se deparará. Os apresentados têm conta, em especial, que as ações afirmativas são temporárias e, por isso, se findarão em tempo, talvez, não tão demasiadamente longo.

4.1. Da autodeclaração negra anterior à Lei 12.990/2014.

Se autor se autodeclarava negro desde antes da Lei 12.990/2014, negro deverá ser considerado. Trata-se, efetivamente, de autoidentificação, de modo que qualquer ato que impeça a parte autora de assim continuar se autoidentificando é absolutamente discriminatório e ilegal (art. 3, IV, da CF).

4.2. Se os pais do candidato são negros.

Ademais, se os pais do candidato forem negros, assim se autoidentificando, e conseguir-se comprovar isso por meio de documentação, como certidões e outras, também anteriores à Lei 12.990/2014, cabível a inscrição do filho no sistema de cotas: as chances de filho branco nascer seriam reduzidas, de modo que deve ser admitida a inscrição do candidato.

4.3. Se irmão do candidato for negro e já tiver sido admitida sua inscrição para concorrer ao sistema de cotas em outros certames.

Se houver irmão bilateral[14] negro já admitido a concorrer no sistema de cotas, os outros irmãos bilaterais deverão ser admitidos, a menos que provada patente ilegalidade da admissão do primeiro irmão ao sistema de cotas. Veja-se que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em casos como estes de irmãos bilaterais, é explícito ao conceder o direito do candidato a concorrer às vagas reservadas aos negros:

MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. ENSINO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. MATÉRIA AFETA AO MÉRITO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. REJEIÇÃO. SISTEMA DE COTAS PARA NEGROS. IRMÃOS BILATERAIS. CONCLUSÃO PELA MESMA RAÇA. OBVIEDADE. INCLUSÃO DA IMPETRANTE NA RAÇA NEGRA PARA FINS DE INGRESSO. TEORIA DO FATO CONSUMADO. APLICAÇÃO. (...)  III - Não se posta razoável a conclusão pela diversidade de raças estabelecida entre irmãos bilaterais, pertencentes ao mesmo pai e a mesma mãe, porquanto, por obviedade, ambos possuem a mesma herança genética, cultural, social e econômica. Assim, é ilegal o ato de exclusão da Impetrante do sistema de cotas racial da UnB, com apoio tão-somente na cor da pele (fotografia), quando o seu irmão bilateral, no mesmo exame seletivo, foi considerado negro para ingresso pelo sistema de cotas noutro curso.  (...) (AMS 0041243-89.2010.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, Rel.Conv. JUÍZA FEDERAL HIND GHASSAN KAYATH (CONV.), SEXTA TURMA, e-DJF1 p.337 de 12/02/2014)

Deste modo, é ilegal a eliminação daquele que tem irmão bilateral reconhecidamente negro que já fora admitido a concorrer pelo sistema de cotas.


5. Conclusão

A única conclusão deste rápido ensaio é a de que o tema demanda rápido, aprofundado e cuidadoso estudo e providências legislativas, não só para evitar a nulificação do sistema de cotas para negros, mas, ainda, para se evitar inseguranças jurídicas, ilegalidades e o próprio abarrotamento do já assoberbado Poder Judiciário.


Notas

[2] Deixo de citar nomes, pois o artigo tem o fim de examinar a questão em tese, sendo desnecessário apontar nomes.

[3] Art. 2o da Lei 12.990/2014: Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

[4] Relato histórico baseado na Nota Técnica IBGE. Cf. em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/caracteristicas_raciais/notas_tecnicas.pdf

[5] Idem.

[6] Caboclo: mestiço de branco com o índio. Indígena brasileiro de cor cobreada (dicionário Michaelis).

[7] Mestiço: é o indivíduo proveniente do cruzamento de raças diferentes. O termo mestiço, então, passou a ser utilizado para os produtos das uniões de pertos e brancos e de caboclo para classificar os índios e seus descendentes.

[8] Cf. idem. p.14.

[9] Esclarecemos que o IBGE não realiza nenhuma análise ou investigação, sobre a veracidade ou não das respostas obtidas junto aos informantes em suas pesquisas. Como esclarecemos anteriormente, o IBGE utiliza o método da autodeclaração, que se baseia na resposta espontânea do indivíduo. (Atendimento Número: 86667/2015 – 1, prestado pelo IBGE, em consulta feita pelo ora autor).

[10] Dados da Tabela 1.3.1., Resultados do Universo, do Censo Demográfico de 2010, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE, considerando a autodeclaração dos entrevistados.

[11] Exposição de Motivos do PL 6738-2013 que deu origem à Lei 12.990/2014.

[12] Art. 1º, inciso IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;

[13] Art. 3o  Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1o desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas, em proporção no mínimo igual à de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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[14] Irmãos bilaterais são os gerados de mesmo pai e mesma mãe.

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Sobre o autor
Hugo Fidelis Batista

É Procurador do Distrito Federal e foi Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Assessor de Ministro do TST e assistente de Ministro do STF. Graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Goiás, tendo-se pós-graduado em Direito Processual pela Unisul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Hugo Fidelis. Os concursos públicos e os procedimentos de verificação da condição de candidato negro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4481, 8 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42312. Acesso em: 23 abr. 2024.

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