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A inconstitucional vedação ao parcelamento do ICMS incidente nas operações de importação no Estado de São Paulo

Leia nesta página:

A legislação estadual de São Paulo que dispõe sobre o parcelamento do débito fiscal incorreu em afronta ao princípio da isonomia, pois concedeu o "benefício" somente a determinados contribuintes.

I.Contornos iniciais

A sigla ICMS, como já amplamente conhecido, alberga também diversas operações, dentre as quais encontramos a prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal, a circulação de mercadorias, a prestação de serviços de comunicação, e ainda, as operações de importação, sendo que para este último fato, consideramos como sendo a hipótese de incidência do Imposto Estadual de Importação.

Foi através do advento da Emenda Constitucional nº 23/83 que o ICMS passou, de forma expressa, a incidir nas importações, mas anteriormente, os Estados-membros e o Distrito Federal exigiam essa obrigação tributária dos contribuintes, consubstanciados tão somente na legislação infraconstitucional e com o respaldo do Supremo Tribunal Federal.

Nos dias atuais, a previsão para a incidência do ICMS nas operações de importação encontra-se estampado na alínea "a", inciso XI, § 2º do artigo 155 da Constituição Federal, dispositivo este que sofreu algumas alterações, em especial pela Emenda Constitucional nº 33/02, sendo que hoje encontra-se com a seguinte redação:

"IX – incidirá também: (o ICMS)

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importada do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;" (grifo nosso).

De forma explícita, ou através de uma interpretação dos termos constantes nesta norma, podemos delinear a regra-matriz do Imposto Estadual de Importação, que em síntese seria a seguinte:

Critério Material

A realização de operações relativas à importação do exterior de bens, mercadorias ou dos serviços prestados no exterior.

Critério Pessoal

Sujeito Ativo: Estados-membros

Sujeito Passivo: pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto.

Critério Espacial

Território do Estado-membro ou Distrito Federal onde ocorrer a entrada física da mercadoria ou bem.

Critério Temporal

Desembaraço Aduaneiro de Mercadorias ou Bens importados do exterior (Lei Complementar nº 87/96 – artigo 12, inciso IX).

Critério Quantitativo

Base de Cálculo: Valor da Mercadoria, bem ou serviço.

Alíquota: Variável, dependendo da mercadoria ou território destinatário do objeto da importação.

Estes são os elementos que possibilitam aos Estados e aos contribuintes identificar a incidência do ICMS e possibilitar quantificá-lo para a efetivação da importação. No Estado de São Paulo, o ICMS foi instituído pela Lei 6.374 de 02.03.1989, e regulado pelo Decreto nº 45.490 de 30.11.2000 que passou a surtir efeitos a partir de 1º.01.2001, sendo denominado como o Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo.

As normas estaduais em questão, dispõem sobre a incidência deste imposto nas operações de importação da mesma forma que a Constituição da República e a Lei Complementar, ou seja, irá incidir na entrada de bem ou mercadoria estrangeira, tendo como momento de ocorrência do fato gerador o do desembaraço aduaneiro (artigo 2º, inciso IV do RICMS e da Lei 6.374/89), que é distinto do instituto do despacho aduaneiro.

Além de regular o momento do fato gerador, o RICMS no artigo 115, inciso I, determina o momento para o recolhimento do ICMS na importação, tendo como limite o momento do desembaraço aduaneiro, fato este que é reforçado no § 6º do artigo 2º da Lei 6.374/89. Tanto assim o é, que caso não seja comprovado o pagamento do referido imposto, a mercadoria ou bem não poderá ser entregue ao importador, vedação esta que podemos verificar no § 1º, item 2, do artigo 2º do RICMS, "in verbis":

"2 – após o desembaraço aduaneiro, a entrega pelo depositário, da mercadoria ou bem importados do exterior somente se fará se autorizada pelo órgão responsável pelo seu desembaraço, autorização esta dada à vista do comprovante de pagamento do imposto incidente no ato do despacho aduaneiro, salvo disposição em contrário prevista na legislação" (grifo nosso).

Temos como conceito de despacho aduaneiro, o procedimento administrativo-fiscal, realizado pelos agentes estatais, com o intuito de legalizar a operação de importação, onde serão verificados as declarações prestadas pelo importador e o respectivo recolhimento dos tributos incidentes, a fim de que possa ser confirmado o desembaraço aduaneiro, que de acordo com o artigo 511 do Decreto 4.543/2002, é o ato administrativo que põe fim ao despacho aduaneiro, autorizando a entrega legal da mercadoria ao importador, através da expedição do Comprovante de Importação que irá comprovar a regularidade da importação.

No que pese a inconstitucionalidade da indicação dada pela legislação estadual para o aspecto temporal do ICMS na importação, iremos, para não desviar do enfoque inicial deste estudo, verificar o benefício concedido aos contribuintes para parcelarem seus débitos relativos à este tributo e analisar a possibilidade de utilizá-lo nas operações de importação.


II.O parcelamento de ICMS

Para compreendermos o assunto em sua essência, precisamos inicialmente estabelecer qual seria a sua natureza jurídica. No caso do parcelamento, a natureza jurídica é de modalidade de suspensão do crédito tributário de caráter individual, que muito se assemelha à moratória, mas esta possui caráter geral.

Foi a partir da vigência da Lei Complementar nº 104 de 10 de Janeiro de 2001, que o parcelamento passou a constar expressamente do Código Tributário Nacional, mais especificamente no capítulo que trata da suspensão do crédito tributário, "in verbis":

"Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

(omissis)

VI – o parcelamento".

e

"Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica".

Deste modo, qualquer que seja a lei que discipline a forma de concessão do parcelamento, deverá estar em estrita consonância com os preceitos estabelecidos na Constituição Federal.

No caso do Estado de São Paulo, o Regulamento do ICMS, em seu artigo 570, autoriza o parcelamento do débito fiscal do ICMS que poderá ser recolhido em parcelas mensais e consecutivas, disposição esta que também encontramos na Lei Estadual 6.374/89 (Lei do ICMS), em seu artigo 100, "in verbis":

"Art. 570. O débito fiscal poderá ser recolhido em parcelas mensais e consecutivas, nas condições estabelecidas neste capítulo".

"Art. 100. Os débitos fiscais podem ser recolhidos parceladamente, (...)".

Ocorre que, apesar de a Fazenda Estadual conceder o parcelamento do ICMS, mediante observância de procedimento próprio (procedimento este regulado pela Portaria CAT 19/75), acaba impedindo esta prática no que concerne ao desembaraço aduaneiro de mercadorias destinadas à industrialização ou comercialização, possibilitando o parcelamento somente para as importação de materiais destinados a integrar o ativo fixo das empresas ou para o seu uso ou consumo, ou ainda, para os demais débitos de ICMS.

Essa vedação encontra-se expressamente na alínea "a", inciso IV do artigo 100 da Lei 6.374/89 e no § 5º do artigo 570 do RICMS, sendo que ambos os dispositivos possuem a mesma redação, conforme se verifica abaixo:

"Não será concedido parcelamento de débito fiscal decorrente de: desembaraço aduaneiro de mercadoria importada do exterior, quando destinada à comercialização ou industrialização".

Ora, vejamos a iniqüidade da situação: se por um lado o Fisco autoriza o parcelamento dos débitos fiscais, por outro limita a sua utilização por parte dos importadores de bens e mercadorias destinados à comercialização ou industrialização, tornando, dessa forma, inutilizável esse procedimento por parte de grande parcela das empresas nacionais que se utilizam de mercadorias importadas na industrialização ou comercialização de seus produtos.

Pela redação original do Regulamento anterior (Decreto 33.118/91) em seu artigo 635, § 6º, notamos que até mesmo as importações de mercadorias destinadas à integralização do ativo imobilizado estava vedada ao parcelamento do ICMS, situação essa que só veio a ser acertadamente corrigida com a alteração trazida pelo Decreto 42.821/98, contudo, mantendo a vedação para os produtos destinados à comercialização ou industrialização.


III.Da afronta aos princípios constitucionais

Não obstante isso, através de uma leitura atenta aos dispositivos da atual legislação estadual que dispõe sobre o parcelamento do débito fiscal, verificamos que o legislador ordinário incorreu em uma afronta ao princípio constitucional da isonomia, ao passo em que concedeu o "benefício" do parcelamento a determinados contribuintes e vedou sua utilização por outros contribuintes, que se encontram em situação de equivalência no mercado nacional, situação essa que inclusive infringe o princípio da livre concorrência estampado no artigo 170 do Constituição Federal.

Ora, a inobservância do princípio da igualdade constitui uma verdadeira vedação ao poder de tributar, sendo que inclusive encontra-se, topograficamente, na seção que levou o nome da obra de Aliomar Baleeiro e que impede a atividade instituidora de tributos por parte de todos os entes federativos (União, Estado-membro, Distrito Federal e Municípios). Tal vedação mostra-se da seguinte forma na Carta Constitucional:

"Art. 150. Sem prejuízos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(omissis)

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;"

Sendo os princípios, institutos que protegem valores consagrados pela sociedade, verificamos que o princípio constitucional da isonomia tributária busca garantir a justiça fiscal e impedir que prevaleça a arbitrariedade, onde o Estado prevalece alguns (de seu interesse) em detrimento de outros, que se encontrem em situação similar em relação à tributação.

Ademais, se o Constituição dispôs que é vedado a diferenciação em razão da "ocupação profissional ou função", verificamos que independe qual a operação que dará origem ao parcelamento do ICMS, que poderá ser de compra e venda no mercado interno ou externo.

Infelizmente, podemos verificar que o tratamento desigual dado aos contribuintes para parcelarem seus débitos tributários, não se limita ao âmbito estadual. Em brilhante artigo formulado por Juliana Junqueira Coêlho em parceria com Paula de Abreu Machado Derzi Botelho, [1] percebemos que o legislador violou o princípio da igualdade na medida em que editou as Leis nº 8.620/93 e 9.639/98 que "possibilitaram às empresas públicas e sociedades de economia mista o pagamento parcelado de seus débitos com o INSS, com redução de até 80% no valor da multa moratória" mas com relação às empresas privadas, essas "não foram contempladas com o referido privilégio" isto "em flagrante violação ao princípio da igualdade tributária, que na Constituição de 1988 não é mais princípio implícito, mas expresso e integrante dos direitos e garantias fundamentais do cidadão contribuinte".

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Assim, pela assertiva de Américo Lourenço Masset Lacombe, [2] para quem "a isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional", sem o qual "não há República, não há Federação, não há Democracia, não há Justiça", incabível admitirmos no dito Estado Democrático de Direito Brasileiro, uma escancarada diferenciação tributária entre contribuintes que se encontram em estado de igualdade.

Todavia, o legislador não se limitou a essa inconstitucional restrição, indo mais além, pois acabou em beneficiar aqueles contribuintes inadimplentes em detrimento daqueles que buscam honrar suas obrigações tributária em pé de igualdade com seus concorrentes. A vedação à utilização do parcelamento do ICMS por parte dos importadores de mercadorias destinadas a comercialização ou industrialização, acaba por premiar a inadimplência tributária, acarretando ainda um prejuízo sociais ao passo em que leva cada vez mais contribuintes à sonegação.

Podemos fazer uma analogia da presente situação com a majoração da alíquota da COFINS de 2% para 3% que foi veiculada pela Lei 9.718/98, que, absurdamente, possibilitou a compensação do montante dessa majoração com a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) somente para as empresas que tivessem uma alta lucratividade, impedindo essa sistemática para aqueles que se mantinham estáveis ou até mesmo percebendo prejuízos.

Ou seja, houve uma inversão de valores pelo legislador, que em momento algum atendeu ao princípio da igualdade. Pelo contrário, pois através dessa atitude, alargou ainda mais as diferenças existentes entre os contribuintes, e pendeu para o lado errado da balança ocasionando um enorme desequilíbrio fiscal entre aqueles que estavam em igualdade com a capacidade para tributar.

Tanto a importação como a exportação, não se confundem com um setor ou segmento econômico. Enquanto a exportação representa uma modalidade de venda, a importação, por seu lado, é basicamente uma modalidade de compra que se encontra a disposição de qualquer pessoa que se mostre interessada. Sendo apenas uma modalidade de compra, o Estado (na figura do Poder Executivo e Legislativo), não pode exercer uma interferência tão direta como o faz ao vedar a utilização do parcelamento, pois é fundamento essencial para a ordem econômica nacional, o atendimento ao princípio da livre concorrência, que impede essa atitude estatal realizada de forma exacerbada.

Verificamos ainda que apesar do RICMS vedar a utilização do parcelamento do ICMS nas importações, encontramos na Portaria do Coordenador da Administração Tributária nº 63 de 15.08.2002, que disciplina os procedimentos relacionados com a importação, mais especificamente em seu artigo 9º, inciso VIII, a disposição de que a mercadoria estrangeira poderá ser entregue ao importador sem comprovação do recolhimento do ICMS, através da Guia de Liberação, como podemos analisar na compilação da norma:

"Artigo 9º. O visto na Guia para Liberação será obtido no Posto Fiscal da localidade onde ocorrer o desembaraço aduaneiro, mediante a apresentação, pelo interessado, dos seguintes documentos:

(omissis).

VIII – comprovação de deferimento do pedido de parcelamento...

Ora, neste caso, a Portaria CAT não estabeleceu nenhuma restrição ao tipo de importação realizada, sendo que dessa forma, até mesmo por ser uma norma posterior ao RICMS e por ser uma norma que vincula a administração estadual, podemos afirmar que por essa omissão está garantindo aos contribuintes, qualquer que seja o tipo de importação realizada, requerer o parcelamento do ICMS incidente, situação essa que vem se ajustar a tão desejada justiça tributária, do qual são corolários diversos outros princípios, como o princípio da igualdade e o princípio da livre concorrência, e que está incorporada de forma ampla no preâmbulo da nossa Carta Magna, servindo como norteador de toda atividade estatal e comportamento público, inclusive no que tange à criação de leis e sua aplicação.


IV.Conclusão

O "Imposto Estadual de Importação" é devido nas operações de importação de bens e mercadorias estrangeiras, e lhe foi definido como momento de ocorrência o do desembaraço aduaneiro, e em conseqüência, para que esse procedimento ocorra na sua integralidade (possibilitando a entrega da mercadoria ao importador), é necessário que seja comprovado o pagamento do ICMS ou obtido autorização para a entrega da mercadoria sem a comprovação do pagamento por meio da Guia de Liberação, através de um procedimento especifico.

Ainda, o Estado de São Paulo, tanto no Regulamento do ICMS como na Lei 6.374/89 possibilitam aos contribuintes que possuam débitos dessa natureza, utilizar-se do pedido de parcelamento, instituto esse que possui natureza jurídica de ato capaz de suspender o crédito tributário, de caráter individual.

Contudo, tal procedimento foi vedado às importações de bens ou mercadorias destinadas à comercialização ou industrialização, ocasionando assim, um desequilíbrio entre as relações havidas entre os contribuintes que se encontravam em pé de igualdade, o que acaba por infringir diversos princípios constitucionais de observância obrigatória, como o da igualdade e o da livre iniciativa.

E mais, ao possibilitar o parcelamento para aqueles que se encontram inadimplentes com a administração tributária estadual, o legislador beneficiou o mal pagador, que ao contrário, deveria ser penalizado.

Desta forma, e ainda com a edição da Portaria CAT 63/2002, que não determinou nenhuma restrição à utilização do parcelamento do ICMS nas importações, concluímos que qualquer importador, independente da destinação dada ao objeto da importação, poderá valer-se do benefício concedido do parcelamento do imposto devido, ainda que lhe seja negado esta utilização pela Administração, quando então deverá buscar a proteção do Poder Judiciário, a quem é designada a tarefa de propiciar a vitória da justiça.

Por fim, esperamos que estes traçados iniciais possam ser utilizados pela doutrina nacional, de forma a garantir a plena igualdade de direitos conferidos aos contribuintes, e conseqüentemente, possibilitar a existência de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.


Notas

01. O Princípio da Igualdade Tributária e o Papel do Poder Judiciário no Brasil. Um Caso Concreto. Revista Dialética de Direito Tributário nº 91, abril 2003, p. 72-78.

02. Princípios Constitucionais Tributários. 2ª edição. São Paulo, Malheiros Editores, 2000. p.16.

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Sobre o autor
Rafael Jorge Leite Martins Verri

consultor tributário em São Paulo, contabilista com formação em Comércio Exterior, acadêmico de Direito pela UniFMU, consultor de Direito Empresarial e Tributário da Classe Contábil, sócio do Escritório Nogueira Verri Consultoria Empresarial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERRI, Rafael Jorge Leite Martins. A inconstitucional vedação ao parcelamento do ICMS incidente nas operações de importação no Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 88, 29 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4234. Acesso em: 26 nov. 2024.

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