Decadência na revogação de ato administrativo.

Efeito sanatório do tempo

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É ressabido e rebarbativo dizer que os atos administrativos estão também sujeitos aos efeitos sanatórios do tempo, sendo certo que assim sendo configuram ato jurídico perfeito e acabado.

Sumário: 1. Prescrição e Decadência da Revogação do Ato Administrativo - Artigo 2º do Decreto 20.910/32 c/c artigo 54 da lei 9.784/99; 2. Decadência do Direito de Revogar Ato Praticado Há Mais de 05 anos; 3.; Doutrina; 4. Jurisprudência. 5. Conclusão.


1. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

É ressabido e rebarbativo dizer que os atos administrativos estão também sujeitos aos efeitos sanatórios do tempo, sendo certo que assim sendo configuram ato jurídico perfeito e acabado.

No que pertine ao prazo prescricional das ações e direitos reivindicados contra a Administração Pública, e vice-versa, ainda vige o Decreto 20.910/32, que declara em seu artigo 2º que:

"Prescrevem igualmente no mesmo prazo todo o direito e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem ao meio soldo e ao montepio civil e militar ou a quaisquer restituições ou diferenças."

Sucede que a prescrição elencada pelo citado comando legal não possui como finalidade apenas regular o ingresso de ações por parte dos interessados contra o Poder Público, funcionando também como freio a revogabilidade dos atos administrativos baixados quando a Administração Pública, utilizando-se da faculdade do seu autocontrole, pretende revogar ou até mesmo anulá-los.

Esse raciocínio lógico depreende-se do próprio texto legal, visto que o artigo 2º do Decreto 20.910/32 impõe o prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o exercício de "todo o direito", sem exceção. O que leva o intérprete a concluir que pela dicção do sadio princípio da igualdade, norma assente no caput do artigo 5º da Constituição Federal, a consumação do lapso prescricional é endereçada tanto para o ente público como também para o administrado.

Pensar de modo diverso seria o mesmo que desprezar o Estado Democrático de Direito, ao qual se refere a Constituição Federal no seu artigo 1º.

Portanto, o ente público possui, como regra legal, a faculdade de rever os seus atos administrativos dentro de cinco anos, sob pena de, não o fazendo nesse aprazamento legal, precluir o direito de autotutela em outra oportunidade.

Ratificando o que acabamos de dizer, nada melhor do que se ater ao julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça, que pela voz do conceituado Ministro Relator LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, onde deixou registrado nos anais daquela Corte que a prescrição do ato administrativo afeta o direito do administrado como e, sobretudo, da Administração:

"ADMINISTRATIVO - PRESCRIÇÃO - A prescrição afeta o direito de o credor exigir parcelas do direito ao devedor, a decadência atinge o próprio direito. A prescrição pode ser argüida tanto pela Pública Administração, como pelo servidor. Além do princípio da igualdade, o instituto visa a resguardar, com a seqüência do tempo, a estabilidade das situações jurídicas. Conta-se tempo igual para ambos." [1]

Citado pelo eminente Ministro CERNICCHIARO, o pranteado HELY LOPES MEIRELLES em curtas, porém robustas palavras, assim define a controvérsia:

"A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação (...). O instituto da prescrição administrativa encontra justificativa na necessidade de estabilização das relações entre o administrado e a Administração e entre esta e seus servidores. Transcorrido o prazo prescricional fica a Administração, o administrado ou o servidor impedido de praticar o ato prescrito, sendo inoperante o extemporâneo."[2]

Portanto, se ocorre a prescrição para a Administração revogar seus atos no prazo de 5 (cinco) anos, por igual tal preceito atinge o ato administrativo na sua essência.” [3]


2. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REVOGAR ATO PRATICADO HÁ MAIS DE 05 ANOS

Já a Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, em seu artigo 54, estatui que o Administrador decai de seu direito à revisão após cinco anos, salvo se comprovada má-fé.

A referida lei limitou de modo considerável, o alcance do Enunciado 473, da súmula do Supremo Tribunal Federal, que sempre fora interpretado como se pudesse a Administração Pública efetivar a nulificação quando melhor lhe aprouvesse.

A análise crítica do dispositivo legal em comento, traz uma conclusão induvidosa, a certeza de que o legislador abraçou a tese que os atos administrativos estão sujeitos ao efeito sanatório do tempo, ressalvada exclusivamente a hipótese de má-fé do beneficiário.


3. DOUTRINA

Para corroborar, vale transcrever trechos extraídos do voto do Relator Des. Fed. Rogério Carvalho, na Apelação em Mandado de Segurança n. 97.0239228-4 / RJ, cujo Acórdão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Segunda Região foi unânime:

“....A doutrina adota entendimento favorável à fixação de marco temporal para o agir da Administração Pública. DIÓGENES GASPARINI, à pag..100/101, da 4ª edição de “Direito Administrativo”, Editora Saraiva, preleciona:” prescrevem as ações judiciais e os recursos administrativos pelos quais o administrado, ou a própria Administração Pública, pode pleitear a declaração de invalidação de um ato administrativo? Ao nosso ver, sim. Nada justifica a possibilidade de um ato administrativo vir a ser declarado inválido depois de um longo tempo de sua edição. A entender-se isso factível, estar-se-ia pondo em risco a necessária estabilidade das relações jurídicas após certo tempo em vigência ."

Destarte, decorrido um determinado prazo, o ato, mesmo que inválido, firma-se estabiliza-se, não podendo mais ser invalidado pela Administração Pública ou anulado pelo Judiciário.

Nesse sentido é a lição de Clenício da Silva Duarte, ao afirmar que “as situações irregulares consolidam-se com o decurso do tempo, não sendo mais passíveis de qualquer retificações, seja para melhor ou seja para pior” (RDA 116.368).

Também a esse respeito, diz Hely Lopes Meirelles que

“a prescrição administrativa e a judicial impedem a anulação do âmbito da Administração ou do Poder Judiciário. Ademais, continua esse Autor, justifica-se essa conduta porque o interesse na estabilidade das relações jurídicas existentes entre os administrados e a Administração, ou entre esta e seus servidores, é também de interesse público, tão relevante quanto os demais, impõe-se pois, a estabilização dos atos que superaram os prazos admitidos, para ser alcançada da declaração de sua inatividade. Esse o principal efeito da prescrição. Assim, não prevalece a tese em sentido contrário, isto é, que sustenta ser possível, a qualquer tempo, a decretação da invalidade , defendida por, entre outros, J.H. Meirelles Teixeira (RDA, 101:325). Ademais , em direção oposta a essa inteligência têm sido as decisões de nossos Tribunais (RTJ 45.589; RDA, 134:217; RJTJSP, 38.318). A regra, como já assentou o STF, é a prescritibilidade (RDA, 135:78).”

A análise crítica do dispositivo legal em comento, traz uma conclusão induvidosa, a certeza de que o legislador abraçou a tese que os atos administrativos estão sujeitos ao efeito sanatório do tempo, ressalvada exclusivamente a hipótese de má-fé do beneficiário.


4. JURISPRUDÊNCIA

De há muito vem se consolidando a jurisprudência pátria no sentido do acatamento do prazo decadencial para a prática de ato de revogação, como se vislumbra dos arestos adiante; lavrados mesmo anteriormente à edição da lei 9.784/99:

ADMINISTRATIVO - REVISÃO DE ATO PRATICADO HÁ MAIS DE DEZ ANOS - PRESCRIÇÃO.

I - Os atos administrativos também estão sujeitos a prescrição.

II - Impossibilidade de se rever o ato praticado ha mais de dez anos, sob pena de impossibilitar a sedimentação de situações fáticas já consolidadas pelo decurso do tempo.

III - Apelação e remessa oficial improvidas.

(AMS-98.0201117-7 Rel. Juiz Ney Fonseca. P.10/08/99.

ADMINISTRATIVO – MILITAR – ERRO ADMINISTRATIVO – RETIFICAÇÃO DE REFORMA.

1. Afastadas as preliminares, pois a autoridade federal prestou informações, sendo o ato impugnado da própria autoridade impetrada que, só após 27 anos, deu cumprimento a portaria ministerial que reduziria os proventos da reforma do autor.

2. E certo que a administração não decai de seu poder de anular seus atos ilegais, podendo corrigi-los sempre, a partir do momento que constatar seu erro. Entretanto, o direito do impetrante não pode ser prejudicado pela omissão da autoridade.

3. Assim, se tais omissões administrativas, mantendo atos ilegítimos e operantes a longo, tempo já produziram efeitos perante terceiros de boa fé, há de se deferir a pretensão do autor, confirmando-se a sentença.

4. Remessa oficial a que se nega provimento, em decisão unanime.

Remessa Ex Officio Nº 89.02.08817-0 Relator: juiz Celso Passos turma: 03. Turma julgamento: 19/02/92 Publicação: 09/06/92 FONTE: DJ VOL: PAG: 16463

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Mais recentemente, confira-se o decidido pela Terceira Seção do STJ:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDORES PÚBLICOS. ANISTIA. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA.

“Conforme o disposto no art. 54 da Lei 9.784/99, a Administração Pública tem prazo de cinco anos para anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários.

Na hipótese em que os atos de anistia foram expedidos em outubro de 1994, em setembro de 2000, quando exarado parecer pela anulação dos referidos atos, já fora consumado o prazo decadencial.

Segurança concedida”.

MS 7455/DF; MANDADO DE SEGURANÇA(2001/0039817-0) DJ ATA:18/03/2002 PG:00169 Relator(a)Min. VICENTE LEAL S3 - TERCEIRA SEÇÃO

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança 28.953, adotou entendimento paradigmático sobre a matéria. Nessa ocasião, o ministro Luiz Fux assim esclareceu[4]:

No próprio Superior Tribunal de Justiça, onde ocupei durante dez anos a Turma de Direito Público, a minha leitura era exatamente essa, igual à da ministra Carmen Lúcia; quer dizer, a administração tem cinco anos para concluir e anular o ato administrativo, e não para iniciar o procedimento administrativo. Em cinco anos tem que estar anulado o ato administrativo, sob pena de incorrer em decadência (grifo aditado). Eu registro também que é da doutrina do Supremo Tribunal Federal o postulado da segurança jurídica e da proteção da confiança, que são expressões do Estado Democrático de Direito, revelando-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando sobre as relações jurídicas, inclusive, as de Direito Público. De sorte que é absolutamente insustentável o fato de que o Poder Público não se submete também a essa consolidação das situações eventualmente antijurídicas pelo decurso do tempo[5].”


5. CONCLUSÃO

Conclui-se o estudo podendo, com segurança, afirmar que os atos administrativos estão mesmo sujeitos ao efeito sanatório do tempo; seja pela decadência posta no artigo 54 da Lei 9.785/99, seja pela prescrição insculpida no artigo 2º do Decreto 20.910/32; sempre tendo em mente o respeito ao princípio da segurança jurídica que deve reger as relações entre Administração Pública e Administrados.


Notas

[1] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 136.204-RS/97.0041207-5, Relator Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, 6ª Turma, julgado em 21.10.97.

[2] "Direito Administrativo Brasileiro", 1989, 15ª edição, Editora Revista dos Tribunais, página 577.

[3] Artigo do Dr. MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS. DOS INSTITUTOS DA PRESCRIÇÃO E DA PRECLUSÃO NO CAMPO DO DIREITO ADMINISTRATIVO - IMUTABILIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO CONCESSIVO DAS APOSENTADORIAS EXCEPCIONAIS

[4] Gustavo Henrique Linhares Dias é sócio do escritório Torreão, Machado e Linhares Dias Advocacia e Consultoria e especialista em Direito Processual. Em www.conjur.com.br

[5] A relatora, ministra Cármen Lúcia, entendeu que despacho de encaminhamento interno de denúncia, por deixar de conter verdadeira contestação, oposição ou questionamento sobre a validade do ato, não é capaz de ensejar interrupção do prazo decadencial (STF, MS 28.953, relatora Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJe 28/03/2012). O ministro Luiz Fux, enquanto ministro do Superior Tribunal de Justiça, já destacava: “Ora, a Lei não concede à administração cinco anos para iniciar a anulação do ato, por isso que se assim o fosse, a conclusão poder-se-ia eternizar a pretexto de ter-se iniciado tempestivamente. Destarte, a segurança jurídica como bem tutelável em primeiro lugar pela administração não conviveria com tamanha iniquidade e instabilidade. Em resumo, a administração dispõe de cinco anos para efetivamente anular o ato, sob pena de eventual situação antijurídica convalidar-se, como é usual no Direito. A posse de má-fé consolida-se, os atos anuláveis perfectizam-se, os casamentos legitimam-se, as uniões espontâneas também, os impostos indevidos incorporam-se ao patrimônio estatal etc.” (STJ, AgRg no MS 8.692, relator ministro Luiz Fux, 1ª Seção, unânime, DJ 22/04/2003, grifos aditados).

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Sobre o autor
Marcelo Roque Anderson Maciel Avila

Advogado no Rio de Janeiro. Membro Efetivo do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. Pós-Graduado em Direito Administrativo e Administração Pública. Autor dos Livros: Advogando contra a Administração Pública; A Garantia dos Direitos Fundamentais frente as Emendas Constitucionais; Estudos em Direito Público; Manual da Legitimidade Passiva no Mandado de Segurança e Teoria e Pratica do Mandado de Segurança. Além de diversos artigos científicos publicados em Revistas Jurídicas, como LEX; (STF e STJ) e Revista dos Tribunais

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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