Crimes passionais: incidências de qualificadoras

02/09/2015 às 16:31
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Abordagem analítica do crime passional e a incidência de qualificadoras em sua punição conforme os ditames legais e jurisprudenciais.

Resumo

O presente trabalho foi desenvolvido sob a ênfase da incidência das qualificadoras nos crimes passionais, objetivando dar maior visibilidade aos casos, por serem frequentes e, consequentemente, punição severa seguida de inibição a novos casos. Ressalte-se ainda, os nortes expressos na Carta Magna de 1988, a qual fez declinar a tese da legítima defesa da honra.

Palavras-chave: Homicídio passional. Privilegiado. Emoção. Paixão. Qualificadoras.

Introdução

            Em razão da ausência de tipificação aos crimes passionais, aqueles imbuídos de forte emoção, buscou-se através desse trabalho, trazer a discussão acerca da divergência existente entre jurisprudências e doutrinas da atualidade acerca do tema, bem como a comoção que ainda causa na sociedade, dando ensejo a delimitação do tema.

Ao longo do tempo, vários foram os enquadramentos que deram ao homicídio passional, igualmente, várias foram as teses defensivas utilizadas pelos acusados a fim de obter uma absolvição ou uma diminuição da pena.

Desta forma, vislumbra-se aqui a mais adequada forma de punir o autor do homicídio passional diante das situações em que pode ser enquadrado o crime.

Buscando-se interpretações acerca do tema, aludindo-se os entendimentos legislativos e jurisprudenciais.

Sendo assim, haverá análise e conceituação do delito do homicídio, previsto no art. 121 do Código Penal Brasileiro, bem como da responsabilidade do agente do homicídio passional, analisando-se a diferença entre doença mental, requisito da inimputabilidade, e descontrole emocional, o que não isentaria o autor do homicídio passional de pena, e, por fim, conceituando-se a atenuante da “violenta emoção”.

Assim, diante da relevância do tema proposto, objetiva-­se demonstrar se existe uma forma de se tipificar o homicídio passional, se há possibilidade de se fixar um entendimento jurisprudencial sobre esse delito.

1 Homicídio-aspectos gerais

Segundo Cláudio Gastão da Rosa Filho (2006, p. 155), o homicídio é incriminado desde as civilizações mais antigas, apenas mudando a forma como é punido.

O mesmo autor, sobre a historicidade do homicídio destaca:

O primeiro crime de que a humanidade tem notícia deu-se com um homicídio motivado pela invídia ao gozo espiritual de quem realizara o bem, nele vislumbrando o único caminho à contemplação divina. Foi seu autor Caim, o primogênito dos homens, que emudeceu seu irmão Abel com evidente sentimento de torpeza, exteriorizado por meios dissimulatórios. (GASTÂO, 2006, p. 153)

Segundo João Alfredo Medeiros Vieira, (2005, p. 12), o homicídio em sua forma simples é a destruição da vida alheia por outrem, com o dolo simples, ou seja, homicídio comum, porém, sem as outras circunstâncias que revelam por parte do agente um caráter pervertido, cruel e desumano. Conforme arremata Aníbal Bruno “quando se diz que o homicídio é a morte de um homem praticada por outro homem, não se pretende acentuar que deva ser uma ação humana, mas uma ação cometida por outro homem que não seja aquele que vai ser a vítima” (apud ROSA FILHO, 2006, p. 155). Contudo, trata-­se de um dos crimes mais repugnantes, o crime que fere o maior bem tutelado pela humanidade, a vida. A preservação da vida humana é o bem mais protegido pelo nosso ordenamento jurídico, em destaque no caput do art. 5º da Constituição Federal, é reverenciada em vários outros diplomas legais.

Nelson Hungria citando Impallomeni ressaltou que:

Como dizia Impallomeni, todos os direitos partem do direito de viver, pelo que, numa ordem lógica, o primeiro dos bens é o bem vida. O homicídio tem a primazia entre os crimes mais graves, pois é o atentado contra a fonte mesma da ordem e segurança geral, sabendo­se que todos os bens públicos e privados, todas as instituições se fundam sobre o respeito à existência dos indivíduos que compõem o agregado social (apud HUNGRIA, 1955).

Interessante destacar nesse momento, que não se deve confundir o objeto material do crime de homicídio, que é a pessoa a quem recai a conduta, com o bem jurídico que é a vida, o interesse protegido pela lei penal. O objeto material é a pessoa que irá praticar o delito, que é o que é incriminado pela lei penal, por outro lado objeto jurídico, é o que se quer proteger com criminalização do ato de ceifar a vida alheia.

Como descreve Damásio de Jesus (2001, p. 18) não se exige no crime de homicídio, nenhuma qualidade pessoal do sujeito ativo ou passivo. Não se trata de crime próprio, a fim de que se exija uma legitimidade ativa ou passiva especial. Por isso, qualquer ser humano pode ser sujeito ativo ou passivo.

2 Homicídio Privilegiado

Fernando Capez (2003, p.31) diz que é o homicídio que não deixa de ser o tipo básico previsto no caput do tipo penal, porém, traz algumas circunstâncias subjetivas que tornam menos reprovável socialmente a conduta praticada pelo sujeito.

O §1º do art. 121, consiste em uma causa especial de diminuição da pena, que pode ser fixada entre um sexto e um terço, podendo o juiz sentenciante aplicar o quantum que julgar necessário para a reprovação da conduta.

No que tange a obrigatoriedade da aplicação da diminuição da pena, Luiz Regis Prado (2008, p. 68) diz que parte da doutrina se divisa que a diminuição da pena é facultativa, uma vez que a própria Exposição de Motivos (Decreto Lei 2.848/40) se pronunciava nesse sentido. Noutra parte, defende-­se obrigatoriedade da diminuição da sanção penal imposta, com base na soberania do júri, prevista na Constituição Federal, no art. 5º, inciso XXXVIII. Desse modo, por tratar-­se o homicídio de competência do Tribunal do Júri, contudo, se reconhecido o privilégio ínsito no §1º do art. 121, na hipótese de não realização da atenuação prevista, pelo juiz, estar­se­ia diante de uma gritante violação da soberania dos veredictos.

Na doutrina, destaca Damásio E. de Jesus que:

A redução da pena é obrigação do juiz, não obstante o emprego pelo Código Penal da expressão ‘pode’ e o disposto no art. 492, §1º, do Código de Processo Penal que fala da ‘faculdade. Reconhecido o privilégio pelos jurados, não fica ao arbítrio do julgador diminuir ou não a pena (DAMÁSIO, 2001, p. 65).

A jurisprudência por sua vez, foi enfática em tratar a obrigatoriedade da diminuição da pena, pois de acordo com a Súmula 162 do Supremo Tribunal Federal

– STF, sendo reconhecido o privilégio no homicídio, o Juiz tem a obrigação de diminuir a pena, ficando ao seu critério somente determinar apenas o quantum a ser reduzido.  

Nesse sentido Damásio (2001, p. 63) distingue dizendo que o motivo de relevante valor social é aquele que a causa do delito, decorre de um interesse coletivo. [...] E o motivo de relevante valor moral decorre de um interesse particular.

3 Violenta emoção

A definição de emoção violenta, segundo Sebastian Soler “verdadeiro impulso de desordem afetiva, porque este é destrutivo da capacidade reflexiva de frenagem” (apud PRADO, 2002, p. 49).

Para Damásio E. de Jesus “emoção é um estado súbito e passageiro de instabilidade psíquica” (2001, p. 64).

Importante ressaltar nessa oportunidade, que não se confunde a atenuante genérica do art. 65, inciso III, alínea c, do Código Penal, com a última parte da terceira hipótese de homicídio privilegiado, pois nesta o agente se encontra sob o domínio de violenta emoção, realizando a conduta, logo após a provocação da vítima, noutra, ele se acha sob a influência da emoção, não se exigindo, portanto, o requisito do tempo. Nesse contexto, não é privilegiado o homicídio cometido horas ou dias após a provocação da vítima, indispensável então, que a conduta seja imediata.

Porém, mesmo que haja provocação da vítima, caso apareça o agente no local do crime munido de uma arma, demonstrando estar preparado para matar, não será possível reconhecer o privilégio, uma vez que a premeditação é incompatível com o mesmo.

Cumpre lembrar ainda, que é necessário que aja somente provocação da vítima, pois acaso venha aproximar-se de agressão, configurar­ se­ia legítima defesa, a qual o sujeito não responde pelo crime, em face da exclusão da antijuridicidade do delito.

Dentro do tema que abrange este trabalho, Julio Fabrinni Mirabete (2001, p.69) disse que homicídio passional é aquele praticado por amor, porém a paixão só constitui um homicídio privilegiado quando este for praticado por relevante valor social ou moral ou sob a influência de violenta emoção.

Ainda sobre o tema, Pedro Vergara diz que:

A emoção violenta é, as vezes, a exteriorização de outras paixões mais duradouras que se sucedem, se alternam ou se confundem: o ódio, a honra, a ambição. Mas a paixão pode apresentar­se, 'e esta a sua conceituação verdadeiramente científica e exata – como a sistematização de uma ideai que se instala morbidamente no espírito e exige tiranicamente a sua conversão em ato', podendo constituir até uma doença mental (apud, MIRABETE, 2001, p.69).

Desse modo, quando não fica configurado a doença mental e nem o homicídio privilegiado pela violenta emoção, o homicídio passional não é merecedor de nenhuma atenuação.

4 Homicídio Qualificado

O homicídio qualificado está previsto no §2º do art. 121, caracterizado pelas circunstâncias previstas nos incisos desse parágrafo. Trata­-se de uma qualificadora, em que irá enfatizar como o motivo pelo qual o agente praticou a conduta, e / ou a forma empregada para eliminação da vida alheia.

De acordo com a Exposição de Motivos do Código Penal, item 38 As circunstâncias qualificativas estão enumeradas no §2º do art. 121. Umas dizem com a intensidade do dolo, outras com o modo de ação ou com a natureza dos meios empregados: mas todas são especialmente destacadas pelo seu valor sintomático: são circunstâncias reveladoras de maior periculosidade ou extraordinário grau de perversidade do agente.

Para Luiz Regis Prado, é considerado homicídio qualificado, aquele que:

É impulsionado por certos motivos, se praticado com o recurso a determinados meios que denotem crueldade, insídia ou perigo comum ou de forma a dificultar ou tornar impossível a defesa da vítima; ou por fim, se perpetrado com o escopo de atingir fins especialmente reprováveis (execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime) (PRADO, 2002, p. 52).

Nesse momento, passemos a uma análise minuciosa das qualificadoras do crime de homicídio, primeiro os motivos determinantes do delito, que estão descritos nos incisos I e II, do §2º, segundo, pelos meios e modos de execução, previstos então nos incisos III, IV e por fim o inciso V que prevê os fins.

Primeiramente, o homicídio praticado mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivo torpe, motivo esse que nas palavras de E. Magalhães Noronha (2001, p. 25) são exemplificados na lei, pela paga ou promessa de recompensa. O mesmo, ainda diz que, o motivo torpe, é “quando a razão pela qual a vontade se determina é vil, ignóbil e abjeta, ofendendo mais profundamente o sentimento ético comum da sociedade”.

A paga ou promessa de recompensa, contudo, é o chamado homicídio mercenário, que é aquele crime próprio do matador profissional ou do sicário. A paga se caracteriza pelo pagamento, pela remuneração, através do recebimento desses. Já promessa de recompensa, visa um lucro futuro, nesse caso, a lei é procedente em agravar a pena somente pela simples promessa. Vale lembrar que nesse sentido, não é necessário que a paga ea promessa tenham por objeto o dinheiro, mas somente uma vantagem econômica.

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No mesmo norte, Hungria relata o motivo torpe como “o motivo que mais vivamente ofende a moralidade média ou o sentimento ético­social comum. [...] Tais são, in exemplis, o fim de lucro ou cupidez, o prazer do mal, o desenfreio da lascívia, a vaidade criminal, o despeito da imoralidade contrariada” (HUNGRIA, 1955, p. 161).

Posteriormente, o inciso II nos traz a qualificação do homicídio pelo motivo fútil, aquele que é insignificante, o que apresenta desproporção entre o crime e a sua causa moral.

O Código Penal define em sua Exposição de Motivos que motivo fútil “é aquele que pela sua mínima importância, não é causa suficiente para o crime”.

Cezar Roberto Bitencourt, acerca da definição acima, afirma que “na verdade, essa declaração da Exposição de Motivos não é das mais felizes, porque se for causa suficiente para o crime justificá-lo-á [sic], logo será excludente da criminalidade” (BITENCOURT, 2006, p. 67).

Porquanto, Damásio E. de Jesus (2001, p. 67), alerta que “o motivo fútil não se confunde com a ausência de motivo”. Por isso, aquele que sem razão alguma pratica o fato, não irá incidir nessa qualificadora, mas nada impede que venha a responder por outra, como é o caso do motivo torpe. Ex: matar o garçom porquê errou no troco da sua cerveja.

O mesmo autor lecionou que:

Segundo nosso entendimento, em caso de concurso de agentes, as qualificadoras referentes aos motivos determinantes do crime são incomunicáveis entre os participantes. Dessa forma, se os sujeitos A e B praticam homicídio, agindo o primeiro por motivo torpe, desconhecido do segundo, só o primeiro responde pela forma qualificada. Nos termos do art. 30 do CP, as circunstâncias de caráter pessoal (subjetivo) não se comunicam entre os participantes do crime. Os motivos do homicídio constituem circunstâncias pessoais ou subjetivas. Assim, são incomunicáveis entre os sujeitos. (DAMÁSIO, 2001, p. 67)

Já nos meios e modos de qualificação do homicídio, o inciso III, traz a conduta praticada pelo autor do homicídio, mediante emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum.

Para Luiz Regis Prado (2002, p.55) o meio insidioso é aquele em sua eficiência maléfica é dissimulado; o meio cruel, aquele que aumenta o sofrimento da vítima de forma inútil, ou revela uma brutalidade absurda, a contrastar com o mais elementar sentimento de piedade.

Por fim, para Damásio E. de Jesus, (2001, p.68) a asfixia é o impedimento da função respiratória e consequente ausência de oxigênio no sangue. Pode ser tóxica ou mecânica. Tóxica se da pelas viciações do ambiente, pelo ar confinado e pelo óxido de carbono. A asfixia mecânica tem vários processos de provocação que são: imprensamento, afogamento, enforcamento, esganadura e submersão.

Configura-se qualificado também o homicídio praticado a traição, que nas palavras de Julio Fabbrini Mirabete (2001, p. 73) é aquele que subsume-­se essencialmente na quebra da confiança, creditada pela vítima do agente do homicídio, o qual se aproveita dela para matá-la. A traição se configura qualificada quando há insídia, não se perfaz pelo meio empregado, mas sim pelo modo que é executado, o qual demonstra do agente uma maior criminalidade.

5 A responsabilidade do homicida passional

Primeiramente, importante destacar que a imputabilidade não se confunde com a responsabilidade, pois esta diz respeito às consequências jurídicas oriundas da prática de uma infração.

Para Magalhães Noronha:

Responsabilidade é a obrigação que alguém tem de arcar com as consequências jurídicas do crime. É o dever que te a pessoa de prestar contas de seu ato. Ele depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as consequências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo (NORONHA, 1980, p. 172).

Imputar é o ato de atribuir a alguém uma responsabilidade de alguma coisa, assim, a imputabilidade penal é uma reunião de condições pessoais que dão ao agente capacidade para que juridicamente lhe seja imputada uma prática de um fato punível.

O conceito de imputabilidade segundo Fernando Capez:

É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente deve ter condições físicas e psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável é não apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade, de acordo com esse entendimento (CAPEZ, 2001, p.281)

Nas palavras de Heleno Cláudio Fragoso “a imputabilidade é a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar segundo esse entendimento” (FRAGOSO, 2006, p. 242).

O art. 26 do Código Penal por sua vez traz os casos de inimputabilidade, ou seja, casos esses que os agentes “por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (Art. 26 do CP).

Nesse sentido, Damásio E. de Jesus (2003, p.470) destaca que a norma não fala que o agente não entendeu o caráter ilícito da conduta; pois se assim dissesse, determinaria uma aferição concreta e psicológica. Distinguem-­se então, capacidade volitiva (imputabilidade) e intelectiva e consciência da ilicitude. Tratando­-se “de um puro juízo de valor a respeito da capacidade de culpabilidade”.

Esclarece Fernando Capez (2001, p. 281) dizendo que a imputabilidade apresente um aspecto intelectivo, que consiste na capacidade de entendimento, e outro volitivo, que nada mais é do que a capacidade de comandar e controlar a própria vontade.

Para entender melhor os critérios da inimputabilidade ou culpabilidade diminuída, importante destacar o que nos apresenta o Ministro Francisco Campos, justificando na Exposição de Motivos do Código Penal, a opção legislativa, conceituando cada um dos sistemas conhecidos em doutrina, que são: a) biológico; b) psicológico; c) bi psicológico.

Na fixação do pressuposto da responsabilidade penal (baseada na capacidade de culpa moral), apresentam-se três sistemas: o biológico ou etiológico (sistema francês), o psicológico e o bi psicológico. O sistema biológico condiciona a responsabilidade à saúde mental, à normalidade da mente. Se o agente é portador de uma enfermidade ou grave deficiência mental, deve ser declarado irresponsável, sem necessidade de ulterior indagação psicológica. O método psicológico não indaga se há uma perturbação mental mórbida: declara a irresponsabilidade se, ao tempo do crime, estava abolida no agente, seja qual for a causa, a faculdade de apreciar a criminalidade do fato (momento intelectual) e de determinar-se de acordo com esse apreciação (momento volitivo).

Finalmente, o método bi psicológico é a reunião dos dois primeiros: a responsabilidade só é excluída, se o agente, em razão de enfermidade ou retardamento mental, era, no momento da ação, incapaz de entendimento ético jurídico e autodeterminação (Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro de 1940).

Nas causas de inimputabilidade, ou, exclusão da imputabilidade, segundo entendimento da lei, se regula pelo critério bi psicológico normativo (sistema adotado pelo nosso Código Penal), que vem exigir que a completa incapacidade da ilicitude ou da autodeterminação seja resultado dos estados mentais anormais elencados no art. 26 do CP, e por exceção, na causa excludente da menoridade, o critério biológico.

São requisitos da inimputabilidade, segundo o critério biopsicológico:

a) Causal: existência de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que são as causas previstas em lei;

b) Cronológico: atuação ao tempo da ação ou omissão delituosa;

c) Consequencial: perda total da capacidade de entender ou da capacidade de querer.

Diante desse contexto, só haverá inimputabilidade se os três requisitos estiverem presentes, à exceção dos menores de 18 anos, regidos pelo sistema biológico.

As chamadas causas dirimentes, importam à regra de que todo o agente é inimputável, salvo se ocorrer uma das causas previstas no art. 26, ou seja, a capacidade penal é, portanto obtida por exclusão, uma vez que não verificada a existência de causa excludente que a afaste.

A inimputabilidade do agente será provada a partir de exame pericial. O Art. 149 do Código de Processo Penal determina que “quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz, ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal”.

Comprovada a inimputabilidade do acusado, a consequência jurídica de acordo com o art. 26 do CP, a absolvição do agente é o que se impõe, aplicando-se, portanto, medida de segurança nos termos dos art. 96 e 99 do mesmo diploma legal.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2009, p. 386) não é suficiente para aplicar-se a medida de segurança, que se comprove a inimputabilidade do agente. É necessário que se prove que a inimputabilidade, de fato, seja a causa da absolvição, ou seja, que o fundamento da absolvição seja realmente a inimputabilidade.

A primeira hipótese da causa de exclusão da imputabilidade é a doença mental que de acordo Julio Fabbrini Mirabete (2004, p. 211) essa expressão, embora vaga e sem maior rigor científico, abrange todas as moléstias que causam alterações mórbidas à saúde mental. Posteriormente, elenca alguma delas dizendo:

Entre elas as chamadas psicoses funcionais: a esquizofrenia (sobretudo de forma paranóide, em que são comuns os impulsos em que o sujeito agride e mata por ser portador de mentalidade selvagem primitiva, sujeita a explosões de fúria, mas que não escolhem nenhuma classe de delitos e cometem o mesmo os que demandam meditação e refinamento na execução); a psicose maníaco­depressiva (em que existe uma desorganização da sociabilidade e, eventualmente, da personalidade, provocando isolamento e condutas anti­sociais); a paranóia (que afeta o pensamento e sobretudo as relações com o mundo exterior, às vezes associadas à síndrome paranóide) etc. São também doenças mentais a epilepsia (neuropsicose constitucional com efeitos determinantes de profundas alterações do caráter, da inteligência, da consciência e dos sentidos); a demência senil (em que surgem enfraquecimento da memória, principalmente quanto a fatos recentes, a dificuldade em fazer julgamento geral das situações, episódicas depressões e ansiedades, mudanças de comportamento etc.) a psicose alcoólica (embriaguez patológica ou alcoolismo crônico que provoca acessos furiosos, atos de violência, ataques convulsivos etc.) (MIRABETE, 2004, p. 211).

Ainda, de acordo com o art. 26, é inimputável o agente com desenvolvimento mental incompleto, que é o caso dos menores de idade, que, no entanto, são objetos do dispositivo do art. 27. São considerados nesse sentido também, os silvícolas não adaptados à civilização e os surdos­ mudos que não receberam adequada instrumentação.

Por fim, também exclui a imputabilidade o desenvolvimento mental retardado que é o estado mental dos oligofrênicos (nos graus de debilidade mental, imbecilidade e idiotia).

6 Diferenças entre doença psicológica e descontrole emocional

Muitos dos indivíduos que “mataram por amor” atribuem como fator motivador de suas condutas, a paixão, quando, na verdade, o real fato motivador é uma doença psicológica

Não obstante que em alguns casos a paixão é uma espécie de obsessão, porém é necessário analisar quando esta obsessão é, no entanto, uma patologia. Para que essa patologia se torne uma excludente de imputabilidade, é imprescindível que seja verificada sua existência no momento em que o agente praticou a conduta.

Alguns estudiosos do assunto, ao estudarem os transtornos mentais e comportamentais fizeram a seguinte classificação entre as síndromes mais comuns, que são: a esquizofrenia; a psicose maníaco-depressiva; a paranóia e as personalidades psicopáticas.

Segundo João Alfredo Medeiros Vieira a esquizofrenia é o “estado de uma divisão interna quanto à estrutura da própria personalidade. É uma anormalidade funcional psicótica que revela um comportamento extremamente retraído, idéias confusas e absurdas, anulação quase total da vida afetiva” (VIEIRA, 1997, p. 171).

Outro tipo de transtorno mental é a psicose maníaco-depressiva, que a definição nas palavras de Josel Machado Corrêa é:

[…] é uma doença benigna, funcional, caracterizada por uma tendência a se repetir, e que tem duas fases. Não é um processo maligno como a esquizofrenia, mas antes um processo auto limitativo; de possível recuperação. Como a esquizofrenia, a psicose maníaco depressiva não está associada a qualquer causa orgânica conhecida e, deste modo, é chamada  funcional. Descrevê-la como doença afetiva simplesmente quer dizer que, no fundamental, envolve humor, sentimentos ou emoções do paciente (CORRÊA, 1999, p. 175).

A terceira espécie de transtorno mental é a paranóia, que destaca a autora Lucielly (2006) trata­-se de um transtorno mental determinado por permanentes concepções ilusórias ou delirantes, que permitem manifestações de egocentrismo, onde se conservam claros o pensamento, as ações e a vontade. O paranóico tem elevado conceito de si próprio.

A seguir, as personalidades psicopáticas, também se apresentam de formas variadas, mas não se tratam, porém, de personalidades doentes ou patológicas como os transtornos anteriormente citados. Seu traço marcante é a perturbação da afetividade e do caráter, enquanto que a inteligência se mantém normal ou acima do normal.

A fim de que se esclareça desde já a diferença entre doença psicológica e descontrole emocional, importante destacar a simples classificação feita pela psicóloga Maria Auxiliadora, onde afirma que “podem existir, entre milhares de pessoas diferentes, três tipos de assassinos passionais: o neurótico, o psicótico e o psicopata” (apud OLIVEIRA, 2006).

Nesse contexto, pode-se concluir então que os neuróticos classificam as pessoas normais, que em certo momento extremo, cometem o ato criminoso, vindo se arrepender depois.

O psicótico por sua vez, é um indivíduo patológico, que age em motivação de vozes e alucinações, as quais acredita cegamente serem reais. De acordo com “geralmente, eles matam as pessoas que mais amam e mais próximas, uma vez que acreditam que estão sendo perseguidas e, quando cometem o crime alegam que a vítima era a maior culpada, pois os provocava” (OLIVEIRA, 2006).

Posteriormente, segundo Schneider, a psicopatia é considerada como “personalidades anormais, que sofrem por causa de sua anormalidade ou que, impelidos por ela, fazem sofrer à sociedade” (apud MARANHÃO, 2004, p. 363).

Citado por Odon Ramos Maranhão (2004, p. 364), Craft em uma aparentemente explicação mais clara e completa, diz que são dois os processos primários da psicopatia: a) a falta de sentimento (afeição ou amor pelas outras pessoas) e b) tendência à ação impulsiva.

Onde, resultariam desses, quatro processos secundários: 1) agressividade; 2) ausência de culpa; 3) incapacidade de aprender pela experiência e 4) falta de motivação adequada.

Nesse contexto, a psicopatia se manifesta através de um comportamento contrário ao estabelecido pelos padrões sociais. Esses indivíduos não agem sob delírio, possuem problemas pessoais graves e distúrbios comportamentais. Cometem o homicídio por prazer, são assassinos frios.

Desse modo então, pode-se concluir que são considerados como descontrolados emocionalmente os neuróticos, por sua vez, os psicóticos e os psicopatas doentes, que apresentam uma patologia e, que sob a luz da lei, devem ser olhados de forma mais branda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É notório que todo ser humano é movido por sentimento, podendo se manifestar de uma forma boa ou ruim, alguns sentimentos nos fazem agir por impulso, e é por esse impulso, que alguns muitas vezes cometem o crime, tema desse trabalho, o homicídio passional.

Certo é que, conforme demonstrado ao longo desse trabalho, são dois os principais sentimentos presentes nos agentes passionais, a emoção e a paixão, sentimentos esses que não excluem a imputabilidade do acusado, ou seja, a culpabilidade do homicídio passional subsiste.

Quando alguém diz que “matou por amor”, pode-se afirmar que o sentimento que o levou a praticar o delito realmente não era amor, mas sim paixão, que se diferencia do amor, à medida que essa é um sentimento forte, profundo, arrebatador, que pode vir sobrepor-se à lucidez e à razão quando se fazem presentes alguns dos motivos acima expostos, provocando um estado de perturbação e possessividade àquele que se sente traído ou rejeitado, possibilitando a conversão de um sentimento de bem querer em ódio e desejo de vingança. Daí a denominação “crime passional”.

A emoção por sua vez, é caracterizada por aquele sentimento de pouca duração, uma explosão momentânea, como destaca um dos requisitos do homicídio privilegiado que fala da “violenta emoção”. Pode acontecer de a paixão – ciúme, sentimento de posse – se tornar uma doença patológica, onde somente podemos afirmar com certeza a loucura do acusado através de uma perícia médica.

Sobre ser o crime passional um delito qualificado, a discussão que se instalou na doutrina e na jurisprudência diz respeito à qualificadora, surgindo a dúvida: o homicídio passional seria qualificado por motivo torpe ou por motivo fútil? Nossos tribunais têm entendido que os sentimentos que movem o agente a cometer o crime passional configuram o motivo torpe.

            Enfim, se a pessoa é mentalmente sadia e comete um homicídio passional, por ser este uma das espécies de crime doloso contra a vida, será julgada pelo Tribunal do Júri Popular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal Volume 1: Parte Geral,

14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum jurídico forense, 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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Sobre a autora
Marcelí de Souza Silva

Advogada. Graduada na ASCES. Pós Graduada em Direito Penal na Faculdade Damásio de Jesus, 2013. Pós graduanda em Direito Administrativo, UCAM, 2017. Recife/PE. WhatsApp:(81)9.9742-7418. Áreas de atuação: Cível, Consumidor, Administrativo, Família e Sucessões.

Informações sobre o texto

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