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Direito de petição e as ações constitucionais

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28/09/2003 às 00:00
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8. A PETIÇÃO E AS AÇÕES CONSTITUCIONAIS NA CFB DE 88

Neste capítulo pretendemos fazer um comparativo entre as ações constitucionais e o direito de petição. Buscaremos esposar algumas características comuns aos vários institutos e explicitar alguns indícios da generalidade do direito de petição.

8.1. Estrutura da Positivação na Carta de 88

Tanto na previsão constitucional do direito de petição quanto nas das outras ações, o constituinte originário seguiu uma certa "regra" no modo de positivar os institutos. Em primeiro lugar define a legitimidade ativa de cada instituto. Posteriormente, quais os direitos devem ser defendidos através do instrumento sob comento. Por último, estabelece quem pode haver cometido a ofensa a direito, a ser atacada através do instituto constitucional. Buscaremos traçar um paralelo normativo que traga a lume o caráter generalista do direto de petição através da análise de cada uma dessas características.

8.1.1. A Legitimidade Ativa para os Instrumentos Constitucionais

Todas as disposições são iniciadas com a delimitação da legitimidade ativa. A lei Maior dispõe "são a todos assegurados" ao se referir ao direito de petição, "qualquer cidadão é parte legítima" ao se referir à ação popular. Quanto ao hábeas corpus, ao habeas data, ao mandado de segurança e ao mandado de injunção, o constituinte originário dispôs, de maneira indireta, sobre a legitimidade ativa. Determinou que direito deve ser assegurado pela ação tratada no dispositivo, por conseguinte, quem possuir o direito, referido pelo texto legal, pode ser sujeito ativo da respectiva ação. Não estamos a esquecer das situações em que não só o sujeito do direito ofendido pode se utilizar da ação – é o caso do mandado de segurança coletivo –, porém também nesses casos o sucesso da ação constitucional beneficiará diretamente a vítima da ofensa a direito. Tal acréscimo no âmbito da legitimidade busca garantir a proteção ao direito de um sujeito que, por qualquer motivo, não possa integrar o pólo ativo da ação constitucional, a exemplo de um doente que não possa redigir um hábeas corpus a ser impetrado contra o hospital que o ofenda em sua liberdade de locomoção.

Não por acaso, o âmbito da legitimidade ativa do direito de petição é maior do que todos os outros. A petição, instrumento primário, deveria poder servir a todos, inclusive aos estrangeiros, não só aos cidadãos (caso da ação popular). Desse modo, a lei não poderia fazer restrição aos que desejassem comunicar ao rei algum fato. No que tange à legitimidade ativa, o texto da atual Constituição guarda em seus dizeres esse caráter geral, mais amplo e impreciso, do direito de petição quando prescreve ser ele garantido "a todos".

8.1.2. Função dos Instrumentos – Direitos Protegidos

Em geral cada instrumento constitucional visa a proteger uma espécie de direito. No que dispõe a respeito do direito de petição, a Lei Maior estabelece "em defesa de direitos". O habeas corpus serve à proteção de liberdade de locomoção, o habeas data à proteção da auto-informação, o mandado de segurança serve a qualquer direito não atendido pelos dois hábeas, desde que seja líquido e certo. O mandado de injunção protege o exercício não regulamentado dos direitos do artigo 5º (e do restante da constituição) e a ação popular garante a capacidade de atuar como fiscal particular da gestão pública.

Não há, na literalidade do texto constitucional, nenhuma restrição do foco do direito de petição. Pelo contrário, além de qualquer ofensa a direito, também motiva a petição qualquer ilegalidade ou abuso de poder. Não só as cometidas pelo Poder público, como se poderia pensar, mas qualquer espécie de ilegalidade ou abuso de Poder. Visto que o dispositivo constitucional do mandado de segurança (art. 5º, inciso LXIX), cujo conteúdo faz referência direta: "quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público", nos mostra como se haveria expressado o constituinte originário, referindo-se á petição, se desejasse restringir as autoridades ofensoras.

Todo esse conteúdo literal, guiado pela vontade de partir do geral para o específico, situado imediatamente antes do que se considera a previsão constitucional da ação 30, qual seja o inciso XXXV do artigo 5º:

"XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

Depois de dizer que a petição é instrumento a ser usado – também – em defesa de direitos, o constituinte originário fixa o Poder Judiciário como apreciador oficial das lesões ou ameaças a direito. Em nossa visão, o dispositivo inicia a especialização da petição. É certo que a petição pode ser direcionada aos outros Poderes Públicos. Não se pode – entretanto – dizer que a petição não poderá ser direcionada ao Judiciário se é instrumento constitucional apto a trabalhar objeto (ofensa a direito) cuja avaliação não pode ser furtada ao este Poder, isto legislado em incisos seguidos, de maneira a facilitar a associação.

Todos os outros instrumentos limitam-se a movimentar o Judiciário. A petição pode movimentar qualquer dos poderes. Em seu uso atual, o direito de petição possui função subsidiária, ou seja, denomina requerimentos não enquadrados em nenhuma das outras espécies constitucionais, nem mesmo na ação. Como a ação é o instrumento geral para a defesa de direitos no Poder Judiciário, sempre que se for defender direito no âmbito desse Poder, denominar-se-á ação o seu instrumento.

Isso não significa a inexistência da petição no poder judiciário, pois a defesa de direito é função constitucional deste instrumento, seja perante o Judiciário ou qualquer outro Poder. Nos parece mais acertada a interpretação de que o nome é dado ao instrumento em consonância com a especificidade da demanda. Em todos os casos ocorre petição, mas petição é a denominação geral, e só permanecerá denominando o instrumento – apto a levar a questão ao conhecimento do Poder Público – em caso de não enquadramento do pleito em domínio de outro instrumento mais específico.

Um litígio referente a um direito de auto-informação retida por um órgão público, por exemplo, é – antes de tudo – uma petição já que é um requerimento ao Poder Público; é também uma ação por ser o Judiciário – dentre os Poderes Públicos – apto a apreciar a demanda; e enseja habeas data por se tratar de direito à auto-informação particular retida em banco de dados público.

Daí exclui-se de toda defesa de direito perante o Judiciário a denominação originária (petição), apesar de ser – sob o aspecto hereditário – também petição, o instrumento será nomeado genericamente de "ação" por ser esta uma denominação mais específica na medida em que possui destino restrito apenas ao Poder Judiciário.

8.1.3. Sujeito Ativo da Ofensa a Direito, Ilegalidade ou Abuso de Poder

No que concerne aos sujeitos ativos da ofensa a direito, ilegalidade ou do abuso de poder, a disposição constitucional referente ao direito de petição merece observação em dois pontos. Num primeiro plano, não restringe o cometimento da ilegalidade ou do abuso de Poder – para poder ser atacado por petição – à autoridade pública, como faz o inciso LXIX referente ao mandado de segurança. Em um segundo observar, nota-se a influência do conectivo "ou" separando as expressões "em defesa de direitos" e "contra ilegalidade ou abuso de poder".

Para dar motivo ao exercício do direito de petição, o agente não precisa ser autoridade pública ou quem lhe faça as vezes. Se assim o fosse a Lei Maior haveria mencionado, como fez ao tratar do mandado de segurança. Por óbvio a autoridade a quem vai ser direcionada a petição deve ser pública. A petição não precisa ser necessariamente uma ação, se um consumidor indignado com o alto preço do sabonete da única loja de sua cidade encaminha uma petição ao PROCON, este órgão pode tratar e resolver o problema sem chegar à via judicial.

O hábeas corpus é uma ação judicial, cuja disposição constitucional desta parte é igual à da petição – "ilegalidade ou abuso de poder" –, direcionada à autoridade pública, e pode ter como agente motivador do seu uso (ofensor de direito) um particular, por exemplo, um hospital.

A ilegalidade ou o abuso de poder, cometidos de maneira isolada, sem que – necessariamente – algum direito seja ofendido, já são motivos suficientes para justificar o uso da petição. Daí a importância do conectivo "ou", estabelecendo um patamar em que se colocam a "defesa de direitos" e a "ilegalidade ou o abuso de poder" como motivos de mesma força para provocar o exercício do direito de petição. Ao contrário do padrão das ações constitucionais, no qual a ilegalidade ou o abuso de poder é sempre o meio pelo qual se perpetra o insulto a direito, objeto a ser defendido pelas respectivas ações, no dispositivo constitucional referente à petição, a ilegalidade ou o abuso de poder não precisa gerar efeitos, ou seja, ultrajar direitos. Sua simples ocorrência é estímulo suficiente para provocar o espírito cidadão de qualquer pessoa a peticionar ao Poder Público responsável. Este aspecto diferencia a petição de quase todos ou outros instrumentos, menos da ação popular, cuja função é levar parte destas ilegalidades ou abusos de poder ao conhecimento do Judiciário.

A ação popular é, entre as ações constitucionais, o instrumento apto ao exercício judicial da cidadania. Para motivá-la, o direito afrontado não precisa estar diretamente ligado a um particular, pode ser difuso, coletivo ou público. Em muito se aproxima a função da ação popular do que atualmente a doutrina entende por função do direito de petição 31. Diferenciam-se, porém, quanto ao Poder a que se destinam, a ação popular ao Judiciário e a petição – da forma como entendida pela doutrina – aos outros dois Poderes.

Ao nosso ver é uma pura e simples substituição evolutiva. Enquanto não há designação específica para o instrumento, denominam-no "petição". Aumentando a freqüência do seu uso, dar-se-lhe nomenclatura específica, a exemplo de: ação popular, mandado de segurança, mandado de injunção, etc..., sem, contudo, perder a natureza de petição, qual seja, a de levar ao conhecimento do Poder Público um fato relevante.


9. ANÁLISE SITEMÁTICA DA FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DA PETIÇÃO EM 88

Neste capítulo pretendemos encontrar a melhor função da petição na constituição de 88, isto é, conceituar o instituto pela descrição do seu papel no ordenamento jurídico constitucional ao qual pertence. Tomaremos por base o conteúdo de outras disposições constitucionais inter-relacionadas. Não pretendemos, todavia, repetir o – em nossa opinião – equívoco de outros autores, qual seja, o de buscar a compreensão das disposições constitucionais limítrofes, para traçar uma fronteira que demarcasse – por exclusão – o âmbito da petição. Pensamos haverem partido da falsa premissa de que há distinção entre a petição e outros institutos de provocação do poder estatal. Ante essa razão, buscaremos demonstrar porque, através da análise das expressões constitucionais, os outros institutos estão inseridos no domínio da petição.

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9.1. Destino da Petição – Significado Constitucional de "aos Poderes Públicos"

Ao assegurar o direito de pedir para qualquer dos Poderes Públicos, o constituinte originário deixa transparecer o caráter generalista da matéria tratada. O destino constitucional da petição não discrimina nenhum dos poderes, pois em acordo com a origem deste instrumento, o Estado, não como uma parte, mas como um todo ( entenda-se: como toda forma de manifestar poder), é sempre o alvo da petição. Assim melhor se explica a expressão "aos Poderes Públicos", querendo dizer, indistintamente, a qualquer forma de atuação estatal, seja: legislando, julgando ou executando, ainda que indiretamente, pois não há dúvida quanto à administração indireta também emanar poder público em seu desempenho.

Por um ângulo sistemático, observa-se na constituição mais duas vezes em que a expressão "Poderes Públicos" é utilizada. No inciso II do art. 129, dentre as funções institucionais do Ministério Público, dispõe-se:

" Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;"(grifo nosso)

A disposição contém um termo de difícil delimitação, "respeito", ainda agravado por ser este uma atitude referida a entes abstratos: "Poderes Públicos" e "serviços de natureza pública". Envolve uma postura – de cunho subjetivo – a ser assumida por qualquer dos agentes, Poder público ou particular realizando serviço de natureza pública – frente aos direitos constitucionalmente assegurados. Ao Ministério Público é necessário analisar, de maneira razoável e proporcional, o exercício de qualquer dos agentes citados acima para compreender se daí resulta ou não num desrespeito aos direito constitucionais, ou seja, neste dispositivo há discricionariedade para a atuação do Ministério Público.

Não obstante o julgamento da conveniência e da oportunidade fique a cabo do parquet, o significado da expressão "Poderes Públicos" não dá margem a imprecisões. Por vezes chamado de quarto poder pela doutrina, o Ministério Público é – em sua natureza – fiscal da atuação, não apenas do executivo, mas de todos os Poderes Estatais. É tanto que, para bem cumprir esse dever, um dos principais motivos da sua existência, recebeu da Constituição alguns poderes ou prerrogativas especiais como as autonomias funcional, administrativa e financeira.

Quanto ao Legislativo, pode-se dizer que o Ministério Público pratica a fiscalização, por exemplo, quando avalia a constitucionalidade da lei para verificar se é ou não motivo de interposição da ação direta de inconstitucionalidade. Quanto ao poder executivo, por manter uma ligação umbilical, é o mais freqüente campo de trabalho do Ministério público. O Executivo é o poder mais hipertrofiado, o que mais atua, daí estar mais propenso a ferir direitos constitucionais e, conseqüentemente, ser o que mais demanda fiscalização do Ministério Público.

A atuação do Ministério Público, como custos legis, é facilmente observada em qualquer órgão do Poder Judiciário. Em que consiste a fiscalização da lei nos tribunais senão na inspeção do trâmite processual para saber se a autoridade judicial está a observar as garantias processuais estabelecidas na Constituição? Não nos resta dúvida de que a expressão "aos Poderes Públicos" se refere, também, ao Poder Judiciário.

O poder fiscalizatório do parquet é tão amplo que extrapola a atuação estatal, chegando a serviços que – embora executados com poder particular – são de "relevância pública".

Vejamos agora o disposto no caput do art.194 da Lei Maior:

"Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social."

Neste dispositivo, porém, o melhor sentido da expressão "Poderes Públicos" não enquadra o Poder Judiciário. Está a tratar de iniciativa de ações de efeito erga omnes como são as "destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social", e o Judiciário atua – em regra (exceções: ação direta de inconstitucionalidade, ação direta de constitucionalidade e a competência legislativa da Justiça do Trabalho) – inter partes, para decidir apenas os conflitos que até ele são levados, pois a inércia é princípio jurisdicional.

Esta experiência dos diferentes sentidos constitucionais de um mesmo termo, "Poderes Públicos", nos alerta para a importância de se observar o contexto do dispositivo no qual a expressão está inserida.

9.2. A Petição e a Isenção de Taxas

Conforme o inciso XXXIV do artigo 5º da CF, o direito de petição é garantido "independentemente do pagamento de taxas". Assumindo a posição de que a petição é gênero do qual a ação é espécie, não pode haver cobrança de taxas para a espécie enquanto ao gênero é garantida a isenção.

Dois dos incisos do artigo 5º merecem análise especial, pois tendem a ser interpretados como se prescrevessem indiretamente a existência de taxa judiciária. Vejamos:

"LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular... ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

..................................

LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data , e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania."(grifos nossos)

No inciso LXXVII garante-se a gratuidade para o uso de duas espécies de ação. Faz pressupor que algum custo, comum ao uso de outras ações, seja dispensado quanto àquelas. Resta descobrir a que valores esse dispositivo faz referência. O inciso LXXIII parece ser mais específico, refere-se à isenção das "custas judiciais". No entanto, prevalece o entendimento segundo o qual toda e qualquer despesa advinda do ajuizamento de uma ação está englobado pelo termo "custas judiciais" do inciso referido, isto é, isenção de custas judiciais é o mesmo que gratuidade.

Pois bem, o Texto Maior isenta das custas judiciais o autor da ação popular e garante a gratuidade do habeas corpus e do habeas data. O que seria devido em razão do uso de outras ações? De outro modo, que prestações estariam enquadradas na expressão "custas judiciais" usada pelo inciso LXXIII?

De ordinário, entende-se as custas judiciais como significando emolumentos e taxas judiciárias. Os emolumentos são os valores de contraprestação dos serviços cartorários, enquanto as taxas judiciárias são a contraprestação ao Poder Público pelo provimento jurisdicional. Os emolumentos retribuem serviços específicos e divisíveis prestados por cartórios particulares remanescentes. A tendência é de que todos os cartórios se tornem públicos, cujo custeio não mais caberá aos particulares.

Vejamos, segundo Plácido e Silva, em que medida os emolumentos diferem das taxas:

"(...) O emolumento, embora semelhante à taxa, não se pode dizer igual a ela.

O emolumento é mais a contribuição que se faz exigível como compensação de atos praticados pelo Poder público ou pelo serventuário público, sem revestir propriamente o caráter de um serviço, não tendo o aspecto econômico que é sempre apresentado pela taxa. A taxa sempre se revela o pagamento de um serviço de ordem econômica prestado à pessoa, que, assim, a deve satisfazer. (...)" 32

A jurisdição, no compreender do Professor Carlos Ayres Britto, com o qual concordamos, não é um serviço público e sim uma função pública, portanto, não pode motivar taxa. Como consectário, não há de se falar em taxa judicial no contexto constitucional brasileiro presente. Vejamos, nas palavras do professor, porque não existe previsão da taxa judiciária no atual texto da Lei Magna:

"a) enquanto o Código Político de 1967 incluía na competência legislativa da União Federal a edição de normas gerais sobre "taxa judiciária" e "custas e emolumentos remuneratórios dos serviços forenses" (alínea c do inciso XVII do art. 8° ), a atual Constituição apenas fala de "custas dos serviços forenses" (inciso IV do art. 24); vale dizer, enquanto a velha Constituição consagrava os dois institutos jurídicos (taxa judiciária e custas judiciais), a presente Carta já não consagra senão um deles (custas forenses);

b) no silêncio do Estatuto Fundamental de 1988 sobre taxa judiciária, impossível se torna sustentar a sobrevivência dessa antiga figura tributária, pela clara razão de que taxa judiciária é matéria que não corresponde aos pressupostos que a presente Constituição estabeleceu para a imposição de toda e qualquer taxa: exercício do poder de polícia, ou utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à disposição dele (inciso II do art. 145). Conforme, aliás, muito bem explica o parecer da lavra do Dr. THEOPHILO MANSUR;

c) cobrar da população uma taxa remuneratória de atividade estatal genuína e exclusiva - como é a atividade jurisdicional - seria discriminar o Poder Judiciário em face dos demais Poderes. Afinal, para fazer o que lhe é conatural (legislar), o Poder Legislativo não cobra taxa. Também assim o Poder Executivo quanto às suas funções tão genuína quanto exclusivamente estatais (FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA, DIPLOMACIA, FORÇAS ARMADAS, SEGURANÇA PÚBLICA, SISTEMA PENITENCIÁRIO, etc). Tudo é suprido ou custeado pela arrecadação proveniente dos impostos em geral e não há por que o Judiciário fugir à regra." 33

Desse modo interpretado, o conteúdo da expressão "custas judiciais" do inciso LXXIII do artigo 5º da Letra Magna não engloba a taxa judiciária, mesmo porque não mais existe, para a CF de 88, esta espécie tributária. Assim como também não existe a aparente contradição entre a isenção de taxas para o gênero (a petição) e previsão para a espécie (a ação), já que as únicas prestações referidas pelo termo "custas judiciais", das quais é isenta a ação popular, são os emolumentos devidos aos serventuários de cartórios particulares.

Obviamente a não cobrança de taxas vai de encontro às práticas cotidianas do Judiciário brasileiro. Se parece difícil, diante do quadro financeiro atual, sustentar um Poder Judiciário sem a renda obtida pelas taxas judiciárias, vem ao nosso socorro o ato do ministro da justiça Francês na década de 70:

"(...) num esforço dramático para tornar o acesso aos tribunais menos oneroso na França, seu Ministro da Justiça anunciou em 1º de setembro de 1977 que, a partir do ano seguinte, todas as custas judiciais seriam eliminadas." 34

Segundo o Jornal LE MONDE:

"Ainda que se estime que o estado perderá através dessa reforma 158 milhões de francos, (aproximadamente 34 milhões de dólares), o custo atual do recolhimento dessas taxas, na realidade, excede o seu montante. Além disso, acredita-se que a reforma impedirá que os funcionários percam tempo impondo multas , as quais, por isso mesmo, podem ser consideravelmente aumentadas." 35

Entendemos como indevida cobrança de taxas, por ser instituição - assim como o conceito de petição limitado - incoerente com o atual ordenamento jurídico constitucional.

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Sobre o autor
Aroldo Max Andrade Vieira

acadêmico de Direito na Universidade Federal de Sergipe

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Aroldo Max Andrade. Direito de petição e as ações constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 88, 28 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4257. Acesso em: 24 nov. 2024.

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