Do direito à redução da jornada de trabalho sem redução de salário de servidores com dependentes deficientes

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O presente texto versa sobre o direito de pais de pessoas com deficiência de terem concedida a redução de suas jornadas de trabalho sem necessidade de compensação ou redução proporcional de salário.

Recentemente fomos procurados por uma servidora municipal de Maceió-AL, mãe de um rapaz acometido de autismo severo com episódios de autoagressão.

Para acompanhar este filho, por diversas vezes, sua mãe teve de se ausentar do trabalho e perder parte de seus rendimentos ou compensar o horário em virtude da ausência, mesmo justificada.

A referida servidora realizou a devida solicitação administrativa comprovando a dependência de seu filho, sua condição e a necessidade de acompanhamento do mesmo no tratamento médico, sendo-lhe posteriormente negado tal direito.

Frisa-se que o atendimento desta solicitação – redução de carga horária sem a redução dos vencimentos – é plenamente amparado pela legislação vigente e pela jurisprudência.

Constitucionalmente, tal requerimento se vale do princípio da dignidade da pessoa humana, da saúde e proteção à família.

Legalmente, destaca-se que o Decreto Legislativo 186 aprovou a “Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência”, assinada em 30 de março de 2007 e ratificada pelo Brasil em agosto de 2008.

O documento, entre outros pontos, destaca a preocupação com o respeito pelo lar e pela família e, sobretudo, da pessoa com deficiência, exigindo um padrão de vida e proteção social adequados.

Os direitos assegurados pela Convenção passaram a gozar do status de direitos fundamentais, pois o documento equivale a uma emenda constitucional.

Destaca-se ainda, que o artigo 98 da Lei 8.112/1990 concede horário especial para o servidor com deficiência física sem a necessidade de compensação.  Observe-se:

Art. 98.  Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo.

§ 2o  Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário.

Ainda, não há dúvida de que a Lei 7.853/1989 já assegura a servidora o direito requerido, pois garante a pessoas com deficiência, entre outros direitos, o tratamento prioritário da Administração Pública Federal, ao estabelecer que esta mesma Administração conferirá aos assuntos relativos às pessoas com deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social. Observe-se:

Art. 9º A Administração Pública Federal conferirá aos assuntos relativos às pessoas portadoras de deficiência tratamento prioritário e apropriado, para que lhes seja efetivamente ensejado o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais, bem como sua completa integração social.

Cita-se ainda a Lei nº 12.764 de 27 de dezembro de 2012 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista que aduz:

Art. 3o São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: 

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer.

No tocante a jurisprudência, é unanime o entendimento que convalida tal direito. Exemplifica-se:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. HORÁRIO ESPECIAL SEM COMPENSAÇÃO. ART. 98 § 2º DA LEI Nº 8.112/90. SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. Será concedido horário especial ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, quando demonstrada a necessidade por junta médica oficial (Lei nº 8.112/1990, art. 98, § 3º), com compensação de horário, em regra. 2. No entanto, comprovado por laudos médicos que o filho do servidor impetrante é portador de grave deficiência mental, que lhe exige assistência diuturna, faz jus o servidor à concessão de horário especial de trabalho, sem compensação de horário, tendo em vista que as normas constitucionais que dispensam especial proteção à família devem se sobrepor na presente hipótese, frente à gravidade da situação do menor. 3. Apelação e remessa oficial não providas. (TRF 1ª R.; Ap-RN 11224-67.2000.4.01.0000; PI; Primeira Turma Suplementar; Rel. Des. Fed. Conv. Mark Yshida Brandão; Julg. 28/04/2011; DJF1 18/05/2011; Pág. 124).

AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LIMINAR DEFERIDA. SERVIDORA DISTRITAL. FILHO PORTADOR DE AUTISMO. HORÁRIO ESPECIAL. JORNADA DE TRABALHO REDUZIDA SEM COMPENSAÇÃO. MANUTENÇÃO.

1. A concessão de liminar em sede de mandado de segurança para a suspensão do ato administrativo fustigado exige a configuração dos requisitos da relevância da fundamentação e do perigo na demora da prestação jurisdicional, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/2009.

2. A relevância da fundamentação expendida pela impetrante se materializa na possibilidade de se efetivar uma análise do teor do art. 21, III, da Portaria 199/2014 à luz de todo o conjunto normativo que disciplina a proteção dos portadores de necessidades especiais.

3. Não se vislumbra o alegado risco de irreversibilidade da liminar objurgada, diante do fato de que a servidora impetrante goza do benefício de redução de 02 (duas) horas em sua jornada de trabalho sem compensação desde o ano de 2002, isto é, há mais de uma década.

4. É a impetrante quem suporta o periculum in mora, eis que o prolongamento natural do trâmite do processo sem o amparo da medida liminar poderá implicar prejuízos no regular prosseguimento dos procedimentos terapêuticos e das atividades educacionais frequentadas por seu filho portador do transtorno de autismo.
5. Recurso desprovido. (Acórdão n.868317, 20140020331773MSG, Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Conselho Especial, Data de Julgamento: 19/05/2015, Publicado no DJE: 28/05/2015. Pág.: 11).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - Mandado de Segurança - Concessão de liminar autorizando a redução da carga horária de enfermeira que tem filho deficiente sem diminuição salarial - Competência da Justiça comum - Servidora celetista serão julgadas pela Justiça comum, conforme precedentes do STJ e o que restou decidido em sede de liminar na ADI 3.395-MC. - Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro 'São servidores públicos, em sentido amplo, as pessoas físicas que prestam serviço ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos e compreendem os servidores estatutários, os empregados públicos e os servidores temporários'. - A Lei Estadual nº 4.009/1998, ao conferir o direito de redução da carga horária à servidora pública não explicitou se a servidora seria estatutária ou celetista, razão porque se impõe a extensão do direito levando-se em conta que o bem protegido é o filho deficiente e não o servidor. (TJ-SE - AI: 2011222826 SE , Relator: DESA. MARIA APARECIDA SANTOS GAMA DA SILVA, Data de Julgamento: 22/05/2012, 1ª.CÂMARA CÍVEL)

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            Ademais, faz-se mister acrescentar o fato que, na argumentação da Procuradoria Geral do Município, foi dito que não haveria previsão legal para a não redução salarial, por não haver menção nos instrumentos normativos municipais, especificando tal situação, inexistindo também vedação específica para tais casos.

Entretanto, é sabido ser pacífico em nosso ordenamento jurídico o fato de não se admitir que o Estado deixe de prestar o amparo cabível aos casos que lhes sejam apresentados por falta de uma lei que os regulamente.

            De acordo com o Código de Processo Civil, temos que:

 Art. 126: O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais ou costumeiras; nos casos omissos recorrerá à analogia, e aos princípios gerais de direito.

            Desta feita, não nos parece razoável que haja uma argumentação no sentido de conceder a redução da carga horária da servidora implicando necessariamente na diminuição salarial da mesma, pelo simples fato de não haver uma previsão legal que evidencie o que já nos parece óbvio.

            Consoante o diploma legal acima mencionado, a saber, a Lei 8.112/90, que concede horário especial ao servidor com deficiência física, sem que haja qualquer tipo de dedução ou compensação, deve ser aplicada, por analogia, ao caso ora em tela, por se tratar de servidora que possui filho com deficiência severa e dependente total e irreversivelmente da mesma a fim de lhe dar suporte e auxílio integral em suas tarefas rotineiras.

            Pelo exposto, entendemos que não havia como se negar a servidora o direito de ter sua carga horária reduzida sem prejuízo no que se refere a seus rendimentos, sob pena de estarmos diante de um flagrante caso de afronta à legislação especial que trata dos deficientes físicos, atentando contra a dignidade e condições plenas ao exercício da mesma, em especial a pessoa autista.      

            A servidora em questão hoje, felizmente, obteve por meio de decisão judicial, o direito de ter sua jornada reduzida sem redução de seus proventos.

            Espera-se, entretanto, a criação de regramentos específicos para que mães como a do caso em tela, não tenham que continuar a enfrentar este outro martírio proveniente da necessidade de se buscar judicialmente um direito tão claro e humano.

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Sobre as autoras
Anne Caroline Fidelis de Lima

Advogada, bacharela em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, professora universitária, mestra em sociologia pela Universidade Federal de Alagoas, pós-graduada em direito civil, processo civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB/AL e em gestão pública municipal pela Universidade Federal de Alagoas.

ANNE CAROLINE FIDELIS DE LIMA

Advogada e servidora pública estadual. Pós-graduada em gestão pública municipal, direito e processo civil. Graduada pela Universidade Federal de Alagoas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Contribuir com a efetivação de um direito humanos que não tem regramento legal específico.

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