A vinculação das políticas públicas ao dever de realização do interesse público

17/09/2015 às 07:49
Leia nesta página:

Este texto tem como objetivo discutir as implicações e mudanças derivadas da incorporação do conceito de interesse público e dos direitos fundamentais ao processo de criação e realização das políticas públicas.

Introdução

Existiu e ainda existe no Brasil, uma discussão que permeia vários ramos do Direito, como o Direito Administrativo e o Direito Ambiental, entre outros, sobre a incorporação dos direitos transindividuais, vistos como os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, à noção de interesse público.

A noção de interesse público surgiu após a Revolução Francesa dentro do processo de criação do Estado Republicano e Democrático moderno e num primeiro momento teve um significado coincidente com os interesses derivados dos direitos de cidadania, ou seja, nesta época os direitos de igualdade e de liberdade formam incorporados aos direitos dos indivíduos e passaram a integrar a noção de interesse público.

Um longo caminho foi percorrido pela noção de interesse público sem que esta deixasse de ser fundamental para o estabelecimento de valores e objetivos condizentes com a justiça social. Foram incorporados a esta noção os direitos econômicos, sociais e culturais, que demandam uma ação positiva do Estado e os denominados direitos transindividuais como o direito ao meio ambiente saudável e ao desenvolvimento.

Desta forma o conteúdo da noção de interesse público passou a ter como escopo a totalidade dos Direitos Humanos estabelecidos a partir da ideia de supremacia da dignidade humana que foi criada e incorporada ao Direito após a Segunda Guerra Mundial, sendo que esta supremacia da dignidade humana ao fundamentar os Direitos Humanos assume um caráter de direito transgeracional.

A autora Maria Paula Dallari Bucci faz a seguinte afirmação acerca desta condição assumida pelo direito enquanto instrumento de realização do interesse público, visto como conceito que se encontra sempre presente no momento da concretização de direitos: “Ter-se firmado como campo autônomo, dotado de “objetividade” e “cientificidade”- desafios do positivismo jurídico- é um objetivo até certo ponto realizado pelo Direito, o que permite a seus pesquisadores voltar os olhos às demandas sociais que fundamentam a construção das formas jurídicas”( Bucci, p. 2, 2006).

Incorpora-se atualmente à noção de interesse público, por conta da ação estatal criada para a sua consecução, a ideia de que existe uma distância entre esta e a realidade social que se transforma a todo momento .

Esta ideia de distanciamento entre o interesse público que é concretizado pela ação estatal e a realidade social, pode encontrar na implementação de Políticas Públicas um ponto de inflexão, assumindo estas, um papel de adequação da ação do Poder Público à realidade social.

A adoção de Políticas Públicas transforma o Direito em um instrumento de gestão que é posto à disposição do Estado e possibilita a incorporação e concretização de objetivos considerados relevantes em determinado contexto histórico e social. Diferentemente do papel exercido pelo Direito em sua função tradicional que é a de solucionar conflitos entre os cidadãos-indivíduos, dentro das Políticas Públicas o papel do Direito é o de conduzir o processo de organização da ação estatal contribuindo para o incremento da justiça social.

O direito assume então, um papel de instrumento de concretização das aspirações coletivas que encontram na expressão interesses públicos uma síntese e um fundamento. É o que Maria Paula Dallari Bucci afirma no seguinte trecho: “ Poder-se-ia dizer que as políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados” ( Bucci, p.26,2006).

A concretização de direitos que demandam uma ação do Poder Público, como os direitos sociais, cria uma necessidade de articulação entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e instituem um novo objetivo para a ação estatal que é compatibilizar a gestão pública com as demandas sociais que vão surgindo.

 Quando se trata de Políticas Públicas a necessidade de preservação dos interesses públicos aparece em todas as instâncias. Assim, para o entendimento do tema será necessário primeiramente definir os significados que o interesse público pode assumir, através do estudo das diferentes posições assumidas pelos doutrinadores em relação a este significado; definir também o que são políticas públicas e a sua importância; para ao final tentar aclarar a conexão existente entre um e outro.

  Interesse Público

O direito de ser governado exclusivamente pela Lei é o primeiro e mais importante dos direitos públicos. Este direito foi conquistado após a Revolução Francesa e é descrito por Rousseau como “um meio de sujeitar os homens para faze-los livres” ( Enterría,2002, p.117), e a partir deste momento a soberania entendida como ordem pública passou para o domínio da nação.

Deste modo surgiu o Direito Público como herdeiro da relação estabelecida entre o Rei e seus súditos no período absolutista. O Direito Público foi transformado em soberania popular durante o período revolucionário, que no fim do século XVIII varreu do cenário político de nações como a França o poder de governar sem estar condicionado à obediência da lei.

A lei como expressão da vontade geral passa a ser um mandamento ao qual o cidadão se submete de forma espontânea e que ao mesmo tempo garante sua liberdade. Eduardo García de Enterría resume tal ideia desta forma: “ El resultado de este mecanismo, aparentemente tan simples, es, sin embargo, deslumbrador; significa, nada menos, desterrar para siempre del mundo la possibilidad de uma Ley opressiva. Todas as Leyes serán, por virtude de esta técnica, Leyes de libertad.” ( Enterria, 2002, p 117)

Para que a lei se tornasse uma garantia de liberdade para os cidadãos, as normas que definiam direitos fundamentais passaram a ser dotadas de abstração e generalidade. A abstração da Lei serviu para garantir que ela deixaria de ser criada em função de circunstâncias particulares, de acordo com a vontade dos governantes; e além disso ao ser dotada de generalidade, ela não iria privilegiar ninguém, ou seja iria se referir a todos os cidadãos de forma igual.

Estas duas características assumidas pela lei são fundamentais para a transformação do Estado absolutista em Estado de Direito após a Revolução Francesa, e tiveram repercussões em vários ramos do direito como o Direito Civil, onde serviu para preservar a segurança jurídica e no Direito Penal onde assumiu um papel de garantia contra a arbitrariedade e a opressão. No Direito Administrativo a lei geral e abstrata assumiu um papel articulador das necessidades que decorrem da tarefa de administrar o Estado.

 O avanço representado pela submissão do Poder Público ao comando das Leis, transformou as relações entre os cidadãos e o Estado, pois a partir deste momento, os cidadãos devem subordinar-se apenas à Lei e não mais aos governantes. E os governantes devem se submeter apenas à vontade geral que se consubstancia nas Leis.

Este papel assumido pela lei em decorrência das circunstâncias históricas acabou por fazer com que esta fosse colocada como sinônimo de Direito e a expressão máxima desta postura foi o positivismo jurídico, onde o cumprimento da lei foi equiparado à realização da justiça.

O positivismo jurídico foi superado na medida em que se incorporaram ao direito as seguintes ideias:

-  a realização da justiça equivale à proteção da dignidade humana, mesmo que esta proteção não esteja prevista no ordenamento jurídico; 

- as Leis não podem abranger todas as possibilidades de regulação, ou seja não podem abranger todos os fatos da vida humana;

- existem outras fontes do Direito além das Leis, como os princípios gerais de direito.

Esta mudança de perspectiva levou à incorporação dos princípios ao conceito de norma. E então, valores socialmente aceitos como fundamentais passaram a ter força cogente, constituindo-se juntamente com as regras numa espécie do gênero norma.

O conceito de interesse público também surgiu após a Revolução Francesa, conectado ao conceito de função pública, um conceito que agrega a atividade governamental, seus instrumentos e seus fins. O   interesse público pode ser entendido na seguinte formulação de  Leon Duguit: “ ciertas obrigaciones se imponíam a los governantes y la realizaçãde de esos deberes era a la vez la consecuencia y la jutificación de su maior fuerza.” ( Duguit;  ;p.93)

As funções públicas são exercidas por quem tem competência para realiza-las, ou seja são exercidas por quem recebeu poder para  desempenhar tais funções. Este poder de desempenhar a funções públicas é limitado e disciplinado pelas regras que instituíram o Estado Democrático de Direito. Desta forma, o poder de governar se transformou num dever-poder, que vincula a ação dos governantes à realização do interesse público.

Neste momento surge o Direito Administrativo que é definido por Celso Antônio Bandeira de Mello como um conjunto de limitações aos poderes do Estado ou como um conjunto de deveres da Administração em face dos administrados.

Portanto, a partir do momento em que o Estado passa a intervir na sociedade visando a realização do bem comum, através de prestações tanto positivas quanto negativas, este se torna um Estado Democrático que vai pouco a pouco assumindo papéis sociais que não poderiam ser assumidos por nenhuma outra instituição, tanto no que diz respeito à capacidade técnica e à capacidade de articulação, quanto no diz respeito à vinculação ética aos interesses coletivos.

Celso Antônio Bandeira de Mello, afirma que: “ O regime de direito público resulta da caracterização normativa de determinados interesses como pertinentes à sociedade e não aos particulares considerados em sua individuada singularidade.” ( Mello;2013;p.55)

Estes interesses pertinentes à sociedade e não aos indivíduos singulares, são os interesses públicos. O autor coloca então a supremacia do interesse público sobre o privado como um princípio ou mandamento nuclear do sistema, sem deixar de afirmar que este não se constitui de forma autônoma, mas está sempre associado à realização dos interesses dos indivíduos “enquanto partícipes de uma comunidade maior na qual estão inseridos, tal como nela estiveram os que os precederam e nela estarão os que virão a sucede-los nas gerações futuras.” ( Mello;2013  ; p.61)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No mesmo sentido, outro autor, Ricardo Marcondes Martins coloca desta forma sua posição:

“A constituição positivou todos os valores que devem ser perseguidos pelo Estado brasileiro para consecução do bem comum – tomado, aqui, como sinônimo de interesse público. No ordenamento jurídico brasileiro o interesse público está fixado na Constituição Federal  por meio de um conjunto de princípios jurídicos, expressos e implícitos, consistentes na positivação  de valores cuja concretização foi considerada necessária pelo constituinte para a realização do bem comum”. ( Martins;;p.36)

A formulação acima resume a posição dos autores que classificam a supremacia do interesse público como um princípio jurídico, ou seja como uma espécie de norma cuja posição no ordenamento jurídico está acima dos outros princípios.

Humberto Ávila coloca  uma série de críticas ao entendimento de supremacia do interesse público como princípio fundamental do Direito Público, afirmando primeiramente que o interesse público não se confunde com o bem comum, pois se o que se estabelece na supremacia do interesse público é uma regra de preferência, esta se mostra incoerente com o bem comum visto como a “composição harmônica do bem de cada um com o de todos.”( Ávila;  ;160)

Assim para este autor a interpretação das regras administrativas  não deve ser direcionada de antemão para a prevalência do interesse público sobre o particular, e os bens jurídicos a serem protegidos devem ser definidos através de uma ponderação entre os interesses públicos e os particulares, e esta ponderação deve atribuir máxima realização a todos os interesses envolvidos.

Humberto Ávila afirma também que não existe no Direito brasileiro uma norma-princípio ou princípio jurídico da supremacia do interesse publico sobre o particular, pois “ele não pode conceitualmente e normativamente descrever uma situação de supremacia: se a discussão é sobre a função administrativa, não pode “o” interesse público (ou interesses públicos), sob o ângulo da atividade administrativa ser descrito separadamente dos interesses privados.”( Ávila;  ;174  )

 Para este autor o interesse público a ser realizado pela Administração será estritamente aquele estabelecido pela legislação, portanto fora do âmbito legal a noção de interesse público é juridicamente irrelevante, pois não é possível obter-se uma definição de interesse público sem levar em conta a realidade concreta.

Propõe, por fim a valorização do bem comum em vez do princípio da prevalência, em função da  ligação do primeiro com as normas de competência, com o conteúdo dos atos administrativos e com os direitos fundamentais.

O autor Marçal Justen Filho define o interesse público de um modo diferente; para ele, este tem uma “natureza de conceito jurídico indeterminado” (Justen ;p.116), sendo que esta indeterminação tem como função a adaptabilidade do conceito aos casos concretos.

Além disso, para esse autor, “o interesse público não se constrói a partir da identidade de seu titular”, ou seja, para ele, afirmar que a realização do interesse público ocorre através das ações estatais, não significa dizer que o interesse do Estado é o interesse público, pois para este autor “o conceito de interesse público é anterior ao conceito de Estado” (Justen ; p.117).

Então, atualmente o conceito de interesse público conecta-se ao Estado Democrático de Direito e à realização dos Direitos Fundamentais, pois “o regime democrático de Direito Administrativo e o exercício do poder político apenas adquirem sentido completo e perfeito quando relacionados ao princípio máximo da supremacia da dignidade da pessoa humana (CF/88, art.1,III).” ( da Hora, 2012)

Assim, a realização do interesse público para este autor assume uma dimensão ética que incorpora interesses tanto das maiorias como das minorias, porque esta decorre do estabelecimento de um Estado  pluriclasse que resultou da difusão do voto para todas as classes sociais.

Desta maneira “O exercício do poder político retrata a pluralidade de interesses sociais e a segmentação dos diferentes grupos (Justen;;p121)” e a organização da ação política deve se dar em função desta diversidade de interesses e da busca da preservação da dignidade humana e dos direitos que dela derivam.

 Interesse Público como instrumento de realização dos direitos fundamentais

O Estado existe para organizar a vida em sociedade com o objetivo de garantir que esta vida em sociedade seja harmônica e proveitosa para todos. Esta função é conferida a ele para que em nome da coletividade realize os valores que a sociedade elegeu como relevantes.

 Estes valores podem ser entendidos como os princípios jurídicos que integram o ordenamento de forma implícita ou explícita. Para Ricardo Martins, “os fins do Estado nada mais são do que os princípios constitucionais”. ( Martins; ; p.34)  podendo-se entender então que a realização dos princípios legitima e vincula a ação estatal.

Estes princípios constitucionais podem ser identificados como interesses públicos quando estes são entendidos da maneira descrita por Marçal Justen Filho no seguinte trecho:

“ O interesse público se perfaz com a satisfação de necessidades de segmentos da população, em um momento concreto, para realizar os valores fundamentais. O interesse público é o interesse da sociedade e da população, mas voltado à realização de valores mais elevados da hierarquia.” (Justen;2012)

O art.1º da Constituição Federal de 1988, que dá início ao  Título I, o qual dispõe sobre os princípios  fundamentais, em seu inciso 3º coloca a dignidade humana como fundamento da República instituída como Estado Democrático de Direito. Deste modo, toda ação do Estado seja no âmbito Legislativo, Executivo ou Judicial deve estar alicerçada na busca da valorização da dignidade humana para ser legítima.

Se a ação dos entes estatais só se justifica ou legitima pela valorização da dignidade humana, então o interesse público que deve ser concretizado pela ação estatal tem o seu conteúdo conectado a priori a este princípio.

Na verdade, pode-se entender que o interesse público não possui autonomia, estando a sua existência condicionada à consecução do princípio da dignidade humana. Marçal Justen Filho defende esta posição e a coloca desta forma:

“Nenhum governante pode legitimar suas decisões através da pura e simples invocação ao interesse público. Será necessário, sempre demonstrar como os efeitos concretos da decisão conduzirão à realização do princípio da dignidade da pessoa humana, segundo o ordenamento jurídico.” (Justen;;p.130)

Os interesses públicos então, serão selecionados entre uma infinidade de interesses que existem no mundo social que se estabelece no Estado pluriclasse. Esta possibilidade de escolher entre interesses diversos é denominada discricionariedade e pode ocorrer em qualquer âmbito da atividade estatal, mas esta discricionariedade estará condicionada à realização do princípio da dignidade humana.

Esta submissão da discricionariedade estatal ao princípio da dignidade humana é entendido por Marçal Justen Filho como “um vetor fundamental, o que permite identificar a filosofia ou espírito do sistema.”

A adoção de uma filosofia do sistema político jurídico, implica na organização deste sistema em torno dos princípios fundamentais, criando-se uma arquitetura dos princípios e trazendo a seguinte solução: pode-se sacrificar um princípio menor para não comprometer a existência do sistema como um todo.

Assim, para esse autor o dever de preservação e valorização da dignidade humana permeia todo o sistema normativo e também o cumprimento das normas, constituindo-se como a base do conteúdo do interesse público.

                        Porque são criadas as Políticas Públicas

As políticas públicas são construções político-jurídicas desenvolvidas pelo poder executivo das três instâncias federativas, ou seja pela União, pelos Estados e pelos Municípios e são caracterizadas pelo fato de terem como meta o alcance de objetivos definidos, a determinação prévia de recursos que se vinculam a esse objetivo e a definição de prazos para a sua execução. Os fundamentos, os objetivos e os direitos que devem ser concretizados pelas políticas públicas são definidos pela Constituição Federal.

A criação e a implementação deste instrumento de ação estatal, que são as políticas públicas, ocorrem através de um processo no qual a função do Direito passa a ser a organização e o direcionamento desta ação e corresponde à adoção pelo Direito Administrativo de um novo paradigma que é “permeado pelos valores e pela dinâmica da política”. (Bucci;2006;p1)

As políticas públicas são comandos jurídicos que determinam ações governamentais e neste sentido são expressões do enfrentamento de questões complexas que se colocam aos administradores públicos. Este enfrentamento de necessidades concretas que se criam no mundo social corresponde ao fenômeno político.

A formulação de políticas públicas vincula o processo político ao direito e ao mesmo tempo vincula o direito ao processo político, o que implica num diálogo que envolve os poderes legislativo e executivo no sentido de construírem instrumentos capazes de dar forma e concretude aos direitos previstos pela ordem constitucional.

No processo de tomada de decisões, o conceito de interesse público deve estar presente em todo o processo, pois a discricionariedade que permeia essas decisões está delimitada pela indisponibilidade do interesse público, ou seja os criadores de políticas públicas estão vinculados à defesa do interesse público.

As políticas públicas aparecem, então como normas de organização social que têm como objetivo a realização de direitos, o direito dos cidadãos, os direitos sociais e os direitos difusos e  coletivos. Através delas o Estado assume uma função que só foi incorporada aos seus deveres após a Revolução Industrial, a função planejadora e implementadora de direitos, tornando-se assim um Estado social que também pode ser denominado de Estado dirigente.

Segundo Fábio Konder Comparato, o Estado social ou dirigente assume as seguintes características:

- os Poderes Públicos não se contentam em produzir leis ou normas gerais;

- o objetivo do Estado é guiar a coletividade no sentido do alcance de metas determinadas;

- podem ter como objetivo até mesmo o extermínio de outros povos, como no caso do regime nazista.

No final do sec. XX foi incorporada ao conceito de Estado dirigente a ideia de que a ação estatal só será legítima quando esta se estabelecer visando a realização de objetivos coletivos que expressarem a supremacia da dignidade humana.

Por força deste novo entendimento do papel do Estado, a ação estatal é transformada em categoria jurídica. Este tipo de ação estatal foi conceituado como atividade e pode ser entendido como: “ o conjunto articulado de programas operando para a realização de um objetivo, como partes de um todo”. ( Massa-Arzabe; 2006;p.62)

No âmbito do Direito Comercial temos como exemplo, a substituição do conceito de atos de comércio pelo conceito de atividade empresarial. Atividade, portanto torna-se um conceito que se distingue de outros elementos da realidade jurídica, porque não é norma nem ato.

Deste modo, as políticas públicas como atividade estatal se distinguem das normas e atos, mas acabam por incorporar tais conceitos na formação de sua estrutura jurídica, assumindo assim a feição de programas de ação governamentais que expandem o âmbito funcional dos poderes Legislativo e Executivos para transforma-los em realizadores dos princípios constitucionais.

Fabio Konder Comparato coloca desta forma esta mudança:

“Quando, porém a legitimidade do Estado passa a fundar-se não na expressão legislativa da soberania popular, mas na realização de finalidades coletivas, a serem alcançadas programadamente, o critério classificatório das funções e, portanto, dos Poderes estatais só pode ser o das políticas públicas ou programas de ação governamentais.” (Comparato; 1998; p.44)

Coloca-se, portanto para o Direito atual,  uma diferenciação entre a Lei como norma escrita geral e abstrata  (nomocracia) e a Lei como instrumento para a ação estatal “mediante o implemento de programas e estratégias (telocracia)”   (Mancuso; 2010; vol1), o que implica na necessidade de uma mudança de mentalidade em relação aos papéis representados pelo Estado que deve agora criar instrumentos jurídicos com fins determinados e com objetivos concretos.

     O significado jurídico do termo  políticas públicas

As políticas públicas têm sua origem mediata na Constituição, vista como expressão legislativa da vontade popular, que direciona o Estado no sentido da realização do interesse público. Esta realização pode ocorre através de decisões políticas que podem ser descritas como atividade de planejamento e estas decisões são transformadas em instrumentos jurídicos que normatizam o processo de concretização das decisões.

O esquema abaixo procura mostrar os movimentos que se dão na formulação e desenvolvimento das políticas públicas:

    Constituição Federal: define os parâmetros de tomada de decisões e os direitos a serem efetivados;

Decisões políticas: o poder executivo define as políticas públicas que serão implementadas;

                   

Ação do Poder Legislativo: as decisões políticas são apreciadas pelos legisladores e transformadas em instrumentos jurídicos;

 Efetivação das

                                  Políticas públicas: Os instrumentos jurídicos são transformados em     ações concretas, pelo poder executivo (no papel de administrador público).

Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem agir de forma complementar, cada um deles realizando suas funções com o mesmo objetivo. Deste modo, cada um dos poderes, em relação a questões que envolvem políticas públicas, deve emitir decisões que visem não apenas o cumprimento da Lei, mas também a efetivação dos desígnios constitucionais.

As decisões políticas que ocorrem no âmbito de criação de políticas públicas são sempre tomadas no nível mais alto da hierarquia governamental e somente depois de constituídas formalmente é que são repassadas para os níveis inferiores da Administração.

Uma das características que diferenciam as políticas públicas das Leis, é que as Leis de um modo geral se destinam a resolver conflitos previamente existentes e as políticas públicas, mesmo que tenham a finalidade de fazer com que uma situação conflituosa deixe de existir, possuem sempre um caráter prospectivo, ou seja se destinam a regular situações futuras.

As políticas públicas podem ser vistas como um pacto entre as instâncias do Governo que se expressa através de instrumentos jurídicos dos mais diversos, com o objetivo de cumprir diretrizes e de alcançar metas consideradas relevantes num determinado momento.

 Deste modo uma determinada política pública pode incorporar normas de Direito Civil, de Direito Ambiental ou de Direito Penal, entre outros, com objetivos que podem não estar relacionados diretamente a estes Direitos.

Assim, pode-se entender que as políticas públicas são programas de ação que envolvem todas as instâncias do Poder Público na consecução de um objetivo comum e que indicam um papel preponderante do planejamento visto como um processo de tomada de decisões políticas com o objetivo de realizar o interesse público.

  A vinculação das políticas Públicas ao dever de satisfação do Interesse Público

Humberto Ávila  afirma que o surgimento de novas figuras jurídicas dentro do Direito Administrativo, faz com que este se transforme num direito multipolar que considera os interesses de uma multiplicidade de grupos que acabam por fazer parte no jogo político num Estado democrático.

Ele nomeia este Estado de Estado cooperativo e a administração praticada por ele de Administração cooperativa. Cooperação neste caso, deve ser entendida como o estabelecimento de relações jurídicas entre os setores público e privado sem que ocorram contradições entre os interesses de um e de outro setor ou como “ uma coordenação recíproca entre vários interesses”. ( Ávila;;p.176)

Assim as relações jurídico-administrativas deixam de ser entre  o Estado e cada cidadão, para se transformar em relações que conectam o Estado a uma massa de indivíduos que muitas vezes não podem nem mesmo ser determinados. Esta mudança leva a uma nova noção de interesse público, onde os interesses que serão implementados pela ação estatal são regulados pela Constituição Federal e devem estar em consonância com todos os princípios que fundamentam o Estado Democrático de Direito.

Humberto Ávila afirma ainda que os interesses públicos na realidade não se contrapõem aos interesses privados.  E explica tal afirmação desta forma: “Em vez de uma contradição entre os interesses privado e  público há, em verdade, uma conexão estrutural. (...) Se eles – o interesse público e o privado – são conceitos inseparáveis, a prevalência de um sobre o outro fica prejudicada, bem como a contradição entre ambos”. ( Ávila;;p.167)

Pode-se entender, então que a função administrativa atualmente é uma tarefa complexa e a Administração precisa, para cumprir as obrigações que lhes são impostas, de instrumentos jurídico-políticos que incorporem a complexidade como um de seus componentes.

As políticas públicas surgem nesse contexto como uma nova espécie de construção jurídico-administrativa. O complexo de interesses que move a atividade administrativa pode ser entendido como “um quadro de valores a serem tutelados equanimemente pelo Direito.” ( da Hora; 2012 ;p.9), ou seja interesses que devem ser ponderados com outros interesses para definir quais deles serão sacrificados e quais deles serão implementados.

 No processo de criação das políticas públicas, a indeterminação dos instrumentos jurídicos trabalha a favor do enfrentamento da complexidade possibilitando que estas políticas se desenvolvam através de um diálogo entre os Poderes Estatais e também com outros setores da sociedade.

 Do exposto neste trabalho, pode-se entender que o reconhecimento da existência dos interesses públicos como expressão das aspirações da coletividade de cidadãos, foi uma conquista social e direcionou os Governos na direção do reconhecimento da liberdade e da igualdade gerais.

No entanto, pouco a pouco em virtude das arbitrariedades cometidas pelos governantes, esta supremacia do interesse público foi substituída pela supremacia da dignidade humana. A preservação da dignidade humana se tornou então, o fundamento da existência do Estado, sendo, portanto considerada como anterior e superior a este.

A noção de interesse público, entretanto continuou a ter importância, pois o entendimento daquilo que é relevante e necessário para a sobrevivência e o desenvolvimento da sociedade, e que é a base das ações dos governantes,  pode ser entendido como interesse público.

A noção mais atual de interesse público abrange não apenas as prestações que a comunidade espera do Estado, mas principalmente a garantia do respeito aos direitos fundamentais da população. Assim, este conceito além de servir para a definição do escopo das políticas públicas, serve também como fundamento de tais políticas pelo seu caráter de garantidor dos direitos fundamentais.

A formulação de políticas públicas assume assim, o papel de construção jurídica com função de direcionar a atividade estatal no sentido de  alcançar a realização dos interesses coletivos.

Deste modo, as políticas públicas se vinculam ao interesse público na medida em que existem para dar forma ao mundo social almejado por todos os defensores do Estado Social Democrático e Constitucional de Direito.

Diante disso, é possível afirmar que as políticas públicas são por excelência instrumentos da Administração Pública cooperativa, pois além de servirem para a consecução de objetivos dos mais diversos, vinculam-se aos fundamentos da democracia social e à realização do interesse público através de programas de ação que colocam o Estado na posição de direcionador da evolução e do desenvolvimento político, econômico e social.

Pode-se afirmar que hoje as relações sociais, as relações econômicas e de certo modo até mesmo as relações culturais são permeadas pelo Direito, isto significa dizer que os cidadãos não apenas esperam do Estado a criação de instrumentos jurídicos que garantam a qualidade da vida em sociedade através da concretização de direitos e garantias, como também esperam poder participar deste processo de formulação de políticas.

As políticas públicas permitem a abertura da gestão pública em direção a novos horizontes em termos políticos, sociais, culturais e  individuais, incluindo, ainda no conteúdo do interesse público os interesses das futuras gerações.

Referências

- Vários autores, organizadora Maria Paula Dallari Bucci; Ed. Saraiva; São Paulo,SP; 2006.

- García de Enterría, Eduardo; Fernández, Tomás-Ramón; Curso de derecho administrativo, cap. I – La administracion pública y el derecho administrativo; ed. Civitas;  Madri, Espanha; 2002

- Duguit, Leon; Las transformaciones del derecho público; ed. Analecta; Navarra, Espanha.

- Bandeira de Mello, Celso Antônio; Curso de direito administrativo; ed. Malheiros; São Paulo, SP; 2013.

- Ávila, Humberto Bergmann; Repensando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”. Revista Trimestral de Direito Público; São Paulo, SP.

- Martins, Ricardo Marcondes; Efeitos dos vícios dos atos administrativos; ed. Malheiros; São Paulo, SP.

- Justen Filho, Marçal; Conceito de interesse público e a “personalização do direito administrativo”; Revista Trimestral de Direito Público; São Paulo,SP.

- Comparato, Fábio Konder; Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade das políticas públicas; Revista de informação legislativa; Brasília, DF.

- da Hora, Marco Aurélio Senko; A relativização da supremacia do interesse público em face do fundamento constitucional da dignidade humana; Revista eletrônica do TRT do Paraná, nº67;2012.

- MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito (nota introdutória). Processos Coletivos, Porto Alegre, vol. 1, n. 2, 01 jan. 2010.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Luiza Helena Berriel

Arquitetura e Urbanismo PUC de Campinas -1985. Direito PUC de Campinas - 2012. Mestranda em Direito Urbanístico PUC de São Paulo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos