Políticas públicas como expressão da atividade planejadora do Estado

17/09/2015 às 07:59
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Aborda as mudanças que ocorrem quando o direito deixa de ser apenas a relação entre normas e fatos e passa a incorporar objetos que relacionam as normas e fatos a objetivos que devem ser alcançados de acordo com princípios constitucionais.

                                                                  

                                                                     

Resumo:

Quando o objeto do direito deixa de ser apenas a relação entre normas e fatos e passa a incorporar objetos que relacionam as normas e fatos a  objetivos que devem ser alcançados de acordo com princípios constitucionais, tem-se um direito que não possui mais unicamente o caráter de ordenamento jurídico, mas que se transforma num direito que vai sendo construído ao longo do processo decisório.

Tal direito não se refere apenas ao que é estabelecido nas decisões judiciais dentro dos processos. Ele se refere às decisões que levando em conta as demandas sociais, obrigam os representantes do povo, ou seja, obriga os poderes executivo, legislativo e judiciário a tomarem decisões políticas que se utilizam de instrumentos jurídicos para concretizarem demandas

Palavras chave: política pública, ordem jurídica, planejamento, pacto coletivo, objetivos concretos.

Introdução

As políticas públicas são um exemplo de um novo tipo de direito que vai sendo construído ao longo do processo decisório e que incorpora um novo objeto, ou seja incorpora normas, fatos, diretrizes, objetivos futuros e princípios.

 Segundo os autores Carlos Ari Sundfeld e André Rosilho as políticas públicas “tornam o direito mais realista”, pois segundo eles;

“ A ideia de política pública é território neutro, capaz de viabilizar o diálogo entre pessoas que, apesar de utilizarem códigos de comunicação distintos, estão interessadas em resolver os mesmos problemas.” ( Sundfeld, Rosilho, p.1; 2014)

Para entender o papel das políticas públicas no direito atual é necessário primeiro entender o papel do Estado como organizador do desenvolvimento social, ou seja entender o papel da atividade planejadora do Estado.

O Estado entendido como uma instância dotada de poder coercitivo passou ao longo da história por distintas configurações e atualmente este poder coercitivo só pode ser exercido dentro de limites estabelecidos pela Constituição Federal. O Estado constitucional além de ser limitado em seu poder coercitivo,  tem também o dever de garantir os direitos individuais e os interesses e direitos coletivos.

Estes novos desígnios impostos ao Estado pelo estabelecimento da soberania da Constituição, levam à criação de projetos políticos objetivos que se utilizam de instrumentos jurídicos para a sua implementação e ao fazerem isso dão ao direito uma nova configuração.

As normas que garantem direitos individuais ou coletivos e os princípios deixam de ser meras normas programáticas assumem, nessa nova configuração do Estado, o papel de objetivos concretos.

Desta forma são incorporados à ação estatal critérios de justiça, de distributividade e de coerência com os princípios norteadores do ordenamento. O pluralismo político que decorre da introdução de processos democráticos de escolha de representantes, coloca o Estado na posição de moderador das tensões decorrentes das diferenças econômicas e sociais e faz com que ele passe a exercer o papel promotor da justiça social.

1-  A função planejadora do Estado e seus reflexos na ordem jurídica

No Brasil a atividade planejadora do Estado, já assumiu papéis que lhe valeram má fama. Planos econômicos abundantes e malsucedidos, muitos deles conectados aos objetivos da ditadura militar, fizeram com que o conceito de atividade planejadora se deformasse aos olhos dos cidadãos.

No entanto, o planejamento está entre as  principais atividades do Estado. Os representantes do povo assumem através do planejamento a imprescindível tarefa de ao mesmo tempo em que regulam as funções públicas e as atividades privadas, criar um modelo de sociedade, criar um modelo de país através de projetos que concretizam os objetivos pluralistas e democráticos que estão dispostos na Constituição Federal do Brasil .

A manutenção e a legitimidade da ação de um Estado democrático, pluralista e conectado com o bem-estar geral da população, está vinculada à atividade planejadora.

 A organização decorrente do planejamento e da execução do que é planejado, fundamenta o Estado Social, que cada vez mais se distancia do papel de agente econômico e assume o papel de regulador, conforme se pode entender da leitura do artigo 173 da Constituição Federal que dispõe que: “ ressalvados os casos, previstos nesta Constituição, a exploração de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”.

A Constituição Federal disciplina o planejamento e os princípios que devem ser levados em conta no momento da execução do que foi planejado, como, por exemplo, o desenvolvimento nacional equilibrado e a compatibilidade entre planos nacionais e regionais de desenvolvimento, no capítulo da ordem econômica e financeira. A complexidade da configuração social faz com que a atividade planejadora se torne necessária em todos os campos, principalmente naqueles setores onde a atividade econômica não pode oferecer soluções, como é o caso das demandas geradas pelas populações socialmente desfavorecidas.

Podemos entender, portanto o planejamento estatal  como uma atividade técnica, política e legal que gera um dever para o Estado de concretizar projetos que visam satisfazer as aspirações coletivas inscritas na Constituição Federal através do desdobramento das políticas que decorrem da atividade planejadora  realizada pelos três poderes.

A afirmação acima justifica as seguintes assertivas  do autor Ricardo Martins:

 “ O legislador outrora inteiramente livre, hoje é submisso a uma Constituição,; o programa constitucional, outrora uma mera recomendação, hoje é juridicamente impositivo. Um mínimo de atenção à história da humanidade e à natureza humana torna insustentável clamar por uma política liberta do Direito.(..)Afirma-se, portanto sem nenhum constrangimento,  nada, absolutamente nada da política está imune ao direito” (Martins; p.30; 2010B)

Esta afirmação traz em si um significado amplo, pois por   política  pode-se entender as ações de cada um dos três poderes, ou seja as iniciativas e respostas fornecidas por cada um desses entes estatais no sentido de construir a ordem social.

Assim, a coexistência humana e a ordem social acabam sendo cada vez mais mediadas pelo direito que se transforma de instrumento de resolução de conflitos em instrumento de concretização de decisões políticas que expressam os valores considerados importantes para atingir o desenvolvimento  almejado pela coletividade.

2 –  Funções do planejamento estatal

O planejamento cria um modelo ideal, com base em necessidades concretas, que deve ser realizado no futuro. O planejamento estatal pode ser visto como um modelo racional, ou seja como uma manifestação do pensamento racionalista do final do séc. XIX ou mesmo como uma prática pouco democrática, que caracterizou ditaduras como o regime soviético e o regime militar brasileiro.

A verdade é que a necessidade de criação de modelos ideais de funcionamento da esfera humana nunca deixa de estar presente, pois os projetos coletivos que se colocam de forma implícita ou explícita no meio social, movem as pessoas que fazem parte desse meio.

Na sociedade atual, ou seja no capitalismo pós-industrial, a realização dos projetos individuais está conectada à realização dos projetos coletivos. Educação, segurança, trabalho e transportes são exemplos de necessidades individuais que para serem satisfeitas dependem da realização de projetos coletivos que decorrem do planejamento e podem se concretizar por intermédio de instrumentos político-jurídicos como as políticas públicas.

A pós-modernidade, vista como a expressão dos atuais paradigmas sócio-econômicos e culturais, traz uma identificação entre o mercado e a sociedade civil, entre a cidadania e o consumo. Assim, o cidadão se confunde com o consumidor de bens gerados por atores sociais como o mercado e o Estado.

A atuação do Estado, assim como a atuação dos agentes econômicos, tornam-se cada vez mais complementares. Dessa forma, os indivíduos recorrem ao Estado do mesmo modo que recorrem ao mercado para suprir suas necessidades. Ocorre, no entanto uma diferença no grau de satisfação dos interesses individuais entre aqueles que podem recorrer preponderantemente ao mercado e aqueles que dependem basicamente do Estado para a satisfação de suas necessidades.

O mercado pode ser visto como uma confluência de recursos financeiros e por isso, pode suprir necessidades com maior rapidez e eficiência, assim aqueles que podem pagar por serviços de educação e saúde, por exemplo, acabam tendo acesso a serviços mais eficientes e rápidos.

A parcela da população que não pode pagar pelos serviços tem que recorrer ao Estado para suprir muitas de suas necessidades. Assim o Estado assume a tarefa de planejar, organizar e suprir com seus recursos as demandas sociais que se colocam.

Concretiza-se, deste modo um novo pacto coletivo que resulta atualmente num modelo de Estado assentado na realização de direitos e na articulação das necessidades com os recursos, tanto os econômicos como os legais.

Ana Paula Barcelos conclui no texto “Constitucionalização das políticas públicas”, que o Estado passa a concentrar recursos advindos da tributação para atingir a concretização de fins públicos. A esta concretização dos fins públicos corresponde o fato de que a realização dos direitos que fundamenta a ordem constitucional vai se sobrepondo, na esfera jurídica, à função de resolução de conflitos que se dá através de processos judiciais, como o processo de conhecimento.

O planejamento visto como criador de modelos ideais que irão determinar a ação do Estado no sentido da realização dos interesses sociais tem, portanto, um duplo desígnio: o atendimento das necessidades coletivas e a realização da justiça através da distribuição de benefícios.

Isto significa que a ação do Estado através de instrumentos como as políticas públicas deve estar comprometido com a realização dos fundamentos mínimos existenciais que podem ser entendidos como o núcleo duro dos direitos fundamentais, o que em última análise se traduz na preservação da dignidade humana.

Dentro desses parâmetros o Estado planejador precisa não apenas satisfazer as necessidades sociais, mas também justificar os meios que utiliza para atingir tais objetivos, além de justificar o porquê da escolha de determinados fins em detrimento de outros.

Assim, para o Estado, a ação política vem acompanhada pelo dever de preservar valores que hoje estão positivados pela Constituição Federal e que correspondem a aspirações coletivas que, ao serem colocadas pelo legislador constitucional na categoria de normas, obrigam e vinculam.

3- Função das políticas públicas

A incorporação dos bens que são protegidos pelos direitos difusos aos bens de interesse público, implica no reconhecimento da existência de bens para os quais o conceito de propriedade não faz sentido, ao menos em princípio.

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Esses bens não são de propriedade coletiva, na verdade os direitos de propriedade não incidem sobre eles, como, por exemplo o ar que nos cerca ou a qualidade de vida nas cidades. Tais bens geram direitos que estão conectados aos interesses coletivos e sua existência leva  à uma mudança de contexto no espaço de atuação do direito.

Bens protegidos por direitos difusos são usufruídos por sujeitos indeterminados e indetermináveis, sendo que, além disso tais bens são considerados  indivisíveis. Assim no contexto dos direitos que protegem os bens difusos, a propriedade nos moldes civilistas, mesmo a propriedade coletiva, é excluída.

A apropriação de tais bens pela coletividade, além de sua defesa e proteção, gera novos direitos e cria a necessidade de novas formas de constituição do fenômeno jurídico que incorporem um grau de complexidade social que se torna maior com o passar do tempo, porque a própria realidade se torna mais complexa.

Assim, os recursos oferecidos pelo direito tradicional, visto como uma coleção de normas que têm como função resolver conflitos, tornam-se insuficientes para a solução de problemas impostos por uma realidade que não é mais amparada por essa coleção de normas.

A partir da segunda metade do séc. XX foi criado um novo tipo de construção jurídica que permite o enfrentamento de realidades complexas e que tem como função resolver problemas concretos.

Os direitos difusos, assim como os direitos sociais, são direitos que para serem protegidos necessitam de uma ação estatal. O Estado deve criar formas de tornar efetivos determinados direitos cuja proteção não é feita de forma automática pelos meios jurídicos tradicionais, como é o caso dos direitos difusos. Além disso, o Estado deve criar instrumentos para a realização de direitos que demandam uma ação positiva do Estado, que são os direitos sociais como, por exemplo, a educação e a saúde.

Para atender essas demandas positivadas pela Constituição Federal o Estado lança mão de instrumentos técnicos e jurídicos. O planejamento pode ser visto como uma atividade técnica, mas como veremos adiante, mantém uma ligação com o Direito através da obrigação de realizar determinações constitucionais. Do mesmo modo, as políticas governamentais que derivam da atividade planejadora e as políticas públicas que derivam das políticas governamentais, estão vinculadas ao objetivo de realizar determinações constitucionais.

Políticas governamentais, que também ser denominadas de governança, são as escolhas  feitas pelos governantes, ou seja correspondem à  formulação de programas de governo.

Políticas públicas, por outro lado, são construções jurídicas. Elas   são definidas desta forma, devido à grande multiplicidade de assuntos que são por elas abarcados e também pela grande diversidade de instrumentos jurídicos que são utilizados em sua criação. Numa política pública podem ser utilizadas normas  com propósitos diferentes daqueles para os quais foram criadas.

Política pública é na definição clássica formulada por Maria Paula Dallari Bucci, ”como um programa ou quadro de ação governamental, porque consiste num conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum objetivo de ordem pública ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito.” (Bucci, Maria Paula Dallari; p14; 2010)

Entende-se então, que as construções jurídicas que dão forma às políticas públicas são programas de ação governamental, ou seja planos de ação para a implementação de direitos que fazem parte do escopo dos direitos fundamentais. A proteção da dignidade humana está de fato na base das aspirações constitucionais que dão origem às políticas públicas.

A evolução dos direitos fundamentais no sentido de deixarem de ser normas programáticas para se tornarem exigíveis e efetivos, faz com que os direitos de participação e prestação sejam ampliados.

Por esta razão a realização de muitos desses direitos que demandam uma prestação do Estado leva à criação de um sistema, uma forma de proceder governamental que planeja a realização de direitos e que se utiliza da ação política e de instrumentos jurídicos para atingir seu objetivo. Trata-se da atividade planejadora.

Existe uma diferença entre atividade planejadora do Estado ou planejamento e a criação de planos. A autora Patrícia Helena Massa-Arzabe coloca esta diferença desta forma:

“O planejamento, como atividade planejadora de racionalização do emprego dos meios disponíveis para deles retirar os efeitos mais favoráveis e como método de intervenção social e econômica, de um lado, e o plano, de outro como a “peça técnica” que adota a forma normativa para torna-la juridicamente vinculante, constituem exemplos dessa atuação político-jurídica do Estado.” (Massa- Arzabe; p. 53; 2010 )

Entende-se, portanto as políticas públicas como um instrumento de racionalização da ação estatal, que mesmo não tendo uma estrutura pré-definida acaba seguindo na maioria das vezes um mesmo caminho.

O caminho seguido pelas políticas públicas começa na Constituição Federal que estabelece os objetivos gerais e princípios que devem orientar a ação governamental, passa pelo poder executivo que tem como uma de suas funções principais a atividade planejadora e a escolha de objetivos para a sua ação (políticas governamentais). Os planos de ação criados pelo poder executivo são enviados ao poder legislativo que irá transforma-los em instrumentos jurídicos que serão devolvidos ao poder executivo para que este implemente os programas que  assumem, então a forma de ordem jurídica.

4 - Políticas públicas como expressão da atividade planejadora do Estado brasileiro.

A mais eficaz forma de controle das políticas públicas é aquela que decorre do seu cotejo com a realização dos direitos fundamentais. A  ponderação entre a concretização e a restrição dos direitos fundamentais que se faz presente na realização das políticas governamentais, fundamenta o planejamento estatal, assim como os critérios de atribuição de prioridades no âmbito dos gastos públicos.

Estas atividades políticas são fundamentadas em princípios constitucionais explícitos ou implícitos (como é o caso do princípio da proporcionalidade no ordenamento jurídico brasileiro).

Tais princípios assumem um duplo caráter; primeiramente eles formam um arcabouço de valores que envolvem as normas e que determinam o direcionamento da ação política estatal e depois disso os princípios assumem um caráter normativo, isso é um caráter de cogência e exigibilidade que passa a caracterizar tais normas.

Assim, pode-se entender que o planejamento visto como uma forma de coordenar necessidades com prioridades, decorre de ponderações entre os meios, os recursos e os fins da ação estatal que são estabelecidos pelos princípios constitucionais que informam essa atividade.

As normas que constituem os ordenamentos jurídicos e por isso mesmo, também as políticas governamentais, podem ser divididas em regras e princípios.

As regras  imputam uma consequência aos fatos concretos,  uma vez verificada a ocorrência do fato mencionado na regra, são imputadas consequências jurídicas. Já os princípios correspondem a valores considerados relevantes para a coletividade num determinado momento histórico e possuem vários papéis.

Um dos papéis dos princípios é fornecer motivos, relevantes e ponderáveis entre si, para a tomada de decisões. Decisões políticas, decisões administrativas, decisões judiciais e principalmente as decisões legislativas que criam as regras, estão vinculadas à realização dos princípios. E esta realização estará vinculada à ponderação entre a concretização e a restrição dos valores  que informam a ação governamental e que podem ser até mesmo excludentes entre si. Os princípios também fornecem razões para que o ordenamento jurídico seja acatado e respeitado.

Princípios  que fundamentam a tomada de decisões  possuem um caráter contingencial, pois são definidos historicamente, além de possuírem um valor que só possui cogência e exigibilidade num primeiro momento. Os princípios podem ser sopesados uns com os outros e também podem ser afastados na medida em que a ponderação atribui maior relevância a um princípio do que a outro.

 Assim uma determinada política governamental poderá ser levada a cabo em detrimento de outra se na ponderação entre a realização dos princípios e na ponderação entre as restrições aos diferentes direitos fundamentais, ficar decidido que uma determinada política protege direitos mais relevantes, de uma maneira mais eficaz e com resultados melhores do que outra. Pode-se entender, portanto que a existência de princípios assumindo o caráter de elemento estruturante do sistema jurídico e também o caráter de norma jurídica, torna a criação do direito uma atividade muito mais complexa hoje do que na época em que o sistema jurídico era fechado e  baseado em códigos.

 O estabelecimento de um sistema normativo hoje é feito tanto através da concretização dos princípios na forma de regras, como também através da utilização de regras já estabelecidas para a criação de construções jurídicas que têm como fim mover a máquina pública para a realização das políticas governamentais propostas pela atividade planejadora do Estado.

Políticas governamentais entendidas como planejamento e estabelecimento de metas, são uma categoria mais abrangente do que a categoria de políticas públicas, pois envolvem não apenas a elaboração de planos de ação governamental, mas também uma ponderação de caráter ideológico ou valorativa na criação de planos que se colocam no presente e se projetam para o futuro.

Deste modo, a criação de políticas públicas como resultante das prescrições constitucionais, das necessidades concretas e por que não dizer da crença em valores que se expressam como princípios jurídicos, se desenvolve  como ação coordenada dos entes estatais e serve a objetivos que  incorporam uma função política que deve estar comprometida com o bem estar da sociedade.

A incorporação dessa função política às funções estatais demanda a criação de funções para os três poderes que se distanciam das funções tradicionais por eles exercidas. Os instrumentos jurídicos utilizados para a criação de leis com caráter de política governamental ou de políticas públicas também se distanciam da função normativa tradicional e adquirem um caráter de instrumentos de transformação da realidade tendo em vista resultados concretos.

O planejamento procura criar uma ordem social e econômica que se distancia das ordens que seriam estabelecidas se não houvesse nenhuma intervenção estatal. Esta ordem social decorre de uma interpretação da realidade que antecede as decisões que são tomadas na atividade de planejamento e de definição das políticas governamentais.

A interpretação é uma leitura. E a interpretação da realidade concreta que antecede o planejamento deve ser feita à luz de valores. Deste modo, entende-se que o planejamento deve ter como fundamentos os ideais interpretativos que permeiam todo o ordenamento jurídico e que legitimam a Constituição Federal de 1988 como norma máxima em nosso país.

Assim o planejamento ao mesmo tempo em que tem a sua existência legitimada pelo fato de ser um instrumento de realização dos ideais constitucionais, assume um papel cada vez mais importante para que se considere legítima a atuação estatal, ou seja ele também tem um papel legitimador da ação do governo, devido ao lugar que ocupa na construção da ação política.

Entende-se por isso, a afirmação de que hoje o direito tem que ser construído. Segundo Gustavo Zagrebelsky, a nova forma de atuação estatal realiza uma inversão nas relações entre direito e poder, ou seja a positivação dos valores constitucionais e a exigência de sua realização, implica na criação de “novos centros de poder” que encontram na soberania da Constituição as bases para seus juízos e para sua prática.

A criação e a implementação de políticas derivam desses “novos centros de poder” com o objetivo de adequar a ação estatal às necessidades concretas. As políticas públicas, então,  são normas com alto grau de concretude que possuem como fonte princípios abstratos.

Políticas governamentais e políticas públicas são sempre normas gerais, pois se destinam a concretizar o interesse coletivo. No entanto, por se destinarem a ordenar os mais variados aspectos da vida em sociedade, possuem um grau de generalidade variável, podendo abarcar desde programas nacionais até políticas de revitalização de um único bairro.

As normas do direito tradicional herdadas do direito romano e recepcionadas pelo Estado de Direito de concepção liberal eram dotadas de generalidade e abstração e isso se implicava na existência de leis iguais para todos.

A superação do Estado de Direito que ocorre com a incorporação dos princípios, ou seja dos valores axiológicos ao sistema jurídico que estrutura o Estado, fez com que o poder estatal se torna-se submisso ao poder da coletividade (entendida como a massa dos cidadãos), e que a igualdade jurídica passasse a ser vista como a “igualdade perante a lei” de todos os membros dessa comunidade.

As políticas governamentais que se transformam em políticas públicas com o objetivo de realizar direitos são uma construção conceitual criada para substituir a soberania do Estado pela soberania dos direitos.

 Para que essa substituição se realize é necessário que os representantes da coletividade, que hoje são não apenas os entes estatais, mas também são as entidades representativas da sociedade civil, os agentes econômicos privados e também os cidadãos entendidos como indivíduos, ajam de uma forma solidária,  que permita  a inclusão novos sujeitos e novas aspirações.

Pode-se afirmar que o Estado almejado pela Constituição Federal atual é um Estado comprometido com a cidadania e organizado em torno de programas de ação e de realização de objetivos concretos e pode-se  afirmar também que o Estado   precisa atuar dessa forma para se legitimar como fonte do poder.

Portanto, políticas públicas vistas como plano de ação governamental são também acordos entre instâncias de poder estatal e a sociedade como um todo que estão ligados a uma nova forma de conceber e realizar os direitos e deveres decorrentes da condição de cidadãos assumida por cada membro da coletividade na sociedade atual.

Desse modo, pode-se afirmar que através das políticas públicas cumpre-se o direito de cada cidadão ter o seu futuro organizado e seu bem-estar resguardado, na maior medida possível, através da atuação estatal.

O meio utilizado para a realização desses direitos dos cidadãos é a atividade ordenadora do Estado, que na criação de políticas públicas  reúne diferentes normas com um objetivo concreto, transformando tais normas  em instrumentos  de transformação social.

Conclusão

A unidade normativa ou unidade do direito em si, está fundamentada num sistema de valores expressos na Constituição Federal de 1988, que de maneira inequívoca incorporou valores que se impõem nas sociedades democráticas e pluralistas.

 Os direitos fundamentais individuais,  coletivos e difusos foram incorporados ao ordenamento. As normas que dispõem sobre direitos sociais, ou seja sobre aqueles direitos que demandam uma ação positiva do Estado e que devem ser acompanhadas de uma reserva orçamentária para sua realização e as que disciplinam aqueles direitos sobre os quais não incide o direito de propriedade, ou seja os direitos difusos, deixam de ser meras normas programáticas para assumirem um caráter de cogência e exigibilidade.

Deste caráter de cogência e exigibilidade foi se desenvolvendo uma nova forma de abordar as demandas que nascem no campo sócio-político e que devem ser ordenadas no campo do direito para se tornarem efetivas.

A atuação do Estado na persecução dos objetivos fundamentais, através da criação de políticas que demandam a ação articulada de todos os entes estatais, faz com a importância do seu papel seja redimensionada e reconfigurada para abrigar novos paradigmas.

O desenvolvimento social, econômico, cultural e científico faz com que o poder estatal  deixe ser considerado legítimo na medida em que atua visando satisfazer apenas os seus próprios interesses ou os interesses dos grupos dominantes. Hoje o Estado tem que atuar de forma intensa e organizada para suprir as necessidades que se impõem não apenas como reinvindicações, mas como condições para a manutenção do desenvolvimento da sociedade como um todo.

A gestão dos interesses da comunidade substitui a gestão dos interesses do Estado e isso implica,  não apenas no surgimento de novas formas de se construir instrumentos jurídicos, mas também na incorporação aos deveres dos membros dos poderes estatais da obrigação de gerir e realizar o interesse público entendido em sua característica mais fundamental que é a proteção da dignidade de todos os membros da coletividade da forma mais eficaz possível.

REFERÊNCIAS

- Sundfeld, Carlos Ari; Rosilho, André;  Políticas públicas tornam o direito mais realista; http://www.conjur.com.br/2014-ab-24.

- Vários autores, organizadora Maria Paula Dallari Bucci; Políticas Públicas; Ed. Saraiva; São Paulo,SP; 2006.

- Vários autores; organizadoras, Claudia Lima Marques, Odete Medauar, Solange Teles da Silva;  O novo direito administrativo, ambiental e urbanístico, Ed. Revista dos Tribunais; São Paulo;2010

- Martins, Ricardo Marcondes; Abuso de Direito e a constitucionalização do direito privado; Malheiros ed.; São Paulo; 2010 B.

-  Lipovetsky, Gilles; A felicidade paradoxal; Companhia das Letras; São Paulo; 2006.

- Dupas, Gilberto; Tensões contemporâneas entre o público e o privado; Ed. Paz e Terra; são Paulo.

- Bauman, Zygmunt; Ética pós-moderna; Ed. Paullus; São Paulo; 1997.

- Jonas, Hans; O princípio da responsabilidade; Ed. Puc Rio.

- Mazzilli; Hugo Nigro; A defesa dos interesses públicos em juízo; Ed. Saraiva; 2012.

- Sousa Filho, Carlos Frederico Marés; Bens culturais e sua proteção jurídica; Juruá ed.; 2006.

- Dworkin, Ronald; Levando os direitos a sério; Ed. Martins Fontes; São Paulo; 2010 D.

- Grinover, Ada Pellegrini; O controle jurisdicional das políticas públicas.

- Zagrebelsky, Gustavo; El derecho dúctil; Ed. Trotta.

- Vários autores; org. Ingo Wolfgang Sarlet e Luciano Benetti Timm; Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível; ed. Livraria do advogado; Porto Alegre; 2010 E.

- Marrara, Thiago. A Atividade de Planejamento na Administração Pública: O Papel e o Conteúdo das Normas Previstas no Anteprojeto da Nova Lei de Organização Administrativa. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 27, julho/agosto/setembro de 2011. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-27-SETEMBRO-2011-THIAGO-MARRARA

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Sobre a autora
Luiza Helena Berriel

Arquitetura e Urbanismo PUC de Campinas -1985. Direito PUC de Campinas - 2012. Mestranda em Direito Urbanístico PUC de São Paulo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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