O caso dos refugiados na Europa: a xenofobia e a crise econômica.

A complexa situação dos refugiados que fogem do caos na Ásia e África

Leia nesta página:

A condição difícil e aparentemente insolúvel dos refugiados da África e da Ásia que buscam amparo em uma Europa em crise financeira alimenta uma onda política conservadora.

Em seu Manifesto Comunista de 1848, Karl Marx e Friedrich Engels anunciaram que um fantasma rondava a Europa: o comunismo. Sem traspor historicamente o pensamento do “velho Mouro” e seu fiel escudeiro para os dias atuais, percebemos que mais que fantasmas chegam definitivamente à Europa: os refugiados.

O velho continente encontra-se em uma crise econômica atípica. A Alemanha de Angela Merkel e a França de François Hollande resistem heroicamente frente aos dissabores da crise de países como Grécia, Itália, Portugal e Espanha. Agora temos a crise dos que fogem da guerra e dos regimes de exceção no norte da África, verdadeiro pandemônio e caos político.

O descaso veio dar à praia e vitimou uma criança: Aylan. O Direito Internacional possui suas leis bem dogmáticas: cada país é soberano dentro dos princípios adotados em suas leis e constituições. Todavia, há que se pensar na causa de todo esse problema de fuga e busca dos imigrantes que em sua maioria saem da África e da Ásia.

Em manifestação crítica, Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, disse que os países europeus devem receber os refugiados. Confortável a posição de Obama, o Atlântico é um escudo instransponível para quem foge da morte em uma balsa. “Recebam e nós ajudamos com dinheiro, todavia, temos problemas demasiados com os palestinos, melhor eles aí com vocês na Europa que aqui conosco”, podemos resumir o que disse Obama.  

Vejamos sobre o prisma histórico. A Europa fomentou a “colonização” nos países da África e os Estados Unidos manifestaram o caos por duas vezes em menos de 20 anos na Ásia: no Kuwait e no Iraque. O caos no Iraque, desmanche do pós-guerra alimentou o chamado “Estado Islâmico” que não é estado coisa alguma, não possui fronteira, constituição e legitimidade política.

A chamada “Primavera Árabe”, tornou-se no “inverno das revoluções”, facilitando grupos oposicionistas e oportunistas em uma guerrilha sem fim. O Congo continua sob guerrilha e os belgas se foram, assim como o Apartheid se desfez no sul da África e os problemas se tornaram visíveis frente a uma realidade de dominação “colonizadora”.

Todo o cenário caótico de séculos de manipulações européia não se dissipam em algumas décadas de suposta democracia. A ONU reconhece a gravidade e se manifesta em seu sítio de internet: ” Situação interna na Síria se deteriora e força milhares de pessoas para a Europa”.[2]  

O chefe da Agência da ONU para refugiados, senhor Antonio Guterres, se manifestou no dia 4 de setembro de 2015 afirmando:

 "Agora, a União Europeia não tem outra escolha a não ser mobilizar o máximo de forças para enfrentar esta crise. A única maneira de resolver este problema é a implementação, por parte da EU e dos seus países membros, de uma estratégia comum baseada em responsabilidade, solidariedade e confiança", afirmou o Alto Comissário da ONU para Refugiados. ” [3]

Não é assim tão fácil. É flagrante que a Europa possui seus próprios problemas e demonstra isso claramente na xenofobia, lembremos o triste episódio da jornalista Petra Laszlo que derrubou duas crianças que corriam para um refúgio adentrando em território húngaro.

A atitude da repórter encontra eco nas manifestações de extrema direita em países como Alemanha e França, onde o diálogo étnico sempre foi um “uma pedra no calcanhar”.

Cada país é soberano. O que se vê, infelizmente é o fim das hipócritas manifestações como a de Barack Obama e de outros movimentos que contribuíram para a crise na qual se inseriram a Europa e o resto do mundo.

Ainda em fevereiro de 2015, tivemos a seguinte veiculação de notícia:

Os imigrantes tornaram-se um alvo fácil para os políticos populistas na Europa. O crescimento econômico fraco, o fluxo de refugiados e os atentados terroristas recentes em Paris aumentaram a antipatia do público em relação aos estrangeiros. No entanto, a força de trabalho mais velha da Europa precisa de um novo vigor. A idade média dos europeus que vivem em seus países de origem é de 43 anos, em comparação com os 35 anos dos imigrantes. A Grã-Bretanha tem atraído com sucesso uma mão de obra estrangeira jovem e capacitada, com idade, na maioria, de 20 e poucos anos e na faixa dos 30 anos. Cerca de dois terços dos imigrantes na Alemanha, França e Itália têm idades entre 25 e 64 anos, a idade máxima de trabalho ativo; só em torno da metade dos europeus tem essa faixa etária. Os imigrantes, em geral, são mais bem-educados que os moradores locais. Segundo um estudo da OCDE, em 2010-11 em dois terços dos países europeus um percentual maior de imigrantes cursara a universidade, em comparação com a população local. Isso os ajuda a encontrar trabalho, em vez de viver à custa do Estado.[4]

Sem me referir a Marx com a profundidade que desejo, vez que o mundo intelectual já o deu por superado, cabe lembrar que o “velho barbudo” na abertura do seu “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, fez a seguinte afirmação:

 Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.[5]

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No atual momento, discordo do velho mestre: o que se deu na “colonização” européia foi uma farsa e agora a história se repete como uma tragédia. Pouco ou nada será feito em termos práticos para resolver o que não é possível resolver. A atitude de Petra Laszlo é a máscara caída da verdadeira posição européia. A força de trabalho desejada pelos europeus não contempla os seus próprios, que fazer com os refugiados com cultura, língua, religião diferentes que o “tradicional modelo europeu”?

Os fatos agridem, pois, o mundo tornou-se midiático. Cabe pensar em outro marxista, um italiano chamado Antônio Gramsci, uma vez que poder democrático ou republicano não se percebe mais, sim, poder hegemônico. A hegemonia dos países que manipulam o capital e por consequência o poder, fazem soslaio para os apelos da ONU, órgão cada vez mais “paisagístico” nesse inferno dantesco que é a crise refugiados. Uma vez mais cabe lembrar o que Dante Alighieri epigrafou na entrada do inferno em sua obra fantástica[6]:

POR MIM SE VAI À CIDADE DOLENTE,

POR MIM SE VAI À ETERNA DOR,

POR MIM SE VAI À PERDIDA GENTE.

JUSTIÇA MOVEU O MEU ALTO CRIADOR,

QUE ME FEZ COM O DIVINO PODER,

O SABER SUPREMO E O PRIMEIRO AMOR.

ANTES DE MIM COISA ALGUMA FOI CRIADA

EXCETO COISAS ETERNAS, E ETERNA EU DURO.

DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS!

O conforto que fica é que na obra do maestro florentino, com a ajuda de Virgílio, mesmo com o sombrio e tétrico aviso, pregado na porta do inferno, conseguiu sair. O aviso foi dado faz mais de 170 anos, “ O homem faz sua própria história”. Esperemos a mesma fortuna para os refugiados. 


Notas

[2] In: http://www.acnur.org/t3/portugues/  Agência da ONU para refugiados. Acesso em 12/09/2015

[3] Idem.

[4] In: http://opiniaoenoticia.com.br/internacional/alvo-de-manifestacoes-contrarias-imigrantes-sao-essenciais-para-a-europa/    Consulta feita em 10/09/2015 às 20h20.

[5] MARX, Karl. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Obras Escogidas. Editorial Progresso, Tomo I p.404. Moscou, 1978. Em espanhol no original publicado.

[6]  A DIVINA COMÉDIA, canto III, “A porta do Inferno”. 

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Sérgio Ricardo de Freitas Cruz

Mestre e doutorando em Direito. Membro do IBCCRIM e do IBDFAM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O velho continente encontra-se em uma crise econômica atípica. A Alemanha de Angela Merkel e a França de François Hollande, resistem heroicamente frente aos dissabores da crise de países como Grécia, Itália, Portugal e Espanha. Agora temos a crise dos que fogem da guerra e dos regimes de exceção no norte da África, verdadeiro pandemônio e caos político.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos