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A privacidade do trabalhador no meio informático

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SUMÁRIO: 1. A Internet como ferramenta de trabalho; 2. A Dignidade Humana e o Direito do Trabalho; 3. Privacidade e Trabalho; 3.1- Acesso ao conteúdo das mensagens (visão de Antônio Silveira); 3.2- Acesso ao conteúdo das mensagens (visão de Mário Paiva); 4. Compromisso com a proteção do trabalhador (conclusões de Antônio Silveira); 5- Processo de Adaptação (conclusões de Mário Paiva); 6. Referências bibliográficas.

"o perigo da máquina para a sociedade não provém da máquina em si, mas daquilo que o Homem faz dela" [1]


1. A Internet como ferramenta de trabalho

A Internet e sua tecnologia foram rapidamente absorvidas pelas empresas, que se utilizam desse novo meio de comunicação para desenvolver os meios produção, proporcionando, dentre outras vantagens, maior eficiência para as suas atividades.

Através da Internet o empregado pode tornar-se mais produtivo, uma vez que informações valiosas para o desenvolvimento do trabalho acham-se disponíveis de maneira rápida e fácil. Na Internet efetuam-se transações comerciais, pesquisas, treinamentos, gerenciamento à distância de subsidiárias, troca de informações de todo tipo, fóruns etc. Há, inclusive, algumas empresas que não exigem a presença física do empregado no seu local de trabalho, desenvolvendo suas funções à distância e segundo critérios de produtividade. Deste modo, as novas tecnologias tem modificado bastante o modo como se desenvolve a atividade laborativa.

Todavia, no Brasil e no exterior empresas tem despedido empregados por uso indevido das ferramentas tecnológicas que são fornecidas pelos empregadores aos trabalhadores para o desempenho de suas funções. Especialmente aquelas que utilizam os recursos da Internet estão passando por situações de má utilização da rede de computadores pelos empregados. São casos que envolvem acesso a sites pornográficos, envio de mensagens ofensivas, humorísticas ou pornográficas a terceiros ou a outros funcionários, queda da produtividade por uso da rede para tratar de assuntos não relacionados ao trabalho etc.

Pesquisa realizada pela Revista INFO EXAME e a Pricewaterhousecoopers com 836 maiores empresas brasileiras revelou que 25,5% das companhias já despediram pelo menos um funcionário por uso inadequado da web ou do e-mail [2].

Tem-se tornado muito comum procedimentos de monitoramento das ações dos empregados no local de trabalho, quando acessam a Internet, seja por meio do controle dos hábitos de navegação, seja através da verificação do destino e conteúdo das mensagens eletrônicas.

Essa prática de fiscalização e conseqüente rescisão do contrato de trabalho por mau procedimento ou desídia no desempenho das respectivas funções, vem levantando um debate em torno da possível violação de preceitos constitucionais, como por exemplo o direito à privacidade, sigilo das comunicações e vedação do uso de provas ilícitas. Tais problemas foram objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, existindo posições favorável a fiscalização e também contrária.

No Brasil, não há qualquer legislação que regulamente o assunto, diferentemente do que ocorre em outros países. Daí a necessidade de analisar o problema sob ponto de vista dos tribunais e também dos princípios que norteiam as relações trabalhistas. Este é o escopo do presente artigo.


2. A Dignidade Humana e o Direito do Trabalho

Sabe-se que a dignidade humana é considerada pelas constituições modernas como núcleo central dos direitos fundamentais. No Brasil, este superprincípio é inserido como um dos fundamentos da República (art. 1º, III, CF). O objetivo maior dos direitos fundamentais é conservar a dignidade humana. É o livre exercício dos direitos que levará ao reconhecimento de que o ser humano vive condignamente.

LUIS ROBERTO BARROSO expressa com perfeição o sentido da dignidade humana:

"A dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo (...) A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições materiais de subsistência". [3]

Logo, terá respeitada a sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e efetivados, seja os direitos individuais, direitos políticos e direitos sociais, econômicos e culturais.

Sendo assim, qualquer ação humana deverá estar pautada na observância do conceito de dignidade, sobretudo àquelas que definam situações de aplicação dos direitos fundamentais que dão conteúdo jurídico ao conceito de dignidade humana. Daí a conclusão de que o princípio da dignidade da pessoa humana deverá servir como norte interpretativo geral, vinculando o intérprete em seu ofício.

Neste sentido, pronuncia-se ANA PAULA DE BARCELOS:

"O intérprete deverá demonstrar explicitamente a adequação de suas opções tendo em vista o princípio constitucional pertinente à hipótese e o princípio geral da dignidade da pessoa humana, a que toda a ordem jurídica afinal se reporta (...) Assim como se passa com a fundamentação da decisão judicial, através da qual se observa o percurso trilhado pelo juiz, permitindo identificar facilmente onde ele porventura se tenha desviado da rota original, da mesma forma a exposição de como uma determinada opinião jurídica se relaciona com os princípios constitucionais aplicáveis permitirá certo balizamento e, em conseqüência, o controle constitucional do processo de interpretação e de suas conclusões através da sindicabilidade da eficácia interpretativa dos princípios constitucionais". [4]

Além de vincular todos integrantes da sociedades aos seus compromissos valorativos, sobretudo a dignidade humana, o sistema legal implantado pela constituição oferece a idéia, por meio de seus preceptivos, do conteúdo da dignidade humana, por meio do elenco de direitos fundamentais, sendo possível, pois, definir quando um ato humano viola a dignidade. Basta verificar se transgrediu um direito fundamental.

Quanto ao Direito do Trabalho, resta claro através da dicção do art. 170, caput, da Constituição Federal que a vida digna está intimamente relacionada ao princípio da valorização do trabalho humano. "A dignidade humana é inalcançável quando o trabalho humano não merecer a valorização adequada". [5]

Segundo EROS ROBERTO GRAU a dignidade humana não é apenas o fundamento da República, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica. Esse princípio compromete todo o exercício da atividade econômica, sujeitando os agentes econômicos, sobretudo as empresas, a se pautarem dentro dos limites impostos pelos direitos humanos. Qualquer atividade econômica que for desenvolvida no nosso país deverá se enquadrar no princípio mencionado. [6]

Alem disso, a ordem econômica também está condicionada à valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho, conferindo ao trabalhador tratamento peculiar, isto é "dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre os demais valores da economia de mercado". [7]

É com base nessas normas constitucionais que podemos inferir outro princípio cardeal do direito do trabalho: o princípio da proteção. A constituição promove, seja através do elenco dos direitos sociais, seja por meio da prevalência do valores do trabalho sobre o capital, um sistema de proteção ao hipossuficiente, no caso do trabalhador, de modo que se busca uma igualdade substancial na relação de trabalho, obrigando o interprete a escolher, entre várias interpretações possíveis, a mais favorável ao trabalhador.

Com efeito, o estudo do direito à privacidade do trabalhador no local de trabalho e seus possíveis casos de violação deve se pautar nos preceitos acima aludidos, sendo crível ao intérprete direcionar seu pensamento de forma a garantir o máximo de dignidade, valorização do trabalhador e sua proteção. Aderindo a essas premissas estará promovendo uma interpretação legítima, de acordo com a Constituição.


3. Privacidade e Trabalho

O primeiro documento internacional que elegeu a privacidade como direito fundamental foi a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada em 02 de maio de 1948. Logo em seguida, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída pela ONU em 10 de dezembro de 1948, foi reconhecido o direito à vida privada.

O Brasil só incorporou expressamente o direito à privacidade e intimidade ao texto constitucional com a Constituição de 1988, embora já possuísse dispositivos que tratavam indiretamente da matéria, tais como a vedação de violação de correspondência.

Portanto, antes da constituição, a privacidade encontrava-se protegida por normas esparsas, tais como os arts. 554, 573 e 577 do antigo Código Civil que tratavam do direito de vizinhança, alguns tipos penais referentes as violações de domicílio, correspondências, dados e segredos (arts. 150, 151 e 153) e, por fim, o art. 49, § 1º, da Lei de Imprensa que faz incorrer em ilícito civil aquele que divulga informação pertinente à vida privada do indivíduo, embora verdadeira, desde que não motivada no interesse público.

O novo código civil estabelece a proteção da vida privada no seu art. 21, in verbis: "A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma".

Cumpre, ainda, observar que a constituição diferencia o direito à privacidade do direito à intimidade. Para a maioria dos doutrinadores, a intimidade inclui-se no conceito geral de vida privada. Assim, a privacidade envolveria tanto os fatos da vida íntima como outras situações em que não haja interesse social no seu conhecimento.

Desta forma, o direito à privacidade seria um modo de vida, consubstanciado num conjunto de informações pessoais que estão excluídas do conhecimento alheio, enquanto que a intimidade integraria a esfera íntima do indivíduo, sendo o repositório dos segredos e particularidades, cuja mínima publicidade poderá constranger.

Reunidos em Congresso no ano de 1967 os juristas nórdicos definiram privacidade como sendo "o direito de uma pessoa a ser deixada em paz para viver a própria vida com o mínimo de ingerências exteriores" [8].

Contudo, no mais das vezes, utilizam-se os termos privacidade e intimidade como sinônimos.

No tocante ao trabalhador, vê-se que sua privacidade não se restringe a proteção fora da empresa, compreende também o ambiente de trabalho. A privacidade do trabalhador deve ser preservada de maneira integral, pois o desenvolvimento da personalidade humana, o exercício da liberdade de pensamento e expressão, do direito à crítica com relação as atividades da empresa dependem, necessariamente, de uma ampla proteção da privacidade.

Todavia, antes de se referir aos casos de violação da privacidade no meio informático, é de bom alvitre tecer algumas considerações sobre o direito à privacidade.

Nem sempre é fácil definir a privacidade em situações concretas. Há uma certa dosagem de subjetividade no conceito, pois algumas pessoas não se sentem invadidas na sua intimidade ao serem observadas e até gostam disso. O fenômeno da perda da privacidade, seja por meio da criação de instrumentos tecnológicos capazes de espionar com detalhes o comportamento dos indivíduos, seja pela superexposição voluntária das pessoas em busca de notoriedade e de identidade social, é uma característica típica da sociedade contemporânea.

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Os aspectos da vida privada variam conforme a categoria social do indivíduo, havendo aqueles que preservam e ampliam os fatos privados e outros que se expõem e alegram-se com a publicidade de suas vidas.

Todavia, o que se questiona não é a liberdade que as pessoas têm de suprimir parcelas de privacidade, mas a sua invasão sem autorização, o monitoramento das mensagens eletrônicas enviadas e recebidas pelo trabalhador, a fiscalização e demissão por justa causa em razão do uso não-autorizado dos equipamentos da empresa para fins pessoais. Neste particular, a privacidade ganha importância e deve ser bem definida de acordo com as circunstâncias do caso concreto, isto é, com base no comportamento do indivíduo e a sua inserção na vida social.

Não obstante, a privacidade, segundo a doutrina alemã, comporta divisões em círculos concêntricos, conquanto preserve sua natureza plástica, flexível. Na medida em que o universo dos fatos tornem-se mais íntimos, tem-se um esfera da privacidade que permite interferências cada vez menores. Essas esferas podem ser representadas pelo desenho abaixo:

Na esfera maior, considerada a da vida privada, estão os fatos que o indivíduo não quer que se tornem públicos. Seriam aqueles acontecimentos que não estariam ao alcance da coletividade em geral, englobando todas as notícias e expressões que a pessoa deseja excluir do conhecimento de terceiros, a exemplo da imagem física e de comportamentos que só devem ser conhecidos por aqueles que interagem regularmente com a pessoa.

No segundo círculo (esfera confidencial ou íntima) encontram-se os fatos do conhecimento das pessoas que gozam da confiança do indivíduo. São as circunstâncias da sua vida que somente são compartilhadas com familiares, amigos e colaboradores.

No centro está a esfera do secreto, objeto especial de proteção, em que se guardam os segredos revelados a poucas pessoas ou a ninguém, compreendendo assuntos extremamente reservados, como a vida sexual, por exemplo.

Assim, o direito à vida privada e intimidade dizem respeito a existência interior do sujeito, como, p. ex., hábitos, dados pessoais, lembranças de família, vida amorosa, domicílio, local de trabalho, saúde física, pensamentos, opiniões, confidências e atividades profissionais consideradas sigilosas e restritas a um número limitado de indivíduos.

A distinção possui um importante caráter prático, uma vez que quanto menor a esfera maior o nível de proteção. Logo, o simples conhecimento de um fato que envolve as situações de segredo já é suficiente para caracterizar a violação da privacidade, enquanto que para se considerar violada a esfera da intimidade deve haver tanto o conhecimento como a divulgação da notícia para terceiros.

Por outro lado, como todo direito, a privacidade não é absoluta, vindo a sofrer restrições em face do direito à liberdade de expressão e informação. Há situações em que a intromissão na vida privada do indivíduo justifica-se quando motivada pelo interesse público.

Mas, há uma consideração importante a fazer: o direito fundamental à privacidade é um dos componentes da dignidade humana, sendo a intromissão na vida privada uma excepcionalidade que deve vir precedida de um fundamento de interesse público, a exemplo da liberdade da informação. Não é possível a violação da intimidade para fins de atender a interesse privado ou meramente econômico. A privacidade é também um dos elementos da autodeterminação inerente a qualquer ser humano. Por isso, que as informações pessoais só deverão ser divulgadas com autorização ou por motivação pública, amparada em preceitos jurídicos relevantes.

No caso da tutela da privacidade do trabalhador observa-se a existência de várias situações de violação, a começar, na fase de seleção para ingresso na empresa, pela exigência de informações não necessárias à contratação. Indagações, na fase pré-contratual, sobre opiniões políticas, religiosas, atividade sindical pretérita, origens raciais e preferências sexuais, são alguns exemplos de interferência ilícita na esfera da vida privada do empregado.

Com o advento da Lei 9.799/99 que inseriu modificações na CLT, diversas condutas consideradas pelos Tribunais pátrios como lesivas a integridade e intimidade do trabalhador e trabalhadora foram vedadas, a exemplo da proibição da revista íntima e exigência de teste de gravidez.

Também são consideradas como transgressões à privacidade do trabalhador o controle sobre as conversas no ambiente de trabalho através de instalação de gravadores e imposição quanto a exames periódicos para verificar se o empregado é portador de AIDS.

No desempenho das atividades que envolvem o uso de equipamentos de informática, sobretudo a Internet, o empregado está sujeito a uma série de ações do empregador que objetivam acompanhar, por meio de programas espiões, os passos dos usuários dos seus sistemas.

Podemos dividir as condutas de monitoramento da seguinte forma: 1) observação dos sites por onde trafegam os empregados; 2) controle sobre o conteúdo das correspondências eletrônicas recebidas e enviadas pelo trabalhador.

De acordo com a pesquisa já mencionada, 51,4% das empresas monitoram a navegação na Internet e 30,9% monitoram os e-mails. Nas estatísticas do instituto de pesquisa americano Worldtalk Corp, registrou-se que 31% das mensagens que trafegam nas empresas possuem conteúdo inadequado (piadas, pornografia, correntes etc). [9]

Evidente que a empresa, ao disponibilizar os recursos de informática para o empregado, tem por objetivo o desenvolvimento de atividades relacionadas ao trabalho. A utilização desses recursos, que são de propriedade do empregador, para fins particulares pode ser proibida, seja porque leva ao desperdício de tempo e queda na produtividade, seja porque pode congestionar o tráfego de informações na rede, diminuindo a velocidade de transmissão de dados.

Assim, com fundamento no poder diretivo do empregador (art. 2º, CLT) é possível vedar a utilização da Internet para atividades improdutivas, isto é, que não se relacionem com os objetivos da empresa.

Também se admite a fiscalização efetuada pela empresa com relação a navegação na Internet, uma vez que não há qualquer violação ao preceito da privacidade ou do sigilo das comunicações. É que a garantia constitucional do sigilo da correspondência e das comunicações de dados visa, segundo escólio de JOSE AFONSO DA SILVA [10], assegurar a livre manifestação do pensamento e a intimidade do indivíduo. Este é o sentido da norma. Logo, o simples acompanhamento dos passos do trabalhador na Internet não afeta a sua privacidade ou reduz a sua liberdade, pois não há interceptação de comunicação pessoal, mas acompanhamento das ações do trabalhador. Isto já é admitido no mundo real através da instalação de câmeras de vídeo nos locais de trabalho. Desta forma, poderemos considerar o monitoramento digital como uma extensão do monitoramento por câmeras, sendo tal conduta permitida, se exercida com razoabilidade e dentro dos limites do poder de fiscalização próprio do empregador.

Problema maior, que tem gerado muita controvérsia entre o juristas, diz respeito ao controle sobre o conteúdo das correspondências eletrônicas recebidas e enviadas pelo trabalhador. Por isso resolvemos inovar no sentido de proporcionar ao leitor dois pontos de vistas diferenciados de cada autor deste presente ensaio.

Deste modo, segue nos itens posteriores a posição doutrinária e divergente de cada autor deste ensaio no que diz respeito ao acesso por parte do empregador ao conteúdo do correio eletrônico do empregado.

3.1- Acesso ao conteúdo das mensagens (visão de Antônio Silveira)

Tem-se notícia de duas decisões divergentes sobre a matéria no âmbito dos Tribunais, in verbis:

"JUSTA CAUSA. "EMAIL" NÃO CARACTERIZA-SE COMO CORRESPONDÊNCIA PESSOAL. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art.5º, inc. VIII). um único "email", enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. recurso provido." (Tribunal Regional do Trabalho da segunda região - SP - 6ª Turma - ROPS - 20000347340, ano: 2000, publicado no D.J. em 08.08.00. Fonte: IOB - 16483)

"EMENTA: JUSTA CAUSA. E-MAIL. PROVA PRODUZIDA POR MEIO ILÍCITO. NÃO-OCORRÊNCIA. Quando o empregado comete um ato de improbidade ou mesmo um delito utilizando-se do e-mail da empresa, esta em regra, responde solidariamente pelo ato praticado por aquele. Sob este prisma, podemos então constatar o quão grave e delicada é esta questão, que demanda a apreciação jurídica dos profissionais do Direito. Enquadrando tal situação à Consolidação das Leis do Trabalho, verifica-se que tal conduta é absolutamente imprópria, podendo configurar justa causa para a rescisão contratual, dependendo do caso e da gravidade do ato praticado. Considerando que os equipamentos de informática são disponibilizados pelas empresas aos seus funcionários com a finalidade única de atender às suas atividades laborativas, o controle do e-mail apresenta-se como a forma mais eficaz, não somente de proteção ao sigilo profissional, como de evitar o mau uso do sistema internet que atenta contra a moral e os bons costumes, podendo causar à empresa prejuízos de larga monta" (Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região - Distrito Federal - 3ª Turma - RO 0504/2002. Fonte: Centro de Excelência em Direito e Tecnologia da Informação).

Sobre as decisões acima expostas, nosso interesse recai na discussão da violação do direito à privacidade pelos empregados quando têm acesso ao conteúdo das correspondências eletrônicas.

Os defensores da tese da permissão legal para o monitoramento se atém a quatro argumentos: 1 - que toda a estrutura de utilização do e-mail pertence à empresa, sendo os dados de sua propriedade; 2 - que o Poder de Direção do empregador, consubstanciado no direito de organização, controle e disciplina, admite a interceptação das mensagens; 3 - sendo a companhia responsável pelos atos de seus funcionários (art. 932, III, do Código Civil) é legítima a fiscalização e leitura das mensagens que circulam na rede de computadores do empregador; 4 - o e-mail não guarda qualquer privacidade porque pode ser lido por qualquer administrador do provedor por onde transitou a mensagem.

A invocação do direito de propriedade e a descaracterização da mensagem como não privada, pois gerada nos computadores da empresa parece não resistir a comparações simples. Ora, ninguém questiona que os banheiros instalados no estabelecimento empresarial são de propriedade da empresa e nem por isso admite-se que o patrão instale câmeras para vigiar a atividade do empregado neste local. Os telefones e as respectivas linhas também são da empresa e seu uso deve ser direcionado aos propósitos do negócios e também não há um só jurista que conteste a ilicitude da utilização de escutas telefônicas, sem autorização judicial, nas empresas para tomar conhecimento das conversas do empregados. O fato é que o direito de propriedade, deve ceder a garantia da privacidade das comunicações que, embora não absoluta, só pode ser relativizada por meio de ordem judicial.

O poder de direção também não pode justificar o desrespeito à privacidade do trabalhador. Esta constitui-se como um direito personalíssimo, inato, intransmissível, imprescritível, inalienável e oponível erga omnes. A intromissão na esfera íntima do indivíduo para o exercício do poder de direção apresenta-se como abuso do direito de fiscalizar. O trabalhador não pode se submetido a ações que impeçam o livre desenvolvimento de seu pensamento e da sua personalidade. Não é porque se está dentro do ambiente de trabalho que o empregado terá seus direitos fundamentais aviltados, esquecidos ou reduzidos ao nada. Ao reverso, como é um espaço onde se desenvolve uma relação de subordinação e dependência, a garantia legal precisa ser melhor preservada.

O monitoramento do e-mail do empregado impede o exercício do direito à liberdade de expressão, do direito à crítica e até de reflexão sobre as condições de trabalho. De sorte que, a interceptação das mensagens impede que o trabalhador possa discutir, com os demais as formas de desempenho das funções, os desgostos com os superiores, a desconfiança de uma prática ilícita e a reivindicação por melhores condições de trabalho. Permitir o acesso ao conteúdo das mensagens é exigir um comportamento dócil e conformista do empregado diante do órgão empresarial, que nos tempos atuais tem por obrigação atuar de maneira ética e de acordo com uma finalidade social que não se resuma a consecução do lucro, puro e simples. O monitoramento irrestrito do conteúdo das mensagens eletrônicas conduz a um controle abusivo sobre a personalidade do trabalhador.

Conquanto a empresa responda pelo atos dos seus funcionários perante terceiros, isso não conduz necessariamente a permissão para invadir a privacidade dos empregados. Existem instrumentos tecnológicos menos invasivos que podem evitar danos aos agentes externos, sem necessidade de desrespeito à garantia fundamental. Portanto, a empresa pode se valer de programas que impedem o envio de mensagem para endereços não cadastrados, rastrear, de maneira impessoal palavras ofensivas nas mensagens, desde que previamente comunicado, além de impedir o encaminhamento de imagens não relacionadas com o trabalho, proibindo, por meio de código de conduta, o envio de imagens ou arquivos anexados ao e-mail.

Cumpre salientar que a proibição de leitura do conteúdo do e-mail aqui defendida não exclui a possibilidade da empresa, com base no seu poder de direção, fixar regras e vedações para utilização da correspondência eletrônica.

Quanto ao argumento de que o administrador do sistema pode facilmente ver o conteúdo do e-mail, não existindo, pois, comunicação privada; há de se trazer novamente à baila a comparação com a ligação telefônica. Tanto a comunicação por celular quanto aquela oriunda do telefone convencional são facilmente interceptadas e podem ser ouvidas por qualquer pessoa que possua um pouco de conhecimento técnico, inclusive a pessoa que administra as ligações na operadora. Isso nunca foi motivo para se considerar impertinente a proteção dada pela Constituição Federal. O que caracteriza a privacidade da comunicação é a sua emissão a destinatário ou destinatários certos, com a intenção de não-divulgação para terceiros, e isso acontece com o e-mail.

3.2- Acesso ao conteúdo das mensagens (visão de Mário Paiva)

Verificamos que as questões que envolvem o correio eletrônico são deveras delicadas por envolverem uma série de direitos e garantias constitucionais além de gerarem discussões em uma área que já traz consigo uma certa conflituosidade natural como é a do Direito do Trabalho.

Os bens em jogo podem sofrer uma vulneração que permite denotar que nenhum direito é absoluto seja ele o de liberdade de organização da empresa, a titularidade na propriedade do correio eletrônico, a inviolabilidade sem restrições do sigilo de dados. Assim o empregador não possui o poder de acessar de maneira irrestrita o correio eletrônico do trabalhador nem o empregado tem o direito de acesso e utilização de sua conta de e-mail para quaisquer fins alheios a prestação de serviço.

A palavra-chave para essas dúvidas concernentes ao modo de aplicação do direito chama-se equilíbrio, ou seja a proporcionalidade de cada direito em virtude da falta de legislação existente somos chamados a aplicar normas gerais que não vislumbram de forma clara a limitação existente por exemplo no direito a intimidade. Daí a necessidade da interpretação responsável e coerente resguardando o poder diretivo do empregador para comandar a empresa sem que implique em lesão ao direito do empregado de acessar os serviços eletrônicos.

Muitas das vezes constatamos uma certa erronia na conceituação do direito a intimidade pois, por exemplo, a funcionalidade do e-mail fornecido pelo empregador permite uma certa abstração de confidencialidade já que se olharmos por esta ótica poderemos perceber que não se trata da privacidade do empregado e sim de mero ofício encaminhado ou proposta de venda. Daí podemos assegurar que não se trata de uma correspondência intima e sim de um mero expediente utilizável e aberto a todos os que trabalhem na empresa.

Este pode ser absolutamente profissional, e portanto não seria invocável o direito a intimidade, ou pode conter aspectos próprios daquilo que define intimidade: o âmbito privado das pessoas, inacessível aos demais. E neste último caso, naturalmente, o trabalhador tem que saber que este instrumento não tem o condão de proteger sua intimidade, mas sim de veicular produtos ou serviços da empresa.

Devemos partir da premissa de que o e-mail dos trabalhadores na empresa é um instrumento de trabalho e, em determinadas circunstâncias e com determinadas políticas, é possível que o empresário possa conhecer o conteúdo desses e-mail’s em situações de abuso a respeito das quais haja indícios objetivos de que estão sendo perpetrados.

Esses indícios devem ser baseados em critérios objetivos como por exemplo a freqüência no número de comunicações de caráter pessoal, ou o título próprio das mensagens no caso do correio eletrônico. Nesses casos, se o empresário tiver um indício objetivo de que está sendo produzida uma situação de abuso deverá ser permitido o controle, estabelecendo o mínimo de garantias exigíveis, por parte do trabalhador, a respeito de seus direitos.

Em primeiro lugar deverá existir uma comunicação prévia do afetado para essa vasculha; em segundo lugar, haverá de contar com a presença de um representante sindical, que tutele os direitos do trabalhador controlando as garantias de transparência; e por último, um procedimento que busque o nexo causal e a proporcionalidade entre a prática abusiva e a sanção aplicável ao fato.

Atualmente não existe um regime de sanções para faltas relacionadas com o uso das novas tecnologias, muito menos uma gradação da sanção, com qual se produz uma situação de arbitrariedade que provoca falta de defesa do trabalhador pela ausência do princípio da proporcionalidade.

O que não podemos aceitar é que este poder de controle do empresário autorize uma intromissão indiscriminada em qualquer caso ao conteúdo das comunicações de seus trabalhadores via e-mail. Há que ser estabelecido neste campo as regras do jogo, e a via para fazê-lo que pode ser por meio da lei, convenção ou acordo coletivo.

Defendemos que o empresário pode acessar o e-mail de seus empregados porém não de uma forma indiscriminada e sistemática já que o trabalhador tem direitos que podem ser invocados legitimamente como o direito a inviolabilidade das comunicações e direito ao exercício de trabalho em condições dignas. E portanto, o trabalhador tem direito a não sofrer intromissão em sua atividade.

Em todo o caso devem ser respeitados os princípios básicos a que regem qualquer contrato de emprego como por exemplo o da boa-fé, dentre outros pautados na exata consecução das relações de trabalho. Assim no que diz respeito aos limites para o uso profissional do correio eletrônico, seja no contrato de trabalho de forma individual ou nas convenções coletivas de trabalho, as partes tem que acordar as condições que regulem a utilização profissional do e-mail obedecendo as diretrizes legais e contratuais do direito do trabalho.

Não defendemos que os empregados fiquem isolados do mundo quando estiverem em serviço sem qualquer possibilidade de comunicação com a família e amigos. Esta deve ser comedida e de preferência restrita a outros meios menos dispendiosos até que em último caso se chegue ao e-mail. Assim deve o empregador salientar que o e-mail não é um meio idôneo para comunicação pessoal, e pôr outros meios, se possível a disposição do trabalhador para que este possa comunicar-se pessoalmente fora da vigilância e controle da empresa de forma razoável e desde que não traga prejuízos consideráveis a empresa.

Repetiremos, por fim, que as inovações trazidas ao universo jurídico trabalhista já são uma realidade e que somente agora começam a despontar em litígios nos Tribunais. Por isso, desde já urge que tenhamos consciência de que a realidade nos força a regulamentar estas situações através de convenções coletivas que estabeleçam a partir de agora condições para o uso racional do e-mail por parte do trabalhador e condições de acesso a seu conteúdo por parte do empresário. Esses são os grandes traços. Nossa proposta a respeito seria a de regular o tema do uso pessoal do e-mail não só nos convenções coletivas mas também na CLT, como norma trabalhista básica.

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Sobre os autores
Antônio Silveira Neto

juiz de Direito, professor da Universidade Estadual da Paraíba

Mario Antonio Lobato de Paiva

Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA NETO, Antônio ; PAIVA, Mario Antonio Lobato. A privacidade do trabalhador no meio informático. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 92, 3 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4292. Acesso em: 2 nov. 2024.

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