Análise crítica dos delitos de lavagem de capitais em face da Lei nº 12.683/2012

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As alterações trazidas pela Nova Lei de Lavagem de Dinheiro modificaram a forma como se tipifica o crimes, como, por exemplo, extinguindo o rol taxativo de crimes antecedentes.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Breve contexto histórico; 3. Extinção do rol taxativo de crimes antecedentes; 4. Arrecadação antecipada de bens; 5. Acesso a dados cadastrais independente de autorização judicial; 6. Rol de pessoas sujeitas a prestação de esclarecimentos às autoridades; 7. Delação premiada; 8. Conclusão; 9. Referências bibliográficas

1. Introdução

O crime de lavagem de dinheiro muitas vezes é relacionado ao cometimento de outros delitos, principalmente no bojo de organizações criminosas impregnadas dentro dos sistemas político, econômico, financeiro etc, que buscam apagar a origem ilícita do dinheiro.

Os métodos variam desde pequenas transações até remessas ilegais à paraísos fiscais, sendo necessário um sistema legal abrangente e eficaz de combate a tais práticas:

“A lavagem de capitais é produto da inteligência humana. Ela não surgiu do acaso, mas foi e tem sido habitualmente arquitetada em toda parte do mundo. É milenar o costume utilizado por criminosos quanto ao emprego dos mais variados mecanismos para dar aparência lícita ao patrimônio constituído de bens e de capitais obtidos mediante ação delituosa. Trata-se de uma consequência caracterizadora do avanço da criminalidade em múltiplas áreas.”[1]

Neste contexto, surge em 2012 a lei 12.683 que, ao modificar a lei 9613/1998. traz novos institutos e aperfeiçoa os anteriormente existentes, com vistas a extirpar toda e qualquer prática de crime ligado à lavagem de dinheiro, conforme se verá a seguir.

2. Breve contexto histórico

O termo “lavagem de dinheiro” tem origem na tradução em inglês “money laudering”, o qual surgiu por volta da década de 30 quando mafiosos abriram diversas lavanderias com o intuito de aplicar o dinheiro proveniente de atividades ilícitas e posteriormente repassar os lucros da atividade lícita de forma “limpa”.

A partir daí, o procedimento de “lavagem” foi se tornando sofisticado, de forma que os pequenos negócios utilizados como meio de praticar o crime se desenvolveram exponencialmente, chegando a atingir um âmbito internacional. Foi assim que, já na década de 80, surgiram os primeiros tratados e convenções sobre lavagem de dinheiro, bem como leis específicas em determinados países.

No Brasil, a primeira lei a tratar do referido crime foi a Lei n° 9613, promulgada em 3 de março de 1998. Com ela, o combate aos delitos inerentes à lavagem de dinheiro foi determinado, e tanto as pessoas quanto as empresas passaram a ter mais responsabilidade no que tange a identificação de clientes e cadastro de suas operações financeiras, sob pena de sanções administrativas, dentre outras.

A Lei n° 9613 criou o Controle Atividades Financeiras – COAF, órgão responsável pelo exame e identificação de eventuais atividades ilícitas, sendo de sua atribuição inclusive a comunicação às autoridades quando da identificação de transações criminosas, ou até mesmo a existência de indícios veementes de crime:

Art. 14. É criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.

§ 2º O COAF deverá, ainda, coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores.

Em que pese a relevância da primeira lei, com o passar do tempo a criminalidade se aprimorou, e tornou-se necessário um novo modelo de combate. Neste contexto, a lei n° 12.683/2012 trouxe 102 mudanças no texto da norma anterior, sendo chamada de Nova Lei de Lavagem de Dinheiro.

3. Extinção do rol taxativo de crimes antecedentes

Da leitura do artigo 1º da lei 12683/2012, é possível identificar a natureza mista alternativa do tipo penal, uma vez que descrevem-se diversas condutas antecedentes a fim de lavar o capital ilicitamente adquirido.

Uma das novidades veio da influência das recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional. Extinguiu-se o rol taxativo de crimes antecedentes antes previsto. Sem eles, os “crimes-meio”, não se caracterizaria o crime de lavagem propriamente dito. Eram previstos nos incisos I a VIII do artigo 1º da Lei 9613:

I - de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

II – de terrorismo e seu financiamento;

III - de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção;

IV - de extorsão mediante seqüestro;

V - contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos;

VI - contra o sistema financeiro nacional;

VII - praticado por organização criminosa.

VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira.

Antes, se o agente cometesse um crime que não estivesse dentro do rol acima, seria responsabilizado apenas o crime de lavagem de capitais mediante fatores interpretativos, entendimento este obtido através do inciso VII, pois, se assim não o fosse, a conduta seria atípica. Sobre o tema, destaque merece o entendimento do Supremo Tribunal Federal na época:

“Ementa: TIPO PENAL – NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO – LEI Nº 9.613 /98 CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613 /98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria.”

STF, HC 96.007/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12.6.2012.

Uma vez excluído o rol, não há que se falar em crime antecedente, acatando qualquer modalidade de infração penal. Persiste apenas a exigência de que a dissimulação ou ocultação seja de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, de acordo com o caput do atual artigo 1º:

Art. 1º: Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

Desta forma, delitos que anteriormente eram utilizados com o fim de “lavar dinheiro” sem que fosse considerado crime, agora o são. Isto é, uma maior variedade de condutas passou a ser abrangida. É o caso, por exemplo, do jogo do bicho, previsto apenas como contravenção penal. Diz a doutrina:

Qualquer infração penal (e não mais apenas crimes) com potencial para gerar ativos de origem ilícita pode ser antecedente de lavagem de dinheiro. Dizendo de outro modo: a infração antecedente deve ser capaz de gerar ativos de origem ilícita. Infrações penais que não se encaixem neste critério (o de ser um “crime produtor”) não são delitos antecedentes.” [2]

Em que pese a inovação legal, é importante destacar que a nova lei trouxe certa desproporção no que concerne a punição do agente. Agora, a ocultação do produto de qualquer crime ou contravenção penal acarretará grave pena, independentemente de dizer respeito à valores irrisórios. A pena de três a dez anos será aplicada tanto ao grande traficante que tenta tornar lícita grande quantia em dinheiro quanto ao organizador de uma pequena rifa. É o que ressalta Bottini:

"(...) Nesse ponto, merece crítica parcial a alteração, posto que inclui as contravenções penais e infrações de menor potencial ofensivo, cujas penas são menos severas justamente em razão da menor lesividade das condutas assim classificadas pelo legislador. Haverá situações de perplexidade nas quais o autor da contravenção antecedente, como, por exemplo, aquele que promover jogo de azar, estará sujeito á um pena extremamente mais severa pela lavagem (três a dez anos) do que aquela prevista para o próprio crime que se coibir ( o jogo de azar, com pena de três meses a um ano e multa, art. 50, LCP).”[3]

4. Arrecadação antecipada de bens

Outra modificação foi a possibilidade de venda antecipada de bens arrecadados mediante as medidas assecuratórias previstas no artigo 4º da nova lei, resguardada a possibilidade de pedido de restituição dos bens:

Art. 4o  O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. 

§ 1o  Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção.

§ 2o  O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. 

 § 3o  Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1º.

Tal artigo ensejou a edição da Recomendação 30/2010 pelo Conselho Nacional de Justiça, a qual dá apoio à alienação antecipada de bens apreendidos em processos criminais, considerando a busca pela eficiência e efetividade das decisões judiciais. O CNJ ainda salienta “a conveniência e, sobretudo, a urgência na deliberação pelos juízes em face da necessidade de administração dos bens apreendidos e que, sem embargo das determinações judiciais próximas ou futuras, estão sob a responsabilidade material administrativa do Poder Judiciário” e a “necessidade de preservar os valores correspondentes aos bens apreendidos, naturalmente sujeitos à depreciação, desvalorização ou descaracterização pelo tempo, pelo desuso, pela defasagem ou pelo simples envelhecimento inevitável”.

5. Acesso a dados cadastrais independente de autorização judicial

Outro destaque da Nova Lei de Lavagem é o artigo 17-B, que prevê o acesso da autoridade policial e do Ministério Público aos dados cadastrais do investigado, independente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito.

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Aqui, há grande discussão doutrinária acerca de eventual violação à intimidade individual, em desatendimento ao artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988.

6. Rol de pessoas sujeitas a prestação de esclarecimentos às autoridades

Ainda buscando maior amplitude no combate ao crime de lavagem de dinheiro, intenção do legislador é trazer maior eficiência com a participação de entes privados.

Assim, a redação do artigo 9°, parágrafo único, XIV, da Lei 12.683/12 buscou compelir o maior número de pessoas físicas e jurídicas a identificar e cadastrar seus clientes, bem como comunicar atividades suspeitas aos órgãos competentes para fiscalizar, investigar e punir.

“Art. 9º Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não (...)

Parágrafo único (...)

XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão de sociedade de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras societárias ou imobiliárias; e f) De alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.”

Aqui, merece especial atenção a inclusão dos profissionais da área jurídica dentre aqueles sujeitos a obrigação de prestar esclarecimentos, o que vai contra o dever de preservação de sigilo do cliente inerente à advocacia. Por outro lado, o legislador não especificou quais profissionais da área jurídica devem colaborar.

7. Delação premiada

Trata-se da possibilidade de redução de um a dois terços da pena e de cumprimento em regime aberto ou semi-aberto, quando o envolvido no crime de lavagem colaborar espontaneamente com as autoridades, isto é, preste esclarecimentos importantes à apuração dos fatos, no que tange inclusive a identificação de outros agentes e localização de proventos do crime.

Em que pese a anterior previsão na lei n° 9613/98, a nova lei trouxe a possibilidade de que o juiz se utilize do instituto a qualquer tempo, seja na investigação ou até a sentença de mérito, inclusive na execução penal.

8. Conclusão

A lei 12.683/2012 trouxe modificações importantes à institutos anteriormente criados, bem como a criação de novos instrumentos de combate à delitos ligados à lavagem de dinheiro.

Merecem destaque a extinção do rol taxativo de crimes antecedentes, a arrecadação antecipada de bens, o acesso a dados cadastrais independente de autorização judicial, a ampliação do rol de pessoas sujeitas a prestação de esclarecimentos às autoridades e a delação premiada.

Entretanto, em que pese a necessidade social de buscar maior eficiência na persecução penal, a definição dos institutos deve ser cada vez mais limitada e cristalina a fim de que não sejam suprimidos direitos inerentes à cada indivíduo.

9. Referências bibliográficas

ARAS, Vladimir, A investigação criminal na nova lei de lavagem de dinheiro. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n° 237. Agosto de 2012.

BADARO, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos penais e processuais penais. 1° edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas - com comentários, artigos por artigos, à Lei 9.613/98. 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007.

MIRABETTE, Julio Fabbrini; FABBRINI; Renato N. Curso de direito penal. 7° edição. Editora Atlas, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. 5ª ed., São Paulo: RT, 2010.

PRADO, Luís Regis; Curso de direito penal. 1° edição. Editora Revista dos Tribunais, 2007.


[1] BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de Capitais e Obrigações Civis Correlatas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, 3 ed, p. 32-33.

[2] ARAS, Vladimir, A investigação criminal na nova lei de lavagem de dinheiro. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais n° 237. Agosto de 2012.

[3]BADARO, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Aspectos penais e processuais penais. 1° edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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