Principio da dignidade da pessoa humana

21/09/2015 às 22:03
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Os princípios por serem gerais, se adaptam à evolução social, fornecendo uma abertura aos aplicadores do direito. A construção da dignidade é, portanto, fruto do trabalho realizado por diversas culturas, apontando os limites de atuação dos poderes.

1- Princípios.

Antes de se iniciar o estudo do direito à vida, necessário se faz a análise de alguns princípios constitucionais, porque localizam os limites da atuação legislativa, dão ao homem uma liberdade restrita de agir e, figuram como normas fundamentais de todo o ordenamento jurídico.

As normas jurídicas dividem-se em regras e princípios, porém a distinção existente é entre tipos de normas, visto que, durante o jusnaturalismo, os princípios eram totalmente excluídos da categoria de norma, pelo fato de serem totalmente abstratos. Com o advento dos Códigos e da Escola Histórica do Direito ocorreu a decadência do direito natural, além disso, a expansão do positivismo jurídico faz com que os princípios apareçam como fonte subsidiária.

Para Gordillo Cañas, os princípios são “válvulas de segurança” que “garantem o reinado absoluto da lei” (apud BONAVIDES, 2004, p. 262), Norberto Bobbio, por sua vez, considera os princípios como “meras pautas programáticas supralegais” (apud BONAVIDES, 2004, p. 263), marcando assim sua irrelevância jurídica. Bobbio completa seus estudos e atribui aos princípios a característica de normativo:

Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. O nome de principio induz em engano, tanto que é velha questão entre jurista se os princípios são ou não normas. Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta é a tese sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são normas os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies animais obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas. E por que então não deveriam ser normas? (BONAVIDES, 2004, p. 263-264).

No pós-positivismo, com a promulgação das constituições, os princípios passam a ser tratados como espécies de norma jurídica, o que, acentua a ascensão da axiologia, que passam a ser “pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais” (BONAVIDES, 2004, p. 264).

Portanto, são tipos de normas, as regras e os princípios, que se assemelham pelo fato de fazerem parte do mundo do dever ser e por serem gerais, generalidade que apresenta diferentes aspectos:

[...] uma regra jurídica é geral se for estabelecida para um número indeterminado de atos ou fatos (Riper e Bolunager), mas sob certo aspecto ‘ela é especial na medida em que rege tão somente atos ou fatos, ou seja, é editada contemplando uma situação jurídica determinada’.

[...] ‘o principio, ao contrário, é geral porque comporta uma série indefinida de aplicações’ (BONAVIDES apud ROTHERNBURG, 1999, p. 19).

Essa característica da generalidade, permite que os princípios se adaptem à evolução social, fornecendo uma abertura aos aplicadores do direito, de grande utilidade para o mundo jurídico, visto que, em seus enunciados genéricos, encontram-se soluções para uma série indeterminável de conflitos, inclusive para a questão da disponibilidade do direito à vida.

Assim, os princípios diferenciam-se das regras jurídicas nas seguintes situações. Primeiramente, em razão do grau de abstração, uma vez que, em seus enunciados, os princípios são mais abstratos e as regras mais precisas. Segundo, pelo grau de determinabilidade de aplicação, porque as regras se aplicam de forma direta ao caso concreto, enquanto os princípios precisam da intermediação do legislador e do juiz. Terceiro, pela natureza normogenética, com a qual se identifica o caráter de fundamentalidade, pois recebem o lugar de normas estruturantes fundamentais. Por último, a distinção ontológica em que os princípios são reconhecidos expressa ou implicitamente no ordenamento, cujas regras só têm validade, vigência e eficácia, se forem expressas (CANOTILHO, 2002).

Conforme De Plácido e Silva, a análise etimológica demonstra que o termo “princípio” tem origem latina principium, que significa: origem, começo. Para a linguagem popular “quer exprimir o começo de vida ou primeiro instante em que as pessoas ou as coisas começam a existir” (2004, p. 1.094). Quando emprego o termo no plural, princípios, este passa a significar “as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa” (p. 1.095).

Porém, a palavra princípio, inserida no texto constitucional, para Celso Antonio Bandeira de Mello, significa:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico (apud ROTHERNBURG, 1999, p. 14).

Para o constitucionalista José Afonso da Silva (2000) o termo é empregado no sentido de origem, fundamento, base. Paulo Bonavides, citando Luís-Diez Picazo, determina que a palavra princípio teve origem na geometria, “onde designa as verdades primeiras” (2004, p. 255). Logo, são princípios porque servirão de fundamento, de base, às demais normas do sistema jurídico, as “verdades fundantes” (REALE, 2004, p. 203).

Segundo Geraldo Ataliba:

[...] os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legalização, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas conseqüências (2001, p. 6-7).

Assim, os princípios ocupam lugar de destaque no ordenamento jurídico, pelo fato de expressarem mais intensamente os valores do que as normas, em razão disso os princípios se impõem de forma absoluta, ditando os limites do sistema jurídico: “a colcha de retalhos de normas postas está assentada neles. Se essa colcha fosse, por um motivo qualquer, retirada, eles estariam lá, sob ela” (NUNES, 2002, p. 23).

O sistema constitucional não prescinde de princípios porque são eles que exprimem valores essenciais: dignidade, liberdade e democracia. Estando abertos a várias ponderações e representando os valores fundamentais do ordenamento jurídico.

É deles que depende a força normativa da constituição, cuja eficácia social, segundo Konrad Hesse (1991):

Assenta-se na sua vinculação às forças espontâneas e às tendências dominantes do seu tempo, o que possibilita o seu desenvolvimento e a sua ordenação objetiva. A constituição converte-se, assim, na ordem geral objetiva do complexo de relações da vida (p. 18).

Portanto, é imprescindível a força supralegal dos princípios constitucionais, visto que é por meio do estudo deles que se encontram as tendências dominantes, ou os axiomas, indispensáveis ao sistema constitucional.

Robert Alexy refere-se aos “conceitos básicos jusfundamentais materiais, os de dignidade, liberdade e igualdade, com os quais têm sido incorporados à Constituição e, assim, ao direito positivo, os princípios mais importantes do direito racional moderno”, por sua vez Lorenzetti os coloca como superiores às demais normas, razão esta de sua hierarquia e de sua atuação como limites porque “determinam integralmente qual há de ser a substância do ato pelo qual são executados” (apud ROTHENBURG, 1999, p. 16).

Assim, este estudo tem como enfoque nuclear o princípio da dignidade da pessoa humana, porém para compreender o alcance da dignidade necessário se faz elucidar o direito à vida, porque se tem a intenção de inserir no centro da problemática em questão a dignidade e a vida, para assim se poder melhor analisar a disponibilidade do direito à vida.

2 - Direito à vida como direito fundamental.

A vida é tutelada como bem jurídico essencial ao ser humano (PRADO, 2003) pela Constituição Federal, mas este reconhecimento recebe apenas um “valor simbólico, porquanto é um direito inerente ao ser humano, que para existir não necessita seu reconhecimento expresso” (CARVALHO, 2001, p. 99). Pontes de Miranda, em sua obra Tratado de Direito Privado, enuncia que “a vida está acima de qualquer lei e é incólume a atos dos Poderes Públicos, devendo ser protegida contra quem quer que seja, até mesmo contra seu próprio titular, por ser irrenunciável e inviolável” (apud DINIZ, 2002, p. 24).

Protegida como direito fundamental desde o momento da concepção, impondo-se aos demais como direito absoluto, erga omnes, requerendo obediência de toda a sociedade e do próprio titular desta:

A vida humana é um bem anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar. O direito ao respeito da vida não é um direito à vida. Esta não é uma concessão jurídico-estatal, nem tampouco um direito de uma pessoa sobre si mesma (DINIZ, 2002, p. 21-22).

Portanto, percebe-se que o direito à vida é um direito absoluto quando se tem vida e o titular reclama a sua proteção, mas quando esta vida tornar-se inviável não há, propriamente vida a justificar sua devida proteção.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida”, protegendo-a como cláusula pétrea (art. 60. § 4º), atribuindo-lhe a característica de intangibilidade e impedindo a existência de espécies legislativas que tenham por intuito modificá-la ou excluí-la do ordenamento jurídico, o que seria possível apenas, em caso de criação de um novo poder constituinte originário, que estruturaria uma nova ordem jurídica.

Segundo Ives Gandra Martins, a grande preocupação do Estado protegendo a vida é assegurar o direito do insuficiente que, por ser mais fraco ou estar em situação menos privilegiada que os demais, pode sofrer violações ao direito natural à vida (apud DIP, 1999).

Basta a condição de ser humano para que a legislação outorgue a devida proteção, porém o Estado deve assumir a posição de garantidor também da dignidade humana, impondo ao Estado a dupla obrigação:

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  • Obrigação de cuidado a toda pessoa humana que não disponha de recursos suficientes e que seja incapaz de obtê-los por seus próprios meios;
  • Efetivação de órgãos competentes públicos ou privados, através de permissões, concessões ou convênios, para prestação de serviços públicos, adequados que pretendam prevenir, diminuir ou extinguir as deficiências existentes para um nível mínimo de vida digna da pessoa humana (MORAES, 1997, p. 87).

Nesse sentido, o direito à vida deverá ser compreendido como o direito a uma vida em condições dignas das de um ser humano, razão pela qual se torna essencial o estudo da dignidade da pessoa humana.

3 – Dignidade da pessoa humana.

Existe uma indissociável relação entre vida e dignidade, devendo ser digna a vida humana, vida esta que se inicia desde o momento da concepção, relação de dependência diretamente ligada ao direito constitucional contemporâneo. Segundo Cármen Lúcia Antunes Rocha, “a previsão no texto constitucional acaba por ser imprescindível, muito embora por si só não tenha o condão de assegurar o devido respeito e proteção à dignidade” (apud SARLET, 2001, p. 26), tal como ocorre com os pacientes em estado vegetativo, em que não se tem vida, apenas manutenção artificial das funções vitais, portanto, não há dignidade.

A questão axiológica da dignidade surge no pensamento clássico e cristão, visto que tanto no Antigo quanto no Novo Testamento encontram-se sugestivas considerações de que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, portanto possuidor de um valor intrínseco. Na antiguidade clássica atribuía-se a dignidade em conformidade com a posição social de cada um dos membros da sociedade.

Na época medieval, a concepção cristã continuou sendo seguida e São Tomás de Aquino emprega o termo dignitas humana afirmando ser a dignidade uma qualidade do ser humano que lhe atribui liberdade sobre a sua existência (SARLET, 2001), assim, digna seria a disposição de sua vida quando a mesma se tornar inviável.

Nos séculos XVII e XVIII o pensamento jusnaturalista, com base no direito natural, reconhece a existência de uma igualdade entre todos os seres humanos, igualdade em dignidade e liberdade. Kant a afirma com base na racionalidade do ser humano, idéia ainda hoje repetida, porém criticada em razão do antropocentrismo, que afirma que os seres humanos, por serem racionais, ocupam um lugar de destaque em relação aos demais seres vivos, e jamais poderão passar a ser objeto de direito, permanecendo sempre como sujeitos:

A permanência da concepção kantiana no sentido de que a dignidade da pessoa humana, está considerada como fim e não como meio, repudia toda e qualquer espécie de coisificação e instrumentalização do ser humano (SARLET, 2001, p. 35).

É dessa concepção jusnaturalista que no século XVIII ressurge a afirmação de que é obrigação do Estado democrático de Direito a garantia da dignidade, e que só será possível se ocorrer a inserção da dignidade no contexto da ordem constitucional, assegurando uma qualidade inerente ao ser humano, por isso que o sistema brasileiro a coloca como fundamental à existência do próprio Estado.

Assim, à dignidade não poderá ser empregado um conceito restrito ou fixista, em razão da axiologia que está em permanente reconstrução:

A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade (SARLET, 2001, p. 40-41).

A construção da dignidade é, portanto, fruto do trabalho realizado por diversas culturas, apontando os limites de atuação dos poderes constituídos. Mesmo considerada como valor absoluto e preexistente ao próprio direito, a dignidade ganha legitimidade quando é reconhecida como indispensável ao ordenamento jurídico por meio da Constituição Federal de 1988, que a menciona em seu art. 1º, inciso III:

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III- a dignidade da pessoa humana.

O Estado terá sempre como fundamento de sua existência a dignidade da pessoa humana, afirmativa que associa a dignidade à figura da pessoa humana, como um atributo específico dos seres humanos que a deverão conquistar diurtunamente. Segundo Luhmann: “a pessoa alcança sua dignidade a partir de uma conduta autodeterminada e da construção exitosa da sua própria identidade” (apud SARLET, 2001, p. 48). Então, o Estado existe para garantir a dignidade da pessoa humana e não o contrário, porque o ser humano constitui a primeira finalidade do Estado Democrático de Direito (p. 66).

A dignidade não está inserida no rol dos direitos e garantias fundamentais, está como princípio. Sua colocação como princípio a enquadra como norma positiva e negativa, visto que, no primeiro caso, impõe-se a necessidade da existência de normas positivas que protejam e promovam a dignidade e, no segundo caso, normas negativas que não violem a dignidade, impondo direitos subjetivos negativos (SARLET, 2001). Identificando assim, os limites jurídicos. E que segundo CARVALHO:

A dignidade humana possui dupla dimensão: uma negativa e outra positiva. A primeira impede que a pessoa venha a ser objeto de ofensas e humilhações – neste sentido, estabelece o próprio texto constitucional que ‘ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante’ (Art. 5º, III). Já a dimensão positiva assegura o pleno desenvolvimento de cada ser humano, reconhecendo-se sua autodeterminação, livre de quaisquer interferências ou impedimentos externos (2001, p. 114).

Então, referir-se ao direito a dignidade é um equívoco, pois estar-se-á em verdade considerando a proteção, o reconhecimento, o respeito, a promoção e o desenvolvimento da dignidade, incluindo até o direito a uma existência digna.

José Cretella Junior (1988), em sua obra Comentários à constituição brasileira de 1988, retrata que o constituinte primeiramente introduziu a expressão “vida digna”, mas preferiu retirá-la para não dar margem à afirmativa de que na ausência da dignidade, perde-se a proteção ao direito à vida, permitindo assim a disponibilidade da vida. Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet, relata que poderiam ter utilizado a expressão “sem prejuízo de outros sentidos que se possa atribuir aos direitos fundamentais relativos à dignidade da pessoa” (2001, p. 71).

Como princípio fundamental, a dignidade representa o valor-guia, sendo o princípio de maior hierarquia axiológica do ordenamento jurídico. Essa posição de princípio-limite não retira a sua eficácia/efetividade, pois, de acordo com Juarez de Freitas, não perderá sua força por estar presente no ordenamento como princípio, visto que representam espécie de norma jurídica (apud SARLET, 2001).

O pré-requisito para a existência da dignidade é ser humano. Curiosamente, é nessa asserção que reside a maior dificuldade de precisão, Dworkin, em sua obra Domínio da vida (2003), coloca a dificuldade de precisar a dignidade em determinadas circunstâncias, como nos casos de demência e de perda da capacidade de autodeterminação. No entanto, o autor afirma que mesmo nessas situações o homem merece ser tratado com dignidade. Relembra que Kant relata que o ser humano jamais poderá ser tratado como objeto, colocando-o em desvantagem em razão dos demais. Nessa mesma linha, afirma o publicista e magistrado germânico Dieter Grimm:

[...] a dignidade, na condição de valor intrínseco do ser humano, gera para o indivíduo o direito de decidir de forma autônoma sobre seus projetos existenciais e felicidade e, mesmo onde esta autonomia lhe faltar ou não puder ser atualizada, ainda assim ser considerado e respeitado pela sua condição humana (apud SARLET, 2001, p. 51).

Respeitar a dignidade é respeitar o próprio ser humano. Em decisão proferida em 1985, o Tribunal Constitucional da Espanha reconhece a vinculação direta entre dignidade e vida, “como el punto de arranque, como el prius logico y ontologico para la existencia y especificacion de los demas derechos” (SARLET, 2001, p. 90).

Portanto, haverá dignidade se houver respeito pela vida humana, pela liberdade, pela igualdade, pelos limites instituídos à atuação dos poderes, pela consideração do homem como um fim e não como objeto.

Questiona-se a possibilidade de restrição do direito à dignidade, em situações em que a preservação da dignidade de uma pessoa acaba afetando a de outra. Se identificada como absoluta, essa ponderação não será possível, porém no sistema constitucional pátrio, não há menção alguma à restrição da dignidade (SARLET, 2001). Tem-se que em uma hierarquia de valores, a dignidade deverá configurar como o valor guia dos demais.

A dignidade é inviolável, mas não inviolada, visto ser desconsiderada, desprotegida, desrespeitada, tanto por problemas sociais, econômicos quanto culturais:

Diante da evidente violabilidade concreta da dignidade pessoal, e em que peso o mandamento jurídico-constitucional do cunho absoluto da dignidade da pessoa e da possibilidade de se admitir eventuais limitações à dignidade pessoal. [...] No sentido específico de que ao Estado – e o direito penal também cumpre este desiderato – incumbe o dever de proteger os direitos fundamentais e a dignidade dos particulares (SARLET, 2001, p. 124).

Na sociedade atual, não se poderá admitir um conteúdo absoluto para a dignidade. O direito à dignidade é absoluto, porém seu conteúdo, relativo, porque é o aplicador do direito que determinará o sentido atual da expressão. Nesse sentido, o Ministro Marco Aurélio Mello do Supremo Tribunal Federal em julho de 2004 emitiu liminar que facultava o aborto no caso de gravidez de embriões anencéfalos sem específica autorização judicial, decisão fincada na dignidade da pessoa humana, tem-se um caso de eutanásia infantil e não aborto, visto que no próprio contexto o Ministro aponta que não configura aborto já que a vida não é viável, portanto, tem-se a amenização de uma dor futura. Embora, em outubro de 2004, o Pleno do Supremo Tribunal Federal tenha cassado, por maioria de votos, a liminar, permanecendo, no entanto, a polêmica questão pendente de julgamento de mérito.

Flávia Piovesan (2005) em análise ao tema da anencefalia declara que:

É emergencial que, ao apreciar o mérito da ação, o STF reverta essa posição, inspirado na observância dos parâmetros constitucionais e internacionais e, sobretudo, no principio fundamental da prevalência da dignidade humana. Afinal, o STF desempenha o papel de garantidor dos direitos fundamentais, inclusive em face de possíveis equívocos do legislador, e o que se discute, no caso, é exatamente a proteção de direitos humanos básicos das gestantes (p.1).

Assim, deverá prevalecer o enfoque da dignidade da pessoa humana como valor essencial ao ser humano que vive e morre à sombra do que conquistou, reivindica a liberdade de poder escolher o que é digno.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Portugal: Almedina, 2002.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 9. ed. ver., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no direito. 7. ed. adaptada ao novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10-2-2002). São Paulo: Saraiva, 2002.

______. O estado atual do biodireito. 2. ed. aum. e atual. de acordo com o novo Cócigo Civil (Lei n. 10.406, de 10-01-2002). São Paulo: Saraiva, 2002.

DIP, Ricardo Marques; PENTEADO, Jaques de Camargo (Orgs.). A vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. Rev. Silvana Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: comentário aos artigos 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1997.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002.

PIOVESAN, Flávia. STF e anencefalia. Disponível em: http://conjur,uol.com.br/textos/250296/. Acesso em: 10/06/05.

PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e constituição. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

______. Em defesa dos valores humanísticos. Disponível em: http://www.academus.pro.br/site/p_impressao_artigo.asp?codigo=580&nome_categoria. Acesso em: 27/03/04.

ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 25. ed. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvaho. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

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Sobre a autora
Daniela Galvão Araújo

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2002), Pós-graduação em Direito Processual: Civil, Penal e Trabalho e Mestrado em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2005). Atualmente é professora e coordenadora do curso de Direito da UNILAGO (União das Faculdades dos Grandes Lagos). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Teoria do Direito, Teoria do Estado, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal, Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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