RESPONSABILIDADE CIVIL e suas excludentes: noções básicas
1. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
A ideia de responsabilidade civil nasceu no mundo jurídico como forma de restaurar um desequilíbrio de ordem patrimonial, ou mesmo de ordem moral, sofrido por um indivíduo ou pela coletividade. Tinha como objetivo principal reestabelecer o status quo ante, ou seja, reparar o dano sofrido por alguém através de indenização, sendo, na maioria das vezes, de cunho pecuniário.
Conceituando o tema, Silvio de Salvo Venosa leciona:
“A responsabilidade, em sentido amplo, encerra a noção pela qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as consequências de um evento ou de uma ação”. (VENOSA, 2013, p. 5)
Nesse sentido, dispõe o mesmo doutrinador, que:
“O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar.” (VENOSA, 2013, p. 1)
Do mesmo modo, Carlos Roberto Gonçalves ensina que a Responsabilidade Civil se pauta na ideia de equidade, ou seja, aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou desvantagem dela resultantes. Leciona:
“A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros) deve suportar os incômodos (ou riscos).” (GONÇALVES, 2013, p. 49)
Igualmente, Maria Helena Diniz afirma que a responsabilidade civil visa garantir o direito de segurança do lesado por meio do ressarcimento dos danos que sofreu. Desse modo, o princípio que regula esse tema nos dias atuais é o da restitutio in integrum, ou seja, da reposição completa da vítima à situação anterior à lesão. (DINIZ, 2011, p. 23)
Importante, ainda, diferenciar Responsabilidade Civil de Obrigação Civil. Esta é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. Já aquela nasce da lei ou de atos humanos, por meio de contratos, declarações unilaterais de vontade ou atos ilícitos, e deve ser cumprida livre e espontaneamente. Somente quando tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, é que surge a obrigação civil. Malgrado a correlação entre ambas, uma pode existir sem a outra. Desse modo, o instituto da Responsabilidade Civil é parte integrante do Direito Obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano.
2. ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
No ordenamento jurídico brasileiro, a matéria de Responsabilidade Civil encontra-se regulada no Código Civil de 2002, o qual dedicou poucos dispositivos ao tema. Em sua Parte Geral, nos artigos 186, 187 e 188, consignou a regra geral da responsabilidade extracontratual ou aquiliana, a qual pressupõe sempre a existência de culpa lato sensu, que abrange tanto o dolo, quanto a culpa stricto sensu. Já na Parte Especial, sob o título “Da Responsabilidade Civil”, o diploma, em seu artigo 927 e seguintes, dedicou dois capítulos à “Obrigação de Indenizar” e à “Indenização”. Ainda na Parte Especial, o Código Civil, em seu artigo 389 estabeleceu a regra básica da responsabilidade contratual.
2.1. Responsabilidade Civil Subjetiva
Como regra, a responsabilidade civil é subjetiva, ou seja, se esteia na ideia de culpa lato sensu, sendo a sua prova o pressuposto necessário do dano indenizável. Nesse sentido, leciona Carlos Roberto Gonçalves:
“Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.” (GONÇALVES, 2013, p. 59)
A propósito, oportuno salientar que a culpa foi incorporada como elemento da responsabilidade civil pelo Código Civil de Napoleão, o qual, inclusive, influenciou o Código Civil Brasileiro de 1916. Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
A inserção da culpa como elemento básico da responsabilidade civil aquiliana – contra o objetivismo excessivo do direito primitivo, abstraindo a concepção de pena para substituí-la, paulatinamente, pela ideia de reparação do dano sofrido – foi incorporada no grande monumento legislativo da idade moderna, a saber, o Código Civil de Napoleão, que influenciou diversas legislações do mundo, inclusive o Código Civil brasileiro de 1916. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 54)
Cumpre salientar ainda que em algumas situações, a culpa é presumida por lei, casos em que o ônus da prova inverte-se, devendo o agente provar a incidência de alguma cláusula excludente para isentar-se da obrigação de indenizar.
2.2. Responsabilidade Civil Objetiva
Entretanto, embora a culpa seja a regra geral da Responsabilidade Civil, a lei impõe, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano independentemente de culpa. Nestas hipóteses, existe a Responsabilidade Legal ou Objetiva, a qual prescinde de culpa, satisfazendo-se apenas com o dano e o nexo de causalidade, conforme disciplina o Código Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assim, diferentemente da Responsabilidade Subjetiva, todo dano torna-se indenizável, e deve ser reparado, desde que o agente se ligue ao resultado por um nexo de causalidade, sendo a culpa de todo imprescindível.
Em conformidade com a ideia de Responsabilidade Objetiva, surgiu a Teoria do Risco, a qual busca socorrer as vítimas de dano indenizável nos casos em que as teorias tradicionais se revelam insuficientes à sua proteção. Para esta teoria, o agente é obrigado a indenizar pelo fato de ser proprietário do bem ou o responsável pela atividade causadora do dano, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. Nesta hipótese, a noção de culpa é substituída pela ideia do risco, ou seja, funda-se no pressuposto de que a pessoa que exerce atividade perigosa assume o risco de causar dano a outrem.
Nesse sentido, os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:
“Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.” (GONÇALVES, 2013, p. 59)
2.3.Responsabilidade Civil Contratual
A responsabilidade Civil Contratual ocorre quando alguém, ao descumprir uma obrigação contratual (dever contratual), causa prejuízo a outrem, sendo obrigado a indenizar a vítima por perdas e danos, nos moldes do artigo 389, do Código Civil.
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
O inadimplemento contratual, em termos de responsabilidade, presume-se culposo (responsabilidade subjetiva), cabendo à vítima provar apenas o descumprimento do avençado. Assim, resta ao agente, a fim de isentar-se da responsabilidade, provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Nesse sentido, leciona Carlos Roberto Gonçalves:
“Se a responsabilidade é contratual, o credor só́ está obrigado a demonstrar que a prestação foi descumprida. O devedor só́ não será́ condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vitima, caso fortuito ou força maior. Incumbe-lhe, pois, o onus probandi”. (GONÇALVES, 2013, p. 63)
2.4.Responsabilidade Civil Extracontratual
Em contrapartida, quando o dano causado não derivar de contrato, mas sim da inobservância do dever genérico de não lesar, imposto pelo artigo 186, do Código Civil, diz-se que a responsabilidade é extracontratual ou aquiliana.
Desse modo, conforme a teoria da responsabilidade subjetiva, incumbe à vítima provar a culpa ou dolo do agente. No entanto, em alguns casos previstos em lei, o agente será obrigado a indenizar o lesado, mesmo que sua ação seja lícita. É o que ocorre, por exemplo, com o dono de prédio encravado, conforme disposto no artigo 1.285, do Código Civil, o qual deverá pagar indenização ao vizinho para obter passagem.
Art. 1.285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
Por fim, embora a consequência seja a mesma, a de indenizar o dano causado, optou o código Civil Brasileiro por distinguir as figuras da Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual, adotando, assim, a teoria dualista.
3. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
O art. 186 do Código Civil consagra uma que todo aquele responsável por causar dano a outrem é obrigado a repará-lo. Estabelece o aludido dispositivo legal:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Desse modo, quatro são os elementos essenciais à responsabilidade civil extracontratual, quais sejam: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e dano.
3.1. Conduta humana: Ação ou Omissão
O supracitado artigo 186 determina inicialmente que, aquele que, por ação ou omissão causar lesão a outrem será responsabilizado nos moldes da lei. Nesse sentido, a responsabilidade pode derivar de ato próprio, como nos casos de injúria, difamação ou calúnia, por exemplo, conforme previsão do artigo 153, do Código Civil; de ato de terceiros que estejam sob a guarda do agente, nos casos previstos no artigo 932, do referido Código, ou de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam, conforme o artigo 936, do mesmo diploma.
A responsabilização por omissão ocorre sempre que há um dever jurídico de praticar determinado ato, podendo este estar previsto em lei, derivar de convenção ou mesmo da criação de uma situação de perigo.
Cumpre ainda salientar que para efeitos de Responsabilidade Civil, o agente deve ser capaz de se autodeterminar, ou seja, é necessário que tenha capacidade de discernimento em suas ações. Desse modo, a conduta deve ser voluntária, ou seja, deve ser controlável pela vontade do agente, quando de sua conduta, portanto, excluem-se os atos inconscientes e os praticados sob coação absoluta.
3.2. Culpa
A Responsabilidade Civil, adotando a teoria subjetiva, conforme expresso no artigo 186, do Código Civil, pauta-se na ideia de culpa lato sensu, a qual é composta pela “ação ou omissão voluntária (dolo), negligência ou imprudência (culpa stricto sensu)”. Aquele consiste na vontade de cometer uma violação de direito, enquanto este, na falta de diligência, consistente em negligência, imprudência ou imperícia.
Nesse sentido, leciona Carlos Roberto Gonçalves:
“A obrigação de indenizar não existe, em regra, só́ porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência, como expressamente se exige no art. 186 do Código Civil. ” (GONÇALVES, 2013, p. 446)
A conduta imprudente consiste em agir o sujeito sem as cautelas necessárias, implicando pequena consideração pelos interesses alheios. A negligência é a falta de atenção, a ausência de reflexão necessária, uma espécie de preguiça psíquica, em virtude da qual deixa o agente de prever o resultado que podia e devia ser previsto. Já a imperícia consiste, sobretudo, na inaptidão técnica, na ausência de conhecimentos para a prática de um ato, ou omissão de providência que se fazia necessária.
Embora o dano não seja medido pelo grau de culpa, devendo o mesmo ser apurado levando-se em consideração o prejuízo da vítima, a teoria subjetiva faz distinção em relação à extensão desta, que pode ser de natureza grave, leve e levíssima. Em qualquer de seus graus, entretanto, a culpa enseja a violação de um dever de diligência. Assim preceitua o artigo 944, do Código Civil:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.
A culpa grave, modalidade que se equipara ao dolo, consiste na falta de previsão elementar ao homem médio, ou seja, descuidar da diligência mais evidente. A culpa na modalidade leve se verifica quando a falta puder ser evitada com atenção ordinária, ou seja, ultrapassa o raciocínio do homem médio. Já a culpa levíssima ocorre quando é necessária atenção extraordinária ou extremada cautela para que o dano seja evitado.
Importante salientar, por fim, que o dispositivo supratranscrito traz ainda a ideia de ato ilícito, assim, o comportamento culposo do agente deve ser precedido pela ilicitude do ato, que é caracterizada pela quebra do dever de não lesar outrem (neminem laedere), preexistente a todos.
3.3. Dano
O dano é o pressuposto da responsabilidade civil e sem a sua prova, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. Pode ser de natureza patrimonial ou extrapatrimonial (simplesmente moral), ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido.
Embora a prova do dano deva ser feita para efeitos de reparação, em alguns casos, como acontece na Lei de Imprensa, o dano moral é presumido nos casos de injúria, calúnia e difamação praticadas pela imprensa.
3.4. Nexo de Causalidade
Expressa no verbo “causar” empregado no artigo 186, acima referido, o nexo de causalidade corresponde à relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Sem a sua prova, não existe a obrigação de indenizar.
4.CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Existem no Código Civil previsões que excluem a responsabilidade de agente causador do dano. Parte da doutrina brasileira, como Maria Helena Diniz, por exemplo, acredita tratar-se de causas excludentes da imputabilidade do agente, enquanto outra corrente, adotada por Carlos Roberto Gonçalves, acredita haver exclusão do nexo causal.
Ainda, uma terceira corrente, sustenta que se trata de exclusão da culpa. No enquanto, embora haja divergência doutrinária acerca do tema, certo é que diante dessas hipóteses, não será o agente responsável civilmente.
4.1. Legítima Defesa e Exercício Regular de Direito
Proclama o art. 188, I, do Código Civil:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
Desse modo, agindo o causador do dano contra o próprio agressor, e em legítima defesa real, não pode aquele ser responsabilizado civilmente pelos danos provocados, exceto quando, por engano ou erro de pontaria, atingir pessoa diversa ou alguma coisa de valor, caso em que deverá o agente reparar o dano. No entanto, neste caso, terá ação regressiva contra o agressor, para se ressarcir da importância desembolsada, conforme expresso no parágrafo único do artigo 930, do Código Civil.
Note-se que somente a legítima defesa real exclui a ilicitude do ato, consistindo a legitima defesa putativa somente exclui a culpabilidade e não a antijuridicidade do ato. Embora a esfera criminal a legítima defesa seja considerada erro de fato não ensejando condenação criminal, na esfera cível, mesmo a culpa de natureza levíssima enseja reparação do dano. Nesse sentido:
"Se o ato foi praticado contra o próprio agressor, e em legítima defesa, não pode o agente ser responsabilizado civilmente pelos danos provocados. Entretanto, se por engano ou erro de pontaria, terceira pessoa foi atingida (ou alguma coisa de valor), neste caso deve o agente reparar o dano. Mas terá ação regressiva contra o agressor, para se ressarcir da importância desembolsada." (GONÇALVES, 2011, p. 460)
Já no caso do exercício regular de direito, leciona Venosa:
"A/ssim como a legítima defesa, também não são passíveis de indenização os danos praticados no exercício regular de um direito. Na mesma dicção, deve estar subentendida outra excludente de índole criminal, o estrito cumprimento do dever legal, porque atua no exercício regular de um direito reconhecido quem pratica ato no estrito cumprimento do dever legal." (VENOSA, 2010, p. 67)
4.2.Estado de Necessidade
O dispositivo supracitado ainda continua:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Assim, o agente que, em estado de necessidade, causar dano a outrem, não estará cometendo ato ilícito. No entanto, mesmo diante da licitude do ato, não será o agente dispensado do dever de reparar o prejuízo que causou, desde que a pessoa lesada não tenha ensejado o perigo, conforme preceitua o Código Civil:
Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.
E ainda prossegue no dispositivo seguinte:
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Desse modo, se o perigo decorreu por ato de terceiros, o agente deverá ressarcir o dano causado, mas terá direito de regresso contra o terceiro culpado, para se ressarcir das despesas efetuadas.
À primeira vista, os artigos 929 e 930 parecem estar em contradição com a previsão do artigo 188, uma vez que obrigam o agente a indenizar um dano decorrente de ato considerado lícito. No entanto, entendeu o diploma que a vítima inocente do prejuízo não pode ficar irressarcida.
4.3.Fato de Terceiro
Em algumas situações, a ato causador do dano pode não ser provocado pelo agente, mas sim por terceiro. No entanto, no âmbito civil há predominância o princípio da obrigatoriedade do causador direto de reparar o dano. No entanto, nessas situações, terá o autor do dano direito de ação regressiva contra o terceiro responsável por causar o dano para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado, conforme regulado nos artigos 929 e 930 supratranscritos.
4.4.Caso Fortuito e Força Maior
Nos casos em que o dano ocorrer por força de eventos inevitáveis, como por exemplo, inundações, guerras ou raios, ficará excluída a responsabilidade do agente causador do dano, pois rompem com o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente. Assim preceitua o Código Civil:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Verifica-se, portanto, que o diploma legal não fez distinção entre caso fortuito e força maior, equiparando-os perante a lei, no entanto a doutrina costuma distingui-los. Desse modo, caso fortuito é aquele que decorre de ação humana alheia à vontade das partes, como é o caso das greves e motins, por exemplo. Já a força maior é decorrente de acontecimentos naturais, como raios e terremotos, por exemplo.
Anote-se que o caso fortuito não pode jamais provir de ato culposo do obrigado, pois a própria natureza inevitável do acontecimento que o caracteriza exclui essa hipótese. Somente pode resultar de uma causa estranha à vontade do devedor, irresistível, o que já indica ausência de culpa.
4.5.Culpa Exclusiva da Vítima
Nos casos em que o dano causado decorrer exclusivamente por culpa da vítima, a responsabilidade do agente desaparece, pois a relação de causa e efeito entre o ato deste e o prejuízo daquela deixa de existir.
No entanto, nos casos em que a vítima apenas concorrer para o evento danoso em conjunto com o agente, ou seja, quando ambos contribuírem para o evento danoso, ao mesmo tempo, haverá repartição da responsabilidade, de acordo com o grau de culpa, sendo a indenização fixada de acordo com a participação do agente para o prejuízo. Assim preceitua o artigo 945, do Código Civil:
Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
Ainda, em alguns casos, como o previsto no parágrafo 2º, do artigo 17, do Decreto 2.681/12, o qual trata sobre as estradas de ferro, somente a culpa exclusiva da vítima isenta a responsabilidade do transportador, inexistindo, portanto, a figura de culpa concorrente entre vítima e agente causador do dano. Assim:
Art. 17 – As estradas de ferro responderão pelos desastres que nas suas linhas sucederem aos viajantes e de que resulte a morte, ferimento ou lesão corpórea.
A culpa será sempre presumida, só se admitindo em contrário alguma das seguintes provas:
2ª - Culpa do viajante, não concorrendo culpa da estrada.
4.6.Cláusula de Não Indenizar
Silvio Venosa leciona que a cláusula de não indenizar é aquela pela qual uma das partes se exime de responsabilidade por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial, alterando, assim, o sistema de riscos no contrato. Trata-se da exoneração convencional do dever de reparar o dano, sendo que, nessa situação, os riscos do contrato são transferidos para a vítima. (VENOSA, 2010, p. 73)
Sobre o assunto, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam:
“Essa cláusula só deve ser admitida quando as partes envolvidas guardarem entre si uma relação de igualdade, de forma que a exclusão do direito à reparação não traduza renúncia da parte economicamente mais fraca”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 163)
Tem como finalidade isentar uma das partes do dever de indenizar, transferindo os riscos para a vítima. O ordenamento jurídico atual não simpatiza com essa previsão nos contratos, sendo que o Código de Defesa do Consumidor veda expressamente sua utilização nas relações de consumo, as quais constituem a grande parte dos contratos atuais. Explicita o referido diploma:
Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.
E mesmo quando possível a sua utilização, várias limitações são impostas à sua validade:
- Consentimento bilateral: a declaração unilaterial será considerada totalmente ineficaz.
- Não colisão com norma de ordem pública: mesmo havendo acordo de vontades, a cláusula não será válida se violar interesse de ordem pública ou se atentar contra os bons costumes. Desse modo, a cláusula deve versar exclusivamente sobre interesse individual.
- Igualdade entre as partes: deve haver paridade entre as partes, desse modo, totalmente inaceitável essa previsão em contratos de adesão, nos quais uma das partes se mostra em superioridade perante a outra.
- Inexistência do escopo de eximir o dolo ou a culpa grave do estipulante: clausula não pode abranger os casos de dolo e de culpa grave.
- Ausência da intenção de afastar obrigação inerente à função.
4.7. Prescrição
O dever de indenizar o dano se extingue quando atingido o prazo prescricional a pretensão punitiva. Prevê o artigo 206, do Código Civil:
Art. 206. Prescreve:
§ 3o Em três anos:
V - a pretensão de reparação civil;
Note-se que o prazo é universal, ou seja, diferentemente do diploma de 1916, não há previsão de prazo menor para pretensão se reparação civil contra a Fazenda Pública.
referências bibliográficas
BRASIL. Código Civil, de 10 jan. 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010, v. IV.