Divórcio indireto

Resumo:


  • O casamento é reconhecido como base da sociedade, com deveres como fidelidade recíproca, vida em comum e assistência mútua.

  • O divórcio extingue o casamento e pode ser pleiteado por via direta ou indireta, com requisitos específicos e modificações importantes no Código Civil de 2002.

  • O divórcio indireto requer separação judicial prévia, tempo decorrido e cumprimento das obrigações assumidas, sendo necessário observar os requisitos legais e constitucionais para sua conversão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo busca analisar o instituto jurídico do chamado "divórcio indireto", suas caracteristicas e suas implicações para o direito de família

Introdução - Considerações iniciais  

O ordenamento constitucional pátrio reconhece a família como base da sociedade, estabelecendo entre os consortes a igualdade de exercício de direitos e deveres referentes à sociedade conjugal. A nossa lei civil traz como deveres de ambos os cônjuges: a fidelidade recíproca; a vida em comum, no domicílio conjugal; a mútua assistência; o sustento, guarda e educação dos filhos; e o respeito e consideração mútuos.

O instituto nuclear do direito de família é o casamento, que, segundo conceito de Silvio Rodrigues, "é o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher, de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência" ("Direito Civil"- Direito de Família, vol. VI, 21ª edição, Saraiva, p. 17).

Hodiernamente, o casamento deixou de ser "apenas a formalização da união sexual, a satisfação biológica e social regulamentada, constitui antes uma fase adulta da vida humana, uma conjunção de matéria e espírito, solidificada em perene admiração de dois seres inteligentes que, para atingirem a plenitude do desenvolvimento de sua personalidade, se interpenetram e se confundem pelo companheirismo da tolerância e da compreensão na formação de um todo inseparável, enquanto reconhecem a necessidade e importância dessa comunhão" (Domingos Sávio Brandão Lima, "A Nova Lei do Divórcio Comentada", O. Dip Editores Ltda, p. 13).

Desaparecendo os laços afetivos e de respeito mútuo que uniram o casal, em questão de tempo o vínculo comum perde o sentido. A discórdia, de exceção, passa a ser a linguagem do relacionamento. O lar não será mais o mesmo. A cada dia a união ganhará traços de desunião. A vida sob o mesmo teto e a comunhão de interesses tornam-se impossíveis. Somente por hipocrisia se mantém algo que de fato já não existe. Passemos a analisar uma das formas de divórcio.

Do Divórcio

O divórcio extingue o casamento, bem como os efeitos civis do matrimônio religioso. Assim, caso os consortes divorciados queiram restabelecer a união só poderão fazê-lo mediante novo casamento. Diga-se de passagem, comete crime de bigamia aquele que, sendo casado, contrai novo casamento – CP, art. 235. O divórcio pode ser pleiteado por via direta, após a separação de fato por mais de dois anos, ou indireta, decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos.

Nesta oportunidade serão abordados os principais aspectos de direito material e processual envolvendo o divórcio por conversão, também chamado de divórcio indireto, que sofreu modificações importantes com o advento do Código Civil de 2002.

O Divórcio Indireto

A Lei do Divórcio (Lei nº. 6.515 de 1977) estabeleceu como requisitos para converter a separação judicial em divórcio: o decurso do tempo, a prévia partilha e o cumprimento das obrigações assumidas pelo requerente na separação.

O tempo flui. Adveio a Constituição Federal de 1988 e dispôs sobre o divórcio, no art. 226, § 6°, nos seguintes termos: "O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos". Em idêntica direção o Código Civil de 2002 disciplinou o divórcio por conversão: "Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio" (art. 1.580). Assim, a Carta Magna e o Código Civil trouxeram apenas a prévia separação judicial e o decurso do tempo de um ano como únicos requisitos para decretar-se o divórcio indireto.

Em sede jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça tem orientado no sentido de que, evidenciado o descumprimento da obrigação alimentícia assumida na separação, não há o direito subjetivo de ver decretada a conversão da separação em divórcio (cf. AgRg no REsp 736.718/RJ, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ de 07.11.2005, p. 280; REsp 768.400/ES, rel. Min. Jorge Scartezzini, 4ª Turma, DJ de 06.03.2006, p. 411; REsp 663.955/PE, rel.ª Min.ª Nancy Andrighi, DJ de 23.05.2005, p. 286; REsp 346.935/MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, DJ de 24.03.2003, p. 226).

Então, sufragou-se o entendimento de que não seria razoável submeter o cônjuge aos percalços de um posterior processo judicial para haver do inadimplente a parte que lhe cabe por força da obrigação alimentar. No que tange à prévia partilha de bens do casal, exigência contida no art. 31 (Não se decretará o divórcio se ainda não houver sentença definitiva de separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha dos bens), no art. 40, inc. IV (a partilha de bens deverá ser homologada pela sentença do divórcio), e no art. 43 (Se, na sentença do desquite, não tiver sido homologada ou decidida a partilha dos bens, ou quando esta não tenha sido feita posteriormente, a decisão de conversão disporá sobre ela), da Lei do Divórcio, o Superior Tribunal de Justiça igualmente reconhece que a sua ausência constitui causa impeditiva da conversão da separação judicial em divórcio, malgrado – em relação do divórcio direito – ter editado a Súmula nº. 197: "O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens".

Entretanto, há algum tempo os Tribunais pátrios vêm perfilhando a tese de que a Constituição Federal somente recepcionou a condição temporal para a conversão da separação judicial em divórcio, de modo que, decorrido o tempo previsto, nenhum obstáculo haverá para tal. A 8ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento de recurso Apelação (nº. 237.071-1/0), da Relatoria do então Des. Massami Uyeda, hoje Ministro do Superior Tribunal de Justiça, deixou assentado: "A conversão de separação judicial em divórcio, à luz do art. 226, § 6.°, da CF, exige apenas a observância de que a separação judicial tenha-se dado nos casos expressos em lei e que o lapso temporal de um ano da separação tenha sido observado".

Nesse sentido, cite-se como exemplo: TJAL, AC. 97.0008139, rel. Des. José Fernandes de Holanda Ferreira, 2ª CC; TJBA, AC 22.606-6, rel. Des. Amadiz Barreto, 2ª CC; TJDFT, AC 20040110341823, rel. Des. Teofilo Rodrigues Caetano Neto, 6ª Turma Cível, DJ de 09.03.2006, p. 122; TJMA, AC 021088/2004, rel. Des. Cleones Carvalho Cunha, 3ª CC, j. 02.12.2004); TJMG, AG 1.0000.00.345169-7/000, rel. Des. Wander Marotta, 7ª CC, DJMG de 05.12.2003; TJMS, AC 2001.001495-8/0000-00, rel. Des. João Batista da Costa Marques, 4ª CC, j. 25.11.2003; TJMT, AC 19101/2002, rel.ª Des.ª Juanita Cruz da Silva Clait Duarte, 3ª CC, j. 11.12.2002; TJPA, AC 30.453, rel. Des. José Alberto Soares Maia, 3ª CC; TJRJ, AC 29452/2001, rel. Des. Jessé Torres, 5ª CC, j. 22.01.2002; TJRS, APC 70007355092, rel.ª p/o Ac. Des.ª Maria Berenice Dias, 7ª CC, j. 03.12.2003; TJSP, AC 214.209-4/4, rel. Des. Boris Kauffmann, 5ª CDPriv., j. 13.12.2001.

Na linha de raciocínio que precede, nem o atraso, ou irregularidade, no pagamento da pensão alimentícia, nem a ausência de partilha ou a sonegação de bens constituem óbice ao divórcio indireto. Indubitavelmente, essa exegese, mais flexível, se coaduna com a concepção moderna do divórcio.

Sem embargo das discussões envolvendo os direitos e deveres da sociedade conjugal – máxime, no tocante aos filhos: alimentos, guarda, direito de visita etc. – sempre ventiladas nas ações de divórcio, não se pode olvidar que esta tem por escopo consolidar um estado de fato preexistente, regularizando o estado civil, no sentido social de possibilitar a reconstrução da vida afetiva dos divorciandos.

Em tempos modernos, constitui desvio de perspectiva obstruir o caminho dos que desejam se apartar, com debates acerca de matérias alheias à situação fática conveniente, as quais, inclusive, poderão ser resolvidas em ação própria, longe das emoções que envolvem o casal antes de consolidar o divórcio. Demais, o advento do divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos, tampouco tem o cunho de alterar a eficácia das disposições contidas quando da separação judicial.

Deveras, a Lex Mater impôs ao divórcio somente o decurso do tempo de dois anos precedido da separação de fato (forma direta) ou de um ano após separação judicial (forma indireta), cujo dispositivo (art. 226, § 6.°) tem eficácia plena e aplicação imediata, dispensando lei posterior reguladora.

Nas sábias palavras de Celso Ribeiro Bastos,

"a Constituição é a fonte geradora de toda a ordem jurídica, que dela extrai seu fundamento de validade", porquanto, "uma Constituição nova inaugura um novo ordenamento jurídico" ("Curso de Direito Constitucional", 20ª edição, Saraiva, p. 76-77). As normas constitucionais "definem horizontes, fixam balizas estabelecem contornos que governarão a ordem jurídica do país como normas fundamentais e, portanto, ocupantes do ápice da pirâmide legal" (Carlos Alberto Bittar, "O Direito Civil na Constituição de 1988", 2ª edição, RT, p. 19).

As normas constitucionais são hierarquicamente superiores, razão por que deve haver subordinação das leis ordinárias anteriores e posteriores. As leis ordinárias anteriores terão de passar pelo processo de recepção, recebendo novo suporte da Constituição e substituindo-se o que houver de incompatibilidade.

Ocorre que, malgrado haver consenso de entendimento no que pertine ao divórcio direto exigir apenas o lapso temporal, alguns juristas buscam estabelecer, através de lei ordinária anterior (Lei do Divórcio), requisitos alheios ao texto constitucional. Data venia, sem razão. Penso que o divórcio indireto reclama identidade de tratamento. É improvável que a Constituição tenha discriminado coisas iguais.

Por outro lado, não colhe o argumento que alguns têm para si, de que a expressão nos casos previstos em lei, contida no § 6° do art. 226, refere-se ao divórcio indireto, ocasionando a adição de requisitos contidos na Lei do Divórcio ao decurso do tempo. A bem da verdade, como leciona Sergio Gischkow Pereira, o conjunto vocabular nos casos expressos em lei não aparece vinculado à dissolução do casamento pelo divórcio, mas à separação judicial: sem qualquer vírgula, disse a Carta Magna: após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei ("Algumas Questões de Direito de Família na Nova Constituição", in RT 639/247).

Duas outras circunstâncias podem ainda ser levantadas na defesa da tese mais flexível. A uma, quem milita na área de família sabe que, na maioria das vezes, os divorciandos já se uniram a novos companheiros, de modo que, cabe descomplicar o processo de divórcio para facilitar a conversão da união estável em casamento. A duas, o acumulo de serviço e a falta de estrutura das varas de família enseja atraso na prestação jurisdicional, razão por que dificilmente um processo de separação judicial litigiosa é julgado antes de um ano, é comum até ultrapassar a dois anos. Ora, para evitar o caminho mais difícil do divórcio indireto, poderia o cônjuge propô-lo diretamente, após dois anos de separação de fato, seara onde é pacífico o entendimento de que o único requisito é decurso do tempo.

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Quanto à partilha de bens, o diploma civil é expresso: "O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens" (art. 1.581). O legislador ordinário, então, dispensou a prévia partilha de bens nas ações de divórcio, seja direto ou indireto, revogando tacitamente, por incompatibilidade, os dispositivos da Lei do Divórcio que a exigiam para a decretação do divórcio. Houve substancial evolução, porque a vivência nas varas de família revela que a partilha de bens constitui fator de entrave ao deslinde das ações de separação e divórcio.

Discussões à parte, o advento do novo Código Civil pôs fim às polêmicas acerca do teor literal em foco. O art. 1.580, caput, do novel diploma estabelece que, "decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio". Com efeito, passado um ano do trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial, litigiosa ou consensual, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer um dos consortes poderá requerer o divórcio por conversão.

Noutra perspectiva, cumpre esclarecer que ao divórcio indireto é imprescindível a separação judicial, seja litigiosa ou consensual. De nada importa a existência de ação anterior que faça presumir a separação de fato do casal. Por isso, "é incabível converter medida cautelar de separação de corpos em divórcio" (STJ, REsp. 29.692-8/MG, rel. Min. Costa Leite, 3ª Turma).

A leitura apressada do art. 1.580 do diploma civil enseja o entendimento de que seria possível converter a separação de corpos em divórcio. Mas, o § 1º do dispositivo afasta em definitivo a hipótese. Em realidade, a referência à decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos atine exclusivamente ao cômputo do prazo exigido. Do contrário, haveria inconstitucionalidade flagrante do art. 1.580, pois o art. 226, § 6°, da Constituição Federal exige a prévia separação judicial para o divórcio indireto.

Conclusão

Conclui-se, assim, que diante do novo Código Civil, no art. 1.580, caput, novamente pôs termo às controvérsias ao firmar que o dies a quo do prazo ânuo tem início com o trânsito em julgado da sentença houver decretado a separação judicial ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos.

Chego a conclusão assim, que houve um retrocesso. O trânsito em julgado é realmente indispensável à propositura da ação de divórcio indireto, pois, do contrário correr-se-ia o risco de vê-se decretado o divórcio quando ainda estiver pendente a lide envolvendo a separação judicial. Mas, não é lógico exigir o trânsito em julgado da sentença para iniciar o cômputo do prazo anuo, este deveria ter início da data da prolação da sentença. Nesse passo, por exemplo, se uma sentença de separação é prolatada em 20 de janeiro de 2006 e as partes recorrem ao tribunal, que vem a julgar o recurso em 20 de dezembro de 2006, transitando em julgado o decisum em 4 de janeiro do ano subseqüente, tem-se que em 21 de janeiro de 2007 é dado ao cônjuge interessado ingressar com o pedido de divórcio indireto.

Finalmente, observa Yussef Said Cahali, que o prazo legal de um ano não se interrompe nem se suspende, nem mesmo em face de uma eventual reconciliação do casal. E mais: "a exemplo do que acontece com o biênio que possibilitada a ação de divórcio direto, o prazo ânuo da conversão da separação judicial em divórcio pode ser completado no curso do processo, por aplicação do jus superveniens, expressamente adotado no art. 462 do CPC”.

Referências Bibliográficas

a) DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 5, 23.ª Edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2006.

b) VENOSA, Silvio de Salvo , Curso de Direito Civil, Direito de Família, 5.ª Edição, São Paulo: Ed. Atlas, 2006.

c) BITTAR, Carlos Alberto, "O Direito Civil na Constituição de 1988", 2ª edição, RT, p. 19; e

d) www.stj.gov.br

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Sobre as autoras
Ana Carolina Leite de Moraes

Estudante de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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