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Caso Zelaya.

Um estudo sobre a crise hondurenha, a concessão de asilo político e as imunidades diplomáticas concernentes ao Estado brasileiro

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Trata-se de exposição acerca da crise política hondurenha de 2009, que culminou no banimento do presidente Manuel Zelaya, questionando a constitucionalidade do ato de deposição do chefe de Executivo e a possibilidade de banimento no contexto internacional

Resumo: A presente produção tem por escopo analisar a crise política hondurenha ocorrida em 2009, que culminou com a deposição e banimento do presidente Manuel Zelaya. Trata-se de uma análise crítica acerca da constitucionalidade do ato de deposição do presidente, bem como a possibilidade de banimento nos Estados Democráticos de Direito. Ademais, busca-se examinar o abrigo político fornecido pela Embaixada brasileira ao ex-presidente hondurenho e as implicações diplomáticas entre a República de Honduras e a República Federativa do Brasil.

Palavras-chave: Crise política hondurenha. Deposição. Banimento. Asilo político. Imunidades Diplomáticas.


1. INTRODUÇÃO

Em 28 de junho de 2009, o presidente hondurenho Manuel Zelaya foi desposto por militares e compulsoriamente retirado do país, sendo enviado para Costa Rica. Diante do ocorrido, Roberto Micheletti, o ora presidente do Congresso, assumiu a presidência do país, visto que o vice-presidente, Elvin Santos, havia se afastado do cargo.

Vale frisar que a crise política de Honduras teve sua origem em fatos ocorridos nos meses anteriores à deposição, dentre eles pode-se citar como marco percussor a data de 24 de março, em que o presidente Manuel Zelaya procedeu à realização de consulta popular acerca de convocação de uma nova assembleia constituinte, propondo legitimar a recondução do mandado presidencial, permitindo que viesse a disputar ao cargo nas eleições de 29 de novembro.

Ocorre que tal pretensão de Zelaya se encontrava em desconformidade com o texto da Constituição hondurenha, assim como entendido pelos órgãos judicias do país. Desse modo, a oposição ao governo manifestou-se de forma incisiva, rechaçando o ato presidencial, considerando como delito de extrema gravidade praticado pelo governante do Estado.

O Congresso hondurenho, por sua vez, diante deste cenário, aprovou uma lei proibindo a realização de consultas populares seis meses antes ou após o período de eleições, ato este que obstou a realização do referendo proposto pelo presidente. Todavia, Zelaya não abandonou a ideia do referendo, prosseguindo com o ato, destituindo, inclusive, o general Romeo Vásquez do comando das forças armadas, haja vista sua recusa em instalar as urnas a fim da realização da consulta. Outrossim, a Corte Suprema do país, considerando como ilegal a destituição do general, exarou decisão a favor de seu retorno ao posto, esta que não foi acatada pelo presidente.

Esse cenário de intensa tensão em Honduras culminou na destituição de seu governante e na expulsão deste do país. Ainda, Zelaya intentou duas tentativas de regressar ao país hondurenho, ambas frustradas. Em 05 de julho, engajou tentativa de entrar no país em uma aeronave venezuelana, porém foi impedido de aterrissar no aeroporto de Tegucigalpa pelas tropas militares de Honduras. Já em 24 de julho, foi impedido de entrar no país quando se encontrava na região fronteiriça do Estado.

Somente em 21 de setembro de 2009, com o apoio do governante venezuelano Hugo Chávez, Zelaya concretizou seu regresso, refugiando-se na embaixada brasileira em Tegucigalpa. No entanto, o seu retorno a Honduras, incitou inúmeras manifestações e conflitos internos, o que resultou, inclusive, no cercamento da embaixada brasileira pelas tropas militares leais ao governo de Micheletti.

É cediço que a política externa brasileira foi terminantemente criticada pela proteção dispendida ao presidente deposto, tendo sido acusada pela imprensa e governo interino hondurenhos de intervir de forma indevida em assuntos internos do Estado. Portanto, originou-se uma crise diplomática entre o Brasil e Honduras, fato que encontrou seu ápice quando a embaixada brasileira viera a sofrer ataques e represálias dos militares hondurenhos, violando a imunidade dos membros da missão diplomática.

Em 28 de outubro do ano em comento, a República de Honduras apresentou o caso à Corte Internacional de Justiça, alegando que a República Federativa do Brasil violou o princípio da não intervenção em assuntos concernentes à jurisdição interna dos Estados. Contudo, o Ministro de Relações Exteriores de Honduras, Mario Miguel Canahuati, através de uma carta endereçada à Corte, esta datada de 30 de abril de 2010, fomentou a retirada do caso da lista de procedimentos a serem julgados pela Corte, abandonando a pretensão inicial em desfavor do Estado brasileiro.

Com base nos fatos relatados acima, a presente produção destina-se à análise da ótica internacional adotada nos casos de concessão de asilo político, bem como as normas internacionais aplicadas às imunidades diplomáticas, abordando a crise diplomática entre os Estados hondurenho e brasileiro, a fim de questionar os atos de deposição e banimento do até então presidente de Honduras, Manuel Zelaya, o acolhimento político concedido pelo Brasil e as represálias do Estado hondurenho à Embaixada brasileira.


2. DO HISTÓRICO PROCESSUAL EM DESFAVOR DE MANUEL ZELAYA

Em 23 de março de 2009, o governante de Honduras baixou o decreto executivo PCM-05-2009, mediante o qual estabelecia a realização de uma consulta popular a fim de convocar uma Assembleia Constituinte destinada à possibilitar a reeleição do mandado presidencial.

Em contraposição ao decreto, o órgão ministerial acionou o Juizado do Contencioso Administrativo de Tegucigalpa, promovendo ação judicial contra o Estado de Honduras, representado na figura do Procurador-Geral da República, peticionando pela declaração de nulidade do ato presidencial, bem como a suspensão dos seus efeitos a caráter de antecipação de tutela, dado fundamento de que este produziria dados e prejuízos imensuráveis e de difícil reparação ao sistema democrático do país.

Em 27 de maio de 2009, foi concedida a tutela antecipatória. Já em 03 de junho, foi proferida decisão do Juizado proibindo o presidente de realizar a consulta pública, à qual foi impetrado recurso à Corte de Apelações do Juizado, este rejeitado por intempestividade do feito. No dia 18 de junho, o Juizado expediu duas outras ordens em desfavor do governante. No entanto, ainda que devidamente advertido do caráter ilícito de sua conduta, Zelaya desacatou as ordens e prosseguiu com a realização do referendo.

Outrossim, em decorrência da desobediência a decisão judicial, o promotor-geral da República levou o caso à Suprema Corte, denunciando o presidente criminalmente, alegando se tratar de atentado contra a estrutura democrática do país, bem como traição à pátria, abuso de autoridade e usurpação de funções. A denúncia foi recebida em 26 de junho, sendo decretada a prisão preventiva do denunciado e expedido mandado de captura.

No mesmo dia, Zelaya declarou a destituição o Chefe Maior das Forças Armadas, ato que foi cassado pela Suprema Corte galgado na incompetência do governante para tanto. Posteriormente, foi decreta a deposição do seu cargo de presidente.


3. DA CONSTITUCIONALIDADE DA DEPOSIÇÃO DO CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA HONDURENHA

Ainda que a mídia e alguns estudiosos tenham se referido à crise política de Honduras como a perpetração de um golpe de Estado, com base na violação do princípio do due processo of law, nota-se que poucos são os estudos aprofundados acerca da constitucionalidade de tal ato do governo hondurenho, isto é, sobre a legitimidade da deposição do presidente Manuel Zelaya sob a ótica da Carta Constitucional do país.

Consoante a Constituição hondurenha de 1982, o mandado presidencial será de apenas quatro anos, vedada a reeleição, tal como se depreende da redação do seu art. 237: “El período presidencial será de cuatro años y empezará el veintisiete de enero siguiente a la fecha en que se realizó la elección”.

Ademais, não poderá o cidadão que tenha desempenhado cargo do Poder Executivo concorrer à presidência ou vice-presidência, ao passo que aquele que violar tal cláusula, ou propuser sua reforma, perderá seus respectivos cargos de forma imediata, tornando-se inabilitado durante um decênio para o exercício de qualquer função pública. Essa disposição se encontra expressamente resguardada no texto constitucional em seu art. 239, o qual, in verbis:

Articulo 239. El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

Ainda, o artigo 42, 5, por sua vez, destaca que é causa de perda da cidadania hondurenha ao “incitar, promover o apoyar el continuismo o la reelección del Presidente de la República”. Logo, a própria Carta Constitucional viera a prever como hipótese de perda da qualidade de cidadão incitar, promover ou apoiar o continuísmo ou a reeleição do presidente da República, evitando, assim, o retorno do caudilhismo. Cabe ressalvar que a perda da cidadania não é automática, tendo por imprescindível a previsão em sentença condenatória ditada pelos tribunais competentes.

Nesse sentido, a Suprema Corte entendeu que o presidente Zelaya pretendia modificar cláusula pétrea e, desse modo, violava o texto expresso da Carta Constitucional de 1982.

Ora, vejamos, além da motivação da consulta popular, observa-se que a convocação de uma nova Assembleia Constituinte implica na atuação do Poder Constituinte Originário. Este, por sua vez, é chamado pela doutrina constitucional de poder ilimitado e insubordinado, isto é, autônomo em relação a qualquer determinação de direito da ordem constitucional precedente, dado que sua função é a instauração de um novo momento constitucional e, portanto, a edição de uma nova Constituição.

Destarte, verifica-se que o presidente Manuel Zelaya ao realizar a consulta pública sobre a convocação de um novo momento constitucional, propunha não apenas alterar cláusula pétrea, mais instituir uma nova ordem jurídico-política ao Estado hondurenho.

Desta feita, conclui-se que a cassação do cargo presidencial de Manuel Zelaya encontra guarida na Carta Constitucional hondurenha, em especial em seu artigo 239, haja vista ter intentado contra cláusula pétrea, qual seja a vedação à reeleição do mandado de Presidente da República.


4. DA IMPOSSIBILIDADE DE BANIMENTO DE NACIONAL

Ainda que a cassação do mandado presidencial representasse direito legítimo e garantido pela própria Carta Constitucional do país, Zelaya deveria permanecer em território hondurenho a fim de responder processo na Jurisdição Comum. Contudo, logo após a sua deposição, fora enviado para Costa Rica coercitivamente, impedido de retornar ao país.

Ao analisar o caso em tela, torna-se imperativo correlacionar certos institutos do direito internacional, qual sejam a deportação, a extradição, a expulsão e o banimento. No que tange à deportação, trata-se da “saída compulsória do estrangeiro do território nacional, fundamentada no fato de sua irregular entrada (geralmente clandestina) ou permanência no país”, conforme leciona Mazzuoli3. Isto é, remete à hipótese de retirada do estrangeiro irregular no país.

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Já no que se refere à extradição, é ato pelo qual um Estado entrega estrangeiro que cometeu um crime no exterior, para que seja processado ou julgado, ou para que cumpra sua reprimenda em outro Estado. Mazzuoli4 denomina extradição como “o ato pelo qual um Estado entrega à Justiça repressiva de outro, a pedido deste, indivíduo neste último processado ou condenado criminalmente e lá refugiado, para que possa ser aí ser julgado ou cumprir a pena que já lhe foi imposta”.

Ainda, haverá retirada forçada do estrangeiro do território nacional, em decorrência de questões de ordem criminal ou de interessa nacional, instituto denominado de expulsão. Trata-se de medida repressiva ao estrangeiro que ofendeu ou violou as normas internas do país em que se encontra.

Bem, nota-se que os três primeiros institutos se destinam ao tratamento de retirada de estrangeiro do território nacional e, nesse sentido, não se amoldam ao caso concreto em comento. Portanto, resta evidenciado que houve retirada compulsória de nacional do território hondurenho, ficando este impedido de regressar ao país, tal fenômeno é conhecido por banimento.

O banimento é um instituto jurídico em desuso, ao passo que não se aplica mais nos Estados Democráticos de Direito. Sendo assim, nenhum Estado moderno extradita seu próprio nacional ou o isola definitivamente como forma de represália. Como já explicitado, pode-se expulsar, extraditar ou deportar o estrangeiro e o naturalizado em caso de perda da nacionalidade, mas não nacional.

Conforme a lição de Rezek5 depreende-se como prática costumeira internacional a vedação ao banimento, haja vista que “nenhum Estado pode expulsar nacional seu, com destino a território estrangeiro ou a espaço de uso comum. Há, pelo contrário uma obrigação, para o Estado, de acolher seus nacionais em qualquer circunstância, incluída a hipótese de que tenham sido expulsos de onde se encontravam”.

Tal enunciado encontra-se alocado, inclusive, na Carta Constitucional hondurenha de 1982, que em seu artigo 102 prevê que “ningún hondurenho podrá ser expatriado ni entregado por las autoridades a um Estado extranjero”, isto é, nenhum hondurenho será expatriado, nem conquanto entregue às autoridades de um Estado estrangeiro. Sendo assim, factível dizer que a República de Honduras tem o compromisso de garantir os direitos de seus nacionais quer seja em seu território ou no exterior, visto que não será concebível expatriá-los nem extraditá-los, o mesmo vale para impedir o banimento destes, uma vez que a todos os seus nacionais pertence o direito a entrar e permanecer no território de sua nacionalidade.

In casu, verifica-se que o banimento adotado pelo governo da República de Honduras se encontra eivado de inconstitucionalidade, pois viola norma constitucional, bem como transgride princípios inerentes ao direito internacional dos povos.


5. ANÁLISE DO INSTITUTO DO ASILO POLÍTICO SOB O PONTO DE VISTA DOUTRINÁRIO

Após a discussão sobre a constitucionalidade dos atos de deposição e de banimento perpetrados pelo governo hondurenho e dos demais pormenores do caso Zelaya, desaguando consequentemente na crise diplomática entre Brasil e Honduras (que será posteriormente abordada), passaremos, pois, a analisar com maior profundidade o instituto do Asilo Político, seu conceito e características, com o objetivo de responder a seguinte questão: Nesse caso em específico, houve a concessão de asilo político conforme as regras de direito internacional?

Essa análise será feita a partir dos trabalhos desenvolvidos por importantes nomes do direito internacional brasileiro, entre eles Francisco Rezek e Valério Mazzuoli. Mas uma vez reitera-se que o grande objetivo é analisar esse instituto tendo como parâmetro o presente caso, para saber se o que o Brasil fez foi conceder asilo político (no caso uma de suas modalidades, o asilo diplomático), e se foi de acordo com o direito internacional.

5.1. ASILO POLÍTICO SEGUNDO FRANCISCO REZEK

Francisco Rezek desenvolveu um conceito de asilo político a partir da distinção entre a natureza dos supostos crimes cometidos pelo estrangeiro perseguido em seu país natal, já que este, para pedir asilo político, não pode ter cometido um delito penal comum, tem que ter cometido, por exemplo, delitos de opinião. Este é o conceito de asilo político desenvolvido por Francisco Rezek6:

“Asilo Político é o acolhimento, pelo Estado, de estrangeiro perseguido alhures – geralmente, mas não necessariamente, em seu próprio país patrial, por causa de dissidência política, de delitos de opinião, ou por crimes que, relacionados com a segurança do Estado, não configuram quebra do direito penal comum”.

Ainda segundo o autor, nos casos de delitos comuns, geralmente os países fazem o contrário, ao invés de conceder asilo político para os estrangeiros que cometeram esse tipo de delito em seu país de origem, os Estados têm como costume prestar auxílio mútuo, e o principal instrumento de cooperação entre os países nesse âmbito é a extradição. Assim, se um estrangeiro, ao adentrar em território de outro país, e requerer asilo político, decorrente de crime comum, muito provavelmente será extraditado. A mesma regra vale para os naturalizados que cometeram crimes comuns em seu país de origem antes da naturalização.

Entretanto, Rezek ainda faz uma ressalva. A extradição, como dito anteriormente, não vale para o caso da criminalidade política. Nesse caso, a afronta seria a um bem jurídico não reconhecido pela universalidade dos Estados, mas apenas em relação a “uma forma de autoridade assentada sobre ideologia ou metodologia capaz de suscitar confronto além dos limites da oposição regular num Estado democrático”.7

Uma das principais características do instituto, segundo o referido doutrinador, é a territorialidade. O Estado concede àquele estrangeiro que cruzou a sua fronteira, adentrando no seu território, colocando-se, dessa forma, no âmbito espacial de sua soberania, devendo, assim, requerer o benefício.

Também deve-se destacar as diferenças entre asilo político e asilo diplomático. Este é uma forma provisória de asilo político, pouco utilizada no contexto global, sendo uma prática mais comum na América Latina, enquanto aquela é uma forma mundialmente reconhecida, legitimada pela universalidade dos Estados, estando prevista, inclusive, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948.

Quanto à natureza do asilo diplomático, este constitui, nas palavras de Rezek, “uma exceção à plenitude da competência que o Estado exerce sobre o seu território”.8 Desse modo, a maioria dos países não reconhecem essa modalidade de asilo político, sendo que as razões que embasaram o seu surgimento foram humanitárias e de conveniência política, principalmente no âmbito da América Latina. De modo bem simples, podemos descrever o asilo diplomático através do exemplo seguinte: o caso de um nacional, que entra em uma representação diplomática de outro Estado no território do seu país de origem, e lá pede para ficar.

Entretanto, a maioria dos países tem como costume, nos casos de pedido de asilo diplomático, o de negá-lo, devendo a pessoa que entrar no recinto de missão diplomática estrangeira ser imediatamente restituída, não devendo nem ser feito juízo a respeito do suposto delito per ela praticado, se comum ou político. De qualquer forma, nos países que reconhecem essa forma de asilo, tem-se que ela é apenas temporária, só podendo se tornar definitiva no solo do território que concedeu esse benefício, ou ainda, em solo de terceiro país que conceda esse benefício. Dessa forma, o asilo diplomático constitui o que poderíamos chamar de “ponte”, para que se conceda o asilo político de forma definitiva.

Francisco Rezek ainda faz outras considerações a respeito do asilo diplomático9. De acordo com o referido autor, três foram as Convenções que procuraram disciplinar o instituto do asilo diplomático: a) A Convenção de Havana, de 1928; b) A Convenção de Montevidéu, de 1933; c) A Convenção de Caracas, de 1954, sendo que esta última foi mais completa e abrangente que as convenções antecedentes.

Em comum, o asilo diplomático e o asilo político têm os mesmos pressupostos, que são os seguintes: os delitos cometidos pelo asilado têm que ser de natureza política, este tem que estar sofrendo perseguição atual e o local para a concessão do asilo deve ser apenas os locais de missão diplomática. Por extensão, também pode ser concedido o asilo diplomático em imóveis abrangidos pela imunidade diplomática (nos termos da Convenção de Viena, de 1961), e nas embarcações de guerra acostados ao litoral. A ressalva, que aqui deve ser feita, é em relação as repartições consulares, que não podem servir como asilo diplomático.

Quanto ao procedimento, este é composto de algumas etapas, sendo que Francisco Rezek, em feliz síntese, o descreve da seguinte maneira:

“A autoridade asilante – via de regra o embaixador – examinará a ocorrência dos dois pressupostos referidos e, se os entender presentes, reclamará da autoridade local a expedição de um salvo-conduto, com que o asilado possa deixar em condições de segurança o Estado territorial para encontrar abrigo definitivo no Estado que se dispõe a recebe-lo”.

Por fim, o ilustre doutrinador ainda comenta sobre algumas generalidades a respeito do instituto, que podem assim ser sintetizadas: 1) O asilo diplomático é concedido em repartições diplomáticas porque estão abrangidas pelas imunidades diplomáticas, fazendo, por exemplo, com que a polícia não pudesse adentrar naquele local sem autorização; 2) É a autoridade asilante (na maioria das vezes o embaixador), que determina os pressupostos do asilo, esta autoridade tem o poder de determinar o modo que o procedimento deve ser conduzido, observando, por decorrência lógica, os limites impostos pelo Estado que ele representa; 3) O asilo diplomático, em regra, não exige reciprocidade.

5.2. ASILO POLÍTICO SEGUNDO VALÉRIO MAZZUOLI

De acordo com Valério Mazzuoli, “O instituto jurídico do asilo pertence ao direito internacional público, sendo regulado atualmente por convenções internacionais específicas”10. É importante ressaltar que o referido autor faz questão de destacar que este instituto, apesar das devidas semelhanças, não se confunde com o refúgio, nem com o exílio.

Normativamente, o asilo é regulado pelos seguintes diplomas legais: a) No âmbito nacional, a lei 6815/1980, que instituiu o Estatuto do Estrangeiro, abordou, em seus arts. 28. e 29, apenas a condição de asilado político admitido no território nacional; b) No plano internacional, temos a Convenção de Caracas, de 1954, como o mais completo diploma que trata da matéria.

Terminologicamente, Mazzuoli faz a distinção entre dois tipos principais de asilo: o territorial e o diplomático. Entretanto, é importante frisar que ambas são modalidades de asilo político. Doutrinariamente, o ilustre doutrinador também se reconhece a existência de outras formas mais específicas de asilo, como o asilo naval (concedido no interior de navios de guerra), o aeronáutico (concedido no interior de aeronaves militares), e o militar (que ocorre em acampamentos ou instalações militares).

Conceitualmente falando, para Mazzuoli, “a concessão do asilo tem como objetivo não só proteger uma pessoa à qual, por motivos políticos ou ideológicos, foi imputada a prática de um crime, mas também para contribuir com a paz social no país de origem do asilado”.11 Isso porque geralmente quando há perseguição contra um indivíduo em seu país de origem, essa perseguição comumente ocorre em momentos de revolta ou agitação social, fatos esses que podem pôr em risco a vida ou a segurança dessa pessoa. E para evitar essas lesões, ainda mais se tratando de crimes políticos ou ideológicos, algum país pode oferecer o asilo, fato que pode beneficiar não somente o indivíduo, mas também toda a coletividade do país de origem, já que a sua saída do território, mesmo que momentaneamente, pode ajudar na volta da paz social.

O referido autor também compactua com Francisco Rezek no que se refere as justificativas para a concessão do asilo político. Para ele, delitos comuns devem ser reprimidos em qualquer país do Mundo pela sua reprovabilidade social, por lesarem importantes bens jurídicos, por isso é que os países se aparelham no sentido de prevenir e reprimir o cometimento desses delitos. Os países até mesmo se auxiliam para evitar que criminosos cometam delitos comuns em seus países de origem e fujam para outros, sendo a extradição a principal forma de cooperação entre os Estados para evitar esse tipo de prática.

Entretanto, muda-se o discurso quando se trata de delitos políticos ou ideológicos. Aqui, a reprovabilidade é apenas no país de origem do suposto autor, não há lesão a bem jurídico capaz de proporcionar a intervenção do direito penal, já que geralmente a prática desses atos são consideradas delitos apenas porque ferem os interesses de um grupo político dominante. Daí alguns países se sensibilizarem e oferecem o asilo político (que pode ser territorial ou diplomático) para as vítimas dessas verdadeiras perseguições, fazendo do asilo uma verdadeira instituição humanitária12.

No que tange as convenções internacionais a respeito do tema, são expressos no texto de alguma delas a possibilidade de um Estado, no exercício da sua soberania, conceder asilo político. Vejamos a íntegra de alguns desses dispositivos, presentes, respectivamente, no texto da Convenção sobre asilo territorial (Caracas, 1954) e na própria Declaração Internacional dos Direitos Humanos (ONU, 1948):

“Art. 1º da Convenção de Caracas: Todo Estado tem direito, no exercício de sua soberania, de admitir em seu território as pessoas que julgar conveniente, sem que, pelo exercício desse direito, nenhum outro Estado possa fazer qualquer reclamação”.

“Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. XIV: 1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar de asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas”.

Entretanto, apesar de tantos pontos de consenso, Valério Mazzuoli e Francisco Rezek divergem em um ponto: os requisitos para a concessão do asilo político. Para o primeiro autor, apenas a prática de delitos políticos (ou delitos comuns conexos aos políticos) justifica a concessão do asilo político13, enquanto para o último, conforme visto anteriormente, são três os requisitos que precisam ser verificados para a concessão do asilo (a natureza política dos delitos atribuídos ao fugitivo, o estado de urgência e a concessão tem que ser obrigatoriamente em repartição diplomática, em se tratando de asilo diplomático)14.

Em relação a diplomas normativos internos, podemos destacar que no próprio texto da Constituição Federal, em seu art. 4º, inciso X, prevê a possibilidade da concessão do asilo político. No que tange a normas infraconstitucionais, podemos citar a lei 6.815/1980, o Estatuto do Estrangeiro, que em seus arts. 28. e 29 tratam dessa possibilidade. A seguir a íntegra desses dois últimos dispositivos:

“Art.28: O estrangeiro admitido no território nacional na condição de asilado político ficará sujeito, além dos deveres que lhe forem impostos pelo Direito Internacional, a cumprir as disposições da legislação vigente e as que o Governo brasileiro lhe fixar.

Art.29: O asilado não poderá sair do país sem prévia autorização do Governo brasileiro. Parágrafo Único. A inobservância do disposto neste artigo importará na renúncia ao asilo e impedirá o reingresso nessa condição”.

Depois de feitas as referências normativas a respeito do asilo político, Mazzuoli aborda, de forma breve, algumas diferenças entre as duas modalidades de asilo político (territorial e diplomático). É importante ressaltar que Francisco Rezek que elaborou o enunciado com essas diferenças, conforme analisado no tópico anterior. Essas diferenças são as que possibilitam o instituto do asilo político ser dividido em duas modalidades, e ambas residem principalmente no critério da definitividade do benefício. A seguir, Mazzuoli apud Rezek, na íntegra15:

“O asilo político, na sua forma perfeita e acabada, tem a característica de ser territorial (daí ser chamado também de asilo territorial), concedendo-o o Estado ao estrangeiro que, tendo cruzado a fronteira e ingressado em seu território, aí requereu o benefício. O asilo diplomático, em verdade, é uma modalidade de asilo territorial, dotada da característica da provisoriedade e precariedade”.

Quanto à obrigatoriedade, tem-se que os Estados não são obrigados a conceder o asilo político se as suas constituições não os obrigam. Este ato, de aceite ou não, é discricionário; se o Estado aceitar, provavelmente o fugitivo terá sua situação regularizada, sendo providenciada sua documentação, mas se o Estado não aceitar, o mais provável é que o fugitivo seja deportado.

Outra característica importante do asilo, é a sua não reciprocidade, no sentido de que se o país o concedeu, não é obrigado que o outro país o aceite (Ex.: Um país sul-americano concede asilo a um nacional de um país europeu que não aceita o asilo diplomático; portanto, em decorrência da não-reciprocidade, não é necessário o aceite do país europeu para que o país sul-americano conceda esse benefício).

Por fim, após visto o instituto do asilo em seus pormenores, voltemos ao ponto central de discussão do presente artigo: O estudo do caso Brasil vs. Honduras, indicando se a postura do Brasil foi correta perante a ordem jurídica internacional, indagando se caberia nesse caso in concreto a concessão do asilo diplomático, principalmente após a análise da situação fática, já que foi constatado que a conduta do presidente deposto Manuel Zelaya contrariou a Constituição de Honduras, já que ele queria modifica-la para conseguir um novo mandado, portanto, além do permitido pelo direito interno daquele país.

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Sobre os autores
Natália de Jesus Silva Reis

Graduanda no Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA, estagiária do Núcleo de Execuções Penais da Defensoria Estadual do Maranhão – NEP/DPE, e monitora da disciplina de Direito Constitucional na Universidade Estadual do Maranhão – UEMA.

João Batista Pinheiro Junior

Graduando na Universidade Estadual do Maranhão - UEMA; Estagiário da Justiça Federal na Seção Judiciária do Maranhão.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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