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Da possibilidade de inserção das pessoas portadoras de deficiência nos quadros das empresas de vigilância patrimonial e de transporte de valores

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4.0.DA INEXISTÊNCIA DE ÓBICE PARA INSERÇÃO DAS PPD’S NAS EMPRESAS DE VIGILÂNCIA PATRIMONIAL E TRANSPORTE DE VALORES

Não obstante o trabalho maciço de inserção das PPD’s no mercado de trabalho já ocorrer a alguns anos, infelizmente, os empreendimentos ainda vêem tal inserção como um encargo que deveria ser suportado pelo INSS. O só fato de através de omissão negarem vigência ao art. 93, da Lei n.º 8.213/91 por mais de oito anos, já se constitui em comprovado preconceito e discriminação perpetrados contra as PPD’s. Ressalte-se que quando falamos de inserção de pessoa portadora de deficiência no mercado laboral, não estamos nos referindo a pessoas inválidas, mas pessoas habilitadas, aptas e plenamente capazes para o trabalho, não obstante suas limitações e prováveis necessidades de adaptação do acesso ou do próprio posto de trabalho.

Como qualquer pessoa dita "normal", em geral, a PPD goza de boa saúde, apenas diferindo dos demais por necessitar, em alguns casos, de condições especiais para o acesso ao local de trabalho ou para o próprio exercício de sua profissão. As PPD’s inválidas ou as que se encontram doentes, essas sim, ficam a cargo do INSS, que lhes concederá o benefício adequado. Afinal, não podemos olvidar que o objetivo principal da iniciativa privada é o lucro. E a alocação de PPD’s efetuada em obediência ao mencionado dispositivo legal não pretende transferir a responsabilidade assistencial da Previdência para o setor econômico. O combate a este tipo de comportamento preconceituoso, efetuado pelos órgãos de fiscalização e representativos das PPD’s é incessante. No entanto, nesse trabalho de alocação, como em toda relação social, esbarrou-se em consecutivos óbices de difícil transposição, em seguida alcançando-se um novo e determinado equilíbrio, até o confronto com o obstáculo seguinte.

O atual impedimento, gerador de polêmica e divergência entre os estudiosos, é a inserção das pessoas portadoras de deficiência nos quadros das empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores, cujos profissionais são regidos por lei específica (Lei n.º 7.102/83, regulamentada pelo Decreto n.º 89.056/83) que entre outros requisitos em seu art. 16 exige de seus aspirantes a submissão e aprovação em curso de formação, bem como aprovação em exames de saúde físico, mental e psicotécnico. Com isso, entendem alguns que as mencionadas empresas estariam isentas do cumprimento da reserva legal, por completa impossibilidade material e jurídica, posto que lei específica, a seu ver, exige dos integrantes da carreira aptidão plena, requisito de preenchimento impossível por parte das PPD’s.

O ponto nodal da questão reside na seguinte indagação: por se tratar de profissão regida por lei específica, que exige do profissional aptidão física e mental, estariam as empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores isentas do cumprimento da reserva legal em favor das pessoas portadoras de deficiência? Entendemos que não.

Inicialmente, é de se deixar bem claro que aqui não estamos tratando das empresas de vigilância e monitoramento eletrônico, cujas funções podem ser facilmente ocupadas pelas PPD’s, como é o caso divulgado por membro do COORDIGUALDADE/MPT, que segundo a Folha de São Paulo (agosto/2000) onze pessoas portadoras de deficiência controlam eficientemente, através de monitores, toda a segurança do maior hospital da América Latina, o Hospital Albert Einstein.

A discussão trata é da vigilância armada, atividade empresarial normatizada e fiscalizada pelo Ministério da Justiça, através do Departamento de Polícia Federal.

Evidencie-se que o art. 93 da Lei n.º 8.213/91, bem como o contido no art. 36, do Decreto n.º 3.298/99 não fazem qualquer exceção a este ou aquele empreendimento ou ramo de negócio, quando determinaram a reserva legal de vagas para as PPD’s, pois mais complexo e arriscado que se apresente a atividade. O mandamento destina-se a toda empresa que possui mais de 100 (cem) empregados, sem excetuar nenhum ramo empresarial, mesmo que penosa, insalubre ou perigosa a atividade desenvolvida. As experiências de inserção vêm mostrando, inclusive, que não podemos nos antecipar, supondo que esta ou aquela PPD é incapaz de ocupar um determinado posto de trabalho.

Por sua vez, a Lei n.º 7.102/83 não fala em "aptidão plena" – como insistem alguns – mas apenas em aprovação nos exames de saúde física, mental e psicotécnico, e muito embora saibamos ser difícil que se apresente como candidata pessoa portadora de deficiência que lhe permita o pleno exercício da profissão, não é de todo impossível, razão pela qual, de pronto, considerar que não existem PPD’s capazes de exercer a função de Vigilante seria raciocínio precipitado e discriminatório.

Na busca de se inserirem a sociedade e viverem uma vida digna e normal, as PPD’s comumente se superam e a todos surpreende com sua capacidade de se adaptarem às condições mais desfavoráveis. Inúmeras e inimagináveis são os tipos de deficiência que acometem as pessoas. Menos pensável, ainda, é a capacidade de adaptação e superação dos seres humanos, que criam formas particulares de desenvolverem suas atividades, sem que com isso percam em qualidade ou produção para os que fazem da forma padronizada. Ao contrário, está comprovado que muitas atividades são melhores desenvolvidas por PPD’s, justamente por lhe faltarem o órgão, sentido ou função que restaria prejudicado na atividade, como é o caso dos deficientes visuais que trabalham em câmaras escuras ou em experimentação de aromas, ou dos deficientes auditivos que sem problema algum desenvolvem suas atividades laborais em linhas de produção de indústrias com níveis elevados de decibéis. O julgamento antecipado e carregado de preconceitos somente embaça a compreensão e a análise.

Ademais, diante dos avanços tecnológicos, não somente de próteses a aparelhos, mas também de equipamentos e ferramentas de trabalho (como teclado em braile, comando de voz para computadores, processos produtivos com sinalização luminosa e sonora etc), bem como diante da transposição de barreiras arquitetônicas, para acessibilidade de PPD’s com pouca mobilidade, determinada por lei, não vemos óbices para que elas possam assumir funções, as mais diversas possíveis. Mesmo as pessoas completamente privadas de algum órgão, membro ou sentido podem ser produtivas e muito bem exercerem as funções de inúmeros cargos que julgamos, erroneamente, que não são capazes de ocupar. As próteses de membros inferiores faltantes, por exemplo, atingiram tal perfeição, que muitas vezes se mostram imperceptíveis, dada a precisão e requinte do movimento, permitindo a PPD, que dela se utiliza, correr, saltar, dançar e efetuar deslocamentos arrojados, como os necessários a prática desportiva, correspondendo, precisamente, ao movimento padrão do ser humano dito "normal". Bem assim, os diminutos e eficientes aparelhos que ampliam a audição defeituosa e inúmeros outros equipamentos que compensam satisfatoriamente os órgãos ou sentidos faltantes.

Destaque-se a brilhante reprodução da vida realizada pela arte, apresentada pela cinematografia em Homens de honra, baseado na história real de Charles Brashear, primeiro Mergulhador negro da Marinha Americana, interpretado por Cuba Gooding Júnior, que após enfrentar o cruel preconceito racial e finalmente conseguir se tornar Escafandrista, por ironia do destino sofre acidente de trabalho que praticamente lhe mutilou a perna. Impossibilitado de exercer seu mister, tomou a decisão radical de promover a amputação do membro que restara praticamente sem movimentos e lhe serviria apenas para fins estéticos, pois sequer lhe permitia andar sem ajuda, passando a fazer uso de prótese e contrariando toda uma junta médica que insistia em conduzi-lo a reforma, por julga-lo inapto e incapaz ao trabalho, demonstrou que possuía plenas condições de permanecer exercendo seu mister, chegando mesmo a atingir a posição de Master Chief Diver da Marinha dos EUA após o acidente, não obstante a deficiência que passou a portar. Destaque-se que o fato ocorrera por volta da década de 40, quando, inclusive, a tecnologia ainda dava passos pequenos no que respeita as próteses e equipamentos capazes de proporcionar normalidade a vida das PPD’s.

Nesse sentido, ainda, é digno de nota o caso divulgado por Órgão do Ministério Público do Trabalho, do Bailarino portador de deficiência, Rogério Andreoli, vítima de poliomielite aos nove meses de idade, usuário de cadeira de rodas, que se submeteu a prova eliminatória de conhecimentos práticos para se habilitar a profissão, sendo provavelmente a primeira PPD no país, a receber sua habilitação profissional e registro em sua CTPS como Bailarino, no dia 18/12/2002, em solenidade promovida pela DRT/RJ, o que só vem demonstrar a diversidade e a inesgotável gama de possibilidades para as PPD’s, desde que não lhe sejam interpostas barreiras injustificadas.

De fato, a questão de inserção da PPD nas empresas de vigilância é bastante complexa, posto que envolve categoria regida por normas do Departamento da Polícia Federal e sujeitas a sua fiscalização. É que aos Vigilantes é permitido, em atividade, o manuseio de armas e a adoção de medidas afeitas aos agentes de segurança pública.

É de se compulsar a legislação que regulamenta a profissão de Vigilante, a fim de que possamos constatar se a mesma não possui dispositivo contendo tal exigência discriminadora das PPD’s. Não é por se tratar de órgão público e de lei federal, que se encontram a salvo de suas condutas ou preceitos serem eivados de discriminatórios e carecerem de reparos. No entanto, entendemos que não é esse o caso, pois a lei que rege a categoria não proíbe que as PPD’s galguem a função, não excluem os empreendimentos mencionados da aplicabilidade da reserva legal, nem sequer fala de "aptidão plena", como equivocadamente afirmam alguns, mas somente exige aptidão física e mental do candidato.

Em verdade, a problemática reside é na leitura discriminatória que está sendo feita do art. 16, da Lei n.º 7.102/83, bem como do art. 38, II, do Decreto n.º 3.298/99, prejudicial aos trabalhos de inserção das PPD’s. Achamos por bem transcrevermos os dispositivos mencionados, para melhor vislumbramos a questão:

Lei n.º 7.102/83 - Art. 16. Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:

I - ser brasileiro;

II - ter idade mínima de 21 (vinte e um) anos;

III - ter instrução correspondente à 4. série do 1º Grau;

IV - ter sido aprovado, em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos desta lei. (Redação dada ao inciso pela Lei nº 8.863, de 28.03.1994)

V - ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico;

VI - não ter antecedentes criminais registrados; e

VII - estar quite com as obrigações eleitorais e militares.

Parágrafo único. O requisito previsto no inciso III deste artigo não se aplica aos vigilantes admitidos até a publicação da presente Lei.

Decreto n.º 3.298/99 - Art. 38. Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de provimento de:

I – (...);

II - cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.

Alguns justificam a distorção de leitura se socorrendo da Convenção 111, da OIT, que preleciona em seu art. 1º, 2, que as distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação.

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De fato, o Decreto 3.298/99 exclui da aplicação do percentual da reserva legal, em seu inciso II, os cargos ou empregos públicos integrantes da carreira, para os quais se exija aptidão plena. Mas somente esses. E aí sim poderíamos invocar o que preleciona a mencionada convenção 111, da OIT, para justificar a exceção, ou mesmo, caso assim entendêssemos, rechaça-los de discriminatório, mas por hora não nos deteremos a essa questão. Repare-se que o decreto não faz qualquer exceção no que respeita a iniciativa privada, muito menos ao específico caso das empresas de vigilância. Não cabe a nós estender sua leitura com o intuito de criar ainda mais óbices e proibições infundadas contra essas pessoas especiais.

Preleciona o art. 5º, da Constituição Federal, em seu inciso XIII, que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Em razão desse mandamento constitucional, temos em que inexistem óbices para o exercício da profissão de Vigilante por pessoa portadora de deficiência, desde que atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei, quais sejam, aprovação em curso de formação e psicotécnico, bem como aptidão física e mental. Mais nenhuma exigência dispõe a lei ou seu decreto regulamentador.

Não podemos tratar todo universo de pessoas portadoras de deficiência como um grupo homogêneo. Os óbices e limites que se impõem a uma, não são os mesmos que se estabelecem a outra. Isso porque são inúmeras as deficiências que nos acometem e mais variadas, ainda, as formas de encará-las. Não podemos estabelecer previamente os limites de cada uma dessas pessoas especiais. Se limites existem, esses devem ser apontados pelas próprias PPD’s, em cada situação concreta. E mesmo que assim não se entenda, e seja acolhido o argumento de que nenhuma das 15,14 milhões de PPD brasileiras aptas ao trabalho se encontra em condições plenas de ocupar a função de Vigilante, ainda assim restariam nessas empresas os cargos administrativos e operacionais para alocá-las. O mais sensato, é que se abra a seleção para o preenchimento dos cargos existentes e, caso o candidato portador de deficiência, ainda que apto e aprovado, quando em efetiva atividade, não possa se adaptar as condições de trabalho, e seja impossível a promoção das adaptações que lhe permitam o bom desempenho da função, aí sim, deverá ser dispensado, pois para isso é que se serve o contrato de experiência, na iniciativa privada, e o estágio probatório, no serviço público. Este, inclusive, é o entendimento esposado na reunião da Câmara Técnica que se agrupou especificamente para tratar da questão de concurso público para pessoas portadoras de deficiência na administração direta e indireta, integrada por representantes dos diversos ramos do Ministério Público, mormente o MPT, do Ministério da Justiça e de representantes da CORDE – Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, onde da análise da questão da aferição da reserva de vagas na Administração Pública direta e indireta, concluiu-se que a equipe multiprofissional de que trata o art. 43, do decreto n.º 3.298/99, composta a fim de acompanhar a submissão de PPD’s a concurso público, não pode, sob esse argumento e a priori declarar incompatível a deficiência do candidato e as atribuições do cargo a ser ocupado, o que somente deve ser analisado na fase do estágio probatório ou período de experiência, que inclusive será realizado com as adaptações necessárias do posto de trabalho, proporcionando o bom desempenho das funções afeitas ao cargo.

E mesmo quando alegada impossibilidade de contratação em razão não somente da necessidade de que a PPD preencha os requisitos para o cargo de Vigilante, mas por se tratar de empresa que também exige desses profissionais habilitação para a condução dos veículos de transporte de valores, ainda assim entendemos precipitada sua exclusão. Para o mencionado caso, seguimos a mesma linha de raciocínio já traçada, de que a Resolução n.º 51/98, alterada em seus anexos pela Resolução n.º 80/98 em momento algum exclui a pessoa portadora de deficiência da possibilidade de exercer tal atividade profissional. Repare-se que em seu anexo I, mais exatamente no item 10.3 estabelece que ao condutor de veículos adaptados será vedada a atividade remunerada, por razões obvias. Ora, mas e as PPD’s capazes de dirigir com segurança e sem necessidade alguma de adaptação? Serão penalizadas pela força de vontade e superação de seus próprios limites? Absurdos desse talante serão cometidos caso permaneça a leitura preconceituosa dos dispositivos legais mencionados.

Temos conhecimento de que no Rio Grande do Sul existem PPD’s auditivos (deficiência parcial) trabalhando como Vigilantes, bem como que dez pessoas portadoras de deficiência, das mais diversas, estão aptas para exercerem a mencionada função e integram os cadastros do SINE do mencionado Estado. Na Paraíba, a Fundação de Apoio ao Portador de Deficiência divulgou que PPD fora aprovado no curso de formação de Vigilantes, estando apto para exercer a função.

Em Alagoas, das duas empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores, convocada para promoverem a adequação de seus quadros ao que mandamenta a lei, uma firmou Termo de Compromisso onde mediante prazo, e sujeita multa para o caso de descumprimento, se comprometeu a promover a contratação de PPD’s no percentual que lhe cabe. A outra se utilizou do argumento de que se tratava de categoria especial, cuja profissão se encontra regulamentada por lei federal específica, razão pela qual, a seu ver, sucumbiria a Lei n.º 8.213/91, que trata da alocação das PPD’s. Prontificou-se a firmar Compromisso, mas somente se comprometendo a aplicar o percentual sobre os cargos administrativos. Em razão disso, fez-se necessário o ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho da 19ª Região, em cujos autos foi promovido acordo judicial, onde o empreendimento concordou em aplicar o percentual sobre o número total de empregados, porém, promovendo a contratação para os cargos administrativos. Isso sem se opor a contratação de PPD habilitada para a função de Vigilante, que por ventura venha a se apresentar, embora não conste do cadastro das PPD’s habilitadas e pessoas reabilitadas para o trabalho, mantido pelo Núcleo de Combate a Discriminação na Oportunidade de Trabalho em Alagoas, nenhuma pessoa que possua habilitação para o mencionado cargo.

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Sobre a autora
Rita de Cássia Tenório Mendonça

assessora do procurador-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região (Alagoas)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDONÇA, Rita Cássia Tenório. Da possibilidade de inserção das pessoas portadoras de deficiência nos quadros das empresas de vigilância patrimonial e de transporte de valores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 76, 17 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4340. Acesso em: 5 nov. 2024.

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