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Denúncia espontânea:

pressupostos de admissibilidade, requisitos de forma e imposibilidade de alteração do instituto pelas entidades tributantes

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08/11/2003 às 00:00
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Resumo: trata-se de breve estudo sobre o instituto da denúncia espontânea, previsto no art. 138 do CTN, com enfoque em torno dos seus pressupostos de admissibilidade (tempestividade, especificidade do procedimento e pagamento do débito tributário ou depósito da importância arbitrada), da necessidade de observância de algum requisito de forma para o exercício do direito, bem como da impossibilidade de alteração substancial da denúncia pelas entidades tributantes.

Sumário: 1. Introdução. 2. O art. 138 do CTN: conceito e pressupostos de admissibilidade da denúncia espontânea. 2.1. Conceito: natureza jurídica e extensão da norma. 2.2. Pressupostos de admissibilidade. 2.2.1. Tempestividade da denúncia. 2.2.2. Especificidade do procedimento. 2.2.3. Pagamento do tributo devido ou do depósito da importância arbitrada. A) A expressão se for o caso e seu alcance, à luz da doutrina e jurisprudência. B) Denúncia espontânea de tributos sujeitos à disciplina do lançamento por homologação. C) A multa de mora na denúncia espontânea. 3. Regularidade formal. 4. Impossibilidade de mitigação do art. 138 do CTN por lei ordinária ou ato normativo secundário. 5. Considerações finais. 6. Referências bibliográficas.

Palavras-chave: denúncia espontânea; infração tributária; exclusão da responsabilidade; tempestividade; especificidade do procedimento; pagamento; parcelamento; multa moratória; regularidade formal.


1.Introdução

O presente trabalho está centrado na abordagem de alguns dos aspectos mais relevantes que circundam o instituto da denúncia espontânea, previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional.

No primeiro ponto, será analisada a questão dos pressupostos de admissibilidade da autodenúncia, e seus elementos componentes, quais sejam, a tempestividade, a especificidade do procedimento e o pagamento do tributo devido ou depósito da importância arbitrada.

Em um segundo momento, tratar-se-á da necessidade de obediência a algum requisito formal, para fins de aceitação da denúncia espontânea pela Administração Fiscal.

Mais adiante, e como último tópico, o exame recairá sobre a inalterabilidade dos requisitos pelos entes tributantes (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), tendo em vista a natureza jurídica da lei instituidora do Código de Tributos, e em cotejo com o que determina a Constituição Federal de 1988, especificamente no capítulo do Sistema Tributário Nacional.

Finalmente, e com subsídios trazidos do método hipotético-dedutivo, baseado na pesquisa de doutrina e repositórios jurisprudenciais, serão lançadas nossas considerações finais acerca dos assuntos mirados, esperando-se, assim, de algum modo prestar uma mínima parcela de contribuição para a Ciência do Direito Tributário.


2.O art. 138 do CTN: conceito e pressupostos de admissibilidade da denúncia espontânea

2.1.Conceito: natureza jurídica e extensão da norma

A denúncia espontânea de infração à legislação tributária direciona-se aos ilícitos tributários oriundos do descumprimento de obrigações principais e acessórias (Paulo de Barros Carvalho tece consideráveis críticas a esta classificação, conforme veremos), inclusos na esfera do Direito Tributário Penal (infrações administrativas). O art. 138 do CTN, destarte, não atinge ou não exclui a responsabilidade por ilícitos contidos no conjunto do Direito Penal Tributário.

Versa o dispositivo legal sob comento:

Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Aliomar Baleeiro, acerca da denúncia espontânea, assim se reporta:

Libera-se o contribuinte ou o responsável e, ainda mais, representante de qualquer deles, pela denúncia espontânea da infração acompanhada, se couber no caso, do pagamento do tributo e juros moratórios, devendo segurar o Fisco com depósito arbitrado pela autoridade se o quantum da obrigação fiscal ainda depender de apuração. [1]

A denúncia espontânea, portanto, na forma como se encontra disposta no art. 138 do CTN, constitui-se em instrumento de exclusão da responsabilidade em função do cometimento de alguma espécie de ilícito tributário administrativo, inserido no campo do Direito Tributário Penal (não pagamento, emissão irregular de notas fiscais, etc.), devendo o denunciante, para cumprir o desiderato normativo, noticiar à Administração Fazendária da infração, comprovando, se for o caso, o pagamento do débito tributário ou o depósito da importância arbitrada.

O ilícito ou infração tributária [2], melhor explicando, é a prática ou abstenção de conduta desautorizada pela norma tributária, implicando para o responsável a imputação de penalidade administrativa descrita em lei. Seria, por assim dizer, o descumprimento de alguma obrigação tributária, seja ela principal ou acessória, de acordo com a designação dada pela própria Lei nº 5.172/1966, em seu art. 113. [3] É para esta espécie de conduta que se volta o CTN, art. 138.

2.2.Pressupostos de admissibilidade

2.2.1.Tempestividade da denúncia

O primeiro dos pressupostos a ser analisado diz respeito à tempestividade da denúncia.

Como visto, a denúncia espontânea, se preenchidos todos os seus pressupostos, gera para o autodenunciante o benefício da exclusão da responsabilidade pela prática de determinado ilícito tributário, com a exclusão da multa punitiva.

Para nosso breve estudo importará primeiro saber até que momento poderá o contribuinte infrator exercer tal faculdade. Para tanto, revisemos a redação do parágrafo único do art. 138 do CTN, delimitador do critério temporal da denúncia:

Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.

Nesta passagem, o legislador instituiu que a denúncia deixará de ser espontânea, ou tempestiva, após iniciado qualquer procedimento administrativo [4] ou medida fiscalizatória, desde que relacionados com a infração.

Na jurisprudência, verifica-se que a regra da tempestividade tem sido retilineamente aplicada, dentro dos parâmetros do direito posto, senão, vejamos:

Sem antecedente procedimento administrativo descabe a imposição de multa. Exigi-la, seria desconsiderar o voluntário saneamento da falta, malferindo o fm inspirador da denúncia espontânea e animando o contribuinte a permanecer na indesejada via da impontualidade, comportamento prejudicial à arrecadação da receita tributária,. principal objetivo da atividade fiscal. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 147.221/RS, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 20.02.2001, v.u., DJU 11.06.2001)

Em outro aresto, a denúncia foi extemporânea, sem caráter espontâneo, dada a existência de medida fiscalizatória previamente instaurada:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. PRECEDÊNCIA DE AUTO DE INFRAÇÃO AO PEDIDO DE PARCELAMENTO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA NÃO CARACTERIZADA. MULTA DEVIDA. APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 138 DO CTN. PRECEDENTES DO STJ. – Não se configura denúncia espontânea, para os efeitos do art. 138 do CTN, se o pedido de parcelamento foi precedido de procedimento administrativo ou de medida fiscalizatória. – A ocorrência de qualquer dos dois procedimentos, retira a espontaneidade da denúncia. É o que o legislador quis privilegiar com a edição da norma acima. – Recurso provido. (STJ, 1ª Turma, REsp nº 290.190/RS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 06.11.2001, v.u., DJU 25.02.2002) [5]

Deste modo, conclui-se que, iniciado o procedimento administrativo em desfavor do contribuinte, não mais espontânea será a denúncia eventualmente ofertada, resultando para o infrator as sanções decorrentes do descumprimento de sua obrigação, conforme nos lembra Luiz Alberto Gurgel de Faria:

A declaração da falta cometida tem que se livre de qualquer pressão, de maneira que, se for formulada após o início de procedimento administrativo ou fiscalização, relacionados com a infração, igualmente não gerará as conseqüências do art. 138, cabendo ao sujeito passivo arcar com as sanções impingidas. [6]

Questão ao nosso ver tormentosa, relacionada também ao estudo do pressuposto da tempestividade da denúncia, está em definir se as obrigações ditas acessórias podem ser conglobadas pela ponte de ouro [7]do art. 138 do CTN. A matéria não vem sendo tratada de modo suficientemente claro pela doutrina, havendo manuais e códigos comentados que simplesmente omitem a discussão. No entanto, por envolver tal assunto problema interligado à inalterabilidade do instituto pelos entes tributantes, bem como à interpretação da expressão se for o caso, contida no caput do mencionado artigo, prorrogaremos o debate da matéria para o tópico apropriado.

2.2.2.Especificidade do procedimento

Se por um lado, iniciado o procedimento fiscal, perderá a denúncia o caráter da espontaneidade, por outro, a medida fiscalizatória deverá ser relacionada diretamente com a infração, sob pena de quebra do devido processo legal administrativo, instaurando-se a insegurança jurídica.

Assim, a Fazenda não poderá negar ao contribuinte o direito decorrente da denúncia espontânea de infração tributária, se contra ele não existir auto de infração ou qualquer outra espécie de medida de fiscalização voltada contra aquele ilícito isoladamente considerado, sendo esta, a propósito, a manifestação da doutrina de Kiyoshi Harada, para quem:

O parágrafo único elide a espontaneidade da denúncia se antes de sua apresentação tiver início qualquer procedimento administrativo fiscal, relacionado com a infração. Interpretando-se a contrario sensu, conclui-se que o procedimento fiscal não relacionado com a infração denunciada não tem o condão de impedir sua exclusão. [8]

Percorrendo a mesma senda exegética, Alexandre Macedo Tavares tem asseverado que:

[...] não é qualquer fiscalização indiscriminada e imprecisa – sem objetivo individualizado ou à mercê de futura individualização, ou até mesmo quaisquer comunicados genéricos (notificação e intimação) – que terá força suficiente para fulminar o direito potestativo à confissão espontânea consagrada pelo art. 138 do CTN. A especificidade do procedimento administrativo fazendário é conditio sine qua non à pretensa desconfiguração da espontaneidade, fim inspirador da norma introdutora de conduta prevista no art. 138 do CTN. [9]

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Deste modo, deverá ser exigida a especificidade do procedimento administrativo ou da medida de fiscalização, com seu direto relacionamento à infração fiscal, para que não se possibilite ao contribuinte o gozo do benefício constante do art. 138 do Código Tributário. Apenas assim é que poderá o fisco tolher o direito subjetivo do contribuinte autodenunciante de ver excluída sua responsabilidade tributária pela prática de ilícito tributário administrativo.

2.2.3.Pagamento do tributo devido ou do depósito da importância arbitrada

Três problemáticas distintas, mas que envolvem o contexto do pagamento para fins de denúncia espontânea de infração tributária, serão objeto de preocupação a partir deste ponto: i) as interpretações que vêm sendo conferidas à expressão se for o caso, contida no caput do art. 138 do CTN; ii) os fundamentos da tese contrária à aplicação da denúncia espontânea em se tratando de tributos sujeitos à disciplina do lançamento por homologação (autolançamento); iii) a discussão acerca da inclusão da multa moratória, mesmo estando perfeita a autodenúncia.

A)A expressão se for o caso e seu alcance, à luz da doutrina e jurisprudência

Iniciaremos o estudo seguindo a ordem apresentada no parágrafo anterior, com abordagem dos entendimentos existentes em torno da expressão se for o caso, e suas conseqüências no mundo jurídico. Para tanto, precisamos revisar o conteúdo do art. 138, caput, do Código Tributário:

A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração.

Duas, a nosso sentir, podem ser as interpretações extraídas a partir da leitura da lei: i) a primeira, a indicar que não apenas as infrações concernentes ao não pagamento do tributo devido podem ser objeto de denúncia espontânea, como também aquelas referentes às obrigações acessórias, ou deveres instrumentais ou formais, tais como o atraso na entrega das declarações do imposto de renda [10]; e ii) a segunda, a demonstrar que, se a lei dispuser diferentemente, a responsabilidade pela infração tributária poderá ser ilidida sem a efetuação do pagamento do tributo devido, restando para o contribuinte a saída da confissão da dívida e seu parcelamento, sem a necessária imputação de multa moratória cumulada com juros.

O exame, por hora, ficará restrito apenas a esta segunda via interpretativa.

Quando o pagamento for exigido, ou mesmo for estipulada determinada quantia a ser depositada em favor do erário público, nenhuma dúvida restará, em face do princípio da legalidade, de que, apenas com a satisfação integral, a tempo e modo dispostos normativamente, poderá a denúncia almejar os fins previstos no art. 138 do CTN.

E na hipótese de parcelamento, poderá o Estado impor a multa moratória? É juridicamente possível, no Direito Tributário, considerar-se como espécie de pagamento o parcelamento da dívida, de forma a excluir a responsabilidade do infrator?

Ives Gandra da Silva Martins tem opinião que com a qual concordamos, fundada no princípio da legalidade, sendo a expressão se for o caso, autorizadora da aplicação da denúncia espontânea sem a efetuação do pagamento total da dívida tributária de imediato, desde que haja norma válida dispondo neste sentido:

A expressão "se for o caso", incluída pelo legislador no texto do projeto, evidentemente tem de ser interpretada dentro do contexto do princípio da legalidade, que norteia não apenas o direito tributário, mas todo o ordenamento jurídico nacional, ou seja, de que a denúncia espontânea somente terá de ser acompanhada do pagamento de tributos e juros de mora, se a lei expressamente assim o determinar. [11]

Nossos tribunais, quanto a esta questão, divergiam bastante. No antigo Tribunal Federal de Recursos, chegou a ser editada a Súmula 208:

A simples confissão de dívida, acompanhada do seu pedido de parcelamento, não configura a denúncia espontânea.

Insistindo nesta tese, temos o magistério de Láudio Camargo Fabretti [12].

A Súmula, tida por ultrapassada por boa parte da doutrina e órgãos judiciais, vem sendo confirmada por diversos tribunais [13], inclusive pelo STJ:

[...] quando há parcelamento do débito tributário, não deve ser aplicado o benefício da denúncia espontânea da infração, uma vez que o cumprimento da obrigação foi desmembrado e só será quitado quando satisfeito integralmente o crédito. O parcelamento, pois, não é pagamento e a este não substitui, mesmo porque não há presunção de que, pagas algumas parcelas, as demais, igualmente, serão adimplidas, nos termos do art. 158 do CTN. (2ª Seção, REsp n° 284.189/SP, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 17.06.2002, v.u., noticiado no Informativo n° 139 do STJ)

EMENTA: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. PARCELAMENTO. EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N° 208 DO TFR. 1. O benefício da denúncia espontânea da infração, previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional, não é aplicável em caso de parcelamento do débito, porquanto a exclusão da responsabilidade do contribuinte pelo referido dispositivo legal tem como condição sine qua non o adimplemento integral da obrigação tributária. 2. Embargos conhecidos e rejeitados. (1ª Seção, EREsp n° 166.911/SC, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 25.09.2002, v.u., DJU 28.10.2002)

Para alguns julgados, no entanto, independentemente de lei, o parcelamento deveria ser considerado pagamento para fins de denúncia espontânea:

EMENTA: TRIBUTÁRIO – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – PARCELAMENTO – MULTA MORATÓRIA – AFASTAMENTO – PRECEDENTES (ERESP. 193.530/RS). – A eg. Primeira Seção do STJ já assentou o entendimento no sentido de que, não havendo procedimento administrativo em curso pelo não recolhimento do tributo e tendo sido deferido o pedido de parcelamento, está configurada a denúncia espontânea, que exclui a responsabilidade do contribuinte, tornando inexigível o pagamento da multa moratória. – Ressalva do ponto de vista do relator. – Recurso conhecido e provido. (STJ, 2ª Turma, REsp n° 237.841/CE, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 12.03.2002, v.u., DJU 13.05.2002)

No direito positivo, deixemos claro desde logo, houve uma alteração substancial no Código Tributário pela Lei Complementar n° 104/2001. A partir desta reforma, foi incluído o art. 155-A no texto do CTN, transcrito a seguir:

Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas em lei específica.

§ 1°. Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas.

Agora, somente se a lei dispuser em contrário, conforme já vinham pregando alguns doutrinadores, é que poderá o parcelamento servir para evitar a imposição de multa por infração tributária à obrigação de pagar.

Assim, resta esvaziada, para os casos futuros, em virtude da comentada alteração legislativa, a discussão se o parcelamento encerra ou não pagamento para os fins do art. 138 do CTN. [14] De acordo com o novel comando legal, a multa punitiva somente poderá ser excluída se lei ordinária dispuser contrariamente; não dispondo, aplica-se o art. 155-A, § 1°, do CTN.

B)Denúncia espontânea de tributos sujeitos à disciplina do lançamento por homologação

O Superior Tribunal de Justiça tem considerado insuficiente para afastar a responsabilidade por infração tributária a confissão de débito tributário relativo a imposto recolhido por lançamento submetido a posterior homologação pela Administração Pública – o chamado auto lançamento:

EMENTA: TRIBUTÁRIO – AUTO LANÇAMENTO – TRIBUTO SERODIAMENTE RECOLHIDO – MULTA – DISPENSA DE MULTA (CTN/ART. 138) – IMPOSSIBILIDADE. – Contribuinte em mora com tributo por ele mesmo declarado não pode invocar o Art. 138 do CTN, para se livrar da multa relativa ao atraso. [15]

Em seu voto, o relator, Ministro Humberto Gomes de Barros assim justificou a linha adotada:

Em se tratando de auto lançamento, como bem esclarece o próprio nome, o contribuinte substitui a Administração, no lançamento do tributo. Se assim ocorre, o procedimento pode se limitar ao próprio ato do contribuinte, que deve recolher imediatamente a dívida lançada. Em não se efetivando o recolhimento imediato, ou no prazo admitido por lei, ele terá ocorrido depois do lançamento. Assim, o contribuinte em mora com tributo por ele mesmo lançado não se pode aproveitar do benefício previsto no Art. 138 do Código Tributário Nacional.

Em outro julgado, desta vez capitaneado pelo Ministro José Delgado, o STJ deixou assente a impossibilidade de denúncia espontânea de ICMS, tributo este submetido ao lançamento por homologação:

A denúncia espontânea não beneficia o contribuinte que, após lançamento de qualquer espécie, já constituído, não efetua o pagamento do imposto devido no vencimento fixado pela lei. Tal benefício só se caracteriza quando o contribuinte leva ao conhecimento do Fisco a existência de fato gerador que ocorreu, porém, sem terem sido apurados os seus elementos quantitativos (base de cálculo, alíquota e total do tributo devido) por qualquer tipo de lançamento, ou seja, o beneplácito há de favorecer a quem leva ao Fisco ciência de situação que, caso permanecesse desconhecida, provocaria o não pagamento do tributo devido. (1ª Turma, REsp n° 450.128/SP, j. 01.10.2002, v.u., DJU 04.11.2002)

Acreditamos acertado o posicionamento do tribunal. O art. 150 do CTN, que prevê o lançamento por homologação, diz em seu caput que este ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa.

Se ao acaso fosse permitida a denúncia espontânea nesta hipótese, estar-se-ia desconsiderando o comando legal do art. 150 do Código Tributário, que prevê a participação do próprio contribuinte em importantíssima fase de recolhimento da exação, mediante procedimento administrativo fiscal plúrimo, no qual apenas na fase da homologação efetivamente participa a Administração Fazendária.

Assim, sempre que realizada a denúncia de tributo sujeito ao lançamento por homologação, jamais poder-se-á considerá-la espontânea, pois o contribuinte é quem dá início ao procedimento fiscal, ainda que em substituição à Fazenda Pública, sendo conhecedor, desde o nascedouro da infração, da prática do ilícito tributário; haverá, por assim dizer, um estado de alerta permanente por parte do infrator, a retirar o caráter de espontaneidade da denúncia, que, em hipóteses como esta, sempre será veiculada após procedimento administrativo iniciado pelo próprio autodenunciante.

C)A multa de mora na denúncia espontânea

Até o STJ se posicionar pela exclusão da multa de mora através da denúncia espontânea [16], discutia-se a respeito de sua incidência, mesmo confessando o contribuinte, nos termos do art. 138 do CTN, a infração tributária praticada.

Dizia-se que esta espécie de multa não seria de natureza punitiva, mas sim remuneratória, razão pela qual deveria ser aplicada, mesmo quando fosse confessado e pago o débito tributário antes do início de qualquer procedimento de fiscalização por parte da Fazenda Pública.

Paulo de Barros Carvalho, por sinal, resiste em sustentar tal ponto de vista:

Modo de exclusão da responsabilidade por infrações à legislação tributária é a denúncia espontânea do ilícito, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração (CTN, art. 138). A confissão do infrator, entretanto, haverá de ser feita antes que tenha início qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização relacionada com o fato ilícito, sob pena de perder seu teor de espontaneidade (art. 138, parágrafo único). A iniciativa do sujeito passivo, promovida com a observância desses requisitos, tem a virtude de evitar a aplicação de multas de natureza punitiva, porém não afasta os juros de mora e a chamada multa de mora, de índole indenizatória e destituída do caráter de punição. Entendemos, outrossim, que as duas medidas – juros de mora e multa de mora – por não se excluírem mutuamente, podem ser exigidas de modo simultâneo: uma e outra. [17]

Hoje, todavia, a doutrina majoritária, bem como a própria jurisprudência, têm fixado que este tipo de multa é, em verdade, punitiva, devendo também ser abrangida pela excludente de responsabilidade do instituto da denúncia espontânea.

Interessante, neste sentido, é a lição de Sacha Calmon Navarro Coelho. O professor mineiro, para justificar a tese de que a multa moratória é punitiva, faz uma digressão ao Direito Civil, diferenciando a multa punitiva da multa compensatória:

[...] a multa punitiva visa a sancionar o descumprimento do dever contratual, mas não o substitui, e a multa compensatória aplica-se para compensar o não-cumprimento do dever contratual principal, a obrigação pactuada, substituindo-a. Por isso mesmo, costuma-se dizer que tais multas são "início de perdas e danos". Ora, se assim é, já que a multa moratória do Direito Tributário não substitui a obrigação principal – pagar o tributo – coexistindo com ela, conclui-se que a sua função não é aquela típica da multa compensatória, indenizatória, do Direito Privado (por isso que seu objetivo é tão-somente punir). Sua natureza é estritamente punitiva, sancionante. [18]

Com idêntico pensar, e em abono aos defensores da exclusão da multa punitiva, encontramos os ensinamentos de Misabel Abreu Machado Derzi, que em suas notas de atualização à obra de Aliomar Baleeiro, tem assim lecionado [19]:

Qualquer espécie de multa supõe a responsabilidade por ato ilícito. Assim, a multa moratória tem, como suporte, o descumprimento tempestivo do dever tributário. E, se a denúncia espontânea afasta a responsabilidade por infrações, é inconcebível a exigência do pagamento de multa moratória, como faz a Administração Fazendária, ao autodenunciante. Seria supor que a responsabilidade por infração estaria afastada apenas para outras multas, mas não para a multa moratória, o que é modificação indevida do art. 138 do CTN. Ao excluir a responsabilidade por infração, por meio da denúncia espontânea, o CTN não abre exceção, nem temperamentos.

Perceba-se que na denúncia espontânea são devidos apenas, e se for o caso, juntamente com o pagamento, os juros de mora. A multa punitiva, portanto, deve ser terminantemente afastada. No entanto, segundo ressalva feita por Hugo de Brito Machado, pode o fisco fazer a cobrança dos juros sob a alcunha de multa moratória, sendo irrelevante a denominação utilizada:

Os juros podem ser exigidos com o nome de multa de mora. Não multa e juros. O que pode ser exigido é o pagamento de certa quantia a título de indenização pela mora, quer tenha esta o nome de juros ou de multa. O rótulo é de nenhuma importância. Relevante é o montante cobrado, em relação ao montante pago com atraso, que há de se limitar ao praticado na cobrança dos juros de mora. [20]

Zelmo Denari distingue as multas por infração das multas moratórias:

As penalidades pecuniárias, em nosso sistema tributário, podem resultar da violação de um dever administrativo, vale dizer, de uma infração tributária legalmente prevista, ou da violação de um direito subjetivo de crédito do ente público, vale dizer, do inadimplemento de uma obrigação tributária no respectivo vencimento. Devemos aludir, no primeiro caso, às multas por infração e, no segundo caso, às multas de mora.

Para distinguirmos uma da outra, basta considerar que as multas por infração são apuradas e regularmente constituídas por meio de auto de infração, enquanto as multas de mora são sanções previstas na legislação ordinária dos entes políticos que derivam do inadimplemento puro e simples de obrigação tributária no respectivo vencimento. [21]

Sem embargo da posição de Denari, temos que, por ser a multa uma conseqüência do descumprimento de determinada regra, seja sua natureza formal ou substancial, a ela se agregará a característica de sanção, devendo, portanto, ser afastada com a denúncia espontânea da infração cometida, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido ou do depósito da importância arbitrada pelo agente fiscal.

Ad argumentandum tantum, o fato é que não mais subsiste a orientação outrora defendida de que a multa moratória, por não ser punitiva, poderia incidir mesmo em havendo a denúncia espontânea do ilícito tributário praticado, sendo nossa jurisprudência totalmente favorável à exclusão da multa, tenha a denominação que for.

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Sobre o autor
Felipe Luiz Machado Barros

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Felipe Luiz Machado. Denúncia espontânea:: pressupostos de admissibilidade, requisitos de forma e imposibilidade de alteração do instituto pelas entidades tributantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 125, 8 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4358. Acesso em: 22 dez. 2024.

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