RESUMO
O ato político, categoria pertencente aos atos constitucionais, é expedido a nível infraconstitucional, predominantemente no exercício das funções executiva e legislativa, de caráter geral, o que o diferencia dos atos administrativos que satisfazem interesses coletivos ou individuais, extinguindo, modificando ou reconhecendo direitos, podendo, por este motivo, serem revistos pelo Judiciário, mesmo quando estão formalmente dispostos na Constituição. Enquanto o ato político por ter o mesmo fundamento de validade (constitucional) do princípio da inafastabilidade da jurisdição e das liberdades individuais, bem como ter sido conferido de forma incontrastável a um dos Poderes do Estado, pelo Poder Constituinte originário, não poderá ser revisto pelo Poder Judiciário por violar o princípio da separação de funções também previsto como princípio constitucional inderrogável.
I - INTRODUÇÃO
O debate acerca da possibilidade de controle jurisdicional de atos de competência dos outros poderes estatais (executivo e legislativo), no exercício autônomo de função estatal previstos expressamente na Constituição Federal, tem suscitado muitas controvérsias, pondo-se em contraposição de um lado o princípio da separação de poderes, ou como tem denominado o Direito Constitucional Moderno o princípio da separação de funções do Estado (1), e do outro a proteção dos direitos individuais.
Pretende-se no presente trabalho expor algumas idéias a respeito do ato político - legislativo e executivo - cujo fundamento jurídico está no mesmo plano hierárquico (constitucional) do princípio da separação de funções e do amplo acesso ao judiciário, em contraposição ao ato administrativo expedido por agentes administrativos para realização das atividades estatais (2), comumente pelo Poder Executivo, e excepcionalmente pelo Legislativo e Judiciário quando exercem atividade administrativa.
Para chegar-se às conclusões parte-se da análise da definição dos atos constitucionais categoria a qual pertence o ato político, passando-se pelas dimensões do princípio da separação de poderes, inclusive a sua posição na Constituição Federal de 1988; qualifica-se o ato político diferençando-o do ato administrativo, bem como faz-se uma breve consideração sobre alguns fundamentos utilizados pela doutrina para sustentação da possibilidade de controle jurisdicional do ato político quando tal interfira na esfera jurídica individual protegida constitucionalmente, dentro da concepção da indeclinabilidade da jusrisdição.
II - OS ATOS CONSTITUCIONAIS - CLASSIFICAÇÃO
Achamos por bem tecer algumas considerações a respeito dos atos constitucionais atribuído às três esferas de Poder para a consecução dos fins estatais, de forma harmônica e integrada, como modernamente se concebe.
O Poder político, uno e indivisível (3), compõe-se de várias funções especializadas atribuídas a órgãos diferentes, com independência, para atingir os fins estatais, de forma que nenhuma das funções sobreponha-se às demais e que uma possa frear o exercício abusivo da outra (checks and balances).
José Afonso da Silva ensina que o art. 2º da Constituição Federal ao enumerar como poderes da União o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, o faz com duplo sentido de funções estatais e dos órgãos que desempenham tais funções (4).
Assim as funções de governo são estabelecidas na Constituição Federal, que em razão da especialização dos atos a serem praticados - função política (legislativa e governativa em sentido estrito), função administrativa e judicial - atribui o exercício a órgãos distintos, atuando cada qual, independentemente, dentro da sua área de competência (5).
A função política, desempenhado predominantemente pelo Executivo e Legislativo, cabe a prática de atos de interesse geral decorrente de competência constitucional, enquanto a função administrativa refere-se à prática de atos no interesse coletivo, satisfazendo privativamente os anseios desse grupo, como expressão da atividade administrativa através de atos administrativos; e por fim à função jurisdicional cabe "declarar o direito e decidir as questões jurídicas"(6).
Os atos constitucionais classificam-se em razão da sua natureza e não do órgão que o desempenha, posto que a própria Constituição prevê a possibilidade de exercício de funções especializadas de um dos órgãos por outros - critério da predominância de função - sem que o ato constitucional praticado seja considerado segundo o órgão do qual promana. Assim é que, v.g., o Executivo poderá praticar ato da função Legislativa, e este da função Jurisdicional.
III - A DIVISÃO DE FUNÇÕES NA CF/88
A vigente Constituição Federal de 1988 consagrou o sistema da separação de poderes, na linha da doutrina de Montesquieu e do modelo norte-americano, dispondo no art. 2o, nesses termos: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário", e, mais adiante, no art. 60, §4o, III, vedando qualquer proposta de emenda constitucional tendente a abolir a separação de Poderes.
Assim, a Constituição Federal de 1988, ao instituir os Três Poderes da União, define-lhes a organização, competência e composição, buscando o equilíbrio das forças de cada um dos Poderes instituídos, de forma a impedir a hipertofria de um ou outro, sem possibilidade de supressão através de emendas constitucionais, pois do contrário tornaria inócuo o equilíbrio, a independência e a harmonia idealizados pelo Constituinte originário.
A Constituição Federal ao acolher a divisão tripartite com especialização das funções e discriminação de competências, confere o mesmo tratamento e importância aos Poderes instituídos, ressaltando-se a relativização desse princípio, admitindo-se a intervenção parcial de um poder na esfera de atribuição de outro, eis que o Constituinte admite a legislação delegada, como se vê nos arts. 59, IV, e 68, bem como a atribuição da jurisdição constitucional a orgão legislativo (art. 52, CF/88).
Interessa ao presente estudo o fato da Constituição Federal delimitar de forma clara a competência para emissão de atos políticos, dentro da concepção de separação de funções, inclusive como cláusula pétrea, no mesmo patamar das garantias individuais e do princípio da inafastabilidade da jurisdição. E ainda as considerações sobre as principais formas de equilíbrio e interferências entre eles, resultante da teoria dos freios e contrapesos.
Ressalte-se que quando se admite a interferência direta de uma das funções do Estado por outra, é sempre autorizada expressamente no texto Constitucional (v.g. CF, art. 61; art. 84, IV e V; art. 62; art. 49, V; art. 57, §3o; art. 52, §2o ).
Exemplo interessante para reflexão dessa interferência e da limitação da mesma pela função judiciária, são as Medidas Provisórias. A Constituição Federal admite que o Executivo, em caráter excepcional, adentre em áreas privativas de atuação do Legislativo, no entanto, dispõe sobre os limites de prazo de vigência das mesmas e da sua área de atuação, bem como das conseqüências da sua não conversão em lei. Contudo, tornou-se praxe, em desrespeito ao texto Constitucional, o expediente da reedição de Medidas Provisórias, não convertidas em Lei no prazo de 30 dias, para convalidação dos efeitos de atos praticados na vigência da MP anterior, transmudando-as em verdadeiras normas sem que tenha sido originada do Poder Legislativo. O Supremo Tribunal Federal, dando a última palavra que deverá ser obedecida (judicial review), ao julgar o Agravo Regimental em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 365-8/600-DF, decidiu que somente o Poder Legislativo poderá disciplinar as relações jurídicas decorrentes de MP não convertida em lei, dentro do princípio constitucional da reserva de competência. Inadmitindo também a possibilidade de reedição de MP rejeitada pelo Congresso Nacional (7).
E mais, a despeito de nesse julgamento ficar consignado a reserva de competência legislativa como princípio Constitucional, o Supremo Tribunal Federal admite a possibilidade de controle jurisdicional da Medida Provisória, através do exercício da jurisdição difusa ou concentrada (8). Registre-se ainda que, posteriormente às referidas ADIn’s, o Supremo Tribunal Federal negou pedido de suspensão cautelar de eficácia da norma inscrita no art. 6o da Medida Provisória n. 1.534-1, de 16.01.97, que convalidava atos praticados com base na Medida Provisória anterior, julgando ao final pelo indeferimento da ação, modificando o seu posicionamento anterior.
Ressalte-se que atualmente a matéria encontra-se superada pela nova redação do art. 62 da Constituição Federal conferida pela Emenda Constitucional nº 32/01 que deu os contornos da edição da Medida Provisória, inclusive com exclusão de algumas matérias que não poderão ser objeto da mesma, bem como sobre prazo de conversão em lei, o que certamente evitará os abusos até então cometidos.
Tais considerações fazem-nos refletir que conquanto o Poder Executivo venha de fato interferindo abusivamente na esfera de competência Constitucional do Legislativo, parece-nos que o Judiciário tem ocupado muito mais uma posição de super-poder, na medida em que atua de forma intensa na atividade Executiva e Legislativa, o que se verifica, v.g., através das decisões supra referidas, em que se atribui a função de legislar, e de atribuir ou não eficácia jurídica aos atos do Executivo.
Miguel Reale, sem fazer crítica à jurisdição constitucional, diz que essa interferência cada vez maior do Poder Judiciário nos demais Poderes, deve-se ao fato de se ter optado por uma Constituição enxuta em que seus mandamentos sempre suscitam dúvidas sobre o que chama de "poderes implícitos", atuando o Supremo Tribunal Federal como órgão político (9).
O professor Martônio Mont´alverne comentando as origens da idéia da justiça constitucional surgida nos Estados Unidos da América no século XIX, no caso Marbury vs. Madison, em que a Suprema Corte Americana sem nenhum fundamento constitucional, atribuiu para si o papel de intérprete absoluto da Constituição, constata que "o Poder Judiciário fornece uma resposta neoconservadora às conquistas democráticas em disputa desde o iluminismo"(10). Bem retrata esta idéia as palavras de Ingeborg Maus, transcritas por Mont´alverne: "Nós temos uma constituição, mas a Corte Suprema nos diz o que a Constituição é"(11).
Entendemos que a segurança jurídica e a manutenção da tripartição dos poderes carece de uma revisão da atuação judiciária nas demais funções estatais, quando a competência para emissão de atos por aqueles outros poderes tenha âmbito constitucional, pois como como afirma Canotilho ao tratar dos princípios de interpretação da constituição, mais especificamente, do princípio da unidade da constituição, que na aplicação das normas constitucionais, deve-se considerar a Constituição como um todo, de forma a harmonizar possíveis contradições entre as mesmas (12).
IV - ATO POLÍTICO E ATO ADMINISTRATIVO
Como já analisado, os atos estatais podem compor três categorias distintas referentes ao desdobramento das funções do poder estatal: legislativa, executiva e jurisdicional. Assim, tem-se que às funções legislativa, executiva e jurisdicional estabelecem-se, respectivamente, pela elaboração de regras gerais e abstratas; pela aplicação da lei ao caso concreto para realização de fins estatais e satisfação do interesse coletivo, e por fim pela aplicação da lei ao caso concreto quando há um conflito de interesses.
Ressalta-se que, as funções estatais não são desempenhadas exclusivamente por um dos poderes elencados, mas predominantemente, assim, por exemplo, que o legislativo e o judiciário podem expedir atos administrativos, complementares da legislação, na sua própria organização.
No entanto, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, adotando a distinção das funções estatais defendidas por Renato Alessi, ensina que, a função de emanação de atos concretos, visando o interesse coletivo, complementar da legislação, não é totalmente absorvida pela função administrativa, "compreende também a função política" ou de governo, ‘que implica uma atividade de ordem superior referida à direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras funções, buscando a unidade da soberania estatal" (13).
Portanto, vê-se de início, que existe diferença entre a função administrativa e a função política, embora ambas sejam predominantemente exercida pelo poder executivo, e de aplicação concreta da lei. No entanto, atividade administrativa propriamente dita, é em regra de complementação infralegal, enquanto a atividade política é expedida a nível infraconstitucional.
Quanto a subjetividade do ato político, ensina Hely Lopes Meirelles que "todos os poderes do Estado são autorizados constitucionalmente a praticar determinados atos, em determinadas circunstâncias, com fundamento político"(14), por isso, apenas exercida predominantemente pelo executivo e Legislativo.
Certo também que o ato administrativo pode ter comando formalmente constitucional, mas nestes casos, conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Melo, será sempre vinculado, ao contrário do ato político que sempre tem grande margem de discrição (15). Daí entendermos ser uma primeira importância da distinção entre ato político e ato administrativo.
O ato administrativo e o ato político têm natureza jurídica diferente, aquele diz respeito à organização da administração, à satisfação do interesse individual, o que se faz através do serviço público, e só formalmente pode estar disposto a nível constitucional, e neste caso sempre vinculado, já o ato político refere-se à própria organização do Estado, como nação soberana, diz respeito à estrutura, à condução dos negócios públicos, para satisfação de conveniências do Estado, como ensina Hely Lopes Meirelles, no exercício de poderes conferidos imediatamente pela Constituição, na sua acepção material e formal.
Segundo ainda o douto Hely Lopes Meirelles, o ato administrativo impõe obrigações aos administrados, a si próprio, ou aos seus servidores, do que se afere que o ato administrativo, como os atos jurídicos em geral visam influir na esfera jurídica de terceiro, criando, extinguindo ou modificando direitos, já o ato político, tem conotação constitucional de estruturação, "de condução dos negócios públicos, e não simplesmente de execução de serviço público", como por exemplo, a declaração de guerra e de paz, a intervenção federal nos estados, os atos que implicam fixação de metas, de diretrizes ou de planos de governo, a declaração de estado de sítio e de emergência, etc (16).
A descoberta de um critério discriminativo entre atos estritamente políticos imunes á interferência jurisdicional dos demais que podem sofrer controle, entrando na "categoria de assuntos judiciais" (17), foi objeto de estudo de Rui Barbosa, já em 1962, na obra intitulada Trabalhos Jurídicos, XI, Obras Seletas de Rui Barbosa, Casa de Rui barbosa, 1962, p.98: "Uma linha de fronteira há de delimitar, pois, de uma parte, o território que contém as faculdades ou competências atribuídas pela Constituição no seu texto aos diferentes ramos da soberania - o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (matéria política) - e, doutra parte, o território onde se localizam ‘os direitos do indivíduo com as suas garantias expressas em disposições taxativas" (18).
Celso Antônio Bandeira de Melo, fazendo a distinção entre os referidos atos diz que os atos políticos, "por corresponderem ao exercício de função política e não administrativa, não há interesse em qualificá-los como atos administrativos, já que sua disciplina é peculiar. Inobstante, também sejam controláveis pelo poder judiciário são amplamente discricionários, além de serem expedidos em nível imediatamente infraconstitucional e com discricionariedade - ao invés de infralegal - o que lhes confere fisionomia própria".
Assim, o ato político seria toda aquele que não diz respeito ao círculo dos direitos individuais, e tem fundamento constitucional. Paulo Bonavides, citando Marshall, entende que a diferença entre as questões políticas e as judiciais é apenas de grau. A matéria política diz respeito à nação e não aos direitos individuais (19). Ressalte-se que, como adverte ainda Paulo Bonavides, o mesmo critério utilizado para qualificar como político o ato do Executivo, poderá ser utilizado para os mesmos fins do Poder Legislativo. Portanto, tanto o Legislativo quanto o Executivo podem emitir atos políticos isentos de controle jurisdicional.
Na doutrina pátria costuma-se verificar a enumeração do que seriam os atos políticos dispostos na Constituição Federal. Mas, como diz ainda aquele citado mestre, tais enumerações tornaram-se difíceis em razão da politização dos direitos individuais com o Estado social. Sem dúvida não se confundem ato político e ato administrativo, e a distinção também se faz necessária até mesmo por uma questão conceitual, ademais no nosso sistema constitucional, não existe mais qualquer insegurança jurídica quanto à possibilidade de apreciação judicial dos atos administrativos (20).
Daí a importância também de se distinguir o ato político do ato administrativo, quando este decorre formal e diretamente da constituição, pois neste caso é sempre passível de apreciação judicial, uma vez que sempre vinculado.
V - A INCONSTITUCIONALIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO POLÍTICO
Assim feitas estas considerações iniciais, questiona-se, ante a discricionariedade pacífica dos atos políticos, se os mesmos podem ser controlados pelo poder judiciário.
De fato, como uma necessidade de melhor desempenhar o "governo", é conferido pela doutrina, tradicionalmente, e outrora prevista a nível constitucional (1934 e 1937) maior discricionariedade ao ato político, no entanto, de acordo com doutrina nacional, não há qualquer possibilidade de exclusão da apreciação judicial de atos políticos, quando inconstitucionais, ou quando lesivos de interesse individual ou mesmo de patrimônio público, especialmente em razão do sistema de freios contrapesos adotados a nível constitucional (art. 2º, CF/88), e do Estado de Direito, a que submete-se também a administração pública em sentido amplo (função política e função administrativa).
Argumenta-se que a Constituição Federal/88 ao dispor em seu art. 5º, XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", o fez sem qualquer exceção. E, diferentemente das constituições de 1934 e 1937, não há qualquer disposição constitucional que exclua os atos políticos da apreciação judicial. O que ainda entende esta corrente majoritária, é que os atos exclusivamente políticos, que não interferem no direito subjetivo, como é da sua natureza, não são suscetíveis de apreciação judicial.
Ora, neste caso nem mesmo haveria razão de interferência judiciária, posto que esta função refere-se à aplicação concreta da lei quando há conflitos de interesses, uma invasão na esfera jurídica de outrem. José dos Santos Carvalho Filho entende que os atos políticos sofrem um controle especial, que não significa ausência de controle, posto que em razão da proteção a direitos e garantias fundamentais, não se poderia excluir da apreciação judicial nenhum Poder ou função (21). Diferencia os atos políticos dos administrativos em razão do fundamento constitucional do primeiro.
Paulo Bonavides, conclui, baseado na doutrina de Rui Barbosa (O Direito do Amazonas), que mesmos as questões políticas não estariam isentas de controle se afetassem direitos individuais.
Entendemos, no entanto, que a diferença feita na passagem da obra "O Direito do Amazonas "(22), Rui Barbosa traça os limites dos atos políticos em contraposição aos sujeitos ao controle judicial, apenas utilizando um outro parâmetro de classificação (conveniência - utilidade ou oportunidade), e não admitindo a possibilidade de atos estritamente políticos interferirem na órbita privada.
De fato no Estado Social a delimitação dos atos políticos que estariam fora do domínio de controle judicial é de difícil solução, especialmente em razão do alargamento da competência que se atribui o próprio Supremo Tribunal Federal com amparo constitucional, e irrestrita aceitação. É o que Dircêo Torreciclas qualifica como judicialização da política (23), sem excluir a possibilidade de jurisdição constitucional. E mais, em razão dessa intervenção judicial nos atos políticos, Dircêo Torreciclas defende a tese da politização da justiça, atribuindo ao Poder Judiciário, por ser o mais culto dos Poderes, o controle absoluto dos atos dos demais Poderes.
J. J. Gomes Canotilho, embora admita o controle jurisdicional do ato político quando interferem negativamente na esfera jurídica individual, o faz dizendo que na verdade são atos administrativos (24).
De uma forma geral, fundamenta-se a admissão do controle constitucional pelo judiciário de atos dos outros poderes, o fato de que no Estado de Direito o controle jurisdicional do Poder Estatal é consagrado com supremacia (25).
Argumenta-se ainda, com relação à jurisdição constitucional, que a legitimidade decorre formal e materialmente da própria Constituição na medida em que presume-se que o povo assim quis, ao enumerar como princípio constitucional a inafastabilidade da jurisdição.
Pois bem, poder-se-ia afirmar já de início que os atos políticos, segundo a sua natureza, não são passíveis de controle judicial, porque não interferem em direito subjetivo, como os atos administrativos. O fato do princípio da indeclinabilidade da jurisdição está disposto a nível constitucional cede ao fato da divisão de funções entre os órgãos estatais de forma independente, bem como os atos políticos (governativo e legislativo) também estarem formal e materialmente dispostos na Constituição.
E, quando há conflito entre normas ou princípios constitucionais deve-se fazer uma interpretação de forma a preservar o sistema, especialmente o princípio da divisão de funções. É o que se afere também das palavras do Ministro Paulo Brossard no julgamento do Mandado de Segurança nº 21.689-DF, referindo-se à competência do Senado Federal como Tribunal Constitucional do impeachment, que alguém tem que dar a última palavra de forma irretocável, e a Constituição Federal atribui esta competência, por vezes, não ao Judiciário, mas à outras funções do Poder Estatal.
Com relação à composição dos tribunais, pensamos que também não legitima o controle do ato político na medida em que a legitimidade não decorre, nesse caso, da qualidade de quem julga, mas da impossibilidade de alteração de um ato decorrente da Constituição, como direito indisponível.
Ressalte-se por fim que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mencionado Mandado de Segurança nº 21.689-DF, impetrado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello, admitiu o controle jurisdicional do processo de impeachment, em que a Constituição Federal atribui ao Senado Federal a competência de Tribunal Cosntitucional, na prática de ato eminentemente político, sob as advertências do Ministro Paulo Brossard (26).