As questões relacionadas à criança e ao adolescente estão cada vez mais a se subscrever nas agendas política, social e jurídica brasileira, particularmente nas últimas três décadas. Entre essas questões, o reconhecimento de vínculo familiar traduz uma trajetória de incursões legais e cada vez mais encontra respaldo na legislação nacional, tendo por base a vulnerabilidade dos envolvidos.
A proteção devida à criança e ao adolescente em curso, precedido do apoio doutrinário e jurisprudencial, remonta ao embate em torno da aplicação da cartilha de direitos do cidadão, consagrada com a Constituição Federal de 1988, por trazer em seu seio a ampliação e a afirmação de diversos direitos antes silenciados, sejam eles de natureza social, política, cultural, econômica, relativos ao meio ambiente e de proteção da mulher.
No que concerne à criança e do adolescente, ampla legislação foi construída com relação ao vínculo familiar, para este ser reconhecido, a doutrina, legislação e jurisprudência pátrias assinalam a importância da presença de vínculo social e afetivo entre as partes, deixando a ligação genética de ser encarada como primordial, sendo as lides que envolvam crianças e adolescentes norteadas pelo princípio da proteção integral.
Considerando esse preceito, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, confirmando o entendimento em tela, julgou improcedente ação negatória de paternidade que, apesar de ter comprovado a inexistência de vínculo genético, por ser o autor tido como pai das duas moças envolvidas há mais de 30 anos, vindo a, nos autos, manifestar carinho e preocupação com ambas, afirmando que seria sempre o pai do coração delas.
Cumpre ressaltar que, para proteção dos envolvidos, o processo em questão se encontra em segredo de justiça, posto temas que envolvam direito de família, entre outros, devem ser resguardados da publicidade normalmente inerente a processos judiciais e administrativos.
Para ser reconhecido o vínculo parental, basta a posse do status familiar, intrínseco a relação afetiva entre pai e filho, e não exclusivamente encontrada na relação em que aja vínculo genético, pois a filiação é tida como um estado social e não somente como uma condição natural.
Esse entendimento destoa do antigo posicionamento da Terceira Turma da Corte Superior, que informava que o exame de DNA, caso comprovasse a inexistência de vínculo genético, possibilitava ao autor a faculdade de anular o registro de nascimento que o envolvesse em uma relação familiar, posto ter ocorrido vício de consentimento, mediante o ingresso de ação negatória de paternidade.
Dessa forma, encontra-se pacificado ser imprescindível para reconhecimento ou não de vínculo familiar, a presença do status de filiação, adquirida com a convivência doméstica, caracterizando a relação socioafetiva, independentemente de compatibilidade genética entre os interessados.
Destarte, visando a proteção integral do menor, será basilar o seu bem estar e interesse em detrimento dos demais envolvidos, havendo, atualmente, a presença de dois vínculos familiares, além da adoção: o consangüíneo e o socioafetivo, sendo esse segundo, o norteador e imprescindível fator a ser levado em consideração nas lides judiciais.
Partindo dessa premissa, é imperioso concordar com a atual interpretação doutrinária e jurisprudencial concernente ao reconhecimento do status familiar, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente salienta que nas ações e demais procedimentos relacionados devem ser guiados pelo princípio da proteção integral, implicando as novas sentenças a serem proferidas, nesses casos, que confirmam a filiação com base no vínculo socioafetivo, em um avanço no reconhecimento dos interesses e direitos da criança e do adolescente, bem como em uma garantia social e humanitária de que a afeição e o convívio resultam em premissas superiores à base genética, em termos ponderativos.
A presente discussão representa, pois, em uma revolução legislativa e jurisprudencial, com vistas ao bem estar e proteção dos envolvidos. E mais, partindo do postulado pelo princípio da isonomia, o reconhecimento de filiação com base na socioafetividade fomenta o necessário reconhecimento do status familiar a casais homossexuais, comprovando, assim, que mais vale o carinho, o cuidado e o amor dedicados, por quem quer que seja, do que o simples parentesco consanguíneo.