Sumário
1. Histórico e conceituação. 2. A proteção às pessoas com deficiência e reabilitados e a inserção no mercado de trabalho. 3. A falha na política nacional para integração da pessoa portadora de deficiência. 4. Art. 93 da Lei 8.213/1991 – A cota de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados e a impossibilidade do cumprimento pelos empregadores. 5. A necessidade de flexibilização e diferenciação das cotas entre as empresas com distintos ramos de atividades econômicas. 6. A ausência de programa de habilitação e a excludente de responsabilidade por ato omissivo do Estado. 7. Medidas alternativas para cumprimento do objetivo da Lei 8.213/91. 8. Conclusão.
1. Histórico e conceituação
Nos últimos cinquenta anos os portadores de deficiência e reabilitados ganharam espaço dentro do campo normativo nacional e, principalmente após a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) nº 159 (1983), se beneficiaram com a inclusão de regramento próprio que determinou, de forma objetiva, obrigações que deverem ser atendidas pelos países membros da Organização.
Com o objetivo de criar mecanismos de inclusão social e reduzir as desigualdades enfrentadas pelas pessoas portadoras de deficiência e reabilitadas, foram criados ao longo do tempo leis e decretos que dispõem sobre os direitos desse público e destacam os deveres dos entes do Estado e da iniciativa privada para com eles.
O objetivo do Legislador foi estabelecer um tratamento diferenciando à esta parte da população por conta da situação especial em que eles se encontram a fim de minimizar os efeitos das suas limitações. Na mesma corrente, a Constituinte de 1988 corroborou o entendimento já presente à época, reforçando os termos da OIT e determinando, com força de princípio constitucional, a necessidade de inserção dos deficientes no mercado de trabalho nacional.
Entende-se como pessoa com deficiente aquela que possui algum tipo de comprometimento que afeta a sua integridade, trazendo prejuízos ou redução da capacidade de ordem motora (fala, dificuldade de locomoção ou coordenação dos movimentos), intelectual (dificuldade na expressão neurológica, noção de tempo e espaço ou compreensão de informações do cotidiano) ou física (comprometimento de parte ou partes de membros do corpo que reduzem ou limitam a capacidade plena efetivamente encontrada em outras pessoas).
A deficiência é conceituada como geradora de dificuldades ou impossibilidades de execução de atividades normais ou comuns às outras pessoas.
Por sua vez, os reabilitados (inseridos no rol de proteção do art. 93 da Lei 8.213/91 assim como os deficientes acima conceituados), são classificados como pessoas que se submeteram a programas de recuperação da capacidade laborativa perdida em decorrência de algum tipo de infortúnio (programas patrocinados pelo Estado). A condição de reabilitado é atestada pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ou órgãos que exerçam função por ele coordenada.
Como se é percebido pela mera conceituação de cada um dos polos ora estudado, para estas pessoas há uma situação anormal, especial, que carece de cuidado público e atenção social. Então, diante das dificuldades e limitações encontradas para inserção ou reinserção no mercado de trabalho, o Legislador criou mecanismos que buscou garantir a estes uma reintegração ao labor, sendo encontrada dentro do campo legal força obrigacional na contratação nas seguintes normas: Constituição Federal de 1988, Convenção da OIT 159/83, Convenção da Guatemala, Leis 8.213/1991, 7.853/1989, Decreto 3.298/1999, dentre outros.
A Constituição traz como princípio a busca do bem estar de todos independente de qualquer tipo de situação, inclusive para aqueles com dificuldades físicas, motoras ou com redução da capacidade intelectual; o objetivo do Estado é construir uma sociedade onde não existam preconceitos ou segregação entre as pessoas. Não é tolerável a discriminação aos portadores de deficiência e aos reabilitados, inclusive sendo passíveis de punição tais condutas, hipóteses estas listadas no art. 8º da Lei 7.853/1989.
O Estado assegura às pessoas com deficiência e aos reabilitados, no maior grau possível, o direito de usufruir direitos comuns a todos os cidadãos, não podendo ser a deficiência e a incapacidade, em nenhuma hipótese, motivo para discriminação, preconceito ou tratamento pejorativo.
O preconceito contra deficientes tem como maior problema a falta de conhecimento da população em relação aos problemas que a pessoa com deficiência carrega por conta da sua condição peculiar. A ignorância compreende toda a sociedade e muitas vezes o deficiente é visto como uma pessoa com incapacidade, daí surgindo o sentimento de negação e segregação em relação a ele.
Nesse contexto, cria-se a obrigatoriedade de todos os empregadores cumprirem com a sua quota parte de “auxilio ou fim social” com o fito de reinserção de pessoas com deficiência ou reabilitados no mercado de trabalho, sendo-lhes imposto o dever de contratar, dentro do seu quadro de funcionários, um percentual desse público.
2. A proteção às pessoas com deficiência e reabilitados e a inserção no mercado de trabalho
É indiscutível o progresso trazido pela Lei 8.213/91 em termos de inserção das pessoas com deficiência e reabilitados no mercado de trabalho. O referido Diploma permitiu o desenvolvimento social no que tange não só as questões de acessibilidade e mobilidade urbana, mas também às mudanças comportamentais e sociais de assistência e proteção. Contudo, muitas vezes os empresários encontram sérias dificuldades para cumprir a referida Lei.
O histórico da política de inserção de pessoa com deficiência no Brasil deve ser primeiramente entendido para que posteriormente possa ser analisado, debatido e criticado da melhor forma.
Inicialmente as PCDs (pessoas com deficiência) eram marginalizadas. Acreditava-se que aqueles com algum tipo de desconformidade eram amaldiçoados enviados a Terra por entidades superiores (geralmente ligava-se o prejuízo físico ou mental à religião e ao desafeto e/ou dissabor dos Deuses para com aquele desfavorecido). Considerava-se a deficiência como algo contagioso, repugnante.
Com a modernização e evolução histórica das civilizações e com os avanços da história, passa-se a ver o mundo de uma forma mais racional. O olhar totalmente excludente é substituído por uma visão de caridade, sentimento de pena. As pessoas com deficiência passam a serem vistas como seres especiais, consideradas como dignas de assistência, devendo receber cuidados e tratos considerando a sua condição.
Decorrido certo tempo, iniciado o século XVIII, o olhar mudou e evoluiu. O pensamento assistencialista fez com que surgisse a necessidade da criação de locais adequados para amparar aquelas pessoas; apesar do diferente tipo de trato e de olhar, a exclusão predominava em relação à disponibilização de vagas no mercado de trabalho para aquele público.
Desde a fase moderna (e principalmente após a revolução industrial e os avanços nas produções das fábricas), as pessoas com deficiência e os reabilitados são vistos de uma forma diferenciada pela sociedade. Agora existe um cunho de responsabilização e inclusão destes ao mercado de trabalho.
Atualmente (leia-se a partir dos anos 80 e início dos anos 90), apesar de ainda não terem sido assegurados todos os direitos inerentes a condição de pessoas especiais que são os deficientes e reabilitados, o novo modelo legislativo traz como principal característica a defesa da inclusão social e a integração e reintegração desse público ao mercado de trabalho.
Daí cria-se direitos civis, trabalhistas e previdenciários especialmente dirigidos as PCD’s, e, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, aqueles anteriormente tradados com discriminação, excluídos do mercado do trabalho, ganham força e direitos previstos na legislação, sendo-lhes asseguradas garantias de uma vida mais digna, justa e igual.
A primeira Lei criada que dispõe exclusivamente de assuntos tocantes as pessoas com deficiência e reabilitados é a Lei nº 8.213/91. Seu nascimento tem caráter corretivo, visando que esse público saísse do sistema de assistencialismo e exclusão e passassem a exercer um papel produtivo no grupo social em que vivem. No início de sua vigência, a legislação não sofria uma fiscalização eficaz, mas com o amadurecimento da Lei e diante da nova realidade social do país esse cenário mudou e ainda vem mudando nos últimos anos por meio de uma atuação mais rigorosa por parte do Ministério do Trabalho e Emprego e Superintendências Regionais do Trabalho Emprego.
Como fruto das fiscalizações efetuadas pelos fiscais do MTE (Auditores do Trabalho) e por conta das severas autuações lavradas contra as empresas que não cumpriam o quanto determinado na Lei, estas passaram a buscar auxilio em associações e entidades voltadas às pessoas com deficiência e reabilitados.
A Lei Federal 8.213/91 estabelece no seu art. 93 uma cota de pessoas deficientes ou reabilitados que as empresas são obrigadas a manter contratada em seu quadro de empregados. A referida cota é alterada de acordo com a quantidade de funcionários que a empresa possui. A quantificação segue a seguinte proporção: de 100 a 200 empregados, 2% de PCD ou reabilitados; de 201 a 500 empregados, 3%; de 501 a 1000 empregados, 4%; e acima de 1001 empregados, 5%.
A Superintendência Regional do Trabalho e Emprego é responsável pela fiscalização das empresas quanto ao cumprimento das cotas de deficientes. Caso não cumpram o quanto previsto em Lei, são severamente penalizadas com multas calculadas com base no número de trabalhadores deficientes não contratados (o valor gira em torno de R$ 3.000/R$ 4.000,00 – três a quatro mil reais por PCD ou reabilitado não contratado).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é expressa no sentido de que a contratação de PCD’s deve ser seguida e entendida pelas nações como qualquer outra contratação, sendo asseguradas ao público interessado todas as oportunidades de trabalho. Por outro lado, também traz a Declaração a menção de que se deve esperar daquele trabalhador deficiente ou reabilitado o profissionalismo, competência e dedicação como comuns aos demais trabalhadores disponíveis no mercado.
O Estado considera que a exigência legal de preenchimento de cotas atende a imperativos de igualdade de oportunidades no mercado de trabalho. O conceito é de que se trata de uma ação afirmativa e enérgica do poder público (leia-se Legislativo e Executivo) que visa à promoção de uma sociedade mais solidária e justa, quando do reconhecimento das diferenças e das minorias. O Judiciário nacional corrobora tal entendimento e vem demonstrando essa opinião através de decisões severas contra as empresas – que será visto abaixo.
3. A falha na política nacional para integração da pessoa portadora de deficiência
A Legislação é objetiva e clara quanto ao número de deficientes que uma empresa deve ter em seu quadro de funcionários, contudo, o Estado não apresenta meios para viabilizar a contratação destas pessoas. Alguns segmentos empresariais, a depender do ramo de atuação, encontram dificuldades para cumprir o quanto determinado na Lei, pois o legislador, na criação da referida norma, não levou em consideração em nenhum momento o segmento empresarial que os empregadores desenvolvem.
Nota-se que o Estado transfere, quase que em sua totalidade, a função social de reinserção desse público ao mercado de trabalho aos empregadores e a iniciativa privada. Apesar de não possuir mecanismos que preparem, qualifiquem e confiram experiência aos trabalhadores, obriga as empresas a contratem. Além de coagir a contratação, outro ponto importante de ser debatido é quanto ao cerceamento do direito potestativo do empregador. Isto porque, há previsão legal de que a dispensa desses trabalhadores só pode ocorrer, nos contratos de trabalho sem prazo determinado, quando outro empregado deficiente for contratado para substituir aquele que se pretende desligar; se tal substituição não ocorrer, cabe pedido judicial de reintegração do emprego e demais verbas trabalhistas.
Nesse diapasão, mesmo que a prestação de serviços não esteja sendo realizada de maneira satisfatória pelo empregado, a empresa fica impedida de exercer o seu poder potestativo, devendo manter o funcionário ativo em seu quadro de colaboradores até encontrar outro PCD (pessoa com deficiência) para substituí-lo. Essa determinação legal - não há o que ser discutido – onera de forma desarrazoada a empresa, uma vez que, além de não ter a prestação dos serviços do trabalhador contratado, deve disponibilizar um terceiro empregado para complementar a execução daquela função (vez que entende-se que está sendo feita de forma insatisfatória); ainda, devendo encontrar outro deficiente para substituir aquele que será dispensado.
A nova contratação irá exigir novas pesquisas, novas entrevistas, mobilização de pessoal do setor de relações humanas, nova capacitação, novos treinamentos de segurança do trabalho, além de nova fase de adaptação (redução do ritmo de trabalho e produção). O ônus financeiro e produtivo desse procedimento sem dúvida desequilibra a saúde econômica do empresariado.
Além das dificuldades encontradas pelos empregadores em contratar, ainda devem ser analisados alguns aspectos no que concerne a vontade e disponibilidade das pessoas com deficiência ou reabilitados uma vez que, independentemente do ônus assumido pelas empresas, nada adianta a tentativa de contratação quando o próprio trabalhador não se interessa pela vaga oportunizada.
Eis que, dependendo do ramo empresarial, encontra-se ainda a ausência de candidatos disponíveis para o trabalho. As vagas são oferecidas, mas não são encontrados candidatos uma vez que as pessoas com deficiência ou reabilitados não são estimulados a se inserirem no mercado de trabalho.
4. Art. 93 da Lei 8.213/1991 – A cota de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados e a impossibilidade do cumprimento pelos empregadores
Como abordado no item 2 do presente trabalho, a Lei 8.213/91, em seu artigo 93, regula a obrigatoriedade das empresas com 100 ou mais empregados preencherem seus quadros com 2% a 5% dos cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência.
Apesar da Lei em questão ter sido promulgada a mais de vinte anos, as empresas ainda enfrentam inúmeros problemas para conseguir cumprir a cota mínima de contratação vez que falta profissionais capacitados disponíveis no mercado de trabalho (a falta de estrutura fornecida pelo Estado para reabilitar os trabalhadores agrava a falta de profissionais qualificados com deficiência) e também por conta dos riscos envolvidos no próprio ramo de atuação da empresa.
As fiscalizações das Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego nesse sentido ficam mais rígida e criteriosa a cada ano, havendo cada vez mais empresas autuadas, multadas administrativamente em valores expressivos.
Pode-se verificar o aumento dessas autuações de acordo com os próprios dados fornecidos no site do Ministério do Trabalho e Emprego, registrando que em 2005 das 375.097 empresas fiscalizadas, 3,41% foram autuadas em razão do não cumprimento da cota de deficientes, quando em 2010 (pesquisa feita em outubro de 2010), das 204.389 empresas fiscalizadas, 11,33% foram autuadas.
A despeito de se verificar frequente movimentação das empresas em busca de profissionais no mercado de trabalho para ocupação das vagas disponíveis, a realidade é que faltam candidatos qualificados portadores de deficiência ou reabilitados. Por esse motivo a grande parte das empresas não consegue cumprir a cota estabelecida.
A Lei é taxativa, aplicando apenas números e porcentagens, não tendo analisado o legislador a particularidade de cada ramo de atuação, bem como a atividade desenvolvida, ou até a estrutura do Estado para qualificar um profissional com deficiência.
As empresas que exercem atividades incompatíveis com a porcentagem de cargos para portadores com deficiência indicada na Lei, como as empresas de construção civil, por exemplo, e demais atividades classificadas pelo MTE como arriscadas, apesar de abrirem as vagas para contratações, não conseguem completar o número mínimo exigido. O fato é que não existem profissionais em quantidade suficiente para preenchimento de todas as vagas abertas.
Para que a criação da cota de deficientes possa dar certo e seja viável o seu cumprimento doravante de maneira efetiva, inclusive nas empresas classificadas com risco de acidente 3 ou 4, não gerando apenas multas, processos e transtornos as empresas e ao Estado, deve ser criada uma estrutura para qualificar e reabilitar os profissionais, assim os mesmos poderão ser inseridos e, principalmente, se manter no mercado de trabalho.
5. A necessidade de flexibilização e diferenciação das cotas entre as empresas com distintos ramos de atividades econômicas
Ao legislar, foram colocados em situação parelha os empresários de distintos ramos de atividades econômicas. O legislador não atentou para o ponto referente ao ramo de atuação nem à atividade desenvolvida pelas empresas. Uma empresa que atua no ramo econômico da mineração, por exemplo, não tem condições de contratar pessoas portadoras de deficiência da mesma forma que uma empresa que atua no comércio varejista. A diferença entre as diversas áreas de atuação e o efetivo labor do empregado não foram levados em consideração no momento da elaboração da Lei 8.213/91.
É notória a facilidade com que empregadores do ramo de venda de atacado, por exemplo, consegue localizar e contratar pessoas com deficiência e reabilitados; na sua maioria, esses empregados participam de atividades leves (ou menos ariscadas) dentro dos supermercados, seja embalando pacotes, limpando prateleiras ou tirando dúvidas de clientes.
Por outro lado, dentro de um canteiro de obras civis os riscos envolvidos na atividade são inúmeras vezes maiores do que a experiência laborativa acima destaca. A força braçal e o ritmo acelerado do cotidiano na construção civil supera a larga distância a atividade de empacotamento. Considerando os riscos envolvidos e as possibilidades de contratação, deveria ter tomado o cuidado, o legislador, na flexibilização e/ou diferenciação das cotas de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados em cada um dos setores. Empregadores da construção civil, por exemplo, não conseguem contratar portadores de deficiência visual ou auditiva para canteiros de obras (em decorrência dos riscos de acidentes de trabalho possíveis de ocorrer), nesse sentido a própria natureza do trabalho exclui a possibilidade de contratar um número de deficientes, o que não foi considerado na Lei 8.213/91.
Diante da enorme dificuldade das empresas em contratar pessoas portadoras de deficiência, o Ministério Público do Trabalho e o Poder Judiciário devem agir com extrema cautela para que não haja uma discrepância entre o objetivo da Lei de Cotas e o resultado decorrente da sua aplicação.
É que, muitas vezes, mesmo tendo envidado esforços na contratação de tais pessoas, as empresas se veem obrigadas ao pagamento de multas altíssimas e, até mesmo, indenizações por danos morais espantosas sem que haja qualquer negligência da sua parte, o que pode, até mesmo, ocasionar o fechamento da empresa.
Não há dúvidas de que o ramo de atuação da empresa influencia a possibilidade ou não de contratação de pessoas com deficiência, sendo imperiosa a modificação do percentual ou, até mesmo, a dispensa do preenchimento das cotas em alguns ramos empresariais.
6. A ausência de programa de habilitação e a excludente de responsabilidade por ato omissivo do Estado
De acordo com o CENSO/IBGE de 2010, 61% dos PCD’s não possuem instrução e tem o ensino fundamental incompleto. Tal fato, por si só, refuta os argumentos das decisões administrativas dos Autos de Infração lavrados contra as empresas que descumprem a cota de contratação de pessoas com deficiência e reabilitados, principalmente quanto às alegações das Superintendências de existência de empregados capacitados e qualificados disponíveis no mercado de trabalho. O CENSO/IBGE demonstra que o Estado brasileiro não cumpre com suas obrigações impostas pela Lei na formação e qualificação de PCDs e, mesmo assim, insiste em multar as empresas que não contratam estes profissionais.
Contra dados, não há argumentos. A realidade é que 61% dos PCDs não possuem instrução, por omissão do Estado, que busca transferir para as empresas este problema. Ou ainda, tais dados indicam, no mínimo, que as instituições filantrópicas que apoiam o Estado na suposta capacitação e qualificação das pessoas deficientes e reabilitados são insuficientes ou incompetentes.
Via de regra as empresas não se eximem da responsabilidade da contratação e cumprimento da cota legal de contratação, contudo, o que ocorre na prática é a impossibilidade por conta da não localização de empregadores disponíveis para ingresso no quadro de funcionários das empresas. No ponto específico do ramo da construção civil, além de não qualificar e não capacitar os profissionais para assumirem os respectivos cargos dentro das empresas, o Estado mantém a exigência do cumprimento da cota legal mesmo havendo iminente risco de acidentes de trabalho envolvendo esses trabalhadores.
Empresas que dispõem de recursos tentam solucionar o problema da falta de qualificação promovendo os referidos cursos de capacitação profissional. De outro lado, aquelas que não possuem recursos acabam sendo penalizadas em razão da ausência de contratação de pessoas com deficiência.
O dever das empresas é confundido com o papel e obrigação Estatal. O assistencialismo, a proteção, a integração e a disponibilização de oportunidade de reinserção no mercado de trabalho dos PCD’s são obrigações do Estado, sendo as empresas da iniciativa privada um meio para que de fato o efetivo cumprimento dessa realidade ocorra. Contudo, o que tem se visto na realidade é a inversão dos papeis, sendo as empresas responsabilizadas pela omissão e incompetência do Poder Público.
A Constituição Federal determinou que o Estado fosse o responsável pela inclusão social das pessoas com deficiência em seus arts. 23, II, 24, XIV e 203. O Estado deve, portanto, promover a dignidade dos PCD’s através das garantias fundamentais especiais em matéria de saúde, educação, assistência social, integração à vida social e ao mercado de trabalho.
Ainda, a Constituição em seu art. 7º, XXXI, veda a discriminação relativa a salários e critérios de admissão do deficiente, mas não abrange eventuais distinções de tratamento baseadas na necessidade de qualificação técnica para o desenvolvimento de determinadas atividades ou funções. Assim, se a pessoa não tiver a qualificação mínima necessária, não será admitida, independentemente de ser ou não PCD, o que não pode ser considerado discriminação (Convenção 111 da OIT).
A Lei 7853/89, em seu art. 2º, define que ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos. Isso abrange os direitos à educação e ao trabalho, incluindo-se a habilitação e reabilitação profissionais.
O art. 89 e seguintes da Lei 8.213/91 são claros ao dispor que a habilitação e a reabilitação são os meios hábeis de capacitar os PCDs para o mercado de trabalho; que a habilitação e a reabilitação são devidas em caráter obrigatório aos segurados; que a Previdência Social emitirá Certificado, uma vez concluído o processo de habilitação ou reabilitação:
O Regulamento da Previdência Social (RPS), aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, também ratifica os termos da lei 8.213/91, promulgando que a habilitação e reabilitação profissional são obrigações do Estado, por meio da Autarquia Previdenciária (INSS).
A Ordem de Serviço Conjunta INSS/DAF/DSS nº 90, 27/10/98, 04/11/98 dispõe expressamente que caberá ao INSS a “identificação das empresas, dos beneficiários reabilitados e das pessoas portadoras de deficiência habilitadas, a partir da criação de cadastro e banco de dados específicos”.
Por fim, pode-se ainda trazer a lume o Decreto nº 3.298/1999, que regulamenta a Lei no 7.853/1989 e dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. O referido Decreto também traz como obrigação do Estado a capacitação das pessoas com deficiência.
Não obstante todas essas previsões legais, o certo é que o INSS apenas tem promovido a reabilitação de empregados que anteriormente desenvolviam uma função, mas que em razão de doença ou acidente de trabalho, afastam-se do seu cargo e apenas podem retornar às empresas desenvolvendo outras funções, em razão das suas limitações físicas.
Assim, sem que o INSS cumpra sua obrigação de habilitar os portadores de deficiência para sua inserção no mercado de trabalho, não se pode exigir que as empresas contratassem empregados portadores de deficiência, até porque indisponíveis no mercado face à omissão estatal. Entendimento contrário violaria o a regra contida no art. 476, do Código Civil, que fala que “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.
A ausência de atuação estatal na habilitação de pessoas com deficiência vem refletindo diretamente no mercado de trabalho, que, de fato, não possui gente qualificada para ocupar funções em empresas privadas. Não tendo sido cumpridas as obrigações previstas na Lei nº 8.213/91 pelo Estado/INSS, as empresas estão impossibilitadas de cumprir a obrigação prevista no art. 93 do referido diploma legal, e, por via de consequência, não pode ser exigido das empresas o cumprimento da cota reservada para portadores de deficiência.
7. Medidas alternativas para cumprimento do objetivo da Lei 8.213/91
O cumprimento da cota legal de contratação de pessoas com deficiência, da forma como estabelecida na Lei e diante da realidade do cenário nacional, em especial quanto à precariedade do sistema previdenciário e de capacitação, é impossível.
As dificuldades enfrentadas pelas empresas por conta da inexistência de pessoal qualificado e disponível, por conta da precariedade do sistema de capacitação de pessoal e, ainda, diante da existência de benefícios previdenciários e ausência de incentivos fiscais, fazem com que o efetivo cumprimento da Lei não seja concretizado.
O sistema nacional de reserva legal de vagas aos portadores de deficiência não oferece nenhuma forma de bonificação àquelas empresas que cumprem as cotas. Por outro lado, nas hipóteses de não preenchimento da cota, torna-se um meio repressivo e de punição àquelas que não alcançam as metas impostas pela Lei.
A ausência de estímulos para as empresas que contratam PCD’s não se deve à falta de previsão legal, já que o artigo 22, §4º, da Lei n. 8.212, de 1991, narra que “o Poder Executivo estabelecerá, na forma da Lei, ouvido o Conselho Nacional da Seguridade Social, mecanismos de estímulo às empresas que se utilizem de empregados portadores de deficiências física, sensorial e/ou mental com desvio do padrão médio”.
Acontece que, tendo em vista a inércia e a falta de interesse do Estado, o referido dispositivo legal ainda não foi regulamentado, o que não impede a sua plena aplicação pelo Poder Judiciário, com base nos princípios da ponderação e da proporcionalidade.
Entende-se que uma das formas alternativas para cumprimento da referida cota é o incentivo fiscal por meio do qual as empresas que venham a cumprir as referidas cotas sejam premiadas com a isenção de tributos. A dúvida pertinente quanto ao ponto seria a controvérsia entre a alegação de inexistência de pessoas qualificadas outrora alegada e, por conta do surgimento de bonificações, a imediata possibilidade de contratação de PCDs. Contudo, o que deve ser registrado aqui é a forma de cumprimento. As empresas, por conta do ganho econômico com os benefícios fiscais, poderiam investir em qualificação e capacitação de PCD’s, numa forma de compensação financeira entre Estado e iniciativa privada e, principalmente, sucesso na política de integração de PCD’s no mercado de trabalho. A regulamentação do disposto no artigo 22, §4º, da Lei n. 8.212, de 1991, seria, dessa maneira, uma medida muito interessante não só para a população com deficiência mas também para o Estado e os empresários.
Para que as medidas alternativas possam de fato ser executadas e para que o cumprimento da cota legal estabelecida no art. 93 da Lei 8.213/91 seja efetivamente realizado, algumas sugestões são ventiladas.
O incentivo estatal poderia ser iniciado através de sistemas de “input” financeiro, onde o próprio Estado disponibilizaria um montante em benefício da empresa para que o empresário oferecesse dentro do seu ambiente de trabalho, espaços e locais reservados para orientação e qualificação das pessoas portadoras de deficiência. Tratar-se-ia de uma forma de subsídio parcial do Estado, sendo ônus da empresa a real capacitação do empregado. Com isso, o Estado estaria substituindo o precário sistema público do INSS e afins, beneficiando o empresariado e os portadores de deficiência. Como muitas empresas não possuem condições de arcar com o ônus da manutenção e treinamento uma das pessoas com deficiência, e o trabalho destas pessoas depende de experiência e habilidades, o Estado estaria subsidiando, através das ferramentas da própria empresa, o desenvolvimento e a construção laborativa dos empregados.
Em caráter alternativo, poder-se-ia adotar o sistema tradicional de isenção de tributos (federais, estaduais e municipais). A empresa seria estimulada a contratar pessoas com deficiência por meio da redução ou isenção da carga tributária ou das contribuições previdenciárias.
É imperioso destacar que em alguns países o referido sistema é adotado e o resultado até agora experimentado é de sucesso. As empresas, com interesse no benefício fiscal, oferecem interessantes vagas de empregos aos trabalhadores deficientes, utilizando o valor fruto da redução da carga tributária em investimento e qualificação dos referidos empregados, sendo em algumas hipóteses, inclusive, oferecidos salários e remunerações diferenciadas (a maior) aos referidos colaboradores.
Vale destacar que, para que o sistema acima indicado tenha sucesso, amarras legislativas precisam ser adotadas para que seja evitada a utilização do artifício ora exposto como meio de sonegação fiscal e redução da contribuição tributária; nesse tocante, tem-se como sugestão, o condicionamento do incentivo a uma permanência mínima do empregado na empresa (sendo tal condição flexibilizada em casos de justificativas plausíveis de dispensa).
8. Conclusão
Não adianta o Estado criar uma Lei que visa inserir as pessoas portadoras de deficiência e os reabilitados no mercado de trabalho se não proporcionar instrumentos hábeis e eficazes para viabilizar a inserção.
Não há nenhuma preparação destes trabalhadores para atuarem no mercado de trabalho; eles são simplesmente captados e lançados nas empresas para realizar as atividades. No atual modelo legal, considerando a reiterada fiscalização por parte da SRTE e aplicação de multas de valores vultosos, as empresas veem-se obrigadas a cumprir a legislação e, independente dos riscos envolvidos nas atividades desenvolvidas, são obrigadas a simplesmente contratar as pessoas com necessidades especiais e lançar eles para realização das funções.
O ônus de capacitação destes novos trabalhadores que deveria ser do Estado passa a ser da iniciativa privada, tendo esta que despender valores e tempo para preparar essas pessoas para exercerem, com o mínimo de produtividade e o máximo de segurança possível, as atividades da empresa. É bom lembrar que é obrigação legal do Estado proporcionar a qualificação dos profissionais, utilizando-se dos recursos que são repassados pelas empresas em razão da pesada carga tributária vigente.
Não obstante seu caráter protecionista e inclusivo, a referida previsão legal de cotas vem gerando grandes dificuldades para os empregadores, em especial aqueles envolvidos no ramo de atividades de risco, posto que o art. 93 da Lei 8.213/91 não distingue os critérios para contratação e tampouco analisa a coerência entre o tipo de atividade da empresa e a possibilidade de inserção dos portadores de necessidades especiais. Pode-se entender a criação de cotas como um mecanismo de inclusão dos deficientes no mercado de trabalho e, consequentemente, na sociedade, como uma ação afirmativa eficaz. Contudo, a norma não pode conferir o mesmo tratamento a empregadores que possuem características, objetivos e atividades diferenciadas. É necessário igualar os semelhantes e desigualar os diferentes.
Com efeito, ao que parece, o razoável não é a manutenção de uma obrigação com imposição de penalidade para quem não cumprir a cota, mas sim a concessão de estímulo – através de benefício ou uma vantagem fiscal, por exemplo -, para as empresas que alcançarem as contratações estipuladas pela Lei. É imperioso que seja estabelecido critérios objetivos para que o entendimento seja consolidado e a aplicação de sanções injustas seja cessada. O legislador e os Tribunais do País devem se pautar na realidade vivida pelas empresas, nas diversas áreas de atuação.
As empresas que desenvolvem atividades consideradas arriscadas (com nível de risco 3 ou 4 – classificadas dessa forma pelo MTE) se encontram atualmente em situação delicada eis que, por um lado, não podem contratar deficientes para trabalharem em determinados setores específicos exclusivamente (sob pena de ser considerada contratação discriminatória), por outro lado, na hipótese de contratação para prestação de serviços em locais distintos (canteiros, obras, produção), corre o empregado e empregador os riscos de acidente de trabalho, muitas vezes fatais, por conta da inexperiência, incapacidade e falta de qualificação do empregado.
Caso ocorra algum acidente, a família do acidentado será indenizada mas a empresa terá cumprido a Lei. Esse é o pensamento da maioria dos aplicadores do direito, pois o que realmente importa é cumprir o dispositivo legal. As consequências ficarão por conta da iniciativa privada, que realizou a contratação. Ora, não basta olharmos apenas para o fim da questão e o efetivo cumprimento da cota, é necessário que as adaptações ao ambiente de trabalho sejam também levados em consideração para fins de quantificação das cotas para cada um dos seguimentos empresariais.
Entende-se como injusta a forma de aplicação do dispositivo legal ora estudado. A título de sugestão, pode-se aplicar analogicamente a Convenção 182 da OIT, que regula as condições de trabalho dos menores de 18 anos aos portadores de necessidades especiais. Para ocorrer um reequilíbrio social, faz-se necessário desigualar e igualar, visto que tratando desigualmente os desiguais concretiza-se o princípio da igualdade – reafirmando o sentido do disposto no art. 3, III, da Constituição Federal, que coloca como objetivo fundamental da República reduzir as desigualdades.
Aplicando por analogia a Convenção da OIT supra indicada, estaria preservando a integridade física e psíquica das pessoas com necessidades especiais, pois elas teriam uma área reduzida da empresa (mais segura) para percorrer e desenvolver as suas atividades. Destaca-se, ainda, que, para aplicar efetivamente a referida Convenção, os Tribunais deverão levar em consideração a atividade empresarial desenvolvida e o nível de risco envolvido no ramo, uma vez que, dependendo da atividade, não seria necessário aplicar as restrições ora sugeridas. Em suma, importaria na redução (adequação legal ao caso concreto) da base de calculo utilizada para determinar a cota legal de cumprimento da contratação de pessoas com deficiência ou reabilitados.
Não obstante o objetivo da Lei 8.213/1991 seja o de promover a oportunidade de trabalho para aqueles excluídos, ela trata de forma simplista e superficial um problema bastante complexo, qual seja a falta de qualificação de mão de obra no mercado e, consequentemente, a impossibilidade de cumprir as cotas das empresas.
É necessário que a legislação se aproxime da realidade das empresas e, em especial aos ramos empresariais arriscados. É relevante que o poder público haja em conjunto com os empregadores, seja capacitando os profissionais antes da efetiva inclusão no quadro funcional das empresas, seja incluído no orçamento público verbas destinadas à esse público (na forma de descontos tributários ou redução de encargos trabalhistas, por exemplo), para que o ônus social de reinclusão dessas pessoas possa ser, primeiro, dividido entre o Estado e a iniciativa privada e, segundo e mais importante, efetivamente cumprido.
Tem-se como imprescindível para essa questão a adoção de medidas para transformar a Lei em uma ferramenta social que colabore com o fim social do Estado e da iniciativa privada, a partir da criação de benefícios para as pessoas com necessidades especiais, mas, ao mesmo tempo, não penalizando financeiramente as empresas. A imposição de multas não resolve e não resolverá o problema social da inserção de pessoas com deficiência e reabilitados no mercado de trabalho. É preciso colaboração, adequação legal e conscientização político-social do Estado e dos empreendedores nacionais.
Por conclusão, afirma-se que a questão da inclusão das pessoas com necessidades especiais no mercado de trabalho merece e precisa ser revista. É indispensável que a legislação sofra alterações para que seu efetivo cumprimento possa ser exigido e, mais importante, exequível. É fundamental que a Lei seja aproximada da realidade vivenciada pelas empresas, pois atualmente verifica-se uma ineficiência legislativa e somente após a realização de ajustes necessários o Brasil assistirá ao cumprimento pleno da legislação de inclusão laboral das pessoas com necessidades especiais.