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Testamento: os efeitos jurídicos da abertura extrajudicial

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03/11/2015 às 16:45
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Não é possível, ainda que com o consentimento de todos os herdeiros, proceder à abertura extrajudicial do testamento.

RESUMO: O presente trabalho tem como foco o testamento, no que tange aos efeitos jurídicos da abertura extrajudicial do testamento, tendo como finalidade analisar e formular uma proposta para a abertura extrajudicial do testamento baseado no consentimento dos herdeiros. Serão apresentados e analisados os principais conceitos e elementos constitutivos do testamento. O inventário extrajudicial é estudado no trabalho sob a perspectiva de dois pontos. O primeiro é com relação aos aspectos dos limites de admissibilidade e o segundo é com relação aos aspectos dos limites de regulamentação. Será usado o inventário extrajudicial como parâmetro procedimental para a proposta do trabalho, tendo em vista que o testamento é conceituado, sobretudo, como negócio jurídico unilateral embasado na autonomia da vontade. Por sua vez, para embasar fortemente a proposta do trabalho, far-se-á necessário estudar o testamento cerrado, posto este tipo de testamento visar garantir o sigilo da expressão de vontade do testador. Em seguida, serão analisados os institutos de restrição e ampliação do tema em destaque. Ao final da elaboração dos contornos e desenvolvimento do trabalho, será feita a proposta, com enfoque na autonomia da vontade dos herdeiros, sendo lastreada pelos princípios da celeridade e economia processual.

Palavras chaves: Testamento; inventário extrajudicial; testamento cerrado; abertura extrajudicial do testamento.

SUMÁRIO:RESUMO. RESUMEN. INTRODUÇÃO. 2–DO TESTAMENTO. 2.1 – Definição, conceito e elementos constitutivos. 2.2 – Da capacidade de testar. 3 – DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL. 3.1 – Definição, conceito e elementos constitutivos. 3.2 – Limites de admissibilidade. 3.3 – Regulamentação. Da resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. 4 – DO TESTAMENTO CERRADO. 4.1 – Definição, conceito e elementos constitutivos. 5 – DA ABERTURA EXTRAJUDICIAL DO TESTAMENTO. 5.1 – Da revogação do testamento cerrado. 5.2 – Da responsabilidade do tabelião - Lei nº 8.935/1994. 5.3 – Do aproveitamento do negócio jurídico como testamento particular. 5.4 – Da abertura extrajudicial do testamento com o consentimento dos herdeiros. 6 - CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1.INTRODUÇÃO

O testamento configura-se como um ato solene e revogável, vez que, a qualquer tempo, em vida, o testador poderá revogar ou mesmo retificar as suas disposições de ultima vontade. O ato de testar é revestido de solenidade. No universo jurídico brasileiro, a solenidade do ato de testar diz respeito precipuamente às formalidades legais. Assim, é necessário que o ato de testar cumpra as determinações previstas em lei, sob pena de incorrer em nulidade.

O testamento, além de ato solene, é considerado como um negócio jurídico unilateral e personalíssimo. Entende-se por personalíssimo, devido ao fato do conteúdo das disposições do testamento, só poderem ser feitas pelo testamenteiro e mais ninguém, nem mesmo por meio de um procurador ou representante. A lei permite que um terceiro auxilie o testamenteiro, desde que esta pessoa não tenha participado das disposições testamentárias, ou seja, desde que quem auxiliou o testador não figure como beneficiária do testamento.

A unilateralidade do testamento se dá pelo fato dele produzir efeitos apenas com a assinatura do testador, ou seja, apenas pela vontade de um lado do negócio jurídico, independente da manifestação dos herdeiros testamentários. O simples fato de herdeiro renunciar ao seu quinhão hereditário não descaracteriza a unilateralidade do testamento. Por este motivo, o testamento não é considerado um contrato, pois ele independe da vontade de duas partes.

Ainda, como objeto de estudo corolário ao testamento, encontramos o instituto jurídico do inventário extrajudicial, conhecido ordeiramente como “inventário em cartório”. A grande busca por esta modalidade de inventário está baseada na ideia de que tal instituto não encontra qualquer demora vez que, a princípio, prima pela celeridade e economia, pois a escritura poderá ser concluída em poucos dias. Contudo, salientamos que para que o inventário extrajudicial seja realizado em cartório, os herdeiros devem necessariamente ser maiores, capazes e não pode haver divergências entre os herdeiros. Ou seja, o procedimento deve ser consensual.

O presente artigo tem como estudo focalizado o testamento no que se refere aos efeitos jurídicos da sua abertura extrajudicial. Tendo por finalidade analisar e formular uma proposta para abertura extrajudicial do testamento baseado no consentimento dos herdeiros. No presente trabalho são apresentados e analisados os principais pontos conceituais e elementos constitutivos a cerca do testamento.

O testamento é conceituado, sobretudo, como negócio jurídico unilateral embasado na autonomia da vontade. Utilizado como parâmetro procedimental, o inventário extrajudicial é estudado no presente trabalho sob a perspectiva de dois pontos: os aspectos dos limites de admissibilidade e os aspectos dos limites de regulamentação.

Por sua vez, se faz necessário estudar ainda o testamento cerrado, modalidade de testamento que visa tão somente garantir o sigilo da expressão de vontade do testador. Nesta modalidade de testamento, ninguém toma conhecimento da última vontade do testador. Nem mesmo as testemunhas, vez que só participam do ato de aprovação do testamento. O tabelião, nesse tipo de testamento, limita-se apenas a declarar a autenticidade da expressão de vontade. O testamento cerrado é ainda conhecido como testamento secreto ou místico. Tal modalidade de testamento é a mais procurada, pois possibilita a discrição do conteúdo valendo-se de total autenticidade[1].

Por fim, abordamos os efeitos jurídicos da abertura extrajudicial do testamento, analisando os institutos de restrição e ampliação do tema em destaque, com enfoque na autonomia da vontade dos herdeiros, formulando a proposta de estudo dos efeitos jurídicos da abertura extrajudicial do testamento, lastreando os argumentos favoráveis com base na celeridade e economia processual, bem como alicerçando na autonomia da vontade dos herdeiros, a possibilidade da abertura extrajudicial do testamento.


2. DO TESTAMENTO

2.1 – Definição, conceito e elementos constitutivos

O testamento é o meio utilizado pelo testamentário para dispor de sua ultima vontade.  O testamento figura como o meio mais apropriado para efetivar o exercício da liberdade de testar, sendo igualmente conhecido como declaração de ultima vontade[2]. A sucessão post mortem opera-se no contexto jurídico brasileiro através da declaração de ultima vontade[3]. O ato de disposição de ultima vontade pode ser auxiliado por um terceiro, por exemplo um advogado, desde que não influa sobre a vontade do testamenteiro. O testamenteiro pode se dirigir a um cartório, na presença de um tabelião e testemunhas, e formalizar a sua expressão de ultima vontade.

O princípio da autonomia da vontade é o principal fundamento para dar alicerce ao poder de testar[4]. Por isso é possível afirmar que o testamento é um negócio jurídico utilizado para legitimar a ultima expressão de vontade do testador. O artigo 1.858[5] do Código Civil estabelece que o testamento é um ato personalíssimo, fato que o torna modificável a qualquer tempo. Assim, o testamento é um ato que pode ser revogado a qualquer tempo pelo testador, pois o testamento ainda que exista e seja válido, o mesmo não chegou a produzir os seus efeitos.[6] Assim, temos que o testamento é um negócio jurídico, de caráter personalíssimo, revestido de formalidade, que pode ser revogável, e que tem como primordial objetivo a destinação dos bens do testador.

O testamento é uma típica manifestação de vontade. Assim, essa manifestação de vontade se destina a produção de efeitos, o que atribui ao testamento, como dito anteriormente, o status de negócio jurídico, com efeito, mortis causa. Os efeitos jurídicos do testamento ficam suspensos até que ocorra evento futuro e indeterminado no tempo, ou seja, a morte do testamenteiro.[7]

Tal negócio jurídico se perfaz mediante a simples vontade do testador, não dependendo do momento em que a manifestação de vontade foi expressa, ou mesmo o intervalo de tempo entre a manifestação de vontade e sua plena eficácia, pois, definitivamente, o que será levado em consideração para o mundo jurídico é tão somente a expressão de vontade do testador.[8]

A sucessão testamentária é uma sucessão legítima, porém, não é corriqueira. A utilização do testamento está ligada a fatores socioeconômicos e a fatores geralmente estranhos ao direito. O ato de testar lembra a morte, implicando, às vezes, em óbice, em decorrência de fatores emocionais, psicológicos e familiares.

Além desses fatores, “o excesso de solenidade do testamento, com o risco sempre latente de o ato poder sofrer ataques de anulação após a morte” acaba afastando as pessoas da possibilidade de exercer a sua vontade expressa em testamento.[9] O testamento deve adaptar-se ao fato social, a família, e a propriedade. Com o advento do novo Código Civil, no ano de 2002, houve a facilitação da elaboração do testamento, diminuindo-se as formalidades, podendo assim proteger a autonomia da vontade do testamentário[10].

Encontram-se submersos no mundo ético princípios que são sustentáculos da liberdade de dispor do patrimônio pessoal, assim como, preservam os elos de solidariedade, firmando limitações ao direito de testar. A sucessão post mortem se opera através da declaração de ultima vontade, a qual devem seguir os critérios legais. A não realização do testamento implica na concordância tácita aos ditames previstos em lei[11].

As regulamentações legais dos institutos jurídicos reafirmam-se perante a sociedade que as cria e utiliza cada vez mais em suas necessidades socioeconômicas, tendo em vista o aumento destas, transformando a vivência humana. O progresso alimentado por essas necessidades não pode parar. O direito, que nasce da sociedade, deve caminhar com o seu desenvolver, tendo em vista que a sociedade dinamiza e transforma o direito[12].

A autonomia da vontade é o princípio que fundamenta o poder de testar. O ato de realizar a expressão de ultima vontade através do testamento não faz parte da cultura brasileira. Em regra, a realização do testamento é sempre deixada para depois, posto ser o testamento algo que está associado à convalescência.[13] Sílvio Venosa, por sua vez, vem a confirmar a presença da autonomia da vontade do testamento, conforme podemos observar nesta passagem:

[...] o testamento é um dos pontos mais relevantes do direito privado, pois é nele que se revela com maior amplitude da autonomia da vontade privada[14].

Logo, o testador, ao diligenciar no preparo de seu testamento está exercendo sua autonomia da vontade. Os efeitos jurídicos decorrem da utilização da autonomia da vontade. Conclui-se, portanto, que a expressão de vontade nada mais é que um negócio jurídico[15].

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2.2 – Da capacidade de testar

Existe uma capacidade especial para se proceder com o ato de testar. Capacidade que não deve ser confundida com a capacidade geral para exercer os atos da vida civil. Ao regular de forma diferente a aptidão para determinados atos, a lei a bem da verdade, aborda o tema da legitimação para o ato.

A legislação impõe limites para exercer o ato de testar. Não são todas as pessoas que podem exercer a expressão de ultima vontade. Em regra, apenas as pessoas físicas podem exercer o ato de testar. No que tange às pessoas jurídicas, existem outras formas de dispor do seu patrimônio quando ocorre o seu desaparecimento. No entanto, tanto as pessoas jurídicas e as pessoas físicas, podem receber por testamento[16].

Afirma-se que a capacidade de testar é a regra, bem como a incapacidade de testar é a exceção. Desta forma, quem por ventura suscitar a incapacidade testamentária ativa, necessariamente, possuirá o ônus de provar o alegado. Estando no pleno gozo de suas faculdades mentais, apenas as pessoas físicas possuem capacidade para testar. O ato de testar requer capacidade de fato.

Assim, como bem dito anteriormente, o ato de testar é personalíssimo, sendo vedada, inclusive, a representação do incapaz, exigindo-se apenas como idade limite os dezesseis anos completos. A capacidade de testar deve ser notória. Tal pressuposto é inerente às pessoas físicas, que devem estar em pleno gozo de suas capacidades mentais no momento em que estiverem emitindo a expressão de vontade. Assim, em razão do testamento ser um ato personalíssimo, concluiu-se que o incapaz não pode ser representado para exercício de expressão de ultima vontade[17].

As pessoas que são reconhecidas como civilmente capazes podem emitir a sua declaração de ultima vontade. Porém, no que tange à legitimidade para testar, o Código Civil determina como sendo a idade mínima para exercer o direito de testar, dezesseis anos completos. Assim, qualquer pessoa que não seja considerada absolutamente incapaz e que já possua dezesseis anos completos, não necessita da assistência dos pais ou de eventual tutor para expressar a sua vontade em testamento. Percebe-se que não estamos falando de eventual redução da capacidade de exercício de direito, ou mesmo de específica capacidade civil, mas apenas de legitimidade para o exercício de direito que é outorgado em lei[18].

De relevância expor que a aferição da capacidade ou mesmo da legitimidade do testador somente se dará no momento da realização do testamento. Ou seja, o que importa para o mundo jurídico é saber se quando o testador manifestou a sua vontade, possuía o necessário discernimento para realizar a sua expressão de ultima vontade. Assim, a eventual capacidade superveniente não invalida o testamento[19].

Cabe mencionar que o Código Civil apenas estabelece um limite mínimo de idade para a realização da expressão de ultima vontade, não havendo assim, qualquer tipo de restrição ou incapacidade relativa à idade avançada. No caso da idade avançada, caso exista algum tipo de enfermidade que prejudique o total discernimento, o testador será considerado incapaz de testar em razão da enfermidade e não por consequência de sua idade[20].


3. DO INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL

3.1 – Definição, conceito e elementos constitutivos

O inventário extrajudicial é uma modalidade simplificada de inventário. A Lei nº 4.442, de 2007, faculta aos herdeiros optar pela realização do inventário e a patilha mediante uma única escritura pública, sendo tal escritura lavrada por notário de livre escolha dos herdeiros. Registra-se que a citada lei determina que os herdeiros devem ser legítimos, capazes e que estejam concordes. A legislação não impõe restrição ao herdeiro único que opte por utilizar o inventário extrajudicial, decorrendo na adjudicação de todos os bens que foram deixados pelo de cujos[21].

Por se tratar de um procedimento mais célere, o inventário extrajudicial produz seus efeitos no momento em que o tabelião promove a lavratura da escritura pública de testamento. Assim, o traslado que é extraído da escritura pública, consiste em hábil que se promova a averbação do registro dos imóveis – caso existam –, bem como para que seja possível certificar a aquisição da titularidade de eventuais bens, na exata forma como se procedeu à partilha, perante qualquer órgão publico ou privado, ou mesmo perante qualquer pessoa jurídica ou física. Para que a escritura pública seja lavrada, é necessário que se proceda com o recolhimento de tributos que incidem no montante da herança[22].

3.2 – Limite de admissibilidade

A legislação impõe, necessariamente, a assistência do advogado para a realização do inventario extrajudicial. A assistência imposta pela lei não se caracteriza como a simples presença formal ao ato visando apenas a sua autenticação. O advogado deve assessorar de forma participativa e promovendo a orientação peculiar de sua profissão, esclarecendo dúvidas e elaborando a minuta para a lavratura da escritura pública[23].

Na escritura deve constar a qualificação do advogado e o número de inscrição no quadro da OAB. Caso os herdeiros não possuam condições de contratar um advogado, poderão ser assistidos por um defensor público. Além da gratuidade da assistência jurídica, a legislação prevê que os declaradamente pobres perante o tabelião, não poderão pagar os emolumentos que seriam devidos ao tabelionato. Isso decorre do fato que a atividade notarial é serviço público que é delegado pelo Poder Judiciário, ainda que seja exercida de forma privada, a prestação pode ser gratuita como bem determina a lei[24].

Além da qualificação do advogado, a escritura pública deve conter a qualificação do de cujos, qual era o regime de bens, qual foi a data do falecimento, qual foi o lugar do falecimento, qual a data que a certidão de óbito foi expedida e onde foi registrada, deve constar ainda a declaração dos herdeiros de que o de cujos não deixou testamento e outros herdeiros. Ainda, necessariamente, deverão os herdeiros apresentarem as certidões comprobatórias de titularidade bens móveis e imóveis. Caso detenham apenas a posse dos bens, os herdeiros deverão repassar todas as informações necessárias que possam identificar os bens[25].

3.3 – Regulamentação. Da resolução nº 35/2007 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Impede destacar que todos os interessados na sucessão do de cujos, o que não se restringe apenas aos herdeiros, poderão participar do inventário extrajudicial. Em razão disso, ao lado dos herdeiros, irão participar do inventário extrajudicial os cessionários de direitos hereditários de qualquer um dos herdeiros[26].

A resolução nº 35/2007 do CNJ exige ainda, o comparecimento dos companheiros e dos cônjuges de todos os herdeiros, no caso de renúncia ou de qualquer ato que enseje em transmissão. A exceção surgira quando os cônjuges ou companheiros forem vinculados ao regime de separação total de bens. Acaso algum dos herdeiros não reconheça a existência de união estável, o inventário necessariamente deverá ser judicializado[27].

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Sobre o autor
Cícero Mendes

Advogado e Consultor Jurídico. Possui graduação em Direito pela Faculdade Marista do Recife e Pós-graduação em nível de especialização em Direito de Família e Sucessões pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Possui experiência nos ramos de Direito Público e Direito Privado, com atuação lato sensu em Direito Civil e expertise em Direito de Família e Sucessões. Servidor Público Estadual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE JÚNIOR, Cícero Mendes. Testamento: os efeitos jurídicos da abertura extrajudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4507, 3 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43916. Acesso em: 26 abr. 2024.

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