3 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
Caminhando na explicação acima proposta, tem-se, a partir dos ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2006, p. 493.), que os recursos podem ser definidos como “meios de impugnação de decisões judiciais, voluntários, internos à relação jurídica processual em que se forma o ato judicial atacado, aptos a obter deste a anulação, a reforma ou o aprimoramento”.
Desse modo, a caracterização do recurso está ligada à possibilidade de revisão do ato judicial, como exclusiva faculdade da parte (1994, p. 508), na mesma relação jurídica e, portanto, condicionado a um ato voluntário do interessado.
Entretanto, o recurso como direito potestativo processual, submete-se a prévio exame de admissibilidade, que operando no plano de validade dos atos jurídicos, condiciona a apreciação do mérito recursal.
Assim, o recurso teve ser tomado, primeiro, por sua admissibilidade, antes de se examinar o mérito do mesmo; ou seja, as razões que emanam de seu bojo, apostas pelo recorrente.
Nesse sentido, Luiz Fux (2004, p. 937) ensina que:
Os recursos, como manifestação de cunho postulatório, submetem-se a um prévio exame de admissibilidade, antes da análise da eventual precedência da impugnação. O denominado juízo de admissibilidade dos recursos equipara-se àquele exame prévio que o juiz enceta quanto às condições da ação e os pressupostos processuais, antes de apreciar o mérito da causa.
Portanto, a admissibilidade recursal deverá ser previamente examinada, a partir de um caráter oficioso.
Somente se o recurso for conhecido, ou seja, se o tribunal declarar que estão presentes os requisitos indispensáveis ao legítimo exercício do direito de recorrer, irá examinar o mérito do recurso.
Desse modo, o objeto do juízo de admissibilidade dos recursos é composto dos chamados requisitos de admissibilidade.
Como já referido, tais pressupostos têm correspondência com as condições da ação e os pressupostos processuais. E, desse modo, em não preenchidos tais requisitos, não poderá haver decisão sobre o objeto do recurso. Assim, o recurso será rejeitado, por inadmissível, sem exame do mérito, opondo-se, portanto, à rejeição por falta de fundamento, que pressupõe o exame do mérito.
Esses classificam-se em dois grupos: i) requisitos intrínsecos e ii) requisitos extrínsecos.
Quanto aos requisitos intrínsecos, tratam-se dos requisitos que dizem respeito ao próprio direito de recorrer. Ou seja, i) cabimento; ii) legitimação, iii) interesse e iv) inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer.
Por seu turno, os requisitos extrínsecos, dizem respeito ao modo de exercício do direito de recorrer. Quais sejam, i) preparo, ii) tempestividade e iii) regularidade formal.
Assim, quanto ao cabimento, tem-se que tal princípio busca responder se o ato impugnado é suscetível, em tese, de ataque; ou seja, se o ato é recorrível.
Ainda, pondera qual o recurso cabível contra essa decisão, em tese recorrível.
Busca, portanto, a previsão legal do recurso e sua adequação.
A elucidação de tal requisito e apresentada por Fredie Didier e Leonardo José Carneiro da Cunha (2011, p. 45), os quais explicam que:
É preciso que o ato impugnado seja suscetível, em tese, de ataque. No exame do cabimento, devem ser respondidas duas perguntas: a) a decisão é, em tese, recorrível? b) qual o recurso cabível contra esta decisão? Se se interpõe o recurso adequado contra uma decisão recorrível, vence-se esse requisito intrínseco de admissibilidade recursal. Em suma, o cabimento desdobra-se em dois elementos: a previsão legal do recurso e sua adequação: previsto o recurso em lei, cumpre verificar se ele é adequado a combater aquele tipo de decisão. Se for positiva a resposta, revela-se, então, cabível o recurso.
Quanto a legitimidade, o referido requisito apresenta-se previsto no artigo 499 do Código de Processo Civil, o qual apresenta a seguinte redação: “O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público”.
No que pertine ao terceiro prejudicado, de forma específica, a teor da previsão estabelecido no § 1º, do artigo 499 do Código de Processo Civil, o mesmo deverá demonstrar a relação de seu interesse em intervir com a relação jurídica posta à apreciação judicial. Frisando que tal interesse deverá ser jurídico, segundo a doutrina (ASSUNÇÃO, 2009, p. 237).
Por sua vez, no que tange ao interesse recursal, assevera-se que a admissibilidade do recurso está adstrita à sua utilidade.
Assim, o recorrente deverá esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada.
Ainda, referente a esse requisito, está a noção de que o recurso deverá ser necessário, ou seja, o recorrente deverá demonstrar que é necessário utilizar-se das vias recursais para alcançar este objetivo.
Finalmente, costuma-se associar tal pressuposto à sucumbência.
Sob esse tema, Fredie Didier e Leonardo José Carneiro da Cunha (2011, p. 45) ponderam que:
O exame do interesse recursal segue a metodologia do exame do interesse de agir (condição da ação). Para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada – e necessidade – que lhe seja preciso usar as visas recursais para alcançar esse objetivo.
Ainda quanto aos pressupostos intrínsecos, apresenta-se a “inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer”.
Nesse sentido, há fatos que não podem ocorrer para que o recurso seja admissível. São os fatos impeditivos e extintivos do direito de recorrer.
Trata-se de um pressuposto de admissibilidade de caráter negativo ao direito de recorrer.
Portanto, verificada a sua ocorrência, obsta-se o exercício da recorribilidade.
Dessa forma, por fato impeditivo do poder de recorrer entende-se aquele que diretamente haja resultado da decisão desfavorável àquele que, depois, pretenda impugná-la.
Como exemplo, pode ser citado a sentença que homologa a desistência do recurso. Ainda, pode-se citar a ocorrência da preclusão lógica.
Nesse sentido, quanto a desistência do recurso, o artigo 501 do Código de Processo Civil preceitua que: “O recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”.
Por sua vez, quanto a preclusão lógica, o artigo 503 do Código de Processo Civil estabelece que: “A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer”.
Como fato extintivo do direito de recorrer, por seu turno, cite-se a renúncia do direito de recorrer. Essa se assemelha à renúncia. No entanto, ocorre após o oferecimento do recurso.
Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2006, p. 513) asseveram que:
Interposto o recurso, mas não tendo mais interesse em prosseguir na apreciação da insurgência, pode o recorrente desistir do recurso já interposto, mesmo sem a anuência da parte contrária ou de seus litisconsortes, seguindo-se então o curso normal do procedimento no juízo a quo (art. 501 do CPC). Ocorrendo a desistência do recurso, impede-se o prosseguimento do respectivo processamento, ficando ao tribunal vedado conhecer da insurgência.
Quanto aos pressupostos extrínsecos, inicialmente, tem-se a dizer que quanto a tempestividade; a mesma se revela na exigência de que o recurso deverá obedecer o prazo fixado em lei, para sua interposição.
Assim, considerando o teor do artigo 183 do Código de Processo Civil, em não se obedecendo aos prazos legais, perde-se o direito de recorrer, em decorrência da preclusão temporal.
No que tange a regularidade formal, tem-se que os recursos para serem conhecidos deverão preencher determinados requisitos formais que a lei exige.
Assim, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2006, p. 511) ponderam que:
O exercício do direito de recorrer submete-se aos ditames legais para a interposição e tramitação dos recursos. Não obstante possa o interessado ter direito a recorrer, o recurso somente será admissível se o procedimento utilizado pautar-se estritamente pelos critérios descritos em lei.
Finalmente, quanto ao preparo, o mesmo consiste no adiantamento das despesas relativas ao processamento do recurso.
A ausência de preparo acarreta uma sanção chamada de deserção, vicejando no não conhecimento do recurso interposto.
Quanto aos efeitos dos recursos, em análise preliminar, tem-se que a sua interposição, conforme se pode depreender, contrário senso, do teor do artigo 477 do Código de Processo Civil, impede o trânsito em julgado da decisão; na medida em que prolonga a litispendência, agora em nova instância.
E pelas mesmas razões, mutatis mutandis, os recursos impedem a incidência da preclusão sobre a decisão impugnada.
A par dessas considerações iniciais, os recursos ainda apresentam como efeitos característicos: o efeito devolutivo e o efeito suspensivo, também chamado de obstativo.
Assim, o efeito devolutivo “importa devolver ao órgão revisor da decisão a matéria impugnada nos seus limites e fundamentos” (2004, p. 955).
Entretanto, quanto ao efeito devolutivo, há que se ponderar, a partir dos ensinamentos de Fredie Didier e Leonardo José Carneiro da Cunha (2011, p. 85), que:
A extensão do efeito devolutivo significa precisar o que se submete, por força do recurso, ao julgamento do órgão ad quem. A extensão do efeito devolutivo determina-se pela extensão da impugnação: tantum devolutum quantum appellatum. O recurso não devolve ao tribunal o conhecimento de matéria estranha ao âmbito do julgamento (decisão) a quo. Só é devolvido o conhecimento da matéria impugnada (CPC, art. 515). Sobre o tema, convém ressaltar, as normas que cuidam da apelação funcionam como regra geral (CPC, arts. 515 e 517). A extensão do efeito devolutio determina o objeto litigioso, a questão principal do procedimento recursal. Trata-se de sua dimensão horizontal.
Por sua vez, quanto ao efeito suspensivo, o mesmo pode ser concebido como o diferimento da coisa julgada formal.
Nesse sentido. Tem-se que o “efeito suspensivo é aquele que provoca o impedimento da produção imediata dos efeitos da decisão que se quer impugnar” (2011, p. 45).
Pondere-se, entretanto, que quanto ao efeito suspensivo, o mesmo efetivamente decorre da decisão a que se quer recorrer, que por estar orbitada pelo recurso constitui-se em ato ineficaz, que pela influência recursal, tem esse estado perpetrado no tempo.
CONCLUSÃO
O ser humano tem a inata tendência em não se conformar com determinações que contrariem os seus interesses.
Na seara processual, uma decisão judicial que representa ônus a uma das partes pode se concretizar de forma menos traumática, sendo calcada em um duplo conforme, de modo a que as razões advindas de uma primeira decisão, sejam confirmadas por uma segunda decisão, corroborando aquelas razões de decidir.
Em tais situações, o recurso se presta como via de retorno ao Poder Judiciário, possibilitando que a parte manifeste sua insurgência, por meio da peça recursal; valendo-se desse instrumento para submeter, por uma segunda vez, as suas razões, não raro, a um colegiado mais experiente, que lhe possibilitará um novo alento.
Os recursos, portando, se apresentam como um instrumento de justiça. Acodem, em sua conformação, a tendência humana ao inconformismo com as decisões judiciais que lhes contrariam seus interesses.
De outra medida, funcionam como mecanismo de fiscalização do Poder Judiciário e aprimoramento da prestação jurisdicional, na medida em que possibilitam a correção de injustiças e aprimoramento técnico e sistemático.
Tem assento constitucional, sob nosso pensar, quando a Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LV, assegura aos litigantes, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recurso a ela inerentes.
No entanto, como instrumentos do processo, os recursos submetem-se a condicionantes, de modo a preservar a regra da par conditio.
Assim, “essa garantia a um contraditório elastecido” somente atingirá seu intento, em última análise, para as partes, na preservação de uma decisão justa ou a reforma de uma decisão injusta; e para os cidadãos em geral, no exercício de uma função fiscalizatória, promovida pelas instâncias superiores em relação às instâncias inferiores, na medida em que esse instrumento processual seja adequadamente manejado.
Daí, portanto, a importância do exato conhecimento dos requisitos de admissibilidade dos recursos.
REFERÊNCIAS:
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