A penhora das quotas e das ações das sociedades personificadas

26/10/2015 às 16:42

Resumo:


  • O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, incluindo os bens adquiridos depois da obrigação.

  • A penhora atinge bens do executado para pagamento da dívida, excluindo os bens impenhoráveis ou inalienáveis, conforme o CPC.

  • A penhora das quotas sociais e ações de sociedades segue uma ordem legal específica, com regras detalhadas no Código de Processo Civil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

São analisadas as inovações trazidas no artigo 861 do novo Código de Processo Civil

O devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições legais (art. 789 do CPC). Tanto os bens do devedor existentes a época da obrigação como os bens adquiridos depois respondem pelo cumprimento da obrigação de pagar.

Deste modo, a penhora deverá atingir tantos bens do executado quantos bastem para o pagamento do total da dívida, principal e acessórios, não estando sujeitos a execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis (arts. 831 e 832 do CPC).

A quota social é uma parte do capital social que assegura ao sócio direitos e deveres em relação a sociedade, tendo a natureza de bem móvel incorpóreo (art. 1.055 do CC). As ações são frações unitárias do capital social das companhias abertas e fechadas, que atribuem ao titular a condição de acionista, e tem natureza de bem móvel corpóreo (art. 11 da Lei nº 6.404/76).

No enunciado nº 389 da IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, fica consignado que as quotas do sócio de serviço, na sociedade simples (art. 997, inc. V, art. 1006 e 1007 do CC), serão impenhoráveis quando tiver caráter alimentar (art. 833, inc. IV do CPC).

No enunciado nº 387 da IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, a opção entre fazer a execução recair sobre o que ao sócio couber no lucro da sociedade, ou na parte que lhe tocar em dissolução, orienta-se pelos princípios da menor onerosidade e da função social da empresa.

Com a penhora inicia-se a transmissão forçada de bens do devedor para a satisfação do direito do credor, tendo a natureza de ato executório e a finalidade de individualizar e apreender os bens do executado para satisfação do direito do credor (art. 839 do CPC), de conservar os referidos bens para evitar que sejam alienados, deteriorados ou escondidos pelo devedor (ENRICO TULLIO LIEBMAN, Processo de Execução, 2003, pág. 149).

A penhora se diferencia do arresto por ser um ato de execução enquanto o arresto é um ato de natureza cautelar, provisório e excepcional, que se converte em penhora após a citação do executado e transcorrido o prazo para pagamento ou oferecimento de bens (§ 3º do art. 830 do CPC).

A penhora das quotas das sociedades simples e empresárias e das ações das companhias aparece em nono lugar na ordem legal da penhora instituída pelo artigo 835 do Código de Processo Civil.

No Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869/73) a penhora das quotas e ações das sociedades personificadas aparecia em sexto lugar na ordem legal fixada pelo artigo 655, e o artigo 685-A, § 4º, assegurava a preferência dos sócios na aquisição das quotas quando o exeqüente (não sócio) pretendesse a adjudicação das quotas, regra que encontra correspondente no § 7º do artigo 876 do Código de Processo Civil de 2015.

Nos termos do artigo 1.150 do Código Civil o empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis (Lei nº 8.934/94) a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 114 a 126 da Lei nº 6.015/76).

Tratando-se de penhora, seqüestro ou arresto de quotas ou de ações compete a Junta Comercial proceder à anotação correspondente para conhecimento de terceiros, nos termos do artigo 47 do Decreto nº 1.800/96, que regulamenta a Lei nº 8.934/94, que dispõe sobre o registro público de empresas.

A penhora sobre ações de sociedade anônima será registrada no livro de Registro de Ações Nominativas (art. 100, inc. I, alínea f, da Lei nº 6.404/76), com comunicação a bolsa de valores.

O importante é que a penhora seja inscrita no registro competente para gerar a presunção absoluta de conhecimento por terceiros, devendo-se destacar que a súmula de jurisprudência nº 375 do Superior Tribunal de Justiça não se aplica as execuções fiscais para cobrança de créditos tributários inscritos em dívida ativa (STJ, REsp nº 1.341.624/SC, Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 14/11/2012). Deste modo, após a Lei Complementar nº 118/2005, presume-se a ocorrência de fraude a execução quando os atos de alienação ou oneração das quotas ou ações forem feitos posteriormente a inscrição do crédito tributário em dívida ativa.

Para os demais créditos é o registro da penhora ou a averbação da propositura da ação de execução que irá gerar a presunção de fraude a execução, quando os atos de alienação ou oneração das quotas e ações forem feitos em data posterior ao registro. (arts. 792, 799, inciso IX e 828 do CPC).

Havendo a implementação de sistema eletrônico (art. 193 do CPC) é possível a penhora, com a sua inscrição no registro competente por meio eletrônico.

O artigo 861 do Código de Processo Civil trata da penhora das quotas e das ações dos sócios, dispondo que o juiz assinará prazo razoável, não superior a três (3) meses, para que a sociedade apresente balanço especial, na forma da lei; ofereça as quotas ou as ações aos demais sócios, observado o direito de preferência legal ou contratual; e não havendo interesse dos sócios na aquisição das ações, proceda à liquidação das quotas ou das ações, depositando em juízo o valor apurado, em dinheiro.

O prazo de três (3) meses poderá ser ampliado pelo magistrado, a requerimento ou de ofício, quando o pagamento das quotas ou ações superarem o valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal, ou colocar em risco a estabilidade financeira da sociedade simples ou empresária (§ 4º do art. 861 do CPC). O CPC dispõe que o prazo poderá ser ampliado não fixando a sua limitação.

O saldo de lucros e as reservas, inclusive a legal, estão disciplinados nos artigos 189 a 200 da Lei nº 6.404/76. 

O balanço especial é o do artigo 1.031 do Código Civil que determina que o valor da quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. O pagamento da a quota deverá ser em dinheiro.

O Código Civil fala em balanço especial, mas o correto seria falar em balanço de determinação, como faz o artigo 606 do Código de Processo Civil. Pode-se definir balanço de determinação como um balanço patrimonial especial, elaborado para fins judiciais por perito contábil a partir do balanço oficial da empresa, que não afeta a contabilidade da mesma e é utilizado para determinar o montante dos haveres que cabe ao sócio dissidente, excluído ou falecido.

Em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades (art. 606, parágrafo único do CPC).

O juiz poderá, a requerimento do exeqüente ou da sociedade personificada, nomear administrador, que deverá submeter à aprovação judicial a forma de liquidação. A nomeação deverá ser averbada no registro próprio (art. 1.102 do CC).

Para evitar a liquidação das quotas ou das ações, a sociedade poderá adquiri-las sem redução do capital social e com utilização de reservas, para manutenção em tesouraria. Esta regra não se aplica à sociedade anônima de capital aberto, cujas ações serão adjudicadas ou alienadas em bolsa de valores.

Deste modo, para evitar a liquidação o CPC passa a prever a possibilidade das sociedades personificadas negociarem com as próprias quotas ou ações, conforme o disposto no artigo 30 da Lei nº 6.404/76 c/c artigo 983 e artigo 1.053 do Código Civil.

No enunciado nº 391 da IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, ficou decidido que a sociedade limitada pode adquirir suas próprias quotas, devendo observar as condições estabelecidas na Lei das S/A.

As condições estabelecidas na alínea b do § 1º do artigo 30 da Lei nº 6.404/76 para a aquisição das quotas e ações pela sociedade para permanência em tesouraria, são a de que o capital social não seja diminuído e a sociedade não poderá despender além do valor do saldo de lucros ou reservas, exceto a legal.

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Assim, para evitar a liquidação das quotas e ações, a sociedade pode adquiri-las para permanência em tesouraria, ficando como quotista ou acionista de si mesma.

O Superior Tribunal de Justiça já vinha autorizando a sociedade personificada a remir a execução na qualidade de terceira interessada, o que na prática equivale a negociação com as quotas ou ações próprias (REsp n° 221625, Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 07/05/2001).

O artigo 861 prevê uma forma de dissolução parcial das sociedades personificadas quando os demais sócios não exerçam o direito de preferência na aquisição das quotas penhoradas e a sociedade não exerça o direito de adquiri-las para manutenção em tesouraria. Neste caso, efetua-se a liquidação das quotas penhoradas resolvendo-se a sociedade em relação ao sócio excluído.

Da mesma forma, o artigo 1.026 do Código Civil autoriza o credor a requerer a liquidação da quota do devedor, cujo valor deverá ser apurado na forma do artigo 1.031, mediante balanço especial, depositando-se em dinheiro a disposição do juízo da execução, no prazo de noventa dias a contar da liquidação. Neste caso, o sócio cuja quota tenha sido liquidada será excluído de pleno direito (art. 1.030, parágrafo único do CC).

Caso não haja interesse dos demais sócios no exercício do direito de preferência; não ocorra a aquisição das quotas ou das ações pela sociedade e a liquidação seja excessivamente onerosa para a sociedade, o juiz poderá determinar o leilão judicial das quotas ou das ações (§ 5º do art. 861 do CPC).

Pode ocorrer que a resolução da sociedade em relação ao sócio que teve suas quotas ou ações penhoradas, se torne tão onerosa para a continuidade da atividade civil ou empresarial que a solução será a adjudicação ou a alienação da participação societária com o ingresso de novo sócio quotista ou acionista.

Ressalvados os casos de alienação a cargo de corretores de bolsa de valores, todos os demais bens serão alienados em leilão público. Portanto, as ações das companhias abertas são alienadas em bolsa de valores e as quotas e as ações das companhias fechadas são alienadas em leilão público.

A regra do referido artigo 861 do Código de Processo Civil é inovadora, visto que o CPC de 73 não tinha norma semelhante, e supre uma lacuna no tocante a penhora de quotas das sociedades simples e empresárias e das ações das sociedades anônimas fechadas, em que era recorrente a alegação de que a penhora das quotas sociais violariam a affectio societatis (STJ, AGARESP nº 231266, Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 10/06/2013, AGA nº 347829, Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, DJ 01/10/2001, e REsp nº 16540, Min. Waldemar Zveiter, Terceira Turma, DJ 08/03/1993), .

Na nova sistemática do CPC os direitos de preferência dos sócios são preservados, na hipótese de penhora das quotas de algum sócio quotista, e a eventual cláusula contratual de proibição de livre alienação das quotas é resguardada, na medida em que primeiro as quotas ou ações serão oferecidas aos demais sócios e somente quando não houver interesse destes na aquisição das quotas ou ações penhoradas é que se procede a resolução da sociedade em relação ao sócio que teve suas quotas ou ações penhoradas, com a respectiva liquidação e depósito do valor em juízo. Pode, ainda, a sociedade adquirir as quotas e ações do sócio executado para manutenção em tesouraria ao invés de proceder a liquidação das mesmas. As quotas e ações somente vão a leilão judicial se os sócios não exercerem o direito de preferência, a sociedade não adquiri-las e também não resolver a sociedade em relação ao sócio executado.

O intuito é o de preservar a continuidade das atividades econômicas desenvolvidas pelas sociedades e companhias, com base no princípio da preservação da empresa e da sua função social.

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Sobre o autor
Raphael Funchal Carneiro

Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pós graduado em direito tributário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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