Análise do AgRg na EP 12-STF

O pagamento da multa como requisito para progressão de regime

27/10/2015 às 15:52
Leia nesta página:

Análise do inteiro teor do voto do Ministro Barroso nos autos do AgRg na EP 12, do STF, que concluiu pela exigência do pagamento da multa penal como requisito para progressão de regime.

Em 8 de abril de 2015 foi discutido e deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos do Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal 12, do Distrito Federal (AgRg na EP 12) a possibilidade ou não de progressão de regime em caso de inadimplemento deliberado da pena de multa prisional.

O relator para o acórdão foi o Ministro Roberto Barroso e o julgamento foi por maioria, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio.

O fato: o apenado foi sentenciado por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro à pena de 6 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como multa fixada em 330 dias-multa, sendo-lhe denegada a progressão de regime em função de, apesar de notificado, não haver recolhido a multa prisional.

Argumentos lançados pelo agravante: a) o pagamento prévio da pena de multa não é requisito legal para a progressão de regime, sendo vedada a conversão da multa em prisão (Código Penal, art. 51); b) jurisprudência do STJ e STF não admitem sequer habeas corpus para questionar pena de multa; c) todos os requisitos do art. 112 da Lei das Execuções Penais (LEP) foram preenchidos.

O relator do acórdão, ao decidir, deixou consignado que: a) a pena de multa não perdeu seu caráter de sanção penal, a teor do que dispõe a Constituição Federal de 1988 (CF/88), art. 5º, XLVI, e CP, art. 32, apenas deixando de ser, com a Lei 9.268/1996, convertida em prisão, passando a ser exigida como "dívida de valor" (CP, art. 51); b) na criminalidade econômica a pena de multa exerce papel de prevenção específica, geral e de retribuição, devendo desestimular o infrator; c) em função disso, precisa ser aplicada com seriedade, proporcionalidade e ser efetivamente paga.

Segundo ainda o relator, o art. 112 da LEP não encerraria todas os pressupostos existentes para progressão de regime, tanto que, na EP 22 (execução penal do ex-deputado federal do PT, João Paulo Cunha), o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 33, § 4º, do CP, que impõe ao apenado a reparação do dano causado à administração pública como condição para a progressão de regime.

Conforme o voto do Ministro Barroso, o mesmo raciocínio foi empregado quando da edição da Súmula Vinculante (SV) 26 ("Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072/90, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico".), em que pese a Lei 10.792/2003 haver alterado o art. 112 da LEP para extirpar de sua redação a exigência de exame criminológico como requisito para progressão de regime,

Referindo-se a todo tempo ao uso das conclusões do acórdão como parâmetro para julgamentos posteriores de progressões de regime de execução de penas por crimes de colarinho branco, o relator deixa claro que, nesses tipos de delito, o pagamento da pena de multa faz-se essencial, e que "...o não recolhimento da multa por condenado que tenha condições econômicas de pagá-la, sem sacrifício dos recursos indispensáveis ao sustento próprio e de sua família, constitui deliberado descumprimento de decisão judicial e deve impedir a progressão de regime."

A hipótese de afastamento da exigência, por fim, segundo o relator, deverá ser verificada após comprovada nos autos situação de absoluta incapacidade econômica do apenado, impossibilidade essa que chegue inclusive ao ponto de não poder o apenado efetuar o pagamento de modo parcelado, tal como previsto no CP, art. 50.

Parece-nos acertado o rumo tomado pelo STF no caso sob análise, principalmente no que diz respeito aos crimes contra a administração pública, em que costumeiramente há desvios de dinheiro, ou para grandes traficantes de drogas ilícitas, por exemplo, pois, como sabemos, a pena pecuniária, a "dor" no bolso provocada pela intervenção estatal, traz mais efeitos retributivos do que a pena física, de restrição meramente da liberdade individual.

Outrossim, de acordo até com o que restou consignado nos votos dos ministros que se seguiram ao relator, há razões legais de sobra para se chegar à conclusão de que o pagamento da pena de multa, quando existirem condições para fazê-lo por parte do apenado, condicionaria a progressão do regime de pena privativa de liberdade.

O CP, art. 36, § 2º, por exemplo, determina a transferência do apenado do regime aberto, se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada, o mesmo dispondo a LEP, art. 118, § 1º, sem que isso (exigência de pagamento da multa como condicionante à progressão de regime prisional), signifique violação ao princípio da legalidade (CF/88, art. 5º, II).

Não bastasse isso, a LEP, art. 114, II, exige a demonstração, pelo apenado, de autodisciplina e senso de responsabilidade. Na medida em que deixa propositadamente de pagar a multa penal, é transmitida imagem justamente de falta de autodisciplina e irresponsabilidade, por desrespeito a uma decisão judicial, não fazendo por merecer a progressão para regime prisional mais brando.

Evidentemente que o não pagamento da multa penal por quem não tenha condições de fazê-lo – e a miséria daqueles que ocupam as vagas do Sistema Penal brasileiro nos leva a crer que será a maioria esmagadora dos casos – não poderá servir de empecilho à progressão de regime, servindo a execução fiscal.

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Nossa maior preocupação logo que noticiado o julgamento do AgRg na EP 12, do STF, foi justamente o represamento que poderia causar nas progressões de um sem-número de pessoas sem condições financeiras sequer para sobreviver e que encontram-se presas.

Contudo, pela leitura que fizemos do inteiro teor do voto do relator, entendemos que a preocupação, plenamente justificada, foi de tentar moralizar e aplicar a legislação em vigor para os casos em que deliberadamente o apenado, mesmo apresentando condições de efetivar o pagamento da multa, deixa de fazê-lo, empurrando a exigência da multa penal para o moroso caminho da execução fiscal, levando a descrédito juízes e tribunais (o sistema penal a reboque).

Sabendo-se que a multa, e aqui caminhamos à conclusão, inobstante ser também dívida de valor, continua mantendo, por dicção constitucional, seu caráter de pena, entendemos, pois, correta a exegese aplicada pelo STF nos autos do AgRg na EP 12, devendo o pagamento da multa servir como elemento de análise pelo juiz da execução penal como critério para merecimento do apenado à progressão de regime.

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Sobre o autor
Felipe Barros

Juiz de Direito no RN.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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