1. Introdução.
O Supremo Tribunal Federal, em decisão plenária de relatoria do Ilustre Ministro José Antonio Dias Toffoli, publicou acórdão na sede de Recurso Extraordinário (com repercussão geral reconhecida) nº 595.838 – São Paulo, interposto pela ETEL ESTUDOS TÉCNICOS LTDA e decidiu pela Inconstitucionalidade da Contribuição Previdenciária prevista no artigo 22, inciso IV da Lei nº 8.212 com redação dada pela Lei nº 9.876/99, instituída com fulcro no artigo 195, inciso I, alínea a da CF/88. Em linhas gerais, os contratantes de serviços prestados através de cooperativas de trabalho eram compelidos a recolher o montante de 15% adotando como base de cálculo o valor bruto da nota fiscal ou da fatura de prestação de serviço.
Ante o posicionamento exarado pelo pretorio excelso, os tomadores de serviço de cooperativas não serão mais achincalhados com o pagamento da Contribuição Social. Nessa esteira, o presente artigo ponderará os principais temas abordados na norma individual e concreta introduzida no ordenamento jurídico nacional pelo órgão máximo da nossa jurisdição estatal, desde a natureza jurídica das contribuições sociais/previdenciária até os efeitos da decisão expedida na sede do Controle Difuso de Constitucionalidade.
2. Natureza Jurídica das Contribuições: Contribuição Previdenciária Sobre a Folha de Salário.
A Constituição da República Federativa do Brasil em seu o artigo 149, caput, preleciona que “compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observando o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.”
Ab initio, o artigo 146, inciso III, da Constituição Federal, determina que as normas gerais sobre matéria tributária devem ser introduzidas no ordenamento mediante lei complementar, dispondo, entre outros pontos, a respeito do “fato gerador”, da base de cálculo, dos contribuintes, etc.
Já o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, veda a possibilidade de exigir-se ou aumentar-se tributo sem que lei o estabeleça, trata-se do princípio da legalidade estrita. Por fim, o artigo 195, § 6º, do mesmo diploma, cuida das contribuições à seguridade social, excepcionando-se o princípio da anterioridade de exercício, entretanto, mantendo a anterioridade nonagesimal.
Tomando como foco de análise somente as Contribuições voltadas para a seguridade social, infere-se do texto constitucional que tais materialidades encontram-se exaustivamente arroladas, exigindo para a criação de novas, estrita observância aos requisitos impostos ao exercício da competência residual: (i) instituição mediante Lei Complementar; (ii) não-cumulatividade; (iii) hipótese de incidência e base de cálculo diversos dos discriminados na Carta das Cartas.
Discorrendo sobre o tema, PAULO AYRES BARRETO afirma o seguinte:
“O artigo 149 da Constituição Federal menciona as espécies de contribuição: sociais, de intervenção no domínio econômico e no interesse de categorias profissionais ou econômicas. As primeiras (contribuições sócias) se subdividem em: (i) de seguridade social e (ii) específicas, no sentido de que são destinadas a um fim específico.
As contribuições sociais destinadas à seguridade social têm materialidades definidas constitucionalmente, existindo ainda outorga de uma competência residual, cujo exercício é condicionado à observância das restrições postas no artigo 154, I da Constituição Federal. Além disso, são submetidos à chama anterioridade nonagesimal.”[1]
Feitas tais constatações, deixamos, momentaneamente, de lado as contribuições sociais “em geral” e centrando esforços na análise do tributo incidentes sobre a folha de salário, indispensável é a leitura e interpretação do artigo 195 da Carta de Direitos, em especial seu inciso I alínea “a”:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Infere-se da leitura do dispositivo legal a outorga de competência à pessoa da União para que pudesse instituir contribuição social do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei. Trata-se, dessa maneira, da denominada contribuição previdenciária sobre a folha de salários, positivada pela Lei Ordinária nº 8.212/91. Assim, no átimo do pagamento de salário aos seus empregados, a pessoa jurídica deverá recolher o percentual de 20% sobre a folha, conforme disposição do artigo 22 da citada Lei.
Ocorre que, no ano de 1999, foi promulga pelo Congresso Nacional a Lei nº 9.876/99 que, dentre outras disposições, alterou a redação do artigo 22 da Lei nº 8.212/91, acrescentando o inciso IV, enunciado prescritivo esse asseverando que a contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, da mesma lei, terá alíquota de 15 % (quinze) por cento tomando, como base de cálculo o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.
Fixadas tais premissas, resta claro que a Contribuição instituída pelo artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com fulcro no artigo 195, inciso I, alínea “a” da Constituição federal instituiu nova materialidade. Entretanto, será que existe matriz constitucional para tanto, ou melhor, competência tributária concedida ao ente?
A fim de ilustrar o raciocínio exposto, a confecção da Regra-Matriz de Incidência Tributária mostra-se extremamente didática. Com o preenchimento de seus critérios, poderemos vislumbrar, de forma rápida e fácil, o correto arquétipo que o legislador constitucional concedeu à mencionada contribuição social, precisamente no artigo 195, inciso I, alínea “a” da Constituição Federal:
Hipótese:
Critério Material: pagar ou creditar salários e demais rendimentos do trabalho;
Critério Espacial: território nacional;
Critério Temporal: momento do pagamento ou creditamento do salário e demais rendimentos do trabalho;
Consequente:
Critério pessoal: sujeito ativo: União; sujeito passivo: empregador, empresa ou entidade a ela equiparada e demais rendimentos do trabalho;
Critério quantitativo: base de cálculo: valor da folha de salário e dos demais rendimentos pagos ou creditados; alíquota: aquela determinada em lei.
Pelo exposto, evidencia-se o descabimento da cobrança de Contribuição Social aos tomadores de serviço prestados via Cooperativas de trabalho. Tal exação somente poderá ser exigida dos empregadores, incidindo sobre a folha de salário, o faturamento e o lucro e por fim, dos trabalhadores.
Nesse sentido o professor ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, vaticina que:
“Explicitando a ideia, estamos convencidos de que, a despeito da Emenda Constitucional 20/1998, as contribuições sociais para a seguridade social não podem ser exigidas nem da empresa que não se reveste da condição de empregador, nem da entidade a ela equiparada, na forma da lei, a esta mesma empresa. (...) As contribuições sociais para a seguridade social poderão incidir sobre outros fatos econômicos, além da folha de salário (folha de pagamento dos empregados, o faturamento e o lucro. Para que isto, porém, validamente aconteça, é mister venham instituídas por meio de lei complementar, sendo-lhes vedada a cumulatividade. Devem, por igual modo, obedecer, em tudo e por tudo, ao regime jurídico tributário, traçado na Constituição.”[2]
Dessa feita, para criação de novas contribuições não prescritas expressamente no texto constitucional, deve-se utilizar o adequado veículo da Lei Complementar. Portanto, não resta qualquer dúvida acerca da inconstitucionalidade formal do artigo 22, IV da Lei nº 8.212/91.
Em arremate, para que possamos compreender efetivamente o caminho percorrido pelo Supremo Tribunal Federal na decisão do Recurso Extraordinário sob foco o motivo de tal exação não incidir sobre os valores pagos pelos tomadores de serviço desse tipo social, revela-se necessário analisarmos a pessoa jurídica da cooperativa.
3. Natureza Jurídica das Cooperativas: Inexistência de Vínculo EMPREGATÍCIO entre os Cooperados e o Tomador dos Serviços.
As cooperativas surgiram como um meio alternativo de organização da sociedade econômica, em oposição à forma preponderante, a capitalista. Buscavam a ajuda recíproca, numa relação horizontal, ao invés de uma relação vertical de hierarquização, com base na dicotomia empregador/empregado. No Brasil, as cooperativas representam uma pequena fração do Produto Interno Bruto, diferentemente de outros países (Índia e ou China), locais esses em que milhões de pessoas associam-se sob o manto dessa pessoa jurídica.
Quanto ao seu regime jurídico, o Código Civil de 2002 considera as cooperativas sempre sociedades não empresária (simples), indiferente de seu objeto social. Dessa feita, não estão sujeitas à falência. Não obstante a característica da não empresarialidade, os atos constitutivos e demais documentos sociais estão sujeitos ao arquivamento na junta comercial. Por possuir a cooperativa tal característica, RICARDO PEAKE BRAGA afirma que “é visível, pelo exposto acima, a singularidade e o hibridismo das cooperativas (i.e., exercem atividade econômica) mas não tem intuito de lucro; são não empresárias, mas registram-se nas justas comerciais; aproxima-se, por sua história, seu objeto e sua finalidade, do Direito Societário e do Direito do Trabalho.”[3]
Merece ainda analisarmos o teor do artigo 1.094 do Código Civil de 2002, que enumera oitos características a serem observadas pelas sociedades. Sem embargo, continuam aplicáveis outras disposições constante da Lei das Cooperativas (5.576/71), especificamente seu artigo 4º. Vejamos cada uma delas: (i) variabilidade, ou dispensa do capital social; (ii) concurso de sócios em número mínimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo; (iii) limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar; (iv) intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança; (v) quórum, para a assembléia geral funcionar e deliberar, fundado no número de sócios presentes à reunião, e não no capital social representado; (vi) direito de cada sócio a um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a sociedade, e qualquer que seja sua participação; (vii) distribuição dos resultados, proporcionalmente ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade, podendo ser atribuído juro fixo ao capital realizado; e (viii) indivisibilidade do fundo de reserva entre os sócios, ainda que em caso de dissolução da sociedade
Respeitadas assim tais características, poderão as adotar por objeto qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, assegurando o direito exclusivo e exigindo a obrigação do uso da expressão "cooperativa" em sua denominação. Além do Código Civil, as cooperativas são regidas através da Lei nº 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências.
Dos limites (atributos) alhures arrolados, decorrem os conhecidos Atos Cooperados, definidos no artigo 79 da Lei nº 7.764/71 como aqueles praticados entre a cooperativa e seus associados, entre estes e aquelas, bem como pelas cooperativas entre si, para a consecução dos objetivos sociais, não implicando operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produtos ou mercadorias. Esse é o fim das sociedades cooperativas: prestação direta de serviços a seus associados, sem o objetivo de lucro, ainda que para tanto seja necessário o exercício de atividades negociais como meio para a obtenção da finalidade proposta.
Desta forma, forçoso concluir, que as cooperativas são criadas para beneficiar seus membros atuando como uma espécie de intermediária, porém, sem finalidade lucrativa. Enfim, as cooperativas integram, juntamente com seus cooperados, uma unidade econômica, agindo como um só ente, sempre em nome, por conta e benefício dos associados titulares das receitas auferidas. Com efeito, diversamente do quanto pretendido pelo legislador ao acrescentar o inciso IV ao artigo 22 da Lei nº 8.212/91 as cooperativas de prestação de serviço NÃO são meras “fornecedoras de mão de obra”. Em verdade, as cooperativas são pessoas jurídicas que fornecem mercadorias ou prestam serviços em seu nome, não existindo qualquer relação empregatícia, ou mesmo autônoma, entre as entidades contratantes e os cooperados ou mesmo entre os cooperados e a cooperativa.
Portanto, a relação entre cooperativa e cooperados não é uma simples “intermediação”, sem qualquer consequência jurídica. A entidade cooperativa é criada justamente para superar a relação isolada entre prestadores (autônomos) e tomadores de serviços (empresas), relação essa em que o contrato de prestação de serviços é promovido de modo integralmente autônomo. Trata-se de alternativa de agrupamento em regime de solidariedade (art. 3º, I, da Lei nº 5.764/71).
Diante disso, mostra-se totalmente inaplicável às sociedades cooperativas o artigo 195, I, a da Constituição Federal. Entender de forma diversa é coadunar com a aventura hermenêutica perpetrada pelo Fisco, que já em tempo, foi corrigido pelo Supremo Tribunal Federal. Dessarte, tal relação jurídica não pode ser equiparada por duas razões; (i) existência de Personalidade Jurídica das Cooperativas; e (ii) inexistência de relação empregatícia (tomador – cooperado) em função da ausência dos requisitos legais, entre eles, a subordinação e pessoalidade[4].
Sobre o tema, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já se manifestou:
“Cooperativas médicas. UNIMED. “CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS MÉDICOS PRESTADORES DE SERVIÇO DA UNIMED. RELAÇÃO DE EMPREGO. FALTA DE SUBORDINAÇÃO.
1. Os médicos prestadores de serviço à Unimed, não se enquadram na relação de emprego, conforme preceitua o art. 3º da CLT.
2. Os atos cooperativos não constituem relação empregatícia.
3. Apelação improvida.”
(TRF4, 1ª T., AC 97.04.22135-5/SC, Juiz José Germano, dez/99)
Ante tais constatações, temos que as cooperativas constituem um ente jurídico que encontra-se entre os tomadores e os cooperados. Por consequência, não há como desconsiderar a existência da sociedade cooperativa, na tentativa de qualificar os pagamentos feitos por pessoas jurídicas às cooperativas de trabalho como pagamento os profissionais autônomos, com arrimo no artigo 195, I, a da Constituição Federal.
4. Inadequação da Base de Cálculo Eleita Pelo Legislador: Artigo 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91.
Nesse aspecto também, mais uma vez, não observou o legislador a melhor técnica jurídica. Com efeito, elegeu base de cálculo inadequada com a hipótese de incidência adotada na contribuição previdenciária devida pelas pessoas jurídicas sobre os serviços prestados pelas sociedades cooperativas.
Mais uma vez, socorramo-nos na melhor doutrina, vez que a correta adoção da base imponível dos tributos é mandamento constitucional expresso. Ao tratar sobre o tema, GERALDO ATALIBA em seu clássico “Hipótese de Incidência Tributária” define Base de Cálculo como “uma perspectiva dimensional do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critérios para a determinação, em cada obrigação tributária concreta do quantum debetur.”[5]
Ante tal consideração, tem-se que a base de cálculo, juntamente com a hipótese de incidência, definirá a natureza do tributo (imposto, taxa, contribuição de melhoria, contribuição social.), i.e., a base de cálculo irá confirmar, afirmar ou infirmar a hipótese de incidência. Além dessa característica, juntamente com a alíquota determinará o quantum do tributo o sujeito passivo da relação jurídica será devedor do sujeito passivo.
No caso em debate, a Lei nº 8.212/91 em seu artigo 22, inciso IV com fundamento no artigo 195, I, alínea a da Constituição Federal, estabeleceu a base imponível e alíquota da Contribuição Previdenciária:
“Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
IV - quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 1999).”
Verifica-se assim que o legislador federal ao descrever a hipótese de incidência e base de cálculo da contribuição deixou de observar que os institutos eleitos não correspondem efetivamente aos “rendimentos do trabalho” a que faria jus o cooperado caso fosse equiparado a um empregado ou prestador autônomo. A importância bruta da nota fiscal ou da fatura de prestação de serviço, em seu todo, não constituem, propriamente, rendimentos do trabalho. Diante disto, não podem compor a base de cálculo da contribuição.
Seguindo mesma linha de raciocínio, o Egrégio Supremo Tribunal Federal já sedimentou jurisprudência acerca do tema:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR COOPERATIVA – CONTRIBUIÇÃO A CARGO DO TOMADOR – VALOR BRUTO DA NOTA FISCAL – BASE DE CÁLCULO – ARTIGO 22, INCISO IV, DA LEI Nº 8.212/91 – INCONSTITUCIONALIDADE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PROVIMENTO.
1. Afasto o sobrestamento anteriormente determinado.
2. O Tribunal, na sessão de 23 de abril de 2014, julgou o Recurso Extraordinário nº 595.838/SP – da relatoria do ministro Dias Toffoli –, submetido à sistemática da repercussão geral. Na oportunidade, assentou a inconstitucionalidade da contribuição prevista no inciso IV do artigo 22 da Lei nº 8.212, de 1991, com a redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999, considerados os serviços implementados por cooperativa e a incidência do tributo sobre o valor bruto da nota fiscal emitida por ocasião da prestação.
3. Em face do precedente, dou provimento ao extraordinário, para deferir a ordem quanto à inexigibilidade da mencionada contribuição. Custas pela parte recorrida.
4. Publiquem. Brasília, 24 de abril de 2014.
(Recurso Extraordinário nº 469.841, Origem AMS 200061000330566, Relator Ministro Marco Aurélio) (grifos do autor)
Vale frisar que a decisão acima transcrita acompanhou o entendimento já solidificado sobre a matéria na sessão de 23 de abril de 2014, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 595.838/SP, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, submetido à sistemática da repercussão geral.
Diante desse quadro, resta patente que a base de cálculo eleita pelo legislador ordinário não corresponde com a hipótese de incidência da referida contribuição, revelando-se patente o ato coator ora impugnado de modo impõe-se a declaração de inconstitucionalidade, por vício material, da base de cálculo enunciada pelo artigo 22, inciso IV da Lei nº 8.212/91.
5. Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade Exarada pelo Pretório Excelso: Controle Difuso de Constitucionalidade.
Por arremate, pensamos ser indispensável realizar efetuar algumas considerações, mesmo que breves, acerca do mecanismo do Controle Difuso de Constitucionalidade, seus efeitos e as medidas que os contribuintes devem adotar com o fim de ver afastada a incidência da referida exação. Dessa forma, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 595.838/SP Por tratar-se de declaração de inconstitucionalidade pela via difusa, não possui eficácia automática perante toda a coletividade. Para tanto, depende de Resolução Senatorial, nos termos do artigo 52, inciso X da CF/88. Ademais, acórdão tem eficácia ex tunc, ou seja, retroativos à data de entrada em vigor do dispositivo legal atacado.
Conforme dispõe o artigo 102, inciso III da Constituição Federal de 1988[6], compete ao Supremo Tribunal Federal analisar as violações contra a Carta das Cartas presentes em decisões judiciais, julgadas em única ou última instancia, contra as quais foi interposto Recurso Extraordinário. Afora os requisitos indispensáveis aos recursos em geral, tal espécie depende ainda de dois requisitos (além da repercussão geral): (i) causas decididas; e (ii) prequestionamento. Tais requisitos funcionam como verdadeiros filtros, impedindo que matérias de “menor relevância” e não devidamente esgotadas nas instâncias inferiores sejam apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.
Ao tratar sobre o tema, GILMAR FERREIRA MENDES afirma o seguinte:
O recurso extraordinário, instrumento de singular importância no âmbito da jurisdição constitucional brasileira, tem como finalidade assegurar: a inteireza positiva; a validade; a autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição. (…) Atualmente, a disciplina geral do instituto está insculpida no art. 102, III, da Constituição, o qual estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo da Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; e d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (grifos do autor)”[7]
Ademais, merece ainda destacar a figura da Resolução Senatorial, enunciado pelo artigo 52, inciso X da Constituição. Com efeito, tal dispositivo prescreve que compete privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo em parte de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. Temos assim que a competência outorgada ao Senado é adstrita somente à esfera da vigência normativa. Em termos mais direito: cabe ao Senado Federal apenas expandir os efeitos da decisão inter partes, exarada. Quanto aos efeitos no tempo, na sede do controle difuso de constitucionalidade, em regra, as decisões são retroativas, i.e., retorna-se a situação jurídica ao status quo ante. Nesse aspecto também, poderá a resolução do Senado modificar tai efeitos, tornando os efeitos da decisão prospectivos, somente para os fatos futuros (ex nunc).
Entretanto, face contemporaneidade do acordão de lavra do Supremo, não há qualquer movimentação no âmbito do Senado Federal. Ante tal situação, os contribuintes beneficiados pelo do acordão exarado deverão requerer, por meio do veículo introdutor adequado a cada situação concreta, a inexigibilidade da Contribuição Previdenciária incidente sobre os valores pagos pela contratação de cooperativas. Conjuntamente, devem requerer o indébito dos valores recolhidos, seja com o fim de restituição (pecuniária) seja com o objetivo de compensar com tributos administrados pela Receita Federal do Brasil.
6. Conclusão
Após percorremos difícil caminho, pensamos ter logrado êxito ao dissecar os principais pontos ventilados no acordão do Supremo Tribunal Federal, ora analisado. Apesar de a primeira vista tratar-se de um tema “exclusivamente” tributário, notamos no decorrer do percurso tornou-se necessário enveredarmos por outros sub-ramos do direito positivo (apesar de entendermos que o ordenamento/sistema jurídico é uno, dividindo-se apenas para facilitação do objeto de análise)[8], a exemplo do direito civil e trabalhista.
Tal exercício não mostrou-se fácil. Entretanto, com suporte em obras de doutrinados renomados, conseguimos constatar o acerto dos Ministros do STF ao decidir pela inconstitucionalidade da Contribuição Previdenciária, seja pela inadequação do veículo introdutor eleito (Lei Ordinária ao invés de necessária Lei Complementar) seja pela base de cálculo inadequada à hipótese de incidência. Por fim, mesmo que tais vícios fossem convalidados pelo tribunal máximo da jurisdição nacional, jamais reconheceriam a legalidade da desconsideração da personalidade jurídica das cooperativas (ficção jurídica essa estabelecida pela Constituição Federal, Código Civil e Lei nº 5.764/71) equiparando os cooperados a meros profissionais autônomos.
7. Bibliografia
ALMEIDA Marcus Elidius Michelli de & Braga, Ricardo Peake (coord.) – Cooperativas à luz do Código Civil – São Paulo : Quartier Latin, 2006.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6ª Ed – São Paulo: Malheiros, 2012.
BARRETO, Paulo Ayres, Contribuições regime jurídico, destinação e controle, 2ª ed. São Paulo : Noeses, 2011.
CARRAZZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 28ª Ed. – São Paulo : Saraiva – 2012.
CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de direito tributário. 23ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011.
MENDES, Gilmar Ferreira, Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional, 4. Ed. rev. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2012
PANDOLFO, Rafael, Jurisdição constitucional Tributária, reflexos nos processos administrativo e judicial – São Paulo : Noeses, 2012.
PAULSEN, Leandro, Direito tributário, constituição e código tributário à luz da doutrina e jurisprudência – 16º ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2014.