A temática relativa ao cheque caução tem gerado debates acalorados. Aqueles que defendem a sua ilegalidade amparam-se sobretudo no Código de Defesa do Consumidor, cuja legislação traçou uma disciplina de cunho protetivo. Existem julgados reconhecendo a ilegalidade da exigência do cheque-caução por entender que o paciente apõe sua assinatura em um momento de extrema fragilidade emocional. Por essa razão, o documento não seria reflexo de uma manifestação de vontade livre e consciente. Em sentido contrário, os hospitais defendem a manutenção desse instrumento, na medida em que são instituições privadas e não podem fazer as vezes do Estado, prestando serviços de assistência médica gratuitamente. Dessa forma, o cheque-caução seria uma mera garantia para recebimento de valores a título de despesas decorrentes da internação do paciente no estabelecimento hospitalar.
De todo esse debate, que se agravou após a edição da Resolução Normativa n. 44 da Agencia Nacional de Saúde Suplementar, percebe-se incongruências de toda ordem, tanto por parte dos hospitais que superestimam esse instrumento como único meio para o recebimento dos seus créditos, como também por aqueles que defendem sua extinção, adotando retóricas sensacionalistas e exageradas.
O objetivo do presente trabalho é esclarecer aos hospitais quais as vantagens e desvantagens com o emprego do cheque caução e eventuais alternativas que poderiam ser utilizadas para sua substituição como instrumento jurídico visando ao recebimento de valores a que os estabelecimentos hospitalares fazem jus.
MODUS OPERANDI
DA EXIGÊNCIA DO CHEQUE CAUÇAONem sempre os hospitais agem com acerto no relacionamento com os seus pacientes. Reconhece-se que a prestação de serviços envolvendo serviços médico-hospitalares envolve inúmeras particularidades. Primeiramente, a dificuldade indiscutível em se precisar o valor do procedimento de que o paciente necessita. Quando o paciente é internado em um hospital em uma situação de urgência ou emergência é difícil estabelecer a priori a causa de um determinado mal e mesmo quais os procedimentos que deverão ser adotados. Essa dificuldade resulta muitas vezes na impossibilidade de se estabelecer um orçamento dos serviços a serem executados. Em outros serviços a situação não é diferente. Quando um consumidor deixa um aparelho para uma assistência técnica consertá-lo também é difícil ser formulado, de pronto, um orçamento constando o preço do serviço a ser executado. Após um determinado prazo, o consumidor procura novamente a assistência técnica, autorizando ou não a realização do conserto de acordo com o orçamento proposto.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu art. 40 que o fornecedor será obrigado a entregar ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão de obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços. Uma vez aprovado, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das partes.
Em que pese a clareza da dicção do dispositivo legal, surge o questionamento de como esse orçamento pode ser realizado pelo estabelecimento hospitalar em vista do fato de que a saúde não pode esperar muitas vezes a realização de um documento contendo informações sobre os procedimentos a serem empregados, bem como materiais, medicamentos etc., além da constatação da própria imprevisibilidade da evolução do diagnóstico e tratamento. Com certeza, a prestação do serviço de assistência médica atende situações em que a demora poderá representar perdas irreversíveis para o paciente.
De forma correlata a essa questão, os hospitais vivenciam problemas sérios para recebimento de valores quando seus pacientes possuem cobertura de planos e seguros de saúde. Os consumidores que se apresentam como titulares de um plano de saúde em tese fazem jus a uma cobertura dos serviços de assistência médico-hospitalar, devendo os custos ser suportados pela operadora.
Com base em uma solicitação do médico para a realização de um procedimento ou internação, a operadora autoriza, ou não, a realização do ato solicitado, expedindo a respectiva guia. Tal medida é muito comum em procedimentos eletivos em que o paciente dispõe de um certo tempo para adotar as providências cabíveis. No entanto, nem sempre o paciente dispõe desse tempo e o hospital, visando se resguardar de uma eventual negativa de cobertura da operadora, procura se cercar de garantias a fim de que não venha a amargar um prejuízo decorrente da inadimplência do consumidor.
Nesse momento, surgem as maiores controvérsias.
As operadoras de planos e seguros de saúde não dispõem de um serviço de atendimento 24hs que permitam aos hospitais tomarem conhecimento da situação contratual do paciente de imediato. Algumas empresas só encaminham a autorização depois de 48hs, surgindo aí a dúvida atroz de qual garantia que o hospital possui para fundamentar a cobrança dos custos a esse paciente ou aos seus familiares.
Não se nega que a exigência de uma garantia qualquer que seja ela pode causar dissabores para os consumidores. Isso porque muitos consumidores possuem a plena expectativa de que estão acobertados pelos planos de saúde contratados, motivo pelo qual consideram aquela exigência descabida. Outros consumidores, talvez sensibilizados pelos motivos apresentados pelo hospital no sentido de que o estabelecimento não pode ser qualificado como um plano de saúde, contestam os valores inseridos no título de crédito, entendendo que a quantia é aleatória e não guarda correspondência com os serviços que provavelmente o paciente necessitará. Em uma outra situação o paciente poderá ser obrigado a recorrer a ajuda de amigos e familiares para atender a exigência do hospital, gerando constrangimentos e aborrecimentos. Tudo isso ocorre em um momento de angústia e aflição, no qual a maior expectativa do paciente é exatamente obter o tratamento de que necessita.
O conflito de interesses produz desgastes em um relacionamento que deveria ser estabelecido com base na mútua confiança e no respeito recíproco. Para o hospital a necessidade que se apresenta é possuir meios que lhe forneça condições para receber o crédito de sua titularidade. O questionamento que se vislumbra é se esse meio é o melhor que poderia ser adotado no caso em questão.
O RELACIONAMENTO DO PACIENTE COM A OPERADORA DE PLANOS DE SAÚDE E COM O HOSPITAL
Os contratos firmados entre as operadoras de planos de saúde e o hospital exigem que o atendimento ao paciente seja feito somente mediante a apresentação pelo consumidor do cartão de identificação acompanhado do comprovante de validade. Nos casos de emergência comprovada, o hospital assume a obrigação de atender o usuário, devendo este comprovar no prazo de 24 horas úteis (ou outro prazo assinalado) para comprovar sua condição de usuário, elegibilidade ao plano com eventuais carências cumpridas. Decorrido esse prazo, o hospital fica desobrigado de atendê-lo de acordo com o contrato firmado, passando a considerá-lo particular, isentando, por óbvio, a operadora de qualquer responsabilidade.
Outro instrumento contratual disponibilizado pelas operadoras faz previsão de um prazo de 48 horas úteis para o beneficiário providenciar a guia de autorização, permitindo, ainda, que o hospital exigir o cheque caução, que será devolvido assim que for entregue a referida guia de autorização.
O hospital, portanto, após não ter sido apresentada a guia de autorização no prazo estipulado, pode considerar o paciente como particular, passando a adotar o mesmo tratamento jurídico dispensado ao mesmo. Nessa linha de raciocínio, o cheque caução serve apenas como uma garantia tendo em vista a ausência de informações quanto a existência ou não de cobertura contratual para um determinado procedimento ou mesmo se o paciente já cumpriu com a carência legalmente fixada, se está em dia com o pagamento de suas mensalidades, etc.
As negativas de cobertura são mais comuns para aqueles contratos celebrados antes da vigência da Lei 9.656/98, eis que esses pactos possuem inúmeras cláusulas de exclusão, inclusive no tocante a limitação de prazo de internação em CTI, cobertura de órteses e próteses etc. O art. 35 do citado diploma legal estabelece que as novas disposições só seriam aplicadas aos contratos celebrados a partir da vigência da lei, tendo sido assegurado aos usuários o direito de optar pela adaptação ao sistema previsto na nova regulamentação.
A Lei 9.656/98 autorizou expressamente segmentações nas coberturas previstas contratualmente, prevendo o atendimento ambulatorial, internação hospitalar, atendimento obstétrico e atendimento odontológico. Na hipótese do atendimento hospitalar, cite-se o fato de que a legislação admite a exclusão de procedimentos obstétricos. O art. 11 da lei prevê que nos primeiros vinte e quatro meses de vigência do instrumento contratual a operadora não será obrigada a custear as despesas relativas a doenças preexistentes, desde que se desincumba do ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário. No caso do plano-referência, a operadora fica desobrigada a custear tratamento clínico ou cirúrgico experimental, procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim, inseminação artificial, tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética, fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados, fornecimento de órteses e próteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico etc.
Assim, percebe-se que em diversas oportunidades o hospital fica submetido a uma situação de completa insegurança, porquanto não sabe se a operadora irá ou não fornecer a autorização necessária com base na legislação de regência ou com base no contrato firmado com os usuários.
Ademais, os gastos extraordinários não são acobertados pelas operadoras, tais como refeições de acompanhante, refrigerantes, jornais, revistas, lavagem de roupas pessoais, telefonemas e outros serviços considerados supérfluos.
Por outro lado, nem sempre o hospital é contratado para atender todas as categorias de usuários. Alguns estabelecimentos são contratualmente proibidos de atender usuários integrantes de uma determinada categoria de consumidor, sob pena de se responsabilizar pelos atendimentos.
Essas considerações são importantes para que fique esclarecido que nenhum usuário possui cobertura ampla e irrestrita para todo tipo de agravo de saúde e tratamentos médicos necessários, o que torna, em princípio, justificáveis as medidas adotadas pelos hospitais no sentido de se resguardarem.
DA RESOLUÇAO N. 44 DO AGENCIA NACIONAL DE SAUDE SUPLEMENTAR
Inicialmente, é importante considerar que, embora muitos defendiam a ilegalidade da exigência de cheque caução, até a edição da Resolução n. 44 da Agência Nacional de Saúde Suplementar inexistia qualquer norma proibitiva expressa quanto a exigência desse documento.
Está em tramitação no Congresso Nacional um Projeto de Lei de nº 6389/02 propondo a alteração da legislação em vigor para proibir a exigência do cheque caução na contratação estabelecida entre entidades hospitalares e pacientes acobertados por planos de saúde.
Na esteira dessa discussão, a Agência Nacional de Saúde Suplementar editou em 24 de julho de 2003 a RESOLUÇÃO Normativa n. 44, cuja redação transcreve-se a seguir:
"RESOLUÇÃO NORMATIVA-RN Nº 44, DE 24 DE JULHO DE 2003
Dispõe sobre a proibição da exigência de caução por parte dos Prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde.
A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, no uso das atribuições que lhe confere o inciso VII do art. 4º da Lei n.º 9.961, de 28 de janeiro de 2000, considerando as contribuições da Consulta Pública nº 11, de 12 de junho de 2003, em reunião realizada em 23 de julho de 2003, adotou a seguinte Resolução Normativa e eu, Diretor-Presidente, determino a sua publicação.
Art. 1º Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço.
Art. 2º Fica instituída Comissão Especial Permanente para fins de recepção, instrução e encaminhamento das denúncias sobre a prática de que trata o artigo anterior.
§ 1º As denúncias instruídas pela Comissão Especial Permanente serão remetidas ao Ministério Público Federal para apuração, sem prejuízo das demais providências previstas nesta Resolução.
§ 2º Os processos encaminhados ao Ministério Público Federal serão disponibilizados para orientação dos consumidores no site da ANS, www.ans.gov.br.
Art. 3º A ANS informará à operadora do usuário reclamante quanto às denúncias relativas a prestador de sua rede, bem como a todas as demais operadoras que se utilizem do referido prestador, para as providências necessárias.
Pela leitura desse ato normativo percebe-se inicialmente o equívoco em se limitar a expedição do cheque caução para toda e qualquer situação por parte dos prestadores de serviços contratados pelas operadoras de planos de saúde. Conforme já assinalado anteriormente, são inúmeras situações em que o consumidor não está amparado pela cobertura de seu plano de saúde, evidência que pode muitas vezes ser aferida até mesmo pelo tipo de prestação de serviço contratado, como, por exemplo, um plano exclusivamente ambulatorial.
Com a vigência dessa Resolução, adotando-se uma interpretação literal de seus dispositivos, o Hospital que possui um contrato com uma operadora de plano de saúde não poderá exigir qualquer tipo de depósito, caução, nota promissória ou títulos de crédito no ato ou anteriormente à prestação do serviço até mesmo daquele consumidor que, a priori, já se sabia que o mesmo não possuía direito a cobertura do plano de saúde.
A redação da Resolução é lacunosa, genérica e, portanto, manifestamente desarrazoada.
É importante analisar a própria competência da Agencia Nacional de Saúde Suplementar para impor essa vedação às entidades hospitalares.
A ANS foi criada com o propósito de fiscalizar e regular o setor dos planos e seguros de saúde, devendo tais entidades obter autorização da autarquia para que possam atuar nesse mercado.
Essa autarquia especial não tem, portanto, atribuições de fiscalização das entidades hospitalares, já que estas estão submetidas ao poder de polícia exercido pela Vigilância Sanitária e demais órgãos competentes como, por exemplo, os gestores do Sistema Único de Saúde.
Nesse caso, a ANS agiu com evidente transgressão às regras de competência [1], tomando para si uma função que não lhe compete, qual seja, impor regras de condutas para os estabelecimentos hospitalares, mesmo que envolva a contratação de planos e seguros de saúde.
As medidas adotadas pelos estabelecimentos hospitalares não violam qualquer norma contida na Lei 9.656/98. O correto seria a ANS disciplinar o fornecimento de guias de autorização para os prestadores de serviços credenciados, determinando maior agilidade nas respostas e exigindo um plantão permanente nas operadoras.
A Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000, estabeleceu que a ANS é órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. Sua finalidade institucional é promover a defesa do interesse público, regulando as operadoras setoriais. Esse diploma legal autoriza que a ANS fixe critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores de serviços às operadoras.
Não há nesse dispositivo legal, citado pela ANS para editar a RN 44, qualquer autorização para que sejam impostas regras às entidades hospitalares, sobretudo em situações em que sequer o paciente possui cobertura contratual. Trata-se de uma questão de natureza contratual envolvendo o paciente e a entidade hospitalar, tendo como pressuposto o fato de que em razão da inexistência de uma relação obrigacional entre o plano de saúde e o paciente devem ser estabelecidos mecanismos eficazes capazes de garantir o recebimento de valores devidos às entidades hospitalares.
Para corroborar esse entendimento, percebe-se que a própria Resolução não prevê multas a serem aplicadas aos hospitais, na medida em que a ANS não possui competência para penalizar os prestadores, mas tão somente as operadoras de planos e seguros de saúde, evidenciando também sua incompetência para regular a atuação das entidades hospitalares.
A Resolução fez previsão a um procedimento que visa a constranger o nosocômio a cumprir a determinação quanto a proibição de exigência de qualquer tipo de depósito na contratação com o paciente. Nesse sentido, após recebidas as denúncias formuladas pelos usuários a ANS encaminhará as mesmas ao Ministério Público Federal para a adoção das medidas competentes, bem como disponibilizará tal informação no seu site, informando, ainda, as operadoras quanto às denúncias relativas a prestador de sua rede.
O Ministério Público Federal, após receber a denúncia, deverá instaurar um procedimento para apurar a sua veracidade. Nesse caso, o MPF não está obrigado a considerar a ilegalidade do comportamento adotado pelo hospital com base na Resolução Normativa 44 da ANS. A independência constitucional conferida aos membros do Ministério Público permite que esses possam examinar a plausibilidade de tal exigência no caso concreto e à luz do ordenamento jurídico em vigor. Caso o MPF reconheça a ilegalidade da conduta, poderá assinar um termo de ajustamento de conduta com o hospital ou mesmo ingressar em Juízo para compelir o prestador a adotar o comportamento que considera correto.
Diversas particularidades, conforme já assinalado, conduz ao raciocínio de que a exigência do cheque caução resulta na concepção de um negócio jurídico condicional, ou seja, cuja eficácia depende da implementação de uma condição suspensiva, qual seja, a negativa formulada pela operadora de planos e seguros de saúde. Assim sendo, caso a autorização seja formulada pela operadora aquela garantia terá sua validade jurídica fulminada.
Outra medida que se mostra juridicamente questionável é a providência de inserir no site da ANS as denúncias encaminhadas pelos consumidores, bem como informar às operadoras tais fatos.
A garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa [2] foi claramente comprometida com esse tipo de previsão. Ora, não se pode admitir que uma denúncia seja disponibilizada para acesso geral do público sem que a entidade hospitalar possa formular sua defesa [3], considerando o fato de que muitas vezes a denúncia pode ser infundada, objetivando tão somente trazer prejuízos ao estabelecimento hospitalar.
A informação disponibilizada no site poderá provocar prejuízos à imagem da entidade hospitalar, bem como resultar até mesmo no seu descredenciamento junto a operadora, motivo pelo qual é fundamental franquear ao mesmo o direito de formular eventual defesa junto a ANS, embora seja evidente a incompetência daquela autarquia para proceder tais registros ou mesmo instaurar um procedimento administrativo com o objetivo de apurar eventual descumprimento das normas legais.
Assim sendo, esses dispositivos questionados são inconstitucionais.
Caso efetivamente fosse correto o mérito da Resolução Normativa, a única providência que a ANS poderia adotar seria encaminhar as denúncias ao Ministério Público Federal. Nada mais. Essa Resolução caso seja aplicada na forma como foi redigida poderá inclusive expor a ANS a futuras ações de reparação de danos, caso o hospital venha a sofrer qualquer espécie de prejuízo em razão do comportamento ilegal adotado pela autarquia, inclusive pleitear indenização por dano moral em face do desgaste provocado na imagem da instituição, possibilidade essa amplamente aceita pelos nossos tribunais.
Interessante fazer um paralelo aqui com o chamado cadastro de fornecedores instituído pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse caso, o cadastro só conterá registro de reclamações fundamentadas dos consumidores após regular processo administrativo, só podendo ser formalizado após decisão definitiva da autoridade competente, conforme disciplina traçada pelo Decreto 2181, de 30 de março de 1997.
Outro aspecto que desponta para fulminar a validade da Resolução Normativa é a inaptidão de um ato infra-legal inovar no ordenamento jurídico. Inexiste qualquer dispositivo legal até o presente momento que considere a conduta adotada pelos estabelecimentos hospitalares como ilegal.
Embora alguns possam defender o entendimento de que a Resolução buscou seu fundamento de validade no Código de Defesa do Consumidor, que veda a presença de cláusulas contratuais abusivas, não há como prosperar essa argumentação após um exame cuidadoso da questão.
O CDC proíbe, de fato, que o fornecedor possa auferir uma vantagem manifestamente exagerada ou, na dicção do art. 39 da Lei 8.078/90, impingir seus produtos e serviços prevalecendo-se da situação de fraqueza, ignorância e saúde do consumidor.
Ora, deve ser analisado no caso concreto se houve ou não uma prática abusiva, não se podendo admitir a proibição genérica e irrestrita da adoção de um instituto jurídico tradicional nas transações jurídicas, como é o caso da garantia fidejussória, simplesmente com base no argumento simplista de que se trata de um serviço envolvendo a saúde do ser humano.
Embora seja inadmissível a mercantilização da medicina, é preciso ressaltar o conteúdo econômico de um contrato de prestação de serviço médico-hospitalar disponibilizado por uma entidade privada que não mantém convênio com o Sistema Único de Saúde.
Caso o cidadão manifeste sua vontade de obter uma prestação de serviço gratuita deverá recorrer aos hospitais públicos e as entidades filantrópicas e privadas que mantêm convênio com o SUS.
Assim, a decisão do consumidor de procurar uma instituição de saúde privada implica na instituição de um vínculo jurídico obrigacional materializado em um acordo de vontades, em que as partes se obrigam a cumprir prestações recíprocas, competindo ao hospital a prestação dos serviços contratados e ao paciente o pagamento do preço correspondente a esses serviços [4].
O que não se pode admitir é que o hospital imponha exigências desarrazoadas a esses consumidores, exigindo a assinatura de garantias bem acima da estimativa do serviço a ser executado. Entretanto, havendo bom senso e razoabilidade, devendo o hospital, de preferência, elaborar um orçamento discriminando os possíveis serviços a serem executados, seria injusto e juridicamente inaceitável proibi-los de lançarem mão de um instituto jurídico largamente utilizado nas transações entre consumidores e fornecedores.
O Departamento de Defesa do Consumidor considera abusiva, por exemplo, a exigência de nota promissória assinada em branco pelo consumidor. Fora dessa hipótese, não pode ser considerada abusiva a prática de se exigir a assinatura de um título de crédito por parte de uma instituição financeira para garantir o pagamento do empréstimo realizado pelo consumidor. Em alguns casos, o desespero do consumidor para obter um financiamento é ainda maior quando o mesmo se dirige a um hospital, e nem por essa razão o banco se vê impossibilitado de exigir a assinatura de um documento que garanta o pagamento da dívida.