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A nova Lei do ISS.

Lei Complementar nº 116/2003

14/10/2003 às 00:00
Leia nesta página:

Sancionada pelo Presidente da República em 31 de julho último, a Lei Complementar nº 116/03 institui e consolida toda a legislação concernente ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza até então vigente. A nova norma manteve alguns institutos já consagrados no Decreto-lei 406/68. Inegavelmente, como tudo na vida tende a evoluir, trouxe também inovações quanto à responsabilidade dos contribuintes, domicílio tributário, regime de recolhimento das chamadas sociedades simples (nomenclatura adotada pelo novo Código Civil para se referir às sociedades civis), etc. Destacamos algumas;

Já no artigo primeiro da lei nova, o legislador federal entendeu por bem considerar a incidência do ISS mesmo que a atividade do contribuinte não seja preponderantemente a de execução de serviços. Com isso, apesar de existirem sólidos posicionamentos em contrário, alguns lastreados até mesmo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, entendemos que superada está a distinção feita entre a preponderância da função realizada pelo contribuinte para se fixar incidência do ISS ou do ICMS.

Clara é a Lei Complementar 116/03 sobre este tema, não havendo mais razão para este assunto ser solucionado pela jurisprudência. Assim, imaginemos uma sociedade simples que tenha como objetivo social vender cortinas. Neste ramo de atividade, como previa o Decreto-lei 406/68, comum é a absorção do serviço pela venda, situação que sujeitava o contribuinte somente ao ICMS. Agora, mesmo que a instalação seja a parte minoritária da atividade negocial realizada pela sociedade, haverá a incidência do ISS, bastando, para isso, que haja previsão legal para esta atividade na lista de serviços anexa à norma comentada.

No parágrafo primeiro, do mesmo artigo, inovou mais uma vez o legislador, frisando que haverá a incidência do ISS sobre os serviços provenientes do exterior ou que tenham seu início fora dos limítrofes brasileiros.

Imaginemos que o Governo Federal resolva, visando a modernização do Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM – contratar uma empresa estrangeira para desenvolver um software, ou seja, um produto personalizado, somente possível de uso no Brasil. Embora o desenvolvimento deste serviço seja feito realizado integralmente no exterior, sua execução, (instalação e verificação se o programa funciona) será no Brasil, e, em conseqüência disso, incidirá o ISS.

Não há que se confundir realização do serviço com a sua execução. O legislador deixou bem claro que mesmo que o serviço seja feito fora do Brasil, mas em sendo aqui executado, haverá a incidência do tributo mencionado.

Não se trata aqui de nova exceção ao princípio da territorialidade contido no artigo 102 do Código Tributário Nacional. Não é isso. O município não vai fazer incidir a sua legislação no estado estrangeiro, já que nem competência para fazê-lo possui. O ente com a competência tributária descrita no artigo 156 da Constituição Federal exercerá o poder de cobrança daquilo que lhe pertence, ou seja, do ISS devido em função dos serviços realizados em sua base territorial.

Outra possibilidade elencada no mesmo parágrafo primeiro refere-se aos serviços que tiveram o início de sua execução no exterior, desenvolvendo-se, em continuidade, no território nacional. Se, por exemplo, a Bolívia resolve celebrar acordo com o Brasil objetivando a construção de um novo oleoduto para o escoamento de petróleo. Iniciando esta obra no estado estrangeiro, ao adentrar em nosso território, haverá a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

No parágrafo terceiro, com o objetivo de afastar a definição desses assuntos pela jurisprudência, o legislador originário da Lei Complementar 116/03, frisou que mesmo havendo a exploração de serviços prestados sob o regime de permissão ou concessão, haverá a incidência do tributo municipal.

Entendemos que o objetivo do legislador, neste ponto, foi deixar bem patente que, embora as empresas privadas exerçam funções públicas por delegação do Estado, não assumem as prerrogativas deste no que tange à imunidade tributária. Por conseguinte, devem se sujeitar às normas atinentes aos empreendimentos privados, pagando todos os tributos incidentes em função da atividade exercida.

No último parágrafo, ainda do artigo primeiro, mencionou-se que para a determinação do ISS pouco importa a nomenclatura utilizada pelo contribuinte em seu controle gerencial. A jurisprudência pátria vinha de forma tímida inclinando-se neste sentido, principalmente para negar vigência a Súmula 588 do STF face aos serviços bancários novos criados após pelas Instituições Financeiras após a edição da Lei Complementar 56/87.

Comum são os casos, alguns típicos de elisão fiscal, em que o sujeito passivo da obrigação tributária denomina a sua atividade de forma diferente a exposta na lei visando fugir de sua literalidade.

Não há porque se restringir à incidência da norma tributária por este motivo. Isso seria preciosismo. Somente em sede de Direito Penal tal raciocínio, onde se se exige a expressa descrição da figura típica na norma incriminadora, isso é válido. Já em Direito Tributário, para a configuração do fato gerador, busca-se a base econômica e real da função realizada pelo contribuinte. Este ramo do direto vai às raízes de outras ciências para trazer o que venha a ser economicamente relevante para a cobrança dos recursos indispensáveis à manutenção do Estado.

Exemplo comum que enfrentamos em nosso órgão recursal versava sobre o enquadramento dos contribuintes na função de despachantes policiais. Estes, visando fugir do enquadramento do recolhimento de ISS pelo regime de ESTIMATIVA, modificavam suas atividades para "controle de documentação junto ao Detran". Endentemos que independente do nome a ser utilizado pelo sujeito passivo, configurando-se os elementos da função de despachante, deveria haver o recolhimento de ISS por Estimativa, senão, estaria o Poder Público tratando de forma desigual pessoas estivessem em situações análogas.

Em artigo anterior [1] sustentamos o raciocínio de que o ISS deve incidir abstraindo-se a nomenclatura da atividade realizada.

Portanto, a mudança trazida na nova legislação é extremamente benéfica aos municípios, sendo que as discussões quanto a taxatividade e literalidade da lista de serviços, aos poucos, perderão força junto ao Poder Judiciário.

Continuam sem eficácia as chamadas isenções heterônimas, ou seja, aquelas não confirmadas pelos respectivos Poderes Públicos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 - (art. 41 do ADCT). A Lei Complementar 116/03, ao revogar o artigo 11 do Decreto-lei 406/68, assim como previa a Lei Complementar 22/74, apenas manteve uma situação que já não vigorava mais.

Isenção é instituto de política fiscal, necessitando de norma específica como dispõe o CTN para a sua concessão e ainda, deve o poder concedente atentar aos princípios contidos na Lei Complementar 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

Deixando isso expresso em seu corpo, a nova lei sepulta de vez discussões a esse respeito, estando mais evidente do que nunca que as obras contratadas com o Poder Público não gozam, a princípio, de isenção.

Outro ponto inovador trazido pela lei foi o local da prestação de serviços. Ao contrário do que algumas prefeituras insistiam em fazer, a Lei Complementar 116/03 manteve a regra do local do domicílio tributário para a fixação territorial do ISS. A novidade é que em caráter excepcional poderá ser cobrado este imposto no lugar onde se desenvolveu na prática o fato gerador.

Isso não é regra. Tanto é norma de aplicação subsidiária que o art 3º da Lei Complementar descreve que somente em caráter excepcional o imposto será devido no local da execução do serviço.

Inovou o legislador e inovou bem. A legislação anterior não acompanhou o avançar dos tempos, deixando lacunas por onde existiam formas de evasão de receitas dos municípios.

Corroborando nosso entendimento sobre o assunto, embora até a edição da Lei Complementar 116/03 ela era minoritário na doutrina, entendemos que continua mantida a impossibilidade de dedução de materiais na área de construção civil, quando estes materiais não forem fornecidos pelo prestador de serviço.

Pode-se concluir isso ao se analisar que a Lei Complementar nº 116/03 revogou expressamente os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-Lei nº 834/69, sendo que esta norma dava suporte àqueles que insistiam na possibilidade de dedução.

Ousamos, para não parecermos omissos, externar nossas razões, em apertada síntese, sobre o assunto.

Em primeiro lugar com o advento da Constituição Federal de 1988, as chamadas isenções heterônimas perderam eficácia, como já fora dito acima. Ora, não pode mais a União fazer caridade com o chapéu alheio. Logo, não pode o Governo Central conceder isenção de tributo que não lhe compete.

Em segundo, indaga-se, por quê só o setor de construção civil tem este benefício? Sabemos que quando o Decreto-lei 406/68 foi criado, atendeu a fatores como a implementação e o desenvolvimento do país; aumento do número postos de trabalhos, e fomento da iniciativa privada para a realização de grandes obras de engenharia. Sabemos disso!

Mas, como diz Kelsen [2], o que está fora da lei não interessa ao direito.

Utilizando-se da lógica jurídica, sustentamos a pergunta, por que só a construção civil tem este benefício e um outro setor, como o de saúde que é tão relevante socialmente como, não o possui?

Infelizmente, ao fazermos esta indagação não obtivemos fundamento de validade, para sustentar a vigência da dedução, no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.

A própria CF em seu artigo 150, II menciona que não pode haver tratamento desigual entre contribuintes que estejam em situações equivalentes, portanto, já entendíamos antes da edição da Lei Complementar 116/03 que não era mais possível à permanência da dedução para a área de construção civil.

Ora, se uma oficina mecânica ao realizar um serviço qualquer com compra graxa e querosene não pode deduzir isso na base de cálculo do ISS, por quê um empreiteiro poderá fazê-lo, se utilizar os mesmos produtos na construção de um prédio? Isso não violaria o artigo 150, II da Constituição?

Portanto, retornando a idéia exposta no começo do tópico, hoje, com a vigência da Lei complementar 116/03, não pode haver o abatimento de materiais da base cálculo, salvo se estes forem fornecidos pelo prestador de serviço.

A nova lei do ISS acabou com o enquadramento diferenciado dos profissionais liberais/sociedades uniprofissionais do regime de FIXO de recolhimento de ISS.

Assim, antes desta norma três eram as formas possíveis para o lançamento do ISS; recolhimento por APURAÇÃO MENSAL; recolhimento pelo regime de ESTIMATIVA e o chamado regime FIXO.

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O regime FIXO era muito mais vantajoso para os profissionais liberais pelos seguintes motivos; a) não estavam obrigados a efetuar a recolhimento de diferença de base de cálculo caso tivessem um desempenho econômico superior ao lançado pelas prefeituras e, principalmente, b) sendo sociedades uniprofissionais, o ISS seria lançado por profissional integrante da sociedade.

Esta última situação gerava algumas distorções. Empresas de grande porte na área de advocacia, contábil, médica, etc, possuíam desempenho econômico infinitamente superior ao lançado pelo fisco, sem que este pudesse exigir a complementação do valor lançado. A solução utilizada por algumas fiscalizações municipais era mediante um árduo trabalho de investigação - o qual, às vezes, esbarrava nas prerrogativas constitucionais e profissionais de cada um desses contribuintes – desenquadrá-los do regime uniprofissional. Outras prefeituras, porém, optavam por lançar o ISS pelo número de empregados, o que o Superior Tribunal de Justiça já mencionou em algumas decisões não ser correto.

Enfim, polêmicas à parte, parece-nos que com a vinda ao mundo jurídico da Lei Complementar 116/03 o regime de recolhimento de ISS FIXO dará os seus últimos suspiros em 31 de dezembro de 2003.

Poder-se-ia indagar: mas se não existe o regime FIXO, como os profissionais liberais recolherão o ISS?

Uma coisa é a incidência, esta não foi abalada. Há na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/03, previsão quanto a isso. Entretanto, caberá a cada prefeitura determinar se os profissionais liberais passarão para o regime de APURAÇÃO MENSAL ou de ESTIMATIVA. Esta última continua sendo possível, visto que decorre de previsão constitucional (art. 150, § 7º da CF) e não foi alterada pela lei nova.

Alíquota máxima do ISS será de 5%, sendo que a mínima embora não prevista em lei, está estipulada na Emenda Constitucional nº 037, sendo de 2%.

Como último comentário, mencionamos que cada município deverá editar a nova norma, visando adaptar-se às diretrizes trazidas pela nova lei, sendo que a efetiva cobrança do ISS com base nela só poderá ser feita no exercício seguinte.

A Lei Complementar 116/03 trouxe novas com atividades sujeitas à incidência do tributo municipal. Instituir a vigência a partir deste ano seria afrontar o Princípio Anterioridade, parte de sua estrutura refere-se a normas gerais que regulam obrigações acessórias. Convictos estamos que não poderá nenhuma prefeitura exigir isso ainda este ano.

É o que tínhamos a comentar, sendo que estamos em fase final elaboração de comentários item a item quanto às mudanças da nova lista de serviços.


Notas

01. Súmula 588 do STF x ISS das Instituições Financeiras – artigo disponibilizado nos sites www.jus.com.br; www.faroljuridico.com.br

02. Hans Kelsen - Teoria Pura do Direito.

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Sobre o autor
Antônio Henrique Gabriel

bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos, presidente da Junta de Recursos Fiscais do Município de Guarujá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GABRIEL, Antônio Henrique. A nova Lei do ISS.: Lei Complementar nº 116/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 103, 14 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4426. Acesso em: 8 mai. 2024.

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