Funções e limites atribuídos à boa-fé nas relações contratuais

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04/11/2015 às 11:23
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[1] “Os negócios jurídicos podem ser unilaterais e bilaterais. [...] Bilaterais são negócios que dependem sempre da manifestação de duas vontades, existindo também os atos plurilaterais, com manifestação de mais de duas vontades. São eles os contratos de cunho patrimonial.” (VENOSA, 2009. p. 325-326)

[2] Resumo histórico baseado em CORDEIRO, 2005. p. 400-407.

[3] Lei n.º 8.078/90.

[4] Lei n.º 10.406/02

[5] “Os interesses que o Direito Privado disciplina existem na vida social, independentemente da tutela jurídica, e movem-se numa vicissitude perene, onde quer que seja reconhecido aos particulares um conjunto de bens que lhes pertençam, sob o impulso da iniciativa individual. Os próprios particulares, nas suas relações recíprocas, provêm à satisfação das suas necessidades, de acordo com a livre apreciação, por meio da permuta de bens ou de serviços, da associação de forças, da prestação de trabalho, do empréstimo ou da colocação de capitais em comum, etc. A iniciativa privada é o aparelho motor de qualquer consciente regulamento recíproco de interesses privados

[...]

Pense-se, por outro lado, nos contratos destinados a desempenhar funções cumutativas de mercadorias ou de serviços (como a compra e venda e a locação, nas suas diversas formas), ou tendo fins de cooperação (como a sociedade e o mandato). É costume eles germinarem na vida social, sem necessidades de qualquer tutela por parte do direito. Só depois de eles terem atingido um certo grau de desenvolvimento, e terem suportado o exame de prática, a ordem jurídica, partindo de valorações gerais de contingente oportunidade, lhes garante os efeitos, com as sanções que lhe são próprias. Enquanto não sobrevenham essas sanções, eles são praticados no comércio, sob a simples tutela do costume e da correção. Só a boa-fé, a observar na prática dos negócios, impõe, de início, o respeito pela palavra dada, atribuindo a esta um valor vinculativo da consideração social.Ora, o direito, quando se decide a elevar os contratos sob palavra, ao nível de negócios jurídicos, não faz mais do que reconhecer, em vista da sua função socialmente relevante, aquele vínculo que, segundo a consciência social, os próprios particulares já anteriormente admitiam existir nas relações entre eles. Não faz mais do que reforçar e tornar mais sólido esse vínculo, acrescentando-lhe a sua sanção. A boa-fé continua a ser o sumo do critério de valoração das obrigações contratuais recíprocas, mesmo depois de ter sobrevivido a sanção do direito.” (BETTI, 1969. p. 88 e 90-91)

[6] “A lei civil e a lei natural não são diferentes espécies, mas diferentes partes da lei, uma das quais é escrita e se chama civil, e a outra não é escrita e se chama natural. Mas o direito de natureza, isto é, a liberdade natural do homem, pode ser limitado e restringido pela lei civil; mais, a finalidade das leis não é outra senão essa restrição, sem a qual não será possível haver paz. E a lei não foi trazida ao mundo para nada mais senão para limitar a liberdade natural dos indivíduos, de maneira tal que eles sejam impedidos de causar dano uns aos outros, e em vez disso se ajudem e unam contra o inimigo comum.” (HOBBES, 1988. p. 163)

[7] “O artigo 422 do Código Civil Brasileiro de 2002 vem, tardiamente, confirmar a interpretação de grande parte dos doutrinadores e dos tribunais, que, paulatinamente, desde a década de 80, com maior precisão, a partir da Constituição de 1988, já está sendo sedimentado no ordenamento jurídico brasileiro.” (ARANTES, 2006. p. 162)

[8] “Eis aí já esboçada a incidência dos três princípios (eticidade, socialidade e operabilidade) que, a meu ver, presidem à atual Lei Civil, conforme penso ter demonstrado em minha conferência intitulada Visão Geral ao Código Civil, publicada pela Revista dos Tribunais como introdução do seu livro Novo Código Civil Brasileiro, terceira edição.” (REALE, 2005. p. 240)

[9] “A par desses princípios, eticidade, socialidade e operatividade, “data vênia”, diviso outro princípio no novo código, o da atividade.

Este é um código que exige atores, não meros espectadores, ou detentores de status, isto é, exige que cada pessoa atue na conquista e perseverança do seu direito, sob pena de vê-lo suprimido, invalidado pela ineficácia decorrente da inércia.

A presença permanente do requisito da atividade faz parte do viver em sociedade mantendo a individualidade.” (LOTUFO In PAULA, 2011. p. 438)

[10] “A vida do Direito não se reduz a uma sucessão de fatos desvinculados dos valores que lhes dão sentido e significado, de cuja correlação dialética emerge a regula iuris.

Daí a orientação assumida pelos autores do Anteprojeto do Código Civil, sistematizados e publicado em 1972, o qual, devidamente revisto, culminou no Projeto de 1975, enviado ao Congresso Nacional, nele já apresentada a eticidade, cuja raiz é a boa-fé, como um dos princípios diretores que os distinguem do individualismo do Código Revogado de 1916.” (REALE, 2005. p. 247-248)

[11] “Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas.” (ALEXY, 2008, p. 87)

[12] “(...) a norma é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho, devo partir de determinado ponto e ser guiado por certa direção: o ponto de partida da norma é o fato, rumo a determinado valor. Desse modo, pela primeira vez, em meu livro Fundamentos do Direitoeu comecei a elaborar a tridimensionalidade. Direito não é só norma, como quer Kelsen, Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é economia. Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo, porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e é valor.” (REALE, 2003)

[13] KELSEN, 1987.

[14] “Configurando um possível impasse entre o princípio que representa um valor socialmente amadurecido e que está a pedir não só reconhecimento, mas efetivação na ordem social, e um ordenamento jurídico dotado de normas pontuais que na sua estruturação sob o prisma rígido da reserva legal não contempla a possibilidade de aplicação de valores-princípios, soltos nos anseios da sociedade, surgiriam as cláusulas gerais, elementos de conexão entre os valores reclamados e o sistema codificado, propondo-se a efetuar o elo de ligação para a introdução desses valores no ordenamento, sem ruptura da ordem positivada, sem quebras do sistema.” (JORGE JUNIOR, 2004. p. 40)

[15] “A expressão boa-fé comporta duas espécies: a boa-fé denominada subjetiva, que representa o estado psicológico relativo ao conhecimento ou desconhecimento de algum vício, e a denominada boa-fé objetiva, que consiste numa regra objetiva de conduta, ou modo de proceder.” (ROCHA, In: NANNI, 2008, p. 519.)

[16] “A boa fé subjectiva podia ser usada em dois sentidos diversos:

-um sentido puramente psicológico: estaria de boa fé quem pura e simplesmente desconhecesse certo facto ou estado de coisas, por muito óbvio que fosse;

- um sentido ético: só estaria de boa fé quem se encontrasse num desconhecimento não culposo: noutros termos: é considerada de má fé a pessoa que, com culpa, desconheça aquilo que deveria conhecer.” (CORDEIRO, 2005. p. 405)

[17] “[a] confiança exprime a situação em que uma pessoa adere, em termos de actividade ou de crença, a certas representações, passadas, presentes ou futuras; que tenha por efectivas.” (CORDEIRO, 1997. p. 1.234)

[18] CORDEIRO, 2005. p. 410-413.

[19] “A boa fé objectiva concretiza-se, essencialmente, em cinco institutos, todos de filiação germânica:

- a culpa in contrahendo – art. 227.º/I;

- a integração dos negócios – art. 239.º;

- o abuso do direito – art. 334.º;

- a modificação dos contratos por alteração das circunstâncias – art. 437.º/I;

- a complexidade das obrigações – art. 762.º/2.” (CORDEIRO, 2005. p. 407)

[20] LOPEZ, 2012. p. 69-70.

[21] SILVA In LOPEZ, 2009. p. 16-22.

[22] Os deveres acessórios, conforme já salientado, podem ser divididos em deveres de proteção, de esclarecimento (informação) e de lealdade. Os primeiros podem ser verificados nas relações pré-contratuais, em que as partes, por força desses deveres, não devem causar danos recíprocos. (DONNINI, 2007. p. 45-46)

[23] Na realidade, há correspondência entre essas teorias, porque a culpa post pactum finitum é a projeção da culpa in contrahendo na fase pós-contratual, guardadas as diferenças que serão aqui tratadas. (Op. Cit. p. 49).

[24] Código Civil: Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

[25] “É possível concluir, portanto, que a colaboração é um dos valores presentes no próprio sistema jurídico no que toca à matéria obrigacional. Conforme visto acima, a cláusula geral promove a integração da norma jurídica em que está inscrita com padrões e valores intra e extrassistemáticos. Sendo a boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil, uma cláusula geral, está ela a exercer a força atrativa de valores jurídicos ou metajurídicos que se relacionem com seu núcleo ideativo de conduta correta e leal socialmente esperada, dentre os quais avulta, como se demonstrou, a cooperação.

Destarte, a boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil, está a exigir que as partes de um contrato ajam de forma colaborativa em sua relação contratual.” (LOPES, 2013. p. 160)

[26] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

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[27] NANNI In LOTUFO; NANNI, 2008, p. 763.

[28] “A supressio é a perda de uma situação jurídica de vantagem, pelo não exercício em lapso de tempo tal que gere no sujeito passivo a expectativa legítima de que a situação jurídica não seria mais exercida; o exercício tardio seria contrário à boa-fé e abusivo. A surrectio é exatamente a situação jurídica ativa, que surge para o antigo sujeito passivo, de não mais submeter-se à antiga posição de vantagem pertencente ao credor omisso.” (DIDIER JÚNIOR, 2009)

[29] “A vedação ao venire contra factum proprium surge por influxo do princípio da confiança. Assegura-se a manutenção da situação de confiança legitimamente criada nas relações jurídicas contratuais. (...) É uma regra de coerência, por meio da qual se veda que se aja em determinado momento de uma certa maneira e, ulteriormente, adote-se um comportamento que frustra, vai contra aquela conduta tomada em primeiro lugar. (...) o venire contra factum proprium ‘coloca a hipótese de, independentemente de ter sido acionada qualquer previsão normativa comum de tipo contratual, o agente ficar adstrito a não contradizer o que primeiro fez e disse’ (...) O venire contra factum proprium pode resultar de uma atitude omissiva ou comissiva. Ocorre tanto quando se cria a confiança de que determinada conduta será adotada, e não o é, quanto no caso em que a confiança gerada é no sentido de que nada será feito (...) ‘ a proibição de venire contra factum proprium representa um modo de exprimir a reprovação por exercícios inadmissíveis de direitos e posições jurídicas. Perante comportamentos contraditórios, a ordem jurídica não visa a manutenção do estado gerado pela primeira atuação, que o direito não reconheceu, mas antes a proteção da pessoa que teve por boa, com justificação, a atuação em causa’” (CORDEIRO In DUARTE, 2001, p. 919-920)

[30] WIEACKER, 1982. p. 67.

[31] SILVA, 2009. p. 20.

[32] “As novas obrigações de conduta impostos pela boa-fé podem ser desdobradas em mister de cuidado, previdência, esclarecimento, aconselhamento, prestação de contas, colaboração, cooperação respeito ao patrimônio do álter, dever de sigilo, omissão e segredo.” (NERILO, 2007. p. 79)

[33] LOPES, 2013. p. 149-166.

BIBLIOGRAFIA

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros. 2008.

ARANTES, Priscilla Lacerda Junqueira de. O princípio da igualdade substancial na teoria contratual contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

BETTI, Emilio. Teoria geral do negócio jurídico. Tradução de Fernando de Miranda. Coimbra: Coimbra Editora, 1969, v. 1.

CORDEIRO, António Menezes Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1997, p. 1234.

______, Boa-fé, Abuso de Direito e o Novo Código Civil Brasileiro In DUARTE, Ronnie Preuss Doutrinas Essenciais: Obrigações e Contratos. Vol III. São Paulo: RT, 2001, pp. 919/920);

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DIDIER JÚNIOR, Fredie. Multa coercitiva, boa-fé processual e supressio: aplicação do duty to mitigate the loss no processo civil, in Revista de Processo n.º 171/2009.

FERNANDES, Wanderley. Contratos empresariais: fundamentos e princípios dos contratos empresariais. São Paulo: Saraiva, 2012.

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JORGE JUNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas gerais no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, São Paulo, 1987.

LOPES, Christian Sahb Batista. Mitigação dos prejuízos no direito contratual. São Paulo: Saraiva, 2013

LOPEZ, Teresa Ancona; AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Contratos empresariais: contratos de consumo e atividade econômica. São Paulo: Saraiva, 2009.

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NANNI, Giovanni Ettore. Abuso do direito. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Teoria geral do direito civil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 738-772.

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NERILO, Lucíola F. L. A responsabilidade civil pelo descumprimento da cláusula geral de boa-fé nos contratos. Revista dos Tribunais. Ano 96. Volume 866, dez. 2007. São Paulo.

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WIEACKER, Franz. El principio general de la buena fé. Tradução de Jose Luis Carro. Madrid: Civitas, 1982, p. 67.

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