Auxílio reclusão: análise crítica do requisito da baixa renda

07/11/2015 às 15:04
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O presente artigo procura explicar o auxílio reclusão (beneficio previdenciário), analisando a concessão do referido beneficio tendo como fundamento a proteção aos dependentes e o conceito legal sobre o critério da baixa renda.

Introdução

O Auxílio Reclusão representa um benefício previdenciário social, destinado a garantir a subsistência digna dos dependentes do segurado, recolhido à prisão, impossibilitado de prover o atendimento das necessidades básicas e essenciais de sua família.

Esse benefício tem por objetivo conceder proteção aos dependentes pelo fato de ficarem desprotegidos com a reclusão do segurado. Visa atender ao risco social da perda da fonte de renda familiar, em razão da prisão do segurado e tem por destinatários os dependentes do recluso.

Fábio Zambitte[1] define o Auxílio Reclusão como:

[...] benefício destinado exclusivamente aos dependentes do segurado, no caso, o preso. Este não recebe o auxílio-reclusão, mas sim sua família. O tema é tratado na Lei 8.213/91, art. 80, com particularidades na Lei 10.666/03, e no RPS, arts. 116 a 119. (IBRAHIM, 2004, p. 661).

Consoante nos ensina Hélio Gustavo Alves[2]:

o auxílio-reclusão é um benefício que garante a proteção da família e dependentes, além da fundamental importância para o equilíbrio da economia do País, ou seja, proporciona aos recebedores uma qualidade de vida digna, servindo a renda mensal para sustentação às bases alimentar e educacional e à saúde. (ALVES, 2007, p.

Ocorre que a forma de aferição da baixa renda do segurado instituidor é feita de forma estática e afronta os paradigmas constitucionais.

O ente público responsável pela concessão do auxilio reclusão usa o critério único é exclusivo do último salário de contribuição recebido pelo segurado, que tem seu valor atualizado por uma portaria ministerial.

A jurisprudência do STF consolidou o entendimento no qual coloca o último salário recebido pelo segurado como parâmetro para a aferição da baixa quando da concessão do Auxílio Reclusão.

Segue ementa de um julgado do Pretório Excelsior:

“PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ART. 201, IV, DA CF. DESTINATÁRIO. DEPENDENTE DO SEGURADO. ART. 13 DA EC 20/98. LIMITAÇÃO DE ACESSO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO.

I - Nos termos do art. 201, IV, da CF, o destinatário do auxílio-reclusão é o dependente do segurado recluso.

II - Dessa forma, até que sobrevenha lei, somente será concedido o benefício ao dependente que possua renda bruta mensal inferior ao estipulado pelo Constituinte Derivado, nos termos do art. 13 da EC 20/98.

III - Recurso extraordinário conhecido e provido” (RE 486413/SP, Pleno, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 25/03/2009, DJe 07/05/2009).

Nestes termos, o benefício só será deferido caso o último salário recebido pelo segurado seja igual ou inferior ao previsto em uma Portaria Interministerial, que a título de exemplo: Portaria MF nº 19, de 10 de janeiro de 2014, artigo 5º, define o valor de R$ 1.025,81 (Hum mil vinte e cinco reais e oitenta e um centavos).

Crítica ao critério da baixa renda

Em primeiro lugar, cabe salientar que a remessa da aferição da baixa renda familiar ao valor do último salário-de-contribuição pode não demonstrar a situação de privação econômica da família. Basta lembrar que o segurado pode manter sua filiação ao regime da Previdência Social, mesmo quando desempregado. Assim sendo, como bem tem interpretado a jurisprudência, deve ser analisada a renda familiar quando da detenção do segurado, e não quando do percebimento de sua última remuneração.

Em segundo lugar, o artigo 84, IV, da Carta Magna determina que somente para cumprir dispositivos legais, pode o Executivo expedir regulamentos. Daí resulta que somente por lei é possível fazer alguma restrição aos direitos de propriedade e liberdade. O regulamento não pode contrariar a lei, estando subordinado a ela, sob pena de ferir-se o princípio da legalidade (artigo 5.º, II e art. 37, I, ambos da Constituição Federal de 1988).

A mesma Constituição prevê no inciso IV do artigo 201 que será devido o Auxílio Reclusão aos dependentes do segurado de baixa renda.

É nítido que a Carta Constitucional deixou para a legislação infraconstitucional a definição do que seria baixa renda para fins de concessão do Auxílio Reclusão.

Ocorre que não há no ordenamento jurídico pátrio uma lei especifica que defina ou conceitue baixa renda quando da aferição do benefício previdenciário em tela.

Existem legislações que destoam quanto à ideia de miserabilidade (baixa renda), tais como, a Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), Lei 10.836/2004 (Bolsa Família), a Lei 10.689/2003 (Programa Nacional de Acesso à Alimentação) e a Lei 10.219/2001(Bolsa Escola).

O poder executivo, tendo em vista a inércia legislativa, definiu por meio de Portaria Interministerial a definição de segurado de baixa renda, qual seja, aquele que tenha recebido último salário igual ou inferior ao valor estabelecido anualmente pela referida Portaria.

O requisito de baixa renda para obtenção do benefício previdenciário, bem como, a forma como ela é verificada desconsidera todos os demais fatores que poderiam de alguma forma interferir neste conceito, sobretudo, de evidente carga subjetiva.

Indo mais além, o doutrinador Fábio Zambitte[3], faz severa crítica à limitação criada pela constituição e regulamentada pelo executivo:

A alteração constitucional foi de extrema infelicidade, pois exclui da proteção diversos dependentes, cujos segurados estão fora do limite de baixa renda. Esta distinção, para o auxílio-reclusão, não tem razão de ser, pois tais dependentes poderão enfrentar situação difícil, com perda da remuneração do segurado. Pessoalmente, sempre considerei a citada alteração como inconstitucional, haja vista gerar uma diferenciação desprovida de qualquer razoabilidade, pois o segurado mesmo com remuneração vultosa, poderá deixar a família em situação de necessidade mais gravosa do que outra família, mais humilde, mas que tenha outras fontes de renda. Para piorar, a inércia legislativa em disciplinar o conceito derradeiro de baixa-renda provoca, como se percebe com facilidade, discrepância ainda maior, possibilitando que dependentes percam o benefício por centavos ou mesmo pelo fato do segurado ter sido preso no mês de férias, no qual recebe, além do salário, mais 1/3 de adicional constitucional, o que não raramente produz resultado maior do limite vigente. (IBRAHIM, 2004, p. 661).

Além de provocar situações de injustiça social e insegurança jurídica, tal critério não possui qualquer consonância com os fins colimados pela Constituição Federal de 1988, bem ainda com os princípios que norteiam a Previdência Social.

Não há como identificar um segurado de baixa renda apenas verificando o seu último salário de contribuição. Esta analise é estática e destoa da dinâmica normativa que vem predominando na órbita legislativa nacional.

Para verificar a condição de baixa renda do segurado da previdência social, faz-se mister, a analise de outros fatores, um dos quais, o grupo familiar no qual está inserido o segurado.

O referido critério gera insegurança jurídica, pois, alguns tribunais possuem decisões completamente divergentes quanto à aplicação isolada da Portaria Interministerial.

Dois julgados colocam a Portaria Interministerial em “segundo plano”, tendo em vista que os valores auferidos nestes julgados ultrapassam em valor irrisório o da Portaria.

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO PREVISTO NO ARTIGO 557, § 1º, DO CPC. AUXILIORECLUSÃO. RENDA POUCO ACIMA DO LIMITE I - Considerando-se que a renda auferida pelo detento, à época da reclusão, ultrapassa em valor irrisório o limite legalmente fixado pela Portaria nº 48, de 12.02.2009, há que se reconhecer a existência dos requisitos necessários à concessão do auxílio-reclusão. II - Agravo interposto pelo INSS na forma do artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil improvido.

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. AUXÍLIO-RECLUSÃO. ÚLTIMO SALÁRIO-DECONTRIBUIÇÃO DO SEGURADO RECLUSO. RENDA SUPERIOR AO LIMITE ESTABELECIDO. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. DESCABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O genitor do agravante foi efetivamente recolhido à prisão em 18.09.2009 e, conquanto mantivesse a qualidade de segurado, encontrava-se desempregado e não detinha mais salário-de-contribuição, razão por que deve ser aplicado o disposto no Art. 15, II, da Lei 8.213/91 c.c o § 1º, do Art. 116, do Decreto 3.048/99, com a respectiva concessão do benefício de auxílio-reclusão. Precedentes. 2. É de se consignar que não houve declaração de inconstitucionalidade de lei a justificar a imposição da reserva de plenário, pelo que inaplicável a referida norma constitucional. 3. Agravo desprovido.6

Já a Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais da 5ª Região aplica literalmente a Portaria, sob pretexto de evitar invasão da competência do Poder Executivo.

Com relação à renda do segurado, tratando-se de prisão posterior ao advento da EC 20/98 (que trouxe a limitação do valor do salário-de-contribuição do segurado preso), observo que o último salário-de-contribuição do segurado é superior ao estabelecido na lei, de R$ 971,78 (Portaria MPS n. 15, de 10/1/2013), já que em junho de 2013 seu salário de contribuição foi de R$ 978,67, conforme registrado no Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho. Aliás, consta do CNIS que em maio de 2013 o segurado teria percebido R$ 1072,00, o que indicativo de que seu salário de contribuição é realmente superior ao limite estabelecido para a concessão do auxílio. Ainda que a diferença para maior seja ínfima, não cabe ao Judiciário a flexibilização do valor estabelecido normativamente, sob pena de invadir esfera de competência do Executivo. Sendo assim, o benefício não se mostra devido, já que não cumprido o requisito da renda, impondo-se a manutenção da sentença pelos seus fundamentos.  Pelo exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.

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Vê-se desta forma a necessidade urgente de uma legislação que possa garantir aos dependentes do segurado de baixa renda acesso ao citado benefício previdenciário.

Segundo Wladimir Novaes Martinez (MARTINEZ, 1999), o Auxílio-Reclusão "não tem por escopo tutelar ou indenizar a prisão do trabalhador, mas substituir os seus meios de subsistência e os de sua família".

Destarte não é razoável deixar desamparados os dependentes de segurado com renda bruta superior ao limite legal, uma vez que a razão do benefício é justamente substituir os rendimentos do segurado preso, portanto impedido de traba­lhar. Seja a hipótese de família carente, seja de família abastada, o fundamento é o mesmo: da ausência do indivíduo provedor decorre a necessidade de substituição por prestação previdenci­ária, presumindo-se a necessidade dos dependentes.

Conclusão

Nestes termos é impossível aferir se o segurado é ou não de baixa. Tendo em, vista que há no nosso ordenamento jurídico vários conceitos de baixa renda, outro ponto que dificulta a aferição.

A análise da baixa renda do segurado deve ser feita por uma avaliação social técnica na qual se verifique a situação da família do preso como um todo (o próprio instituidor e seus dependentes).

Não há sentido para análise em separado, pois, a proteção destina-se à família de baixa renda. Se assim não o fosse não existiria o referido benefício. Seja o segurado instituidor de baixa renda ou não se este não tiver dependentes não haverá a concessão do benefício

Assim, é impraticável caracterizar baixa renda tendo como indicativo apenas o último salário do segurado instituidor.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

ALVES, Hélio Gustavo. Auxílio Reclusão. Direitos dos presos e de seus familiares. São Paulo: LTr, 2007

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

CASTRO, C. A. P. de; LAZZARI, J. B. Manual de direito previdenciário. 8. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.

IBRAHIM, F. Z. Curso de direito previdenciário. 8. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2006.

KERTZMAN, I. Curso prático de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: Juspodivm, 2007.

MARTINEZ, W. N. Reforma da previdência social: comentários à Emenda Constitucional nº 20/98. São Paulo: LTr, 1999.

ROCHA, D. M. da; BALTAZAR JUNIOR, J. P. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SANTOS, M. F. dos. O princípio da seletividade das prestações de seguridade social. São Paulo: LTr, 2003.

TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001.


[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p.661.

[2] ALVES, Hélio Gustavo. Auxílio Reclusão. Direitos dos presos e de seus familiares. São Paulo: LTr, 2007

[3] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p.661.

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