RESUMO
O presente artigo objetiva abordar as modalidades de fraude do devedor, em especial o instituto da fraude à execução fiscal e suas especificidades frente a Súmula nº 375 do STJ e o julgamento do recurso especial representativo de controvérsia nº 1.141.990/PR.
Palavras-chaves: Fraude. Execução Fiscal. Divida Ativa. Inscrição, Recurso Repetitivo.
ABSTRACT
This article focuses the modalities of the debtor's fraud, in particular the Institute of fraud to tax foreclosure and their specificities facing Precedente 375 of the STJ and the trial of controversy's representative special appeal nº. 1.141.990/PR
Keywords: fraud. Tax Foreclosure. Debt. Registration. Repetitive Feature.
INTRODUÇÃO
Na processualística moderna busca-se a efetividade do processo e o dever de lealdade entre as partes processuais. Desta feita, quando a parte devedora desrespeita esses postulados, praticando atos que tendem a diminuir/aniquilar o seu patrimônio nasce uma das figuras de fraude do devedor[1]
Assim, a proposta desse trabalho é analisar as figuras da fraude do devedor, notadamente a fraude em matéria fiscal, com todas as particularidades que o tema comporta, bem como a analise da súmula nº 375 do STJ e sua inaplicabilidade aos executivos fiscais.
- Fraude à execução
- Da fraude à execução e da fraude contra credores
Tanto a fraude à execução quanto a fraude contra credores são espécies do gênero fraude do devedor e derivam diretamente do princípio da responsabilidade patrimonial, sendo, pois, institutos que servem para garantir as obrigações assumidas pelos contratantes.
A fraude contra credores é regulada pelo direito material (art. 158 a 165, CC). É um instituto de caráter privado e corresponde a um defeito do negócio jurídico que ocorre quando o devedor insolvente, ou pelo negocio realizado se torna insolvente, se desfaz de seu patrimônio em prejuízo de seus credores. Para verificação da fraude contra credores faz-se necessária a presença do (a) eventus damni (dano), que corresponde à redução do devedor a insolvência ou o agravamento de sua solvibilidade (prejuízo causado ao credor) e do (b) concilium fraudis, concernente ao conluio fraudulento entre o alienante – devedor – e o terceiro adquirente[2]. Desta feita, a fraude contra credores leva em consideração aspectos subjetivos.
Cumpre ressaltar que a fraude contra credores se dá quando os credores ainda não ingressaram em juízo para satisfação de seus créditos. Desta feita, para anular o negocio defeituoso (fraudulento) é necessário que algum credor ajuíze ação própria (ação pauliana ou revocatória), conforme dicção do art. 171, inciso II, do Código Civil. O bem objeto da fraude reingressa no patrimônio do devedor, aproveitando a todos os eventuais credores (art. 165 do CC).
Já a fraude à execução, instituto de direito processual, portanto público[3], tem como pressuposto a existência de uma ação. Assim, a alienação ou oneração de bens capaz de reduzir o devedor a insolvência se dá quando da pendência de demanda judicial (art. 593 do CPC). Observa-se que, ao contrario do que ocorre com a fraude contra credores, predomina os aspectos objetivos para caracterização da fraude à execução.
O reconhecimento da fraude à execução, com a declaração de ineficácia do ato, ocorre de maneira incidental nos autos. Desta feita o negocio fraudulento trona-se ineficaz perante o credor, visando com isso à satisfação da pretensão deduzida em juízo pelo mesmo.
Humberto Theodoro Júnior assinala a diferença entre os institutos afirmando que:
“a) A fraude contra credores pressupõe sempre um devedor em estado de insolvência e ocorre antes que os credores tenham ingressado em juízo para cobrar seus créditos; é causa de anulação do ato de disposição praticado pelo devedor; b) A fraude de execução não depende, necessariamente, do estado de insolvência do devedor e só ocorre no curso de ação judicial contra o alienante; é causa de ineficácia da alienação”[4].
Leciona Fabricio Zamprogna Matiello que:
“Em termos de efeitos, a fraude contra credores faz volver o item à esfera jurídica do devedor e, portanto, aproveita a todos os credores, enquanto a fraude à execução torna ineficaz o ato exclusivamente em relação ao credor litigante, como se o bem ou o direito jamais houvesse sido deslocado do patrimônio original, mas em produzir reflexos jurídicos em favor de outros eventuais credores”[5]
Observa-se que em ambos os institutos há o eventus damni, ou seja, o prejuízo efetivo ao credor. No entanto, na fraude à execução o legislador não tornou obrigatório a existência do concilium fraudis. Referido elemento foi adicionado pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 375[6] que veremos mais adiante.
- Da fraude à execução fiscal
O art. 593, inciso III, do Código de Processo Civil, possibilita que se verifique a fraude à execução “nos demais casos expressos em lei”. Desta feita, o Código Tributário Nacional trouxe a figura da fraude à execução em seu art. 185:
“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.
Parágrafo único: O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”.
Referido dispositivo teve sua redação alterada pela Lei Complementar 118/2005. A redação original trazia a necessidade de que a dívida inscrita estivesse em fase de execução. Essa alteração legislativa antecipou o momento da configuração da fraude à execução fiscal, assim basta que o crédito esteja inscrito em dívida para considerar a existência da fraude á execução fiscal.
Hugo de Brito Machado esclarece que:
“Basta, portanto, que o sujeito passivo da obrigação tributária esteja em débito para com a fazenda Pública, para que se presuma que a alienação ou oneração de bens ou rendas por ele praticada ocorre com o propósito de frustrar a execução que a Fazenda poderá contra ele promover”[7].
Cumpre observar que para a perfeita aplicabilidade do art. 185 do CTN se faz necessário que o devedor tributário seja cientificado da inscrição do débito em dívida ativa.
Ricardo Alexandre afirma que:
“Apesar de a exigência de comunicação formal da inscrição não constar expressamente no artigo, ela decorre do bom senso, não sendo razoável presumir que obrou em fraude sujeito passivo que não sabia que seu débito estava inscrito em dívida ativa.
O raciocínio aqui defendido está em consonância com a maneira como o STJ sempre enxergou o dispositivo, somente reconhecendo a presunção de fraude quando o devedor tinha ciência oficial do ato ou fato definido em lei como marco inicial da possibilidade da aplicação da presunção. Se no passado era necessário a ciência oficial do processo de execução (citação), hoje de ver ser considerada indispensável a comunicação formal da inscrição em dívida ativa. Comprovada a ciência, a presunção será de natureza absoluta, não se aceitando qualquer prova em sentido contrário”[8]. (Grifo Nosso)
E continua o autor:
“O único argumento cabível para que não se configure a presunção é o constante do parágrafo único do art. 185, qual seja o de que foram ‘reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita’ ”[9].
Nesse sentido, a alienação/oneração (ou simplesmente o começo desses atos) de bens ou rendas pelo sujeito passivo da obrigação tributária por quantia devidamente inscrita em divida ativa sem reservas de bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita acarreta presunção absoluta de fraude á execução fiscal. Não sendo, pois, necessário a existência do concilium fraudis.
Isso porque a fraude à execução fiscal é modalidade especial em relação à fraude à execução comum, regida pelo CPC, vez que a norma visa proteger o crédito público, sendo seu recolhimento necessário para garantir as políticas públicas. Assim, a cobrança dos créditos públicos se reveste que regras próprias, traçadas pelo Código Tributário Nacional e pela Lei nº 6.830/1980 (lei de execução fiscal), sendo que o Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária.
Observa-se que as duas modalidades de fraude à execução têm o condão de conduzir à ineficácia do negocio jurídico perante o credor de maneira incidental nos autos e atentam contra a dignidade da justiça (art.600, I, CPC).
- Da súmula nº 375 do STJ e a fraude à execução fiscal (correto enquadramento pelo REsp nº 1.141.990/PR)
O preceito sumular estabelece que: “O reconhecimento da fraude à execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. De acordo com o enunciado para ocorrer a fraude à execução se faz necessário a) o registro da penhora do bem alienado ou b) prova da má-fé do terceiro adquirente do bem.
Da dicção do verbete sumular verifica-se que o mesmo contraria o disposto no Código Tributário Nacional, assim, acreditou-se que sua aplicação estaria restrita à fraude à execução comum, onde todos os interesses são particulares. No entanto, referido verbete tem entre seus precedentes, em que pese a maioria ser execuções entre entes privados, execuções fiscais[10].
Desta feita, a súmula nº 375 do STJ ignorou a existência de regramento especial (art.185, CTN) para a análise da fraude à execução fiscal e, aos elementos objetivos enumerados no CTN [ a) débito inscrito em dívida ativa, b) alienação/oneração do patrimônio do devedor ou seu começo e, c) inexistência de reserva patrimonial capaz liquidar a dívida inscrita] adicionou elementos subjetivos [a) o registro da penhora do bem alienado ou b) prova da má-fé do terceiro adquirente do bem] contrariando regras da hermenêutica jurídica, pois o Código Tributário Nacional é lei especial.
Cumpre ressaltar que no mesmo ano da edição da súmula (2009) houve ressalvas a sua aplicabilidade. Vejamos:
“PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 185, DO CTN. BEM ALIENADO APÓS A CITAÇÃO VÁLIDA E ANTES DO REGISTRO DA PENHORA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA Nº 375, DO STJ. RESSALDA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. 1. “O reconhecimento da fraude à execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Enunciado nº 375 da Súmula do STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 18/3/2009). 2. Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema: a) na redação anterior do art. 185 do CTN, exigia-se apenas a citação válida em processo de execução fiscal prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorriam o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas até 8.6.2005); b) na redação atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em divida ativa prévia á alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 9.6.2005); c) A averbação no registro de imóveis da certidão de inscrição em dívida ativa, ou da certidão comprobatória do ajuizamento da execução, ou da penhora cria a presunção absoluta de que a alienação posterior se dá em fraude á execução em que incorrem o alienante e o adquirente; (...) (REsp 726.323/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009) (Grifo Nosso)
Observa-se que os julgados do STJ passaram a atribuir, gradativamente, a devida responsabilidade ao terceiro adquirente do bem, vez que a comprovação de litigiosidade do crédito público pode ser aferida de diversas maneiras, não necessariamente com o registro da penhora. Notadamente pelo fato de a penhora ser realizada quando há uma ação judicial e a fraude à execução fiscal poder nascer antes do inicio da ação executiva. Não havendo, pois, muita lógica na exigência desse requisito à Fazenda Pública, sem olvidar que as certidões em dívida ativa são públicas (art. 198, §3º, II, do CTN), assim, todos podem ter conhecimento dela.
A melhor doutrina tributária assim leciona que:
“Em suma, sem embargos dos desencontros dessas lições, a presunção na redação anterior do preceito legal, instaurava-se a partir da propositura da ação de execução até a penhora. No novo texto, a presunção atua desde a inscrição da dívida”[11].
“Assim, se alguém é devedor de tributo e vende ou por qualquer outra forma aliena algum bem depois de inscrito o seu débito tributário como dívida ativa, essa alienação se considera fraudulenta. Presume-se que o ato de alienação teve por objeto frustrar a execução do crédito tributário. Cuida-se de presunção legal absoluta, isto e, que não admite prova em contrário[12]”.
Por fim, o STJ, após o equívoco de aplicação da súmula nº 375 à fraude à execução fiscal, por meio do Recurso Repetitivo Resp nº 1.141.990/PR assentou pela inaplicabilidade do verbete sumular às execuções fiscais, reconhecendo o caráter especial do instituto fiscal, prevalecendo os elementos objetivos elencados na legislação especifica.
Desta feita, para reconhecimento da fraude à execução fiscal não se faz necessário nem o registro da penhora nem a prova da má-fé, vez que a fraude tem caráter absoluto (jure et de jure). Vejamos:
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVERSIA. ART. 543-C, DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO – DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC Nº 118/2005. SÚMULA 375/STJ. INAPLICABILIDADE.
1.A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), por isso que a Súmula nº 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais.
2. O artigo 185, do Código Tributário Nacional – CTN, assentando a presunção de fraude à execução, na sua redação primitiva dispunha que:
“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução.
Parágrafo único: O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”.
3. A Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005 alterou o art. 185, do CTN, que passou a ostentar o seguinte teor:
“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida.
Parágrafo único: O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita”.
4. Consectariamente, a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC n.º 118/2005 (09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do devedor; posteriormente à 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadas pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa.
5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.
6. É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis. (FUX, Luiz. O novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 95-96 / DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 278-282 / MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 210-211 / AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 472-473 / BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 604).
7. A jurisprudência hodierna da Corte preconiza referido entendimento consoante se colhe abaixo:
“O acórdão embargado, considerando que não é possível aplicar a nova redação do art. 185 do CTN (LC 118/05) à hipótese em apreço (tempus regit actum), respaldou-se na interpretação da redação original desse dispositivo legal adotada pela jurisprudência do STJ”. (EDcl no AgRg no Ag 1.019.882/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 06/10/2009, DJe 14/10/2009)
"Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema: [...] b) Na redação atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívida ativa prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 9.6.2005);”. (REsp 726.323/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009)
"Ocorrida a alienação do bem antes da citação do devedor, incabível falar em fraude à execução no regime anterior à nova redação do art. 185 do CTN pela LC 118/2005". (AgRg no Ag 1.048.510/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 06/10/2008)
“A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185 do CTN, até o advento da LC 118/2005, pacificou-se, por entendimento da Primeira Seção (EREsp 40.224/SP), no sentido de só ser possível presumir-se em fraude à execução a alienação de bem de devedor já citado em execução fiscal”. (REsp 810.489/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009, DJe 06/08/2009)
8. A inaplicação do art. 185 do CTN implica violação da Cláusula de Reserva de Plenário e enseja reclamação por infringência da Súmula Vinculante n.º 10, verbis: "Viola a cláusula de reserva de plenário (cf, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte."
9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (b) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n.º 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude; (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das "garantias do crédito tributário"; (d) a inaplicação do artigo 185 do CTN, dispositivo que não condiciona a ocorrência de fraude a qualquer registro público, importa violação da Cláusula Reserva de Plenário e afronta à Súmula Vinculante n.º 10, do STF.
10. In casu, o negócio jurídico em tela aperfeiçoou-se em 27.10.2005 , data posterior à entrada em vigor da LC 118/2005, sendo certo que a inscrição em dívida ativa deu-se anteriormente à revenda do veículo ao recorrido, porquanto, consoante dessume-se dos autos, a citação foi efetuada em data anterior à alienação, restando inequívoca a prova dos autos quanto à ocorrência de fraude à execução fiscal.
11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008.
Desta feita, a Corte aniquilou todas as dúvidas existentes acerca da fraude à execução fiscal e decidiu a questão com respeito ao que foi instituído pela legislação especial sobre a matéria, garantindo o interesse público e coibindo os fraudadores sociais que visam prejudicar o erário, frustrando as execuções fiscais.
- Conclusão
De todo o discorrido, conclui-se que o instituto de fraude à execução fiscal tem regras especificas em relação ao instituto regulado pelo Código de Processo Civil, vez que se está diante de crédito público, portanto, deve-se proteger o interesse coletivo.
Em razão desse aspecto, de crédito público, a fraude perpetrada em seu detrimento é tida por absoluta (jure et de jure), não tendo as Fazendas Públicas que provarem a má-fé do devedor quando da alienação do bem.
Os requisitos da fraude à execução fiscal estão disciplinados no art. 185 do CTN, que só possui requisitos objetivos, assim a inaplicabilidade da Súmula nº 375 do STJ é medida que se impõe e que foi adequadamente corrigido pela E. Corte no julgamento do repetitivo acima colacionado.
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www.stj.jus.br
[1] Institutos que visam a efetividade processual e a lealdade entre as partes.
[2] A demonstração do concilium fraudis é dispensada nas hipóteses de negócios jurídicos fraudulentos (art. 158 do Código Civil).
[3] Cumpre relembrar que a fraude à execução consiste em ato atentatório a dignidade da justiça (art.600, I, CPC)
[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de janeiro:Forense, 2002, p.101
[5] MATIELLO, Fabricio Zamprogna. Defeitos do negocio jurídico. São Paulo:LTr, 2005, p133.
[6] Súmula 375 do STJ.: “O reconhecimento da fraude à execução depende de registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.
[7] MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao código tributário nacional. V. 3. São Paulo: Atlas, 2005, p.672.
[8] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, 5ª edição. Rio de janeiro: Forense; São Paulo:Método, 2011, p.512.
[9] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado, 5ª edição. Rio de janeiro: Forense; São Paulo:Método, 2011, p.512.
[10] No entanto, não foi enfrentada a dicção do art. 185 do CTN, conforme relatório do Min Luiz Fux no Resp nº 1.141.990/PR.
[11] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005. P.472
[12] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p.211