3. Da Inobservância do Princípio da Moralidade Administrativa
A Constituição de 1988 inegavelmente trouxe diversos avanços em seu texto, naquele amplo movimento de redemocratização do país. E um destes avanços, que tem paulatinamente sido descoberto pela doutrina e jurisprudência, está contido logo em seu primeiro artigo, quando declara que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Em decorrência disso, vários princípios foram acolhidos, expressa ou implicitamente, por nosso Texto Fundamental. Além daqueles princípios clássicos da igualdade, liberdade, legalidade etc., inovou o constituinte, sob a influência do paradigma do Estado Democrático de Direito, ao incorporar o princípio da moralidade administrativa, insculpido no art. 37 caput da Constituição.
No entanto, desrespeitou-o a União, no caso em que estamos analisando, ao aceitar títulos como moeda de pagamento pelas ações da empresa, títulos estes que teriam um valor bem inferior ao valor que seriam aceitos na ocasião da venda. Em outras palavras, a União desde o início já sabia que levaria prejuízo na transação, pois aceitaria um título com um certo valor na ocasião da venda das ações da empresa e, futuramente, este mesmo título alcançaria um valor bastante inferior àquele aceito inicialmente. É como se em um negócio privado, por exemplo, um vendedor aceitasse um cheque que, no dia da compra valia R$10.000,00(dez mil reais), já sabendo que no dia em que descontasse valeria apenas metade de seu valor do dia da compra. Se no âmbito privado este fato resulta tão estapafúrdio e ilógico, sendo mesmo bastante difícil acreditar que alguém aceitaria realizar tal negócio, na esfera pública este fato alcança dimensões inacreditáveis, pois aqui o lesado não é apenas a União, mas o país inteiro que está vendo seu patrimônio ser vendido por um preço muito aquém do seu valor de mercado. Fere, destarte, o princípio da moralidade administrativa que significa, em poucas palavras, que o administrador deve zelar pela coisa pública, tendo em vista os valores morais de determinada sociedade. Desta forma, o administrador público não deve ser apenas um administrador, mas um bom administrador, agindo de maneira íntegra, correta, visando sempre ao interesse da coletividade. Neste ponto, é interessante o magistério de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
"Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de eqüidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa."(DI PIETRO:1998)
Pode-se argumentar que o princípio da moralidade administrativa envolve conceitos indeterminados, incertos, que podem trazer prejuízo à segurança do Direito. Este argumento, contudo, não se sustenta. Como ensina DWORKIN(DWORKIN:1997), o ordenamento jurídico não é composto apenas de regras, mas de princípios, estes muito mais importantes que as primeiras, por serem eles que dão o embasamento para o surgimento de regras. E mais, esses princípios têm força jurídica, no sentido de que vinculam todos os sujeitos que se submetem ao ordenamento jurídico. Se é verdade que possuem uma estrutura diferente daquela das regras, também é verdade que são muito mais indeterminados do que aquelas. Mas isso não inviabiliza a aplicação dos princípios no caso concreto. Muito pelo contrário. DWORKIN defende que o juiz deve ter um papel criador, no sentido de que é ele que diz o direito. Não há problema na indeterminação relativa dos princípios, já que o juiz, quando decide um caso concreto, analisa-o, interpreta-o e retira do meio social em que vive e do próprio sistema jurídico a significação correta de determinado princípio. E mais, sempre vai existir uma certa tensão entre o princípio da segurança do Direito e o da justiça das decisões, já que a característica central dos princípios é sempre pressupor e conviver com seus opostos(DWORKIN:1997). Vem-nos ainda à mente os ensinamentos de MÜLLER(MÜLLER:1996), segundo o qual o texto legal e, com mais razão, o constitucional, é sempre indeterminado. A norma jurídica só é extraída após a concretização desta, trabalho que significa a interpretação não apenas do programa da norma(texto jurídico), mas também do campo normativo(situações fáticas que circundam o texto normativo). Após esta interpretação, retira-se uma norma para o caso("norme despèce) e, conseqüentemente uma decisão com força vinculante(MÜLLER:1996). Portanto, como vemos o Direito convive com indeterminações, o que não inviabiliza a sua aplicação, exatamente por estar intimamente vinculado ao caso concreto.
Assim, no caso concreto que estamos analisando, fácil é ver que a União desrespeitou o princípio da moralidade administrativa, ao aceitar títulos que teriam um valor inferior ao valor pago no dia do certame. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que a União(rectius, seus "mandatários")aceitou, deliberadamente, ser lesada na transação econômica que realizou.
Com este único e mesmo ato, a União conseguiu ainda ferir os princípios da supremacia do interesse público e da proporcionalidade.
4. O Princípio da Supremacia do Interesse Público e
a Privatização da Aço Minas Gerais S.A.
A União, através de seus agentes, conseguiu ainda, no procedimento de venda das ações da empresa Açominas, ferir o princípio da supremacia do interesse público, ao aceitar como moeda de pagamento títulos da dívida pública que alcançariam um valor bem inferior após o dia da realização do leilão. De fato, prejudicou toda a Nação Brasileira, ao não valorizar patrimônio que não pertence a ela(União Federal), mas sim aos cidadãos brasileiros.
Ressalte-se, com CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO(MELLO:1998), que o princípio da supremacia do interesse público é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros deles aludam ou impliquem manifestações concretas deste princípio, como, por exemplo, aqueles relativos à função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do meio ambiente(art. 170, III, V e VI, da Constituição da República), ou em tantos outros. Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social. Portanto, não poderia a União ter aceitado títulos podres como moeda de pagamento no leilão da Aço Minas Gerais S.A., exatamente pelo fato destes alcançarem valor inferior quando fossem descontados, ferindo destarte o princípio da supremacia do interesse público, já que não é do interesse da sociedade brasileira ver seu patrimônio ser vendido por um preço muito inferior ao do mercado.
5. Da Desobediência ao
Princípio da Proporcionalidade
Por fim, a União desrespeitou o princípio da proporcionalidade, pois aceitou títulos da dívida pública como moeda para o pagamento das ações da Açominas. Para alguns, este princípio é decorrente do princípio da legalidade, para outros do devido processo legal(sendo mesmo nos Estados Unidos chamado de princípio da razoabilidade ou do devido processo legal substantivo) (CASTRO:1989), o certo é que se originou na Alemanha, devido aos trabalhos dos Juízes do Tribunal Constitucional Federal(BverfGe 7, 377; 7, 198; 27, 71). Como assevera CANOTILHO(CANOTILHO:1998), esse princípio pode ser utilizado em dois sentidos. Em um sentido amplo, significa a proibição do excesso e diz respeito à limitação do Poder Executivo, estando, para alguns, intimamente conexionado com os direitos fundamentais. Em um sentido restrito, é entendido como princípio da justa medida, ou seja, meios e fim são colocados em equação mediante um "juízo de ponderação", com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se de pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.
E onde se encontra dito princípio na Constituição da República? Sem dúvida, é um princípio implícito, extraído do artigo 1º do Texto Fundamental, quando declara que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. De fato, nesse paradigma, em que há a revalorização da figura do cidadão, concedendo-se novos direitos a ele e permitindo-se, cada vez mais, que participe das arenas públicas, com o intuito de criar consensos, para que as decisões estatais sejam realmente públicas(daí o princípio da publicidade expressamente previsto em nossa Constituição), qualquer ato estatal deve ser comparado em seus meios e fins. Se a Administração tomou certa medida desproporcional(no sentido de mais gravosa para o cidadão)em relação aos fins que desejaria alcançar, tal medida é inconstitucional, por ferir o princípio da proporcionalidade. Ora, foi exatamente isso o que aconteceu. A União, ao aceitar títulos como moeda de pagamento das ações da Açominas, que alcançariam um valor inferior após a venda destas ações, feriu o princípio da proporcionalidade, pois poderia ter alcançado o mesmo objetivo(venda das ações da Açominas)através de outro meio menos gravoso para a sociedade como um todo. Se, por exemplo, não tivesse aceitado como forma de pagamento tais títulos, ter-se-ia conseguido vender as ações, talvez até por um preço superior ao arrecadado e diminuído ainda mais a dívida pública, seja interna ou externa, já que era este o objetivo da venda das ações da empresa.
6. A Teoria do Fato Consumado do STJ e a
Privatização da Aço Minas Gerais S.A.
O Superior Tribunal de Justiça(STJ) tem acolhido, há algum tempo, a teoria do fato consumado. Segundo o Egrégio Tribunal, em algumas situações, devido ao transcurso de tempo considerável, não seria mais possível desconstituírem-se situações jurídicas, pois haveria graves inconvenientes de ordem prática, não só para o beneficiado, como para terceiros. Assim, tendo-se consumado o fato, não seria mais possível voltar ao status quo ante, mesmo que eivado de vícios jurídicos. Vejamos algumas decisões que esclarecem melhor esta doutrina:
"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL - PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA TELEBRÁS - FATO CONSUMADO - RESULTADO POSITIVO - CIRCUNSTÂNCIAS SUPERVENIENTES - DESPROVIMENTO.
I - A ocorrência, com resultado positivo, do leilão de privatização do sistema TELEBRÁS, constitui fato consumado que se afigura inconveniente, na espécie, revolver.
II - Circunstâncias supervenientes, decorrentes de crise mundial no mercado financeiro, demonstram a conveniência e oportunidade da manutenção do certame.
III - Impugnação recursal que não elide as razões da decisão agravada.
IV - Recurso a que se nega provimento." (AGP 980/SP; Agravo Regimental na Petição; Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro; DJ de 30/11/98, p. 39.)
"EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CURSO PROFISSIONALIZANTE. CONCLUSÃO DO ESTÁGIO. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA. FATO CONSUMADO, EM DECORRÊNCIA DE LIMINAR CONCEDIDA. SITUAÇÃO FÁTICA JÁ CONSOLIDADA. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL
I - Se, na hipótese, a aluna, por força de decisão favorável do juízo monocrático, tendo concluído o estágio, já vem há muito tempo freqüentando as aulas do curso superior, faltando apenas dois semestres para concluí-lo, tem-se consolidada uma situação fática cuja desconstituição seria de todo desaconselhada, sobretudo se considerada a inexistência de prejuízos a terceiros.
II - Não como regra geral, mas em circunstâncias especiais e em respeito à segurança das relações jurídicas, a jurisprudência predominante desta Egrégio Corte, em casos semelhantes, tem admitido preservar a situação já consolidada e irreversível, sem que dela resulte prejuízo a terceiros.
III - Recurso provido. Decisão unânime." (Resp. 34548/RS; Rel. Min. Demócrito Reinaldo; DJ de 28/06/93, p. 12868.)
"EMENTA: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ESTUDANTE. TRANSFERÊNCIA. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA POR DECISÃO JUDICIAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.
(...)
4. Segurança concedida há mais de 02(dois) anos, determinando a transferência pleiteada, sem nunca ter sido a mesma cassada e que, pelo decorrer normal do tempo, a impetrante já deve ter concluído o curso. Ocorrência da teoria do fato consumado, aplicável ao caso em apreço.
5. Não podem os jurisdicionados sofrer com as decisões colocadas à apreciação do Poder Judiciário, em se tratando de situação fática consolidada pelo lapso temporal, face à morosidade dos trâmites processuais.
6. Em se reformando a r. sentença concessiva e o v. acórdão recorrido, neste momento, estar-se-ia corroborando para o retrocesso na educação dos educandos, "in casu", um acadêmico que foi transferido sob a proteção do Poder Judiciário e que já deve ter terminado seu curso. Em assim acontecendo, não teria o impetrante, com a reforma da decisão, o acesso à reta final do seu curso. Pior, estaria perdendo anos de sua vida freqüentando um curso que nada lhe valia no âmbito universitário e profissional, posto que cessada tal freqüência. Ao mais, ressalte-se que a mantença da decisão "a quo" não resultaria qualquer prejuízo a terceiros, o que é de bom alvitre.
7. Cabe ao juiz analisar e julgar a lide conforme os acontecimentos passados e futuros. Não deve ele ficar adstrito aos fatos técnicos constantes dos autos, e sim aos fatos sociais que possam advir de sua decisão.
8. Precedentes desta Casa Julgadora.
9. Recurso especial improvido, em face da situação fática consolidada". (Resp. 153033/RN; Rel. Min. Demócrito Reinaldo; Relator para o acórdão Min. José Delgado; DJ de 22/03/99, p. 62.)
O primeiro problema que devemos ressaltar é que o STJ, com a teoria do fato consumado, lançou uma pá de cal sobre casos que, aparentemente semelhantes, de fato são bem distintos. Assim, esta teoria acolhida pelo Egrégio Tribunal tem-se constituído em uma espécie de "passe de mágica" para resolver questões jurídicas com um fundo político complexo. Destarte, o STJ, ao utilizar-se desta doutrina, algumas vezes foge do seu dever de bem decidir tendo por base os princípios do direito, como uma forma de não criar atritos com o Poder Executivo. Não se está aqui querendo dizer que o fato consumado seja ruim tout court. Apenas que deve ser usado com eqüidade, diferenciando-se o que deve ser diferenciado. E passamos ao segundo problema desta doutrina, mais especificamente o que diz respeito à questão hermenêutica.
Mais modernamente, os principais autores de Direito Constitucional têm-se preocupado com o problema concernente à interpretação da Constituição. Em vista disso, surgiram novas teorias sobre a Hermenêutica Constitucional, que devem ser ampliadas para a Hermenêutica Jurídica como um todo. Estes autores começam por criticar os métodos tradicionais de interpretação das leis. Envolvidos em um movimento de crítica dos métodos científicos, como instrumentos seguros para se alcançar a verdade científica, eles não aceitam o fato de que métodos objetivos possam ser capazes de, por si sós, levarem a uma interpretação correta da norma jurídica. E isto pelo simples fato de que, quando se vai interpretar uma norma jurídica, seja ela qual for, deve-se levar em consideração o caso concreto que desencadeou o processo interpretativo da norma, pois a interpretação desta serve para a solução de um conflito concreto. É o que GÜNTHER denomina de discurso de aplicação. Em linhas gerais, este autor defende que existem dois tipos de discurso: o de justificação e o de aplicação. O primeiro é característico da lei. Em outras palavras, é um discurso geral, abstrato, obrigatório para todos. No entanto, ao lado deste, existe o discurso de aplicação, que se caracteriza por ser individual, concreto e obrigatório apenas para as partes, pelo fato de ser histórico e, como tal, irrepetível por excelência. Como se percebe, é o discurso típico da atividade jurisdicional. O que este autor está querendo dizer é que a atividade jurisdicional deve sempre levar em consideração o caso concreto, que, por definição, é único, histórico, irrepetível (OLIVEIRA:1998). Os juízes, em sua atividade de prestar jurisdição, devem interpretar o caso concreto, buscando sempre decidi-lo com base em princípios que, no dizer de ALEXY, são comandos normativos-axiológicos otimizáveis. O juiz, para ALEXY, deve fazer um trabalho de ponderação material destes comandos(princípios)(ALEXY:1997).
Tendo em vista todo o exposto, podemos entender o erro cometido pelo STJ ao aplicar a teoria do fato consumado. O Tribunal não interpretou os casos concretos, utilizando uma única interpretação para casos discrepantes, gerando assim enormes injustiças. Dessa forma, considerou corretamente que se tratava de fato consumado no caso de transferência de alunos de uma faculdade para outra em diversos pontos do país, quando estes tinham sido transferidos do seu emprego. E decidiu bem, por não enxergar neste fato nenhum prejuízo a terceiros e pelo fato dos estudantes estarem agindo de forma lícita, por terem conseguido liminares, mas, que, pela morosidade da Justiça, o tempo havia transcorrido e esta não havia dado ainda a decisão de mérito. No entanto, por falha de interpretação, estendeu esta doutrina a casos que se assentavam em irregularidades, causando sérios prejuízos à sociedade. Ora, é princípio clássico de que não pode haver fato consumado se este se assenta em uma ilegalidade, já que é um contra-senso o direito proteger aquilo que não é lícito.
No caso em que estamos analisando, após a realização do leilão, vendida a Açominas, toda a argumentação até aqui desenvolvida mereceria a pá de cal do fato consumado?
Entendemos que não. Aponta-se aqui um sério vício, insanável vício de ilegalidade do Decreto n. 724/93 que deu sustentação ao Edital n. A-3/93, de todo o consectário procedimento de licitação da Açominas, inclusive sua venda. E de violação de princípios constitucionais inafastáveis que maculam irretorquivelmente todo o agir administrativo até o seu desfecho.
Deixar que a teoria do fato consumado justifique e sane tais vícios, vale reconhecer que a ordem jurídica se apoiou no princípio da efetividade e não da constitucionalidade, na "força dos fatos" e não no padrão-legalidade(FERRAZ JR.:1995). Ou, como acentuou PIZZORUSSO (PIZZORUSSO:1984), que se buscou abrigo numa fonte "extra ordinem, em exercício derrogatório excepcional da Supremacia Constitucional(Verfassungsdurchbrechungen). Algo que rejubila arautos do voluntarismo autoritário, como CARL SCHMITT que via em situações como essa naturais "atos apócrifos de poder", que rompiam a constitucionalidade em um ou vários casos determinados como forma de acomodação do poder às malhas apertadas da legalidade(SCHMITT:1992).
É por tudo isso que a teoria do fato consumado não pode ser aplicada ao caso da venda da Açominas, por esta ter se baseado em diversas ilegalidades e inconstitucionalidades que macularam todo o procedimento de venda da empresa mineira, lesando, por conseqüência, a sociedade brasileira, que viu seu patrimônio ser vendido por um preço bastante inferior ao que poderia ser conseguido no mercado.
Conclusão
Após todo o exposto, a única conclusão possível é que houve sérias irregularidades no procedimento de venda das ações da Aço Minas Gerais S.A., dentre elas o desrespeito aos princípios constitucionais da legalidade, da moralidade administrativa, da supremacia do interesse público e da proporcionalidade, bem como a total desatenção em relação à natureza das coisas.
Assim, deve o Judiciário levar sua função jurisdicional a sério e anular todo o referido procedimento, já que viciado em seu cerne que nem se pode vislumbrar a possibilidade de aproveitamento de qualquer ato do certame licitatório. E nem pense o Judiciário em validar o processo de venda das ações da empresa mineira utilizando-se, para tanto, da teoria do fato consumado. Se assim agir, estará trocando o padrão constitucionalidade, típico do sistema jurídico, pelo padrão efetividade, típico do sistema político, fato inaceitável se quisermos cumprir a Constituição e fundar um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
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