O inconstitucional e injusto prazo legal para o requerimento da pensão por morte no âmbito do Regime Geral de Previdência Social

13/11/2015 às 11:41
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As normas programáticas previstas na Constituição Federal atuam eventualmente como meros figurantes no ordenamento jurídico pátrio. O legislador, por vezes, desconsidera a técnica da ponderação dos valores constitucionais e amesquinha direitos sociais.

           As normas programáticas previstas na Constituição Federal atuam eventualmente como meros figurantes no ordenamento jurídico pátrio. O legislador, por vezes, desconsidera a técnica da ponderação dos valores constitucionais e amesquinha direitos sociais fundamentais a pretexto de garantir a sustentabilidade do regime previdenciário.

            Alguns assuntos precisam, portanto, ser revisitados para restabelecer a harmonia entre os regimes previdenciários, de modo a evitar tratamentos tão equidistantes entre servidores públicos vinculados aos Regimes Próprios de Previdência Social e os segurados filiados ao Regime Geral de Previdência Social.

            O prazo para o requerimento da pensão por morte é uma dessas temáticas que causa incômodo ao estudioso do Direito, mas também ao leigo, pois a morte, como diz o provérbio português, “nivela tudo”. 

            O falecimento de um servidor público não causa menos consternação e desequilíbrio nas finanças familiares do que a de um trabalhador vinculado ao Regime Geral de Previdência Social, mas o ordenamento jurídico atribui uma carga axiológica maior ao infortúnio que acomete os dependentes do servidor público federal - o que causa repulsa à dignidade da pessoa humana e ao postulado da isonomia.

            Eis o que dispõe o art. 215 da Lei n. 8.112/90:

Art. 215.  Por morte do servidor, os dependentes, nas hipóteses legais, fazem jus à pensão a partir da data de óbito, observado o limite estabelecido no inciso XI do caput do art. 37 da Constituição Federal e no art. 2o da Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004. (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015)

(...)

Art. 219.  A pensão poderá ser requerida a qualquer tempo, prescrevendo tão-somente as prestações exigíveis há mais de 5 (cinco) anos.

            Já para os dependentes amparados pelo Instituto Nacional do Seguro Social, a Lei n. 8.213/91, em seu art. 74, inciso I, estipulava até pouco tempo um prazo exíguo de 30 (trinta) dias para requerer a pensão por morte; expirando-se o prazo fixado, o dependente receberia o benefício a partir somente do requerimento administrativo, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes na forma do parágrafo único do art. 103 da Lei n. 8.213/91.

            O dispositivo legal supracitado foi recentemente alterado pela Lei n. 13.183, de 4 de novembro de 2015, para ampliar esse prazo para 90 (noventa) dias a contar do óbito, situação na qual o dependente receberá todos os valores retroativos caso o requerimento seja formulado dentro desse interregno.

            Ainda sim, não obstante o aumento do prazo até então contemplado na Lei n. 8.213/91 para requerer a pensão, ainda vigora uma antinomia que conduz a um tratamento injusto aos dependentes dos segurados do RGPS.

             Se o direito à pensão aflora com o óbito do segurado vinculado ao RGPS, não se vislumbra razoável que as prestações devidas sejam pulverizadas pelo decurso do tempo, penalizando o dependente que não solicitou a pensão no prazo legalmente estipulado.

            Obviamente a norma do RPPS é mais equânime, já que o benefício de pensão por morte difere de outras prestações previdenciárias como a aposentadoria.

Prever um prazo para o segurado do RGPS requerer a aposentadoria é plausível do ponto de vista jurídico, mormente considerando que o cálculo do benefício será feito com base nos salários-de-contribuição existentes até a data do requerimento administrativo. O segurado, portanto, mesmo já tendo direito ao benefício, pode eventualmente não ter interesse na sua postulação, pois poderia almejar melhorar o fator previdenciário de sua aposentadoria por tempo de contribuição ou mesmo alcançar a pontuação da recém-criada fórmula 85/95 para afastar a incidência do fator.

            No caso do benefício sob exame, o decurso do tempo não opera qualquer alteração em seu valor ou alguma ressignificação normativa, eis que a norma a ser aplicada é aquela vigente ao tempo do óbito do segurado.

            O tratamento anti-isonômico entre os dois regimes previdenciários causa estupefação sob qualquer perspectiva que se analise. O servidor público – que possui um vínculo funcional bem definido com a Administração Pública – tem um grau de consciência previdenciária inequivocamente mais elevado em relação à generalidade dos segurados do RGPS, fato que acaba também por pautar o conhecimento de seus dependentes quanto aos seus direitos previdenciários.

            O Regime Geral de Previdência Social – RGPS, em razão de peculiaridades que o caracterizam, abrange um grande contingente de autônomos, segurados facultativos, segurados especiais, trabalhadores informais, além dos próprios empregados, ou seja, trabalhadores cuja atividade profissional (e consequente capacidade contributiva) não goza do mesmo statuts de estabilidade do servidor público. É recorrente verificar que muitos dependentes sequer tinham conhecimento que o segurado contribuía para o INSS ou mesmo se este deixou de verter suas contribuições previdenciárias com a consequente perda do vínculo de proteção com o sistema de proteção social.

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            Ora, se o valor constitucional a ser efetivado é a preservação da dignidade da pessoa humana, nada mais coerente que o dependente – diante do baixo nível de educação previdenciária ainda subsistente no Brasil e instabilidade das relações de trabalho – fosse amparado da forma mais eficaz possível tal como se consubstancia em relação aos dependentes dos servidores públicos federais, garantindo a todos a percepção da pensão retroativamente ao óbito do instituidor do benefício.

            É nosso entendimento, portanto, que a norma legal em questão padece de vício de inconstitucionalidade material por mitigar a força normativa de um direito social fundamental, qual seja, o direito à pensão por morte. Muito embora a Constituição Federal outorgue ao legislador infraconstitucional o poder de regulamentar esse benefício, tal delegação não se traduz em um cheque em branco que dá ensejo a um tratamento discriminatório ao dependente do trabalhador vinculado ao RGPS, impondo-lhe um prazo irrazoável para o exercício de seu direito constitucionalmente assegurado.

            Até sob a perspectiva do equilíbrio financeiro e atuarial não se justifica o prevalência do prazo de noventa dias para o requerimento da pensão, ainda que o direito ao benefício não esteja sendo suprimido, mas sim parte das prestações; não se pode legitimamente cogitar que o cálculo atuarial considere a inércia do dependente para postular seus direitos, ou seja, quanto menor o grau de educação previdenciária menor será o desembolso com o pagamento de pensão por morte.

            Saudosa, portanto, era a postura que o INSS já adotou no sentido de comunicar os segurados sobre o implemento de seus direitos como ocorreu no passado no tocante à aposentadoria por idade. Essa prática administrativa – que se harmonizava com o princípio da boa-fé objetiva – foi logo abandonada, prevalecendo novamente a conduta passiva da autarquia previdenciária para a materialização dos direitos previdenciários, não obstante os esforços insuficientes para a promoção de uma educação previdenciária para todos os brasileiros.

            Por fim, a legislação previdenciária já teve tratamento idêntico ao que é atribuído aos servidores públicos vinculados aos RPPS: até o advento da Lei n. 9.528, de 10 de dezembro de 1997 (resultado da conversão da MP n. 1.596-14, de 10 de novembro de 1997), os dependentes faziam jus ao recebimento da pensão retroativamente ao óbito, prevalecendo apenas a prescrição quinquenal.

            Nesse caso, o princípio da universalidade sofreu um estreitamento incompatível com o seu escopo precípuo quando se passou a estipular o prazo de trinta dias para o requerimento da pensão por morte, incorrendo o ordenamento jurídico em evidente retrocesso social.

            Sob a perspectiva da precedência da fonte de custeio, também a análise comporta questionamentos, porquanto se a lei previa o pagamento da pensão retroativamente ao óbito é que já se pressupôs a existência de fonte de custeio para o cumprimento da obrigação previdenciária.

            Com efeito, não obstante o mérito da Lei n. 13.183, de 4 de novembro de 2015, de estender o prazo para requerer a pensão para noventa dias, andaria muito melhor o legislador se restabelecesse a norma legal que foi suprimida pela famigerada Lei n. 9.528/97, atendendo às especificidades dos segurados vinculados ao RGPS e promovendo isonomia em relação aos servidores públicos vinculados aos RPPS.

            O teste da proporcionalidade aplicado na técnica da ponderação entre valores aparentemente antagônicos (universalidade e seletividade) conduz à interpretação que restrição ora questionada não é justificável, devendo aqui preponderar a universalização da proteção previdenciária para uma das contingências que mais fragiliza o ser humano e o núcleo familiar: o falecimento do segurado.

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Sobre o autor
Roberto de Carvalho Santos

Presidente do IEPREV – Instituto de Estudos Previdenciários. Advogado especialista em Direito Previdenciário. Professor de Pós-Graduação em Direito Previdenciário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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