A importância da assessoria jurídica nas regulações de sinistro

16/11/2015 às 13:12
Leia nesta página:

O artigo informa as principais particularidades que devem ser observadas durante uma Regulação de Sinistro e a necessidade de que tenha o acompanhamento jurídico, de modo a conferir segurança à conclusão a ser adotada pela Seguradora.

SUMÁRIO:

1. Introdução e Conceito de Risco, Sinistro e Regulação de Sinistro. 2. Importância da Assessoria Jurídica nas Regulações de Sinistro nos Contratos de Seguro. 3. Os principais aspectos avaliados na Assessoria Jurídica e a necessária imparcialidade. 4. Da Importância da Assessoria Jurídica para a Constituição de Reservas pelas Seguradoras. 5. Conclusão.

PALAVRAS-CHAVE:

Risco – Sinistro - Assessoria Jurídica – Regulação de Sinistros – Provisão - Seguro – Seguradoras.

1 – Introdução e Conceito de Risco e Regulação de Sinistro

Inicialmente, entendemos por oportuno expor o conceito que o legislador deu ao contrato de seguro, nos termos do artigo 757 do Código Civil:

Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.

De maneira complementar, necessário estabelecer uma definição adequada para o que se pode entender por risco, quando relacionado a um contrato de seguro. Neste contexto, risco pode ser definido como todo evento incerto de data futura que independa da vontade das partes e contra o qual é feito o seguro. Portanto, o contrato de seguro é formalizado para garantir (cobrir) a ocorrência de um risco nele previsto, o qual se denomina sinistro.

Normalmente, ao serem comunicadas acerca da ocorrência de um sinistro, as seguradoras dão início a um procedimento conhecido por “regulação do sinistro”.

Tecnicamente falando, “se trata de um serviço devido pela seguradora aos segurados e beneficiários, destinados a apurar a existência e a grandeza da dívida indenizatória da seguradora, portanto um procedimento de seu comum interesse, que deve zelar para que a dívida apurada seja solvida com a máxima exatidão e rapidez, sob pena de sua desfuncionalização[1]”.

Em outras palavras, a regulação tem o escopo de aferir todas as circunstâncias em que um sinistro ocorreu para, ao final do procedimento, se concluir pela existência ou não de cobertura e quais os valores envolvidos.

E dentro da sistemática da relação obrigacional do contrato de seguro, a regulação do sinistro é o instrumento e a condição para que a indenização, se devida, seja paga ao segurado. Como são as seguradoras que têm de proceder com a regulação, torna-se esta não só um poder, mas igualmente um dever, podendo-se falar que, dentro do esquema do contrato, a realização da regulação do sinistro é "parte integrante do cumprimento do contrato de que se cuida”[2].

Nesse cenário, impende esclarecer que a regulação do sinistro trata-se de “um conjunto de providências tomadas pelas seguradoras para, inicialmente, averiguarem se o evento danoso faz parte das coberturas previamente estabelecidas pelas partes contratantes”[3], e, se o caso, apurar os prejuízos sofridos pelo segurado, com vistas a viabilizar o consequente pagamento da respectiva indenização securitária.

Nesse viés, tem-se que o processo de regulação do sinistro decorre de um poder-dever das seguradoras, a quem, como exposto, cabe a administração da gestão do fundo comum formado por toda a massa de segurados.

As regras através das quais a regulação de sinistro deve se pautar estão previstas nas condições contratuais da apólice o que em tese, pode dar a impressão de que este procedimento não apresenta grandes dificuldades.

Ocorre que nem sempre a análise é simples, principalmente em se tratando de riscos que envolvam vultosos valores, grandes obras, complexos industriais ou equipamentos de enormes proporções e especificidade técnica.

Nestes casos, a regulação do sinistro pode ser demorada e orbitar por múltiplas áreas de atuação envolvendo profissionais com diversas especialidades, tais como engenheiros (civil, mecânico, elétrico), contadores, atuários, médicos, etc., sempre dependendo do ramo e modalidade da apólice de seguro envolvida.

A esse respeito, oportuno destacar que em razão da complexidade que uma regulação de sinistro pode apresentar, não se pode considerar com rigidez o prazo de 30 (trinta) dias para a sua liquidação, estabelecido pela SUSEP nas circulares relacionados aos respectivos ramos.

Imagine-se, exemplificativamente, a regulação de um sinistro em que se identifica a necessidade de realização de perícias de várias especialidades técnicas, vistorias, reuniões com as partes, com os peritos contratados pelas partes, etc. Nestes casos, certamente, a conclusão ultrapassará o prazo estabelecido pelo agente regulador, mas estará plenamente justificado.

Como se pode perceber, em razão da complexidade que algumas regulações de sinistro apresentam e em razão do volume de trabalho, nem sempre as áreas técnicas e de sinistros das seguradoras possuem condições de realizar o acompanhamento rígido, diário e necessário para que a conclusão esteja pautada pela necessária segurança técnica e jurídica.

E é exatamente por conta da necessidade de que a decisão tomada pelas seguradoras, ao serem avisadas de um sinistro, quer seja de negar a cobertura pretendida pelo segurado, quer seja de efetuar o pagamento da indenização securitária, tenha segurança e lastro técnico e legal, que surge a necessidade de que a regulação do sinistro se sirva do competente acompanhamento jurídico.

2 – A importância da Assessoria Jurídica na Regulação de Sinistro

O ideal é que a assessoria jurídica ocorra  desde o início, ou seja, a partir do momento em que a seguradora é avisada a respeito da ocorrência de um sinistro.

Isso porque, com a comunicação de um sinistro, surgem para a seguradora inúmeras implicações de ordem legal que, se não observadas, podem colocar em risco toda a regulação do sinistro, bem como sujeitá-la a severas punições previstas pelos normativos emitidos pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados[4].

Atualmente, os segurados encontram-se  bem assessorados juridicamente, de tal sorte que as informações e comunicações emitidas pela seguradora devem ser avaliadas sob a mais estrita legalidade.

Durante todo o desenvolvimento do procedimento de regulação de sinistro, que se inicia com a primeira solicitação de documentos aos segurados e culmina na comunicação da decisão final tomada pela seguradora, a Seguradora deve se pautar pela transparência e clareza, pois assim procedendo terá condições de cumprir adequadamente o múnus que lhe compete.

A análise eminentemente técnica de um sinistro costuma pecar pelo imediatismo da decisão e deixa de levar em consideração as suas consequências futuras, principalmente sob o aspecto legal e se levadas à discussão perante o Poder Judiciário.

Diante deste contexto é que se destaca a importância de que as regulações de sinistro tenham um efetivo acompanhamento jurídico desde o nascedouro – leia-se, expectativa ou aviso de sinistro -, de maneira que siga por caminhos firmes, tanto de ordem técnica como legal.

3 – Os principais aspectos avaliados na Assessoria Jurídica e a necessária imparcialidade

Vale destacar que a assessoria jurídica visa não só observar se a seguradora está cumprindo os normativos emanados pelos órgãos reguladores do setor e a sua atuação pelo aspecto legal, mas igualmente, se os segurados assim também estão atuando, como por exemplo, quando e se disponibiliza todos os documentos relacionados na apólice e outros que a seguradora entender necessários no prazo regulamentar, ou quando facilita o acesso ao local do sinistro ou ao equipamento sinistrado ou, ainda, quando os preserva para que a seguradora possa realizar as necessárias vistorias.

Isso porque, a depender da atuação cooperativa ou negligente do segurado, importantes circunstâncias de extrema relevância podem ser perdidas de maneira irrecuperável, intencionalmente ou não, de maneira que a regulação do sinistro pode restar inteiramente prejudicada.

Dentre outros elementos de análise, destacam-se aqueles previstos pelo Código Civil, quais sejam:

  • A relação do risco para garantia de eventual ato doloso do segurado, beneficiário ou seu representante (art. 762[5]);
  • A boa-fé das partes contratantes antes e durante a vigência do contrato de seguro (art. 765[6]);
  • A existência de declarações inexatas ou omissões por parte do segurado ou seu representante (art. 766[7]);
  • A ocorrência de eventual agravamento intencional do risco por parte do segurado ou seu representante (art. 768[8]); e,
  • Se o segurado comunicou o sinistro à segurada, logo que soube da sua ocorrência (771[9]).

Como se vê, a assessoria jurídica se apresenta como uma via de mão dupla e funciona tanto para avaliar a atuação da seguradora, quanto dos segurados, motivo pelo qual a imparcialidade se apresenta como uma diretriz obrigatória em todo o procedimento, sob pena de ter o seu resultado fragilizado e suscetível a questionamentos administrativa ou judicialmente.

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4 – Da Importância da Assessoria Jurídica para a Constituição de Reservas pelas Seguradoras

E igualmente com fundamento nos elementos acima mencionados, destaca-se o importante papel que a assessoria jurídica desempenha a uma seguradora para, ainda na fase de regulação, auxiliar na definição dos valores devem ser provisionados (PSL)[10] por conta de um sinistro avisado.

À guisa de informação, no que tange ao termo Provisão de Sinistros a Liquidar (PSL), o Dicionário Técnico de Seguros da FUNENSEG[11], estabelece que se trata da provisão comprometida “relativa aos sinistros já ocorridos e avisados, mas ainda não indenizados, por se encontrarem em fase de regulação ou pré-regulação, mas cuja indenização será, na maioria dos casos devida, integral ou parcialmente”.

Por sua vez, a Resolução CNSP[12] nº 281, de 2013, que institui regras para a constituição das provisões técnicas das sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais, prescreve, em seu parágrafo 4º, que “a Provisão de Sinistros a Liquidar (PSL) deve ser constituída para a cobertura dos valores a liquidar relativos a sinistros avisados”.

Como se pode perceber o provisionamento de valores é questão de vital relevância para uma seguradora e a assessoria jurídica desde a comunicação do sinistro também pode ter o viés de auxiliar na definição do valor a ser provisionado, se o caso de acordo com o sinistro que se lhe apresenta.

A definição correta do valor a ser provisionado evita o congelamento de valores de forma desnecessária ou a necessidade de mobilização de valores de forma inesperada, impactando negativamente nas diversas áreas internas das seguradoras culminando no comprometimento da sua saúde financeira.

5 – Conclusão

Com base em tudo o que foi até aqui exposto, tem-se que a assessoria jurídica na regulação de sinistro, desempenha papel de relevância ímpar, na medida em que se consubstancia num trabalho complexo, multidisciplinar e que impõe que um sinistro seja avaliado em todos os seus desdobramentos sob o enfoque legal. Trata-se, portanto, do que se pode chamar de uma avaliação “360 graus”.

Enfim, trata-se de uma avaliação que deve primar pela imparcialidade com o escopo de auxiliar a seguradora e municiá-la da necessária segurança jurídica quer seja pela decisão de negar a cobertura de um sinistro avisado, quer seja pelo pagamento parcial ou total de indenização, através de uma análise com lastro em questões técnicas, na legislação aplicável, nas normas que regulamentam o setor, nas cláusulas contratuais e no entendimento do Poder Judiciário a respeito do tema em discussão.


[1] TZIRULNIK, Ernesto e Octaviani, Alessandro, Regulação de Sinistro (ensaio jurídico), 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 2001.

[2] TZIRULNIK, Ernesto. Regulação de sinistro. 3.ed. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 35.

[3] IVAN de Oliveira Silva, em “Curso de Direito do Seguro”, 2a edição, Saraiva, p. 2174.

[4] A SUSEP é o órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguro. Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, foi criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966. (http://www.susep.gov.br/menu/a-susep/apresentação)

[5] Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.

[6] O segurado e o segurador são obrigados a guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

[7] Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.

Parágrafo único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado, o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a diferença do prêmio.

[8] O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.

[9] Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as conseqüências.

[10] Nesse sentido, oportuno esclarecer que o dever de constituição de provisões técnicas pelas seguradoras encontra-se previsto no artigo 84 do Decreto Lei nº 73/66, que assim estabelece:

Para garantia de todas as suas obrigações, as Sociedades Seguradoras constituirão reservas técnicas, fundos especiais e provisões, de conformidade com os critérios fixados pelo CNSP, além das reservas e fundos determinados em leis especiais.

[11] https://www.funenseg.org.br/dicionario_de_seguros.php

[12] Conselho Nacional de Seguros Privados.

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Sobre o autor
Daniel Marcus

Especialista em Direito das Relações de Consumo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-COGEAE. Advogado com atuação em setores estratégicos de seguradoras e escritórios de advocacia especializados em Direito Securitário.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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