O Código de Processo Civil de 1973 traz, em seu art. 243, previsão expressa sobre o assunto, senão vejamos:
Art. 243. Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.
O Novo Código de Processo Civil, já sancionado pela Presidente da República, traz dispositivo semelhante ao acima transcrito (art. 276).
Referida proibição existe em razão do princípio da boa-fé objetiva processual, que tem como corolário a proibição do comportamento contraditório no processo (venire contra factum proprium), ou seja, considera-se ilícito o comportamento que contradiga outro anterior, posto que frustra as legítimas expectativas geradas na parte contrária.
Ensina Judith Martins-Costa1:
Na proibição do venire incorre quem exerce posição jurídica em contradição com o comportamento exercido anteriormente, verificando-se a ocorrência de dois comportamentos de uma mesma pessoa, diferidos no tempo, sendo o primeiro (o factum proprium) contrariado pelo segundo. Consiste, pois, numa vedação genérica à deslealdade, cujas raízes mais remotas remontam ao Direito romano e que modernamente – embora não sistematizado no direito legal – tem larga aplicação nos tribunais dos mais diferentes países.
Especificamente em relação às nulidades processuais, não se deve admitir que a pessoa que gerou a nulidade a argua em seu benefício, posto ser comportamento contraditório que fere a boa-fé objetiva processual.
Grande discussão há, todavia, acerca do âmbito de aplicação da vedação constante no art. 243 do Código de Processo Civil vigente. Grande parte da doutrina defende que esta vedação é apenas aplicável às nulidades relativas, a exemplo de Daniel Amorim Assumpção Neves2, que aborda referido artigo no tópico dedicado às nulidades relativas, senão vejamos:
Em primeiro lugar, a regra que determina exigível o pedido da parte interessada na decretação da nulidade é mais ampla do que deveria, não sendo qualquer parte, ainda que tenha interesse na nulidade, legitimada a argui-la. Somente a parte inocente, ou seja, aquela que não foi responsável pelo ato viciado, poderá formular pedido para sua anulação (art. 243 do CPC). A parte que deu causa à nulidade não tem legitimidade para requerer a sua decretação, não se admitindo que as regras processuais favoreçam quem agiu com torpeza ou desatenção, em desrespeito aos princípios de boa-fé e lealdade processual (Nemo allegans propriam turpidinem auditur).
Em seguida, ao abordar as nulidades absolutas, reforça a impossibilidade de aplicação do art. 243 do Código de Processo Civil, sustentando que “se pode o juiz de ofício conhecer da nulidade absoluta, com maior razão admite-se, a qualquer momento do processo, a manifestação da parte nesse sentido, inclusive daquele que foi o causador da nulidade.”3
Fredie Didier Jr.4, todavia, é adepto à corrente doutrinária de que é possível a aplicação do art. 243, CPC, mesmo nos casos de nulidades absolutas, desde que seja recomendável após ponderação entre a norma de ordem pública desrespeitada (geradora da nulidade) e a proteção da boa-fé objetiva. Em suas palavras:
A proteção da boa-fé objetiva também é manifestação do interesse público. A solução mais correta é a aplicação do princípio da proporcionalidade, ponderando, em concreto, “o interesse público existente por trás da nulidade e o interesse, também público, na tutela da confiança e da solidariedade social”. A supremacia do interesse público deve ser verificada caso a caso, não sendo razoável que se estabeleça, a priori, que, em qualquer conflito envolvendo o interesse público e o interesse particular, deva aquela prevalecer sobre esse. A prevalência do interesse público é, apenas, “uma regra abstrata de preferência em caso de colisão (Kollisionspräferenzregel)”.
A posição de Fredie Didier parece ser a mais equilibrada, uma vez que permite a análise individualizada do caso concreto e compromete-se com a valorização do princípio da boa-fé objetiva processual, o qual vem conquistando espaço cada vez mais relevante no processo civil, tanto que o novo Código de Processo Civil traz previsão expressa deste princípio como norma fundamental (art. 5º, NCPC).
Dado o acima exposto, depreende-se que é possível ser a decretação da invalidade requerida por quem lhe deu causa. A doutrina, todavia, diverge acerca do âmbito dessa possibilidade. Apesar de a maioria da doutrina entender ser sempre possível quando se tratar de nulidade absoluta, há corrente doutrinária que defende ser tal âmbito restrito aos casos concretos em que a norma de ordem pública violada prepondere sobre a proteção à boa-fé objetiva processual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
“A ilicitude derivada do exercício contraditório de um direito: o renascer do venire contra factum proprium”. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2004, n. 376.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 3 ed. São Paulo: MÉTODO, 2011.
DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Edições JusPODIVM, 2007, v. 1.
1 “A ilicitude derivada do exercício contraditório de um direito: o renascer do venire contra factum proprium”. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, 2004, n. 376, p. 110.
2 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 3 ed. São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 286/287.
3 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume único. 3 ed. São Paulo: MÉTODO, 2011, p. 288.
4 DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol I. Salvador: Edições JusPODIVM, 2007, p. 241.