Artigo Destaque dos editores

Premissas para o estudo do direito tributário atual

Exibindo página 2 de 2
13/11/2003 às 00:00
Leia nesta página:

6. Pós-positivismo, Direito Tributário e Financeiro.

Como bem definiu o professor de Direito Constitucional Luís Roberto Barroso [28], os traços característicos do pós-positivismo são basicamente, um conjunto de idéias plurais que ultrapassam os limites de um legalismo estrito do positivismo-normativista, sem recorrer às categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. Sobressaem também, marcas de uma forte ascensão dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade dos direitos humanos fundamentais, logo, com o pós-positivismo a discussão ética volta ao centro do Direito. O pluralismo epistemológico incide na temática jurídica, fazendo com que surja uma nova hermenêutica, onde mais do que a razão cartesiana do ''sim'' ou ''não'', está presente a ponderação de interesses e a reelaboração teórica, filosófica e prática do estudo do Direito.

No direito tributário atual, o pós-positivismo percute fortemente, em especial na hermenêutica tributária e na aplicação dos princípios constitucionais tributários frente a uma resolução efetiva dos casos concretos. Princípios como do justo gasto do tributo afetado, da capacidade contributiva [29], transparência Fiscal, moralidade tributária [30], solidariedade fiscal [31], justiça tributária, intributabilidade do mínimo existencial, cidadania fiscal unilateral e bilateral [32], ética fiscal pública e privada [33], razoabilidade, [34] proporcionalidade [35], são princípios cuja materialidade tributária ganha importância decisiva e de destaque, no limiar do Direito Tributário do século XXI.

O Direito Financeiro, ainda que matéria apenas didaticamente separada do Direito Tributário, sofre também o impacto de uma visão pós-positivista, e não podendo ser visto e estudado de uma forma isolada, compartimentalizada do Direito Tributário e dos outros ramos do Direito e das ciências afins. Quem melhor escreve sobre tal acontecimento é o professor Ricardo Lobo Torres, que em obra já clássica [36], trata com rigor sobre as temáticas da Ética Orçamentária; Legitimidade do Estado Orçamentário; Justiça Orçamentária, Segurança Orçamentária etc., abrindo assim, um novo foco hermenêutico que só vem enriquecer ainda mais a epistemologia jurídica que se inicia pujante no século XXI.

Dentro desta perspectiva, a virtude da Justiça Tributária é uma mediania ética entre o Direito Tributário e o Excesso Tributário. É certo que todos os princípios jurídicos acima citados buscam a implantação de virtudes em nossa vida social tributária, e.g, solidariedade, transparência fiscal, igualdade, justo gasto dos tributos afetados etc; mas o ápice de todos estes princípios, é o princípio da justiça tributária. A justiça não é uma virtude como as outras, já esclareceu André Comte-Sponville [37], ela é o horizonte de todas e a lei de sua coexistência, Virtude completa, dizia Aristóteles. Todo valor a supõe; toda a humanidade a requer. Não que ela faça as vezes da felicidade, mas, certamente, nenhuma felicidade a dispensa. Portanto, felizes aqueles que têm fome de justiça tributária, porque nunca serão saciados. Devemos como imperativo existencial, sentir mais fome de justiça tributária, porque só assim faremos justiça tributária, porquanto essa fome, cuja insaciabilidade nos é imanente, é a razão da estatuição de nossos deveres e direitos frente ao fisco brasileiro. Sem dúvida alguma, a justiça tributária absoluta sempre nos faltará, tal como a justiça como algo absoluto nos será inacessível; porém, é justamente esta falta que nos move a buscá-la, porque como já ensinou Miguel Reale, o homem é o único ser cujo ser é o seu dever-ser. [38]. A justiça tributária como elemento transformador, como sendo uma virtude ética de mediania é o que se almeja no limiar do século XXI.


Notas

01. Diálogos entre razão e fé. São Paulo: Paulinas, 2000, p.24. Grifos apostos.

02. Luiz Moreira. Fundamentação do Direito em Habermas. 2ª ed. Belo Horizonte: Mandamentos. 2002. p. 100-102.

03. Luiz Moreira. op. cit. p. 107.

04. Adriano Soares da Costa. Teoria da incidência da norma jurídica. Crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. op. cit. p. 23.

05. Cf. por todos, Paulo de Barros Carvalho. Curso de direito tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva. 2002.op. cit. p. 3-4.

06. "A interpretação, diversamente e consoante pensamos, é processo de revelação do conteúdo do texto positivado, vale dizer, é processo de construção da significação expressa no suporte físico que é o grafema adscrito em uma folha de papel. Mas esses signos são dados, no sentido de que estão ali para expressar algo, por intermédio de um código convencionado pela comunidade do discurso. Não fosse assim, os signos nada significariam, sendo a significação algo exterior a eles, atribuída pelo intérprete de forma arbitrária. A comunicação desse modo, seria de impossível realização, uma vez que não haveria critérios objetivos e convencionados para a emissão da mensagem e para o seu recebimento. Se cada receptor recebesse uma mensagem de modo diverso, sem meios de controle do seu sentido, seria a comunicação uma impossibilidade lógica". Adriano Soares da Costa. Teoria da incidência da norma jurídica. Crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. p. 9-10.

07. Apud. Karl Larenz "Metodologia da Ciência do Direito" op. cit. p. 279.

08. Cf. Adriano Soares Costa, Incidência e aplicação da norma jurídica tributária: uma crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. São Paulo. Revista Tributária e de Finanças Públicas. RT. n. 38. maio-junho de 2001. p. 23.

09. Stephen Ullmann, em seu clássico Semântica, Fundação Calouste Gulbenkian, 5ª ed. Lisboa, 1987, p. 104, 108/109, nos alerta para o fato de que: "os lingüistas modernos, contudo, não só deram maior importância ao contexto, como também alargaram consideravelmente o seu raio de acção e investigaram mais profundamente a sua influência no significado das palavras. (...) "Essa ampliação dos contextos, lingüísticos e não-lingüísticos, abriu novos horizontes ao estudo do significado. Ao que agora temos de aspirar é a uma <contextualização em série dos nossos factos, com um contexto dentro do outro contexto, sendo cada um deles uma função, um órgão do contexto maior, e encontrando todos os contextos o seu lugar naquilo a que poderemos chamar de contexto cultura."

10. Teoria da incidência da norma jurídica. op. cit. p. 7.

11. Cf. Lourival Vilanova, As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad. 1997, p. 168-169

12. Para um estudo das normas-princípios cf. nosso Fundamentos do Dever Tributário em especial, p. 58-86.

13. Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico. 8ª ed. Brasília. Universidade de Brasília, 1996. p. 45

14. É de bom alvitre registrarmos que a classificação, norma de conduta e norma de estrutura, conforme alerta-nos Paulo de Barros Carvalho, atende a certo padrão de operacionalidade, todavia, como toda classificação, vai cedendo seu rigor à medida que a investigação se aprofunda. Daí que o próprio Norberto Bobbio, que a utiliza fartamente, não pôde evitar o reconhecimento ostensivo da tônica "conduta" como destino finalístico de toda regulação normativa. Cf. Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário - fundamentos... 2ª ed. op. cit. p. 37.

15. Hermenêutica e Sistema Jurídico. Uma Introdução à Interpretação Sistemática do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1999. p. 54

16. Alexandre Pasqualini. op. cit. p. 39-40.

17. Um Discurso sobre as Ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo - USP. São Paulo. V. 3. p. 71.

18. Cf. por todos, Marco Aurélio Greco, "Contribuições (uma figura ''sui generis'')" São Paulo. Dialética. 2000.

19. Cf. Roberto Wagner Lima Nogueira, "Ética Tributária e Cidadania Fiscal". Revista de Estudos Tributários. Porto Alegre. Síntese. Ano V. Nº 27. set-out de 2002. p. 20-40.

20. Cf. Teoria de la Acción Comunicativa:Complementos y Estudos Previos. Madrid. Cátedra. 2001.

21. Cf. Teoria da incidência da norma jurídica. Crítica ao realismo língüistico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey. 2003. passim.

22. Cf. Direito Tributário - Fundamentos Jurídico da Incidência. São Paulo. Saraiva. 1998.

23. Os sete saberes necessários à Educação do Futuro. 4 ed. Cortez. São Paulo. 2001. p. 38.

24. Sobre o conceito do direito. Recife. 1947. p. 88.

25. Nova fase do Direito Moderno. 2ª ed. rev. São Paulo. Saraiva. 1998. p. 144.

26. Pobreza é definida como a condição daqueles cuja renda não é suficiente para cobrir os custos mínimos de manutenção da vida humana: alimentação, moradia, transporte e vestuários. Isso num cenário em que educação e saúde são fornecidas gratuitamente pelo governo. Outra é a linha da miséria (ou de indigência), que determina quem não consegue ganhar o bastante para garantir aquela que é a mais básica das necessidades: a alimentação. No caso brasileiro, há 53 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza. Destas, 30 milhões vivem entre a linha da pobreza e acima da linha da miséria. Cerca de 23 milhões estão na situação que se define como indigência ou miséria. Ricardo Mendonça e Luís Henrique Amaral. "O paradoxo da miséria". Revista Veja. Edição 1.735. 23.01.2002. p. 84.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

27. In prefácio de Margarida Maria Lacombe Camargo, Hermenêutica e Argumentação - Uma contribuição ao Estudo do Direito. 2ª ed. amp. Rio de Janeiro.Renovar. 2001.

28. Luís Roberto Barroso, Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro. Revista da Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. nº 54. 2001. p. 77.

29. Cf. Klaus Tipke e Douglas Yamashita, Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo. Malheiros. 2002.

30. Cf. Klaus Tipke, Moral Tributaria del Estado y de los Contribuintes. Madrid. Marcial Pons. 2002.

31. Ricardo Lobo Torres pondera: "A idéia de solidariedade se projeta com muita força no direito fiscal por um motivo de extraordinária importância: o tributo é um dever fundamental. (sic) (...) Ora, se a solidariedade exibe primordialmente a dimensão do dever segue-se que não se encontra melhor campo de aplicação que o direito tributário, que regula o dever fundamental de pagar tributo, um dos pouquíssimos deveres fundamentais do cidadão no Estado Liberal. (...) A solidariedade entre os cidadãos deve fazer com que a carga tributária recaia sobre os mais ricos, aliviando-se a incidência sobre os mais pobres e dela dispensando os que estão abaixo do nível mínimo de sobrevivência; é um valor moral juridicizável que fundamenta a capacidade contributiva e que sinaliza para a necessidade da correlação entre direito e deveres fiscais". "Solidariedade e Justiça Fiscal", in, Estudos de Direito Tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto. [coord] Maria Augusta Machado de Carvalho. Rio de Janeiro. Forense. 1998. p. 301 e 303.

32. A relação jurídica tributária que se estabelece entre o fisco e o cidadão deve ser hodiernamente pensada, sob dois prismas. Do ponto de vista dos efeitos desta relação jurídica podemos dizer que ela é unilateral porquanto o cidadão-carente é protegido neste liame pela intributabilidade do mínimo existencial, isto é, o cidadão-carente na cidadania fiscal unilateral tem unicamente a posição de sujeito credor da solidariedade do Estado e o Estado tem unicamente a posição de sujeito devedor desta solidariedade. Já na cidadania fiscal bilateral a relação jurídica entre Fisco e cidadão-contribuinte quanto aos seus efeitos é bilateral, ou seja, há obrigação para ambas as partes, deveres e direitos do Fisco, ética tributária, deveres e direitos dos cidadãos-contribuintes, ética fiscal privada. Cf. nosso, Ética Tributária e Cidadania Fiscal, op. cit. p. 28-31.

33. Cf. nosso Ética Tributária e Cidadania Fiscal, op. cit. p. 27-28.

34. Cf. Ricardo Aziz Cretton, Os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade - e sua aplicação no Direito Tributário. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2001. p. 1032-147. Cf. também Ricardo Lobo Torres, "A Legitimação dos Direitos Humanos e os Princípios da Ponderação e da Razoabilidade" in Legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro. Renovar. 2002. op cit. p. 397-450.

35. Cf. Helenílson Cunha Pontes, O Princípio da Proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo. Dialética. 2000.

36. Tratado de Direito Constitucional, Financeiro e Tributário - O Orçamento na Constituição. 2ª ed. Rio de Janeiro. Renovar. V. 5. 2000.

37. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. São Paulo: Martins Fontes. 1996. p. 70.

38. Miguel Reale ponitifica:"O homem não é "ser histórico" em razão da história vivida, mas o é mais pela carência de história futura. É preciso, em verdade, atentar ao significado pleno de minha afirmação de que o homem é o único ente que é e deve ser, no qual "ser" e "dever ser"coincidem, cujo ser é o seu dever ser. Se o ser do homem é o seu dever ser, é sinal de que sente em sua finitude algo que o transcende, que o seu valer e o seu atualizar-se como pessoa implica o reconhecimento de um valor absoluto, que é a razão de ser de sua experiência estimativa; valor absoluto que ele não pode conhecer senão como procura, tentâmen, renovadas atualizações do plano da história, mas sem a qual a história não seria senão uma dramaturgia de alternativas e de irremediáveis perplexidades". Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed. rev. e reest. Saraiva. São Paulo. 1994. 138.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Roberto Wagner Lima Nogueira

mestre em Direito Tributário, professor do Departamento de Direito Público das Universidades Católica de Petrópolis (UCP) , procurador do Município de Areal (RJ), membro do Conselho Científico da Associação Paulista de Direito Tributário (APET) é autor dos livros "Fundamentos do Dever Tributário", Belo Horizonte, Del Rey, 2003, e "Direito Financeiro e Justiça Tributária", Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004; co-autor dos livros "ISS - LC 116/2003" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Ives Gandra da Silva Martins), Curitiba, Juruá, 2004; e "Planejamento Tributário" (coord. Marcelo Magalhães Peixoto), São Paulo, Quartier Latim, 2004.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Roberto Wagner Lima. Premissas para o estudo do direito tributário atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 130, 13 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4469. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos