A súmula impeditiva de recurso sob o enfoque da distinção entre regras e princípios em Dworkin e Alexy

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Análise da súmula impeditiva de recurso e seus efeitos no que tange aos Princípios Processuais Constitucionais atinentes ao devido processo legal e a distinção entre regras e princípios em Ronald Dworkin e Robert Alexy.

                                   

1 INTRODUÇÃO

            O presente estudo tem por escopo apresentar o instituto da súmula impeditiva de recurso de apelação sob uma visão principiológica, para tanto, invocamos o pensamento de Ronald Dworkin e Robert Alexy acerca da distinção entre regras e princípios.

            Intenta-se, outrossim, determinar até que ponto essa  vinculação de precedentes    advindos dos Tribunais Superiores com supedâneo numa prestação jurisdicional célere pode interferir no exercício da ampla defesa e no acesso ao poder  judiciário.                

            Infere-se que neste momento, o denominado caráter orientador das súmulas possui grande relevância no prosseguimento do processo, que como cediço podem obstar o andamento do feito na instância superior.  

            O instituto em comento adveio com a edição da Lei 11.276/06 e, como toda inovação jurídica, ainda é vista como uma norma que não traz a pretensa segurança jurídica intentada pelo legislador. 

            Assim sendo, apresentaremos o tema com precisas ponderações e análises dos pontos que geram controvérsias na doutrina e jurisprudência, sem, contudo, esquecer a força principiológica agregada à norma.

CAPÍTULO I ENTENDENDO A INOVAÇÃO LEGISLATIVA TRAZIDA PELA LEI 11.276/06

1 Súmula impeditiva de recurso de apelação

            A súmula impeditiva de recurso de apelação aportou no processo civil brasileiro por meio da alteração legislativa promovida pela Lei 11.276/06 que acrescentou ao art. 518, do CPC o § 1º, e que, in verbis assim dispõe:

§1.º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

            Basta um simples volver no sobredito parágrafo para se notar que o legislador atribuiu ao juízo primevo a competência para negar seguimento ao recurso de apelação quando o magistrado prolator da sentença houver sentenciado com base em entendimento sumulado pelos Tribunais Superiores, a saber, Supremo Tribunal Federal e o Excelso Superior Tribunal de Justiça.

            Dessa forma, notoriamente o legislador possibilitou ao juízo a quo a mesma competência, antes, apenas atribuída ao relator do recurso de apelação, quando este aportasse na superior instância.

            Destarte, tem-se que a súmula impeditiva de recurso de apelação opera no sentido de dar mais celeridade e ao mesmo passo segurança jurídica ao exercício da jurisdição.

1.2 Requisitos da súmula impeditiva de recurso de apelação e sua aplicabilidade

            O recurso de apelação encontra previsão legal no art. 513, e seguintes do Código de Processo Civil, sendo a súmula impeditiva inserta no art. 518, § 1º, do mesmo diploma legal.

            Acerca dos requisitos para aplicação da súmula impeditiva, basta que haja uma sentença cuja fundamentação tenha por base entendimento sumulado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) ou, STF (Supremo Tribunal Federal).

            Outro não é o entendimento constante na obra Código de Processo Civil Anotado, confeccionado por vários autores e apresentado pela OAB/PR (Ordem Dos Advogados Do Brasil – Seccional Do Paraná), e que segundo Sandro Marcelo Kozikoski:

O § 1º do art. 518 do CPC contempla o mecanismo da inadmissão do apelo, nos casos em que a sentença estiver baseada, de forma inequívoca, em súmula dos Tribunais Superiores (STF e STJ). Tem-se, assim, um pressuposto negativo de admissibilidade da apelação. A sentença impugnada não pode estar alinhada com os fundamentos determinantes das súmulas da jurisprudência dominante do STF ou do STJ. No caso de alinhamento do conteúdo da sentença com o conteúdo sumulado, havendo interposição de apelação, o juiz aplicará a regra de inadmissão, sendo que essa última decisão comporta impugnação via agravo de instrumento. Em caso de apelação interposta contra sentença complexa, que possa conter capítulos decisórios fundados em súmulas do STF ou do STJ e outros baseados em fundamentação diversa, não fica afastada a hipótese do juiz receber parcialmente o apelo no tocante a esses últimos (CPC ANOTADO, 2013, p. 1042).

          

            Deste entendimento, perfilha os ensinamentos do festejado professor Fredie Didier Jr. que assim preconiza:

Mantendo unidade e coerência sistemática, se o juiz pode dispensar o reexame necessário no caso de a sentença fundar-se em súmula de tribunal superior, cabe-lhe também não admitir o recurso de apelação, caso já haja súmula de tribunal superior a respeito do tema. Do mesmo modo, se o juízo de admissibilidade da apelação é feito também pelo juízo a quo, é natural que se lhe estenda o poder previsto no art. 557 do CPC, conferido ao relator, para proferir juízo de inadmissibilidade da apelação quando estiver em desconformidade com o texto sumulado por tribunal superior (DIDIER JR; CUNHA, 2013, p. 145).

            Ocorre, porém, que, se o juiz em sede de juízo de preliberação verificar que a sentença vergastada não se encontra amparada por entendimento sumulado pelo STF ou STJ, não poderá o magistrado negar seguimento ao recurso de apelação, vez que, a sentença atacada valeu-se de fundamentação distinta daquela constante no verbete sumular.

            Urge destacar, outrossim, que , haverão situações nas quais, não será aplicada a súmula impeditiva, dessa forma, o art. 518, § 1º, do CPC, não se aplica em determinadas situações, a saber, a) se a apelação tiver por fundamento error in procedendo, pretendendo o apelante invalidar a decisão judicial; b) se o apelante discutir a incidência da súmula no caso concreto: neste caso, o recorrente não discute a tese jurídica sumulada: alega, isso sim, que o caso não se subsume a hipótese normativa consolidada jurisprudencialmente, c) se o apelante trouxer em suas razões fundamento novo, não examinado pelos precedentes que geraram o enunciado da súmula do STF ou STJ, que permitam o overruling do precedente; d) se houver choque de enunciados do STF e do STJ sobre o mesmo tema, é o que se depreende de uma simples leitura, por exemplo, do verbete  621 da súmula do STF , e verbete 84 da súmula do STJ, sobre o compromisso de compra e venda; e) se, embora sem choque entre enunciados dos tribunais superiores, houver divergência manifesta de posicionamento entre o enunciado de um e a jurisprudência dominante do outro (DIDIER JR; CUNHA, 2013, p. 145-146).

            Diante das exceções supracitadas, vê-se que, o referido procedimento de vinculação de precedentes não possui caráter absoluto, comportando, portanto, exceções que podem atacar a sentença objurgada com fundamentação válida a ensejar a reapreciação da matéria pela instância revisora.

            Nessa toada, ao deparar-se com o recurso de apelação contendo alguma dessas sobreditas exceções, estará o juízo recorrido impedido de negar seguimento ao recurso de apelação, ainda que a sentença recorrida esteja calcada em entendimento sumulado pelos Tribunais Superiores.

CAPÍTULO II PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CONSTITUCIONAIS ATINENTES À SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO
2 Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição

              O Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição é também nominado direito de ação, ou Princípio do Livre Acesso ao Judiciário, ou conforme assinalou Pontes de Miranda, Princípio da Ubiquidade da Justiça. O referido princípio guarda previsão constitucional no art. 5.º, XXXV, da Carta da República de 1988, estabelecendo em seu dispositivo que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (LENZA, 2012, p. 1002)

           Acerca do princípio em comento, leciona Fredie Didier Jr.:

A jurisdição é manifestação de um Poder e, portanto, impõe-se imperativamente, aplicando o Direito a situações concretas que são submetidas ao órgão jurisdicional. Ao lado da função legislativa e da função administrativa, a função jurisdicional compõe o tripé dos seus poderes estatais. Embora monopólio do Estado, a função jurisdicional não precisa necessariamente ser exercida por ele. O próprio Estado pode autorizar o exercício da função jurisdicional por outros agentes privados, como no caso da arbitragem (DIDIER JR, 2012, p. 98).

            Nesse mesmo sentido aponta o pensamento do professor Watanabe (apud LENZA, 2012), distinguindo que a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.

           Deste modo, o acesso à justiça não se subsume em apenas bater na porta do Poder Judiciário, mas sim, em ser beneficiado por uma prestação jurisdicional célere, justa, consubstanciada na razoabilidade e proporcionalidade.

2.1 Princípio do devido processo legal

           

                O devido processo legal é um princípio que assim como Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, também encontra previsão constitucional, mais precisamente no art. 5.º, LIV, da Constituição Federal de 1988 que assim dispõe, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, (DIDIER JR, 2012, p. 45).

            Dando-se por assente, na verdade, o Princípio do Devido Processo Legal mostra-se como sendo um macro princípio, que possui vários corolários que culminam na existência de vários outros subprincípios como, por exemplo, o Princípio da Ampla Defesa, o Princípio do Contraditório, que serão adiante detidamente abordados.

            Em uma feliz classificação dimensional do Princípio do Devido Processo Legal, Fredie Didier (2012, p.49) assevera que o devido processo legal é direito fundamental que pode ser compreendido em duas dimensões. Há o devido processo legal formal ou procedimental, cujo conteúdo é composto pelas garantias processuais, como o direito ao contraditório, ao juiz natural, a um processo com duração razoável. Trata-se da dimensão mais conhecida do devido processo legal.

            Nos EUA (Estados Unidos Da América), desenvolve-se a dimensão substancial do devido processo legal. Um processo devido não é apenas aquele em que se observam exigências formais: devido é o processo que não gera decisões jurídicas substancialmente devidas. Assim, a experiência jurídica brasileira assimilou o devido processo legal de um modo bem peculiar, considerando-lhe fundamento constitucional de algumas máximas que mais tarde se tornariam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (DIDIER JR, 2012, p. 50).

            Tamanha é a força desse macro princípio, que segundo Didier “a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal extrai da cláusula geral do devido processo legal os deveres de proporcionalidade ou razoabilidade.

            Por sua vez, Mattos (apud DIDIER JR, 2012) assevera que a concretização do devido processo legal substancial pela jurisprudência do STF é bem ampla e vaga e que, segundo a jurisprudência do STF, devido processo substantivo pode significar desde a proibição de ‘leis que se apresentem de tal forma aberrantes da razão’, passando pela exigência ‘de que as leis devem ser elaboradas com justiça, devem ser dotadas de razoabilidade, (...) e de racionalidade (...), devem guardar, segundo W. Holmes, um real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir’, até a necessidade de ‘perquirir-se, em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto a produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto.

           Conforme depreende-se dos entendimentos alinhavados, não restam dúvidas acerca da pujança agregada ao Princípio do Devido Processo Legal, que se mostra como o ponto de partida para todos os demais princípios que norteiam o processo.

2.2 Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório

            Para Didier (2012, p. 61), “contraditório e ampla defesa formam um belo par. Não por acaso, estão previstos no mesmo dispositivo constitucional (art. 5º, LV, CF/88)”.      

            Como corolário do devido processo legal, figura-se o Princípio do Contraditório, esse princípio traz consigo a aplicabilidade nos mais variados âmbitos, previsto expressamente na Constituição Federal de 1988, o mencionado princípio possui aplicação não só no âmbito judicial, mas também no âmbito administrativo e, sobretudo, poderá ser invocado por todo aquele que se ver acusado de uma maneira geral, é o que se depreende do disposto no art. 5.º, LV, da Constituição Federal de 1988.

        

           A propósito:

Estabelecido no art. 5º, LV, da CF: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Do contraditório resultam duas exigências: a de se dar ciência ao réus da existência do processo, e aos litigantes de tudo o que nele se passa; e a de permitir-lhes que se manifestem, que apresentem suas razões, que se oponham à pretensão do adversário. O juiz tem de ouvir aquilo que os participantes do processo têm a dizer, e, para tanto, é preciso dar-lhes oportunidade de se manifestar, e ciência do que se passa, pois que sem tal conhecimento, não terão condições adequadas para se manifestar (GONÇALVES, 2011, p. 60)

            Nesse diapasão, o processo é um procedimento estruturado em contraditório, e nesse processo, o Princípio do Contraditório é reflexo do princípio democrático na sua estruturação. Democracia é participação, e a participação no processo, seja ele judicial, ou administrativo, opera-se pela efetivação da garantia do contraditório. Seria dizer que, o Princípio do Contraditório dever ser tido como exigência para que o exercício de determinado poder seja exercido de forma democrática (DIDIER, 2012, p. 56-57).

            Exemplificando de forma brilhante a aplicação efetiva do Princípio do Contraditório, Didier nos mostra que:

Mais condizente com a essa visão do princípio do contraditório é o art. 599, II, do CPC, que determina que o juiz deve, em qualquer momento da fase executiva, advertir ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça. Ora antes de punir, adverte sobre o comportamento aparentemente temerário, para que a parte possa explicar-se. (DIDIER, 2012, p. 57).

           Os Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório conforme já lecionado pelo ilustre professor Didier, apresentam-se como uma bela dupla e que possuem papel mais que relevante durante o iter processual.

           Isto porque ambos os princípios possuem o caráter de fazer com que as partes participem ativamente do processo, e que juntas formem o livre convencimento motivado do magistrado, dessa forma, atuam diretamente na confecção da sentença.

2.3 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição 

            O Princípio do Duplo Grau de Jurisdição é um princípio que deve ser analisado com certo cuidado, visto que a Constituição Federal de 1988 não tratou da matéria de forma expressa, motivo pelo qual, parte da doutrina entende não ser o presente princípio valorado com status constitucional.

            Para melhor esclarecimento trago à baila, os preciosos ensinamentos de Moreira (apud DIDIER JR, 2013), que a questão que divide a doutrina é a que se refere à natureza constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição. A Constituição Federal de 1988, no inciso LV do art. 5.º, assegurou a todos os litigantes em processo administrativo ou judicial o direito ao contraditório e à ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele inerentes.

            Assim, todavia, expressamente, não aludiu ao duplo grau de jurisdição, mas sim aos instrumentos inerentes ao exercício da ampla defesa. Por esse motivo, autorizada doutrina pátria repele que o duplo grau de jurisdição esteja alçado à categoria de princípio constitucional.

            Em que pese não haver expressa previsão na Constituição Federal de 1988, o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição decorre implicitamente da adoção, pela Carta da República, de um sistema de juízos e tribunais, que julgam recursos contra decisões inferiores. No entanto, nada impede que, em algumas circunstâncias, não exista o duplo grau (GONÇALVES, 2011, p. 71).

            A aplicação do princípio em comento, torna-se perfeitamente entendível sob a ótica de um Estado Democrático de Direito, e que por conseguinte necessita de mecanismos hábeis a propiciar aos litigantes uma revisão das decisões proferidas pelos magistrados de primeiro grau, não olvidando-se daqueles casos em que estaremos diante de ações de competência originária do tribunais.

2.4 Princípio da Duração Razoável do Processo

            A duração do processo sempre foi um grande entrave no judiciário brasileiro, mas atualmente muito se fala na busca da efetividade do processo em prol de sua missão social de eliminar conflitos e fazer justiça, nesse sentido a Emenda Constitucional nº 45/2004, ampliando os direitos e garantias fundamentais, estabeleceu, no art. 5.º, LXXVIII, que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (LENZA, 2012, p. 1032-1033).

            A rigor, esse princípio apresenta-se como um dos corolários do devido processo legal, noutro giro, já se poderia encontrar fundamento, em nosso ordenamento jurídico, justamente por essa faceta, já que para que o processo alcance o seu desiderato é preciso que chegue a termo dentro de prazo razoável. Nesse jaez, a sobredita Emenda Constitucional inseriu em nosso texto constitucional aquilo já era consagrado pelo Pacto de San José da Costa Rica, de 1969 (GONÇALVEZ, 2011, p. 63).

            Marcus Vinicius Rios Gonçalves, com o brilhantismo que lhe é imanente, assevera em sua obra Direito Processual Civil Esquematizado que:

Devem-se buscar os melhores resultados possíveis, com a maior economia de esforços, despesas e tempo possível. Esse princípio imbrica com o da efetividade do processo: afinal, a duração razoável é necessária para que ele seja eficiente. Podem ser citados numerosos exemplos de medidas que foram tomadas para

torná-lo mais eficiente: a extensão dos casos em que cabe a concessão de tutelas de urgência, a possibilidade de solução concentrada de casos idênticos e repetitivos, as súmulas vinculantes, a adoção de meios eletrônicos no processo, a redução do número de recursos cabíveis, sobretudo aqueles dotados de efeito suspensivo. Deve haver, ainda, cuidado para que o número de juízes se mantenha condizente com o de processos e que eles estejam suficientemente equipados para dar conta da demanda (GONÇALVES, 2011, p. 63).

             A duração razoável do processo é fator determinante para se definir até que ponto a prestação jurisdicional é eficaz. Tal pensamento redunda na espera infinita das partes pelo provimento estatal, o que deveras tem evoluído ante o uso inafastável de meios alternativos como, por exemplo, a conciliação que se apresenta como meio de proporcionar as partes um resultado advindo do mútuo consentimento destas, em menor prazo que aquele que o judiciário levaria para prestar o efetivo acesso à justiça.

CAPÍTULO III A SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO E O APARENTE CONFLITO COM OS PRINCÍPIOS DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, DA AMPLA DEFESA E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.
1  Aplicação da Súmula Impeditiva de Recurso e o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição.

            A inovação legislativa promovida pela Lei 11.276/06 teve como uma de suas finalidades promover celeridade ao bom andamento processual e ao mesmo passo trazer segurança jurídica aos julgados promovidos pelo juízo singular. No entanto, há quem entenda pela inconstitucionalidade do dispositivo que trata da súmula impeditiva de recurso.

            Aos que entendem pela inconstitucionalidade da norma, o argumento é no sentido de que o instituto em estudo ofende o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição.

            Noutro sentido há quem defenda que a suposta ofensa ao duplo grau de jurisdição consistiria no fato do juiz prolator da decisão analisar o mérito do recurso, uma vez que afirmando se está ou não sua decisão em consonância com súmula dos Tribunais Superiores, estaria examinando o próprio mérito recursal [1].    

            Ocorre que, o juiz não analisa o mérito recursal ao fazer o juízo de preliberação, e ainda que, porque considerar o duplo grau de jurisdição como uma garantia constitucional e, consequentemente defender a impossibilidade de sua mitigação, é o mesmo que considerar incapazes os juízes de primeiro grau (SÚMULA, 2012).

            Desse entendimento discrepam os ensinamentos de Teresa Arruda Alvin, pois, para a renomada jurista, resta patente que o recurso não é indeferido em razão da ausência de seus requisitos de admissibilidade, já que saber se a sentença está ou não em consonância com o entendimento sumulado pelo STF ou pelo STJ é questão atinente ao juízo de mérito do recurso (WAMBIER, 2006, p. 226).

            Corroborando o entendimento esposado por Wambier, Fredie Didier Jr. assim se posiciona:

Não é lícito ao juízo a quo, perante quem se interpõe a apelação, apreciar-lhe o mérito. Incumbe-lhe, apenas, controlar a sua admissibilidade”. Contudo, na verdade, quando o juiz aplica o § 1º do art. 518 do CPC, ele está a negar seguimento à apelação por razões de mérito; pode-se dizer que se conferiu ao juiz, nesse caso competência para julgar o mérito da apelação. O Juiz em outras palavras estará negando provimento à apelação. Daí por que o tribunal já pode apreciar a sentença, no agravo de instrumento interposto dessa decisão do Juiz, modificando-a. Sendo certo que o Juiz, ao aplicar o § 1º do art. 518 do CPC, julga o mérito da apelação, o subsequente agravo de instrumento tem, em seu efeito devolutivo, inserida essa própria matéria de mérito, já podendo rever, ali mesmo, a sentença (DIDIER JR, 2010, p. 129).

            Como visto, resta patente a divergência doutrinária. Ressalte-se, ainda, que, outra divergência rodeia esse instituto, qual seja a de que quando o magistrado ao negar seguimento ao recurso de apelação com base na súmula impeditiva estaria ele obrigado a fazê-lo, ou seria uma faculdade?. Essa questão é por demais singela, há quem defenda piamente que em que pese a literalidade do dispositivo ser no sentido de obrigatoriedade, trata-se na verdade de uma faculdade do magistrado, assim como seria faculdade o fato dele utilizar a súmula como fundamentação.

            Apresentam-se como defensores desta tese o i. professor Nelson Nery Junior, José Henrique Mouta Araújo  e por fim, Cássio Scarpinella Bueno. Já, dentre os que defendem ser um dever do juiz atuar na denegação do recurso podemos citar Daniel Amorim Assunção Neves.

           Entre detentores da razão ou não, entendemos que a discricionariedade do magistrado somente irá até o momento de fundamentar sua sentença, pois, se ele opta por respaldar-se em súmula do STF ou STJ, estar-se-á obrigado a negar seguimento ao recurso futuramente interposto.

1.1  Aplicação da súmula impeditiva de recurso e o aparente conflito com o Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório.

            Ainda na esteira de possíveis violações a princípios, faz-se mister tratar a questão da eventual violação ao Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório, que figuram como corolários do macro Princípio do Devido Processo Legal.               

            Nesse sentido, vozes afirmam que as súmulas, por serem o resumo da jurisprudência dominante dos tribunais e, desta forma, decorrentes de decisões reiteradas, necessariamente foram enunciadas sob o crivo da ampla defesa e do devido contraditório, insistentes em afirmar que não se visualiza qualquer prejuízo ou ofensa ao princípio em comento, já que o mérito da causa já fora amplamente debatido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa e que, se a demanda foi julgada em conformidade com o entendimento sumulado pelo STF e/ou STJ não haveria que se alegar ofensa ao contraditório[2] (SÚMULA, 2012).

           Desse entendimento corroboramos, aqui, mais uma vez verifica-se que a aplicação da súmula impeditiva de recurso de apelação não possui o condão de violar o Princípio da Ampla Defesa, sequer do contraditório. Em uma análise mais retrospectiva do processo, é de fácil verificação que o direito ao contraditório e à ampla defesa fora exercido até a prolação da sentença objeto da irresignação que ensejou a interposição do recurso que ora se pretende negar seguimento.

            Veja-se que o exercício do contraditório e da ampla defesa também foi efetivado quando da edição do verbete sumular que, adveio de precedentes levados à apreciação pelo STF ou STJ, assim, tanto na confecção do entendimento sumulado, quanto na aplicação do predito entendimento na sentença recorrida, houve efetiva e satisfativa participação das partes no desenrolar da lide.

1.2  Da inexistência de violação dos princípios do Duplo Grau de Jurisdição, do Contraditório e da Ampla Defesa.

          

            A nosso ver, não vislumbramos a existência de violação ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, malgrado ter o juiz a faculdade de fundamentar com base no entendimento sumulado, não visualizamos a pretensa violação. É que por uma questão se segurança jurídica consubstanciada na vinculação de precedentes, não faria sentido alçar os autos à instância revisora sabendo-se que lá chegando teriam o mesmo tratamento que fora conferido ao juízo primevo.

           Sendo assim, não há que se falar em violação ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, mas sim, em uma conjugação deste, com o Princípio da Celeridade Processual e da segurança jurídica. Ademais, não podemos pensar na hipótese de engessamento de precedentes, pois, como cediço, o Direito caminha junto à evolução da sociedade.

            Conclui-se, portanto, que o juiz ao promover o juízo de preliberação não está adentrando no mérito recursal, eis que a matéria ali constante já fora objeto de sentença, assim, a admissibilidade limita-se a analisar seus requisitos intrínsecos e extrínsecos, sem, contudo, repita-se, apreciar-lhe o mérito.

            Por fim, entendemos que assim como o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, o Princípio da Ampla Defesa e do Contraditório nesse contexto da súmula impeditiva de recurso de apelação, figuram como um verdadeiro arcabouço, no sentido de que a aplicação de um está diretamente ligada a efetivação e adequação do outro, sem violações, mas sim, complementação principiológica de modo a promover, sobretudo, a tão sonhada segurança jurídica.

CAPÍTULO IV ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS: UMA ANÁLISE SOB A VISÃO DE DWORKIN E ALEXY

1 Os comandos normativos propostos por Dworkin

            Ronald Dworkin, profícuo filósofo norte-americano e crítico ferrenho do positivismo jurídico, desenvolveu uma tese na qual se distingui os princípios das regras, e que fora posteriormente aprimorada por Alexy.

            As regras apresentam-se como sendo normas jurídicas positivadas, que impõe deveres e direitos, em síntese são normas jurídicas que obrigam, proíbem ou facultam algo. A aplicação das regras está sujeita ao que se denomina tudo ou nada, ou seja, ou, a regra é válida ou ela não é. Não há meio-termo, nem graduação. A regra ou se aplica ou não se aplica, é válida ou não é, é cumprida ou é descumprida. A regra não suporta medidas ou graus de cumprimento, ou se aplica totalmente a regra, ou, ela é violada. Um exemplo de regra é aquela norma que define o limite de velocidade nas estradas. Ou está dentro ou está fora do limite. Não há meio-termo (DWORKIN, 1978, p. 24).

            Lado outro, os princípios são todos os demais padrões de moralidade transcendentes ao direito positivo, isto é, são todos aqueles padrões morais e políticos a que as decisões jurídicas recorrem para decidir os casos que não são suficientemente solucionados pelas regras do direito. Os princípios são todos os demais padrões normativos que não são regras, que estão para além do direito positivo.

            O princípios são muito diferentes das regras em vários aspectos. Princípios não estabelecem as condições prévias de sua aplicação, tal como fazem as regras. E por isso os princípios não são questões de tudo ou nada. O seu cumprimento não é uma questão de correção, mas de adequação, de coerência. Os princípios não são válidos ou inválidos, mas, sim, questões de peso, de importância, questões de fundamento, de justificação adequada. Princípios prevalecem ou não prevalecem.

            Dworkin, em sua tese, defende de forma categórica que existe uma diferença de caráter lógico entre princípios e regras. Essa não é a tese mais difundida na doutrina brasileira, que, em geral, tem-se ocupado em defender uma tese que se pode denominar “fraca” da distinção entre regras e princípios, pois, o que se vê é uma distinção de grau, seja ele de fundamentabilidade, de abstração ou de generabilidade (SOUSA, 2011, p. 96).

            Assim, Dworkin elaborou uma base teórica para promover essa distinção e ao mesmo passo atacar o positivismo jurídico e seus defensores em especial Herbert Hart que apresentara em Oxford sua versão sobre o latente tema.

            Na tentativa de mostrar a constituição do ordenamento jurídico por meio do positivismo jurídico e sua deficiência para com os anseios da sociedade, Dworkin[3] (apud, SOUSA, 2011, p. 97), afirma que o positivismo fornece um modelo de sistema jurídico constituído exclusivamente por regras, o que o torna insuficiente para dar conta da solução dos casos difíceis (hard cases), quando se usam standards que operam e funcionam de maneira distinta das regras. Dworkin parte de um problema concreto para refutar a teoria positivista propugnada por Hart, que é o de que o conceito positivista de aplicação do Direito seria criticável a partir da seguinte situação: um juiz, quando não há uma regra aplicável ao caso concreto, ou quando a regra aplicável é indeterminada, deve tomar uma decisão discricionária, ou seja, deve criar uma solução nova para o concreto. 

            A proposta trazida por Dworkin visa mostrar para os operadores do Direito, que um ordenamento jurídico não pode ser constituído somente por regras como deliberadamente defendia Hart. Para Dworkin, um juiz quando se depara com a situação de não haver regra aplicável ao caso concreto ou de regra aplicável estar indeterminada (casos difíceis), não deve tomar uma decisão completamente discricionária, pois tem o dever de tomar tal decisão a partir da aplicação rigorosa dos princípios jurídicos[4].

            Dworkin identifica dois critérios para distinguir os princípios das regras. O primeiro deles é o de que as regras se diferenciam dos princípios a partir de um ponto de vista lógico, em razão do tipo de solução que oferecem. As regras operam de maneira tudo-ou-nada (“all-or-nothing-fashion”), ou, o que é dizer o mesmo, as regras operam na dimensão da validade. Se ocorre o suposto de fato comandado, proibido ou permitido por uma regra, então ou (i) a regra é válida, e então as suas consequências jurídicas são obrigatórias, ou (ii) a regra não é válida, e então ela não deve ser aplicada , isto é, as suas consequências  jurídicas não contam em nada para a decisão. Em outras palavras seria dizer que, ou a regra é aplicada em sua inteireza, ou ela deve ser por completo não aplicada (deve ser não aplicada em absoluto). (SOUSA, 2011, p. 97).

            Para Dworkin (2002, p. 25-26) os princípios não possuem a estrutura disjuntiva das regras, pois não estabelecem claramente os supostos de fato cuja ocorrência torna obrigatória a sua aplicação, nem que as consequências devem surgir a partir de sua aplicação, ou seja, os princípios não determinam por completo uma decisão, pois apenas servem as razões que contribuem a favor de uma decisão ou outra. O segundo critério, que segue até mesmo da distinção de caráter lógico acima disposta, é o de que as regras não possuem: a dimensão do peso (dimensão of weight). Esse critério é definido pela importância ou pelo peso relativo que um princípio tem em relação ao outro princípio quando os dois colidem em um caso concreto. Com efeito, quando dois princípios colidem em um caso concreto, a decisão é tomada em virtude de um princípio (P1) ter, diante das circunstâncias concretas, uma importância ou um peso relativo maior do que o do outro princípio colidente (P2), fato esse que não impede que em uma decisão posterior, mudadas as circunstâncias concretas, essa situação de prevalência se inverta, e o princípio P1que, na primeira situação, tinha um peso relativo maior, agora tenha um peso relativo menor do que P2.

           A propósito:

(...) É que, quando, por exemplo, uma regra comanda algo que uma outra regra proíbe sem que se tenha previsto nenhuma exceção em nenhuma delas, o conflito só pode ser resolvido mediante declaração de invalidade de uma das regras, ou seja, por meio da declaração de que um das regras não mais pertence ao ordenamento jurídico. No caso da colisão de princípios, essa declaração de invalidade não ocorre, pois ambos os princípios colidentes permanecem válidos, e, portanto, continuam ambos pertencendo ao ordenamento jurídico. O que acontece é que, no caso concreto, um princípio cede em detrimento do outro. É preciso atentar que, quanto à maneira tudo-ou-nada de aplicar as regras, há uma objeção de que não se pode prever todas as exceções possíveis a determinada regra, ou seja, é possível que seja formulada uma nova exceção a uma regra que até então era desconhecida (Dworkin, 2002, p. 27).

        

           De acordo com Sousa (2011, p. 98) Dworkin afirma que, se pelo menos teoricamente é possível listar as exceções que possam existir a uma regra, essa objeção não procede. Ademais, o que importa notar é que a tese de que o conflito de regras possui uma estrutura completamente distinta da colisão de princípios, fornece um critério justificante para manter a distinção. 

           O  professor Rafael Simioni assevera que:

Essa distinção é importante não apenas porque ela aponta para uma possível superação hermenêutica do problema das colisões de preceitos fundamentais, mas também porque permite um certo nível de equilíbrio na tensão entre constitucionalismo e democracia. Afinal, na medida em que as decisões jurídicas começam a interferir na definição democrática de políticas públicas, a questão da legitimidade democrática das decisões jurídicas torna-se um problema (SIMIONI, 2012, p. 205).

            Dessa forma, segundo Simioni[5] (2011, p. 206) essa distinção de Dworkin é tão importante que na atualidade não mais se fala em norma jurídica, mas, apenas em regras e princípios. Ao contrário de Castanheira Neves, Alexy (1993) e outros, os princípios, em Dworkin, não são espécies do gênero norma. Os princípios são questões de fundamento e não precisam estar necessariamente positivados em leis – ou em precedentes, para o caso do common law.

            Com tais fundamentos, torna-se evidente, segundo Dworkin (1978, p. 26) que tais princípios promovem o engendramento de razões que conduzem a interpretação e argumentação jurídica para determinada direção. Frise-se que não são questões de certo ou errado, validade ou invalidade. São convicções que justificam o encaminhamento da solução para uma direção e não outra. Os princípios são questões de peso na justificação de uma decisão jurídica, que se revelam na forma de razões que inclinam a decisão para uma ou para outra decisão.

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            Os princípios não são regras contrafáticas, são pontos de vista para uma interpretação adequada dessas regras. Os princípios conferem uma posição especial que justifica a interpretação adequada do direito (SIMIONI, 2011, p. 207).

            Ao dissertar sobre o campo de aplicação das regras e princípios, pretende Dworkin estabelecer o critério de escolha de uma regra em detrimento de outra, bem como de um princípio em detrimento do outro. 

            A problemática está em saber como ficará a regra ou o princípio preterido, quais consequências advirão dessa escolha. Dworkin sabiamente traça essa distinção, estabelecendo critérios de validade, invalidade, pesos, tudo pautado no caráter lógico, demasiadamente por ele exposto.

1.1  Identificando os princípios em Dworkin

            Tradicionalmente, as teorias do direito indicam vários critérios diferentes para o reconhecimento de princípios. As teorias positivistas identificam os princípios nos textos legais que afirmam princípios normativamente, como por exemplo, é o reconhecido caso de direitos fundamentais positivados. Outras teorias positivistas identificam os princípios naquelas normas mais genéricas, que prescrevem atos inespecíficos. Assim, as regras seriam aquelas normas jurídicas que prescrevem atos específicos, enquanto os princípios por sua vez, seriam aquelas normas jurídicas que prescrevem atos mais genéricos, mais inespecíficos (SIMIONI, 2011, p. 209).

            Segundo Dworkin (1978, p. 79), a identificação dos princípios segue um outro critério no qual ele elenca ser necessário saber se um princípio é um princípio da comunidade e nesse sentido é uma questão de argumentação. Verifica-se, portanto, que não é uma questão de relatório ou de textos legais, muito menos uma questão metodológica de teste de pedigree de princípios.

            Conforme Simioni (2011, p. 210), a questão dos princípios é sempre uma questão de peso na argumentação. Não é uma questão de hábito, nem de reconhecimento, sequer de status dentro da ideia de um sistema hierárquico de regras e jurídicas, nem mesmo uma questão de pedigree moral segundo qualquer teoria política. Os princípios não são apenas normas no sentido positivista de regras que ordenam, proíbem ou facultam algo. Os princípios são na verdade, justificações, são a base para as instituições e leis da comunidade, são os padrões de moralidade política da comunidade que justificam.

A identificação dos princípios, portanto, só pode ser realizada argumentativamente. Mas não no sentido das teorias procedimentalistas da argumentação. E sim no sentido de que os princípios são aqueles fundamentos, são aquelas “razões de ser” das regras, que melhor justificam as nossas práticas. Os princípios são aquelas pressuposições, aquelas preconcepções, que utilizamos para justificar a interpretação de uma regra como a melhor interpretação possível para os casos. Os princípios são aquelas convicções de moralidade política mais profundas, mais intuitivas, mais originais e autênticas, que justificam uma determinada interpretação do direito como a melhor interpretação possível (SIMIONI, 2011, p. 210).

            Sob essa visão, os princípios são fundamento de validade da interpretação, estabelecendo um alcance mais amplo, mundialmente interpretados e aplicados da mesma maneira, o que os difere das regras, que direcionam-se a tutelar objetos jurídicos específicos e previamente positivados.

1.2 A força principiológica nos chamados Hard Cases (casos difíceis), e a atuação do juiz Hércules.                        

            Assevera Dworkin (1978, p. 81), que os casos difíceis são aqueles que, do ponto de vista das teorias do positivismo jurídico, não podem ser submetidos a uma regra clara de direito, sendo aqueles casos que, do ponto de vista do positivismo jurídico, admitem duas ou mais respostas igualmente justificáveis nos textos legais.

As teorias positivistas do direito afirmam que não há uma única resposta correta do direito. E como não há uma única resposta correta, então a decisão jurídica precisa escolher uma dentre as várias soluções jurídicas possíveis. E assim as teorias positivistas justificam essa escolha como um ato discricionário do juiz. Quando há duas ou mais respostas igualmente corretas do ponto de vista do positivismo jurídico, a decisão jurídica poderia escolher entre uma dessas e essa escolha estaria justificada em um poder discricionário (SIMIONI, 2011, p. 211).

            Ocorre, porém, que essa justificativa da discricionariedade da decisão jurídica representa um problema grave para o direito, pois a decisão que cria direito, discricionariamente afirma uma contradição insustentável, qual seja a de que a decisão afirma que havia um direito preexistente da parte que ganhou a ação e, ao mesmo tempo, cria direito novo. Em outras palavras, a decisão jurídica reconhece o direito de uma das partes como um direito preexistente nos textos legais, mas justifica esse reconhecimento na forma de um ato discricionário do juiz. E isso significa que a decisão cria direito novo e o aplica retroativamente (SIMIONI, 2011, p. 211).

            A proposta de Dworkin (1978) era demonstrar que, ainda que estivéssemos diante desses casos difíceis, o Direito teria uma resposta apta a deslindar a lide.

            Acerca dessa resposta do Direito para os casos difíceis somada a possibilidade de sua integração, Dworkin cria a figura mítica de um juiz o qual se atribui o nome de Hércules, figura imaginária de um jurista que tudo sabe.

            No direito, porém, a exemplo do que ocorre na literatura, a interação entre adequação e justificação é complexa. De igual modo, como ocorre num romance em cadeia, a interpretação representa para cada intérprete um delicado equilíbrio entre diferentes tipos de atitudes literárias e artísticas, em direito é um delicado equilíbrio entre convicções políticas de diversos tipos; tanto no direito quanto na literatura, estas devem ser suficientemente afins, ainda que distintas, para permitirem um juízo geral que troque o sucesso de uma interpretação sobre um tipo de critério por seu fracasso sobre outro. Dworkin tenta expor essa complexa estrutura da interpretação jurídica, e para tanto se utiliza de um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade (DWORKIN, 2003, p. 287).

            Esse juiz imaginário e, de saber sobre-humano denominado de “Hércules” deverá emitir juízos e lidar com tensões ao decidir um grande número de casos. O direito como integridade pressupõe mais perguntas do que respostas a outros juristas e juízes que possivelmente darão respostas diferentes, entretanto, nesse jogo de perguntas e respostas forma-se o romance em cadeia[6] (COSTA, 2011, p. 101).

            Segundo Costa (2011, p. 101) para se chegar à resposta que atenda aos anseios das partes e que seja compatível com a teoria dos princípios, Dworkin propõe, pela metáfora do juiz filosófico Hércules, um juiz mítico que seria capaz de desenvolver a resposta que produza consonância entre a intenção legislativa e os princípios jurídicos.

           Nesse contexto, afirma Dworkin que:

Para esse fim, eu inventei um jurista de capacidade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, a quem chamarei de Hércules. Eu suponho que Hércules seja juiz de alguma jurisdição norte-americana representativa. Considero que ele aceita as principais regras não controversas que constituem e regem o direito em sua jurisdição. Em outras palavras, ele aceita que as leis têm o poder geral de criar e extinguir direitos jurídicos, e que os juízes têm o dever geral de seguir as decisões anteriores de seu tribunal ou dos tribunais superiores cujo fundamento racional (rationale), como dizem os juristas, aplica-se ao caso em juízo (DWORKIN, 2002, p. 165).

            Para Carlos Henrique Generoso Costa[7], “Hércules, quando estiver diante de um caso concreto, deve elaborar uma teoria acerca das decisões e princípios que circundam o caso, a fim de buscar o melhor argumento possível a justificar a sua decisão”.

           Dworkin (2002, p. 167), por sua vez, assevera que Hércules deverá examinar a questão não apenas como um problema de ajustamento entre uma teoria e as regras da instituição, mas também como uma questão de filosofia política.

Esse projeto é um raciocínio para desenvolver uma teoria que confira o conjunto complexo de princípios e políticas justificáveis para o sistema de governo. Hércules deve-se ater à filosofia política e ao comando institucional. Tal tarefa vinculará a linguagem emanada do poder legislativo e as suas responsabilidades institucionais como juiz. (...) Hércules deve formar a sua opinião sobre o problema. Atuando como um romancista em cadeia, deve encontrar alguma maneira coerente de ver os personagens e os temas que lhe foram apresentados. Também, deve buscar alguma teoria coerente sobre os direitos para manifestar a sua posição. (COSTA, 2011, p. 101).

            Segundo Dworkin[8] (apud COSTA, 2011), esse juiz hipotético deve ser criterioso e metódico, pois deve selecionar as diversas hipóteses que correspondem a melhor interpretação dos casos precedentes afirmando o direito como integridade que é estruturado pelo conjunto coerente de princípios sobre a justiça, equidade e devido processo legal em respeito a própria comunidade de princípios.

            Forte nisso, verifica-se que a força gravitacional do precedente, como relato de uma decisão anterior e enquanto fragmento da história oferece razões para se decidir outros casos de maneira similar no futuro[9].

           Nestes termos, afirma Dworkin[10] que:

Limitar a força gravitacional das decisões anteriores à extensão dos argumentos de princípio necessários para justificar tais decisões. Se se considerasse que uma decisão anterior estivesse totalmente justificada por algum argumento de política, ele não teria força gravitacional alguma. Seu valor enquanto precedente ficaria restrito a sua força de promulgação, isto é, aos casos adicionais abarcados por alguns termos específicos do precedente. A força distributiva de uma meta coletiva, como já observamos aqui, e uma questão de fatos contingentes e de estratégia legislativa geral. Se o governo interveio em favor da srta. MaxPherson, não porque ela tivesse algum direito à sua intervenção, mas somente porque uma estratégia criteriosa sugeria este meio para alcançar uma meta coletiva como a da eficiência econômica, então não pode haver um argumento de equidade efetivo, de acordo com o qual o governo tinha, por isso, a obrigação de intervir em favor do autor da ação no caso Spartan Steel (Dworkin, 2002, p. 177).

         

            Insta salientar que se torna forçoso concluir que essa força do precedente só influirá na decisão do sobre-humano juiz Hércules quando na verdade estiver embasada em argumentos de princípios que lhes ofereçam sustentação, eis que Hércules deve mostrar que a interpretação visa lançar a melhor luz diante do que lhe é trazido. Destarte, é preciso levar considerar não só as decisões tomadas em momento pretérito, mas a forma com que elas foram tomadas, por quais autoridades e, em quais circunstâncias (DWORKIN, 2003).

            O modo com que tais decisões foram tomadas, (leia-se por qual autoridade e em quais circunstâncias) é relevante do ponto de vista político e jurídico, pois, para Dworkin (2003) “os juízes estão em situações profundamente diferentes dos legisladores e o modo como de vem ser tomadas as suas decisões abstraindo-se da política”. Para tanto, o festejado Filósofo norte-americano preconiza que:

(...) o direito como integridade pressupõe, contudo, que os juízes se encontram em situação muito diversa daquela dos legisladores.

Não se adapta à natureza de uma comunidade de princípio o fato de que um juiz tenha autoridade para responsabilizar por danos as pessoas que agem de modo que, como ele próprio admite, nenhum dever legal as proíbe de agir. Assim, quando os juízes elaboram regras de responsabilidade não reconhecidas anteriormente, não tem a liberdade que há pouco afirmei ser uma prerrogativa dos legisladores. Os juízes devem tomar suas decisões sobre o “common law” com base em princípios, não em política: devem apresentar argumentos que digam porque as partes realmente teriam direitos e deveres  legais “novos” que eles na época em que essas partes agiram, ou em algum outro momento pertinente do passado (DWORKIN, 2003, p. 292-293).

           

            No intuito de evitar confusão acerca da legitimidade da decisão judicial, Dworkin[11] (apud SIMIONI, 2011, p. 215), recomenda que a decisão jurídica utilize apenas argumentos de princípio e não de políticas públicas. Essa recomendação tem várias razões. A primeira razão é a de que uma argumentação baseada em políticas públicas coloca muitos problemas de legitimidade democrática da decisão, já que os juízes não são eleitos democraticamente como representantes políticos do povo, nem podem estar submetidos à opinião pública ou a negociações políticas de compromissos partidários.

            Uma segunda razão forte para a decisão jurídica não recorrer a argumentos de políticas públicas está no fato de que a decisão jurídica não pode decidir os direitos das pessoas segundo as opções políticas do governo atual, já que o Judiciário deve ser responsável também pelos direitos das minorias políticas, independentemente das trocas de governo a cada eleição.

            Por decorrência lógica, essas duas fortes objeções ao uso de argumentos baseados em políticas públicas não servem, contudo, para o uso de argumentos baseados em princípios morais (DWORKIN, 1978, p. 85).

            Entende Simioni (2011, p. 215), que, os princípios conferem à decisão jurídica uma posição mais adequada para uma melhor interpretação dos conflitos e das divergências políticas. E que, justamente por isso, os princípios morais, especialmente os princípios de moralidade política, vão ser muito importantes para a adequação e justificação da resposta correta do direito.

O juiz Hércules aplica o direito com base no princípio da integridade, portanto, faz a interpretação do que fizeram os juízes em casos anteriores não proferindo sua decisão com base em argumentos de política. A integridade exige que o juiz ponha a prova a sua interpretação na vasta rede de estruturas e decisões políticas de sua comunidade, determinando que ele faça parte da teoria coerente que justifica a rede como um todo. O juiz real não poderia impor nada, de uma única vez, mas deve-se aproximar da interpretação plena de toda a comunidade (COSTA, 2011, p. 102).

            Ainda que se trate de uma figura hipoteticamente criada com o intuito de interpretar, afirma Dworkin (2003), que um juiz verdadeiro só irá imitar Hércules até certo ponto, a permitir que o alcance de suas interpretações se estenda desde os casos imediatamente relevantes até outros casos gerais do direito.

            Para Dworkin[12] (apud COSTA, 2011, p. 102), os juízes, ao aceitarem a integridade e decidirem um caso difícil, buscam encontrar, no conjunto coerente de princípios sobre o direito e deveres das pessoas, a melhor interpretação possível que coaduna com a estrutura política e com a doutrina jurídica de sua comunidade.

            E continua, ao veementemente afirmar que para realizar tal interpretação, é preciso levantar uma característica particular em Hércules, no que concerne a formação da sua convicção, pois, suas opiniões sobre a adequação se irradiam a partir do caso que tem diante de si em uma série de círculos concêntricos.

            Os círculos concêntricos utilizados por Dworkin não o foram por acaso, a referida expressão fora utilizada por Hans Georg Gadamer, ou simplesmente Gadamer, para explicar que o deslocar não é nem empatia de uma individualidade na outra, nem submissão do outro sob os próprios padrões, mas significa sempre uma ascensão a uma universalidade superior, que rebaixa tanto a particularidade própria, como a do outro. O conceito de horizonte se torna aqui interessante, porque expressa essa visão superior mais ampla, que aquele que compreende deve ter. Ganhar um horizonte quer dizer sempre aprender a ver mais além do próximo e do muito próximo, não para apartá-lo da vista, senão que precisamente para vê-lo melhor, integrando-o em um todo maior e em padrões mais corretos (GADAMER, 2005, p. 456).

(...) Hércules sabe que, em termos de princípios, o direito está longe de ter uma coerência perfeita. Sabe que a supremacia legislativa dá força a algumas leis que, em princípio, são incompatíveis com outras, e que a compartimentalização do “common law”, juntamente com a prioridade local, favorece a incoerência inclusive ali. Mas ele pressupõe que essas contradições não são tão abrangentes e intratáveis dentro de cada ramo ou instituto do direito que sua tarefa se torne impossível. Admite, na verdade, que é possível encontrar um conjunto de princípios razoavelmente plausíveis, para cada segmento do direito que deva fazer vigorar, que se ajuste suficientemente bem para poder ser uma interpretação aceitável (DWORKIN, 2003, p. 319).

            Enfatiza Dworkin[13] (apud COSTA, 2011, p. 102), que Hércules deve construir o esquema de princípios que forneça justificação coerente a todos os precedentes, na medida em que estão respaldados por princípios, também um esquema que justifique as disposições constitucionais e legislativas, sendo que as disposições constitucionais ocupam o nível mais alto dessa estrutura.

(...) se a história de seu Tribunal não for muito complexa, ele descobrirá, na prática, que a exigência de consistência total por ele aceita se revelará excessivamente forte, a menos que ele a desenvolva de modo que inclua a idéia de que, ao aplicar essa exigência, pode considerar alguma parte da história institucional por considerá-la equivocada. Isto porque ele será incapaz, mesmo com sua soberba imaginação, de encontrar qualquer conjunto de princípios que concilie todos os precedentes e todas as leis existentes. Este fato não surpreende: os legisladores e juízes do passado não tinham, todos, a capacidade ou o insight de Hércules, nem eram homens e mulheres que compartilhava as mesmas idéias e opiniões. Sem dúvida, qualquer conjunto de leis e decisões pode ser explicado histórica, psicológica ou sociologicamente, mas a consistência exige uma justificação, e não uma explicação, e a justificação deve ser plausível, e não postiça. Se a justificação que Hércules concebe estabelece distinções que são arbitrárias, e se vale de princípios que são convincentes, então ela não pode, de modo algum, contar com uma justificação (DWORKIN, 2002, p. 186).

            Nessa tarefa, o juiz “Hércules” deve afirmar uma decisão que seja compatível com a sua teoria, devendo argumentar principiologicamente, de acordo com os dados levantados pelas partes (COSTA, 2011, p. 103). Neste mesmo sentido e com tais fundamentos, deve Hércules ampliar sua teoria de modo a incluir a ideia de que uma justificação da história institucional pode apresentar uma parte dessa história como um equívoco (DWORKIN, 2002, p. 189).

            Neste momento, segundo Dworkin[14] (apud COSTA, 2011, p. 103), Hércules não poderá fazer uso imprudente desse recurso, pois se lhe concedermos liberdade para reconhecer qualquer aspecto incompatível da história institucional como erro, sem que isso lhe causasse consequência alguma, a teoria da coerência cairia por terra.

            Assim, deve Hércules, mostrar quais seriam as consequências, para novos argumentos, de se considerar algum evento institucional como um erro, e deve limitar o número e o caráter dos eventos dos quais se pode abrir mão dessa maneira (DWORKIN, 2002, p. 189).

            Percebe-se que diante da necessidade de se reconhecer determinado evento institucional como sendo um erro, haverá a obrigatoriedade de delimitar as consequências advindas desse procedimento.

            Dessa forma, Dworkin (2002, p. 189-190), diferencia os erros enraizados e os passíveis de correção, lecionando que os erros enraizados são aqueles cuja autoridade específica acha-se estabelecida de tal maneira que ela sobreviva à perda de sua força gravitacional, já os erros passíveis de correção, são aqueles cuja autoridade específica depende da força gravitacional, de modo que ele não pode sobreviver à perda dela.

(...) Hércules aplicará, portanto, pelo menos duas máximas na segunda parte de sua teoria dos erros. Se puder demonstrar, por argumentos históricos ou pela menção a uma percepção geral da comunidade jurídica, que um determinado princípio, embora já tenha tido no passado atrativo suficiente para convencer o poder legislativo ou um tribunal a tomar uma decisão jurídica, tem agora tão pouca força que é improvável que continue gerando novas decisões desse tipo – então, nesse caso, o argumento de equidade que sustenta este princípio se verá enfraquecido. Se Hércules puder demonstrar, por meio de argumentos de moralidade política, que esse princípio é injusto, a despeito de sua popularidade, então o argumento de equidade que sustenta o princípio estará invalidado (DWORKIN, 2002, p. 191).

            Inevitavelmente, como já de fato afirmou Dworkin (2006, p. 09), toda interpretação da norma jurídica, utiliza, quer se tenha consciência disso ou não, convicções de princípios.

1.3 A integridade do Direito e atuação do magistrado no chamado romance em cadeia

            Salienta Dworkin[15] (apud COSTA, 2011, p. 98), que a integridade constitui a chave para a melhor interpretação construtiva das práticas jurídicas, bem como o modo com que os juízes decidem os casos difíceis tendo por fulcro a integridade na legislação e de liberação judicial. O princípio da integridade na legislação restringe o que os nossos legisladores possam fazer ao elaborar as normas públicas. O princípio da integridade na deliberação judicial requer que os aplicadores do direito respeitem o ordenamento jurídico como conjunto coerente

de princípios e, deste modo, descubra normas implícitas entre as demais normas jurídicas.

(...) a integridade é uma norma mais dinâmica e radical do que parecia de início, pois incentiva um juiz a ser mais abrangente e imaginativo em sua busca de coerência com o princípio fundamental. Em alguns casos, como o McLougnhlin, de acordo com as premissas que acabamos de assumir, o juiz que tomar a integridade por modelo parecerá, de fato, mais cuidadoso do que o pragmático. Em outros casos, porém, suas decisões parecerão mais radicais. (DWORKIN, 2003, p. 265).

            Isto posto, vê-se que integridade não deve ser vista apenas como decidir casos semelhantes da mesma forma, mas, sobretudo, exige que as normas sejam criadas e vistas com o escopo de expressar o sistema único e coerente de justiça, sob essa ótica, uma instituição que aceite esse ideal às vezes irá, por esta razão, afastar-se da estreita linha das decisões anteriores, em busca da fidelidade aos princípios concebidos como mais fundamentais a esse sistema como um todo (DWORKIN, 2003, p. 264).

            Segundo Dworkin[16] (apud COSTA, 2011, p. 98), a integridade não deve ser vista apenas como decidir casos semelhantes da mesma forma, mas exige que as normas sejam criadas e vistas com o escopo de expressar o sistema único e coerente de justiça. O princípio legislativo da integridade determina que o legislativo proteja os direitos morais e políticos de todos, de tal maneira que as normas expressem um sistema coerente de justiça e equidade.

            As proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade. (DWORKIN, 2003, p. 272).

            O direito como integridade é, tanto o produto da interpretação abrangente da prática jurídica, como fonte de inspiração. O programa que chega ao magistrado que está diante de um caso difícil é contingente e interpretativo. Na leitura da integridade, o direito determina que continuem interpretando o material que está diante dele (COSTA, 2011, p. 99).

Assim sendo:

A integridade não exige coerência de princípio em todas as etapas históricas do direito de uma comunidade; não exige que os juízes tentem entender as leis que aplicam como uma continuidade de princípio com o direito de um século antes, já em desuso, ou mesmo de uma geração anterior. Exige uma coerência de princípio mais horizontal do que vertical ao longo de toda a gama de normas jurídicas que a comunidade agora faz vigorar. Insiste em que o direito – os direitos e deveres que decorrem de decisões coletivas tomadas no passado e que, por esse motivo, permitem ou exigem a coerção – contém não apenas o limitado conteúdo explícito dessas decisões, mas também, num sentido mais vasto, o sistema de princípios necessários a sua justificativa. A história é importante porque esse sistema de princípios deve justificar tanto o status quanto o conteúdo dessas decisões anteriores (DWORKIN, 2003, p. 274).

           

            É gizado por Costa (2011, p. 99), que a interpretação do direito utilizando-se da integridade e do passado só irá acontecer quando o seu enfoque contemporâneo assim o determinar. Não se busca recuperar na atualidade os ideais ou objetivos práticos dos políticos que primeiro os criaram. A história pretende justificar o que se fez em uma perspectiva digna de ser contada hoje.

            O entendimento expendido por Costa corrobora a proposta de Dworkin no sentido de que a prática atual pode ser organizada e justificada por princípios suficientemente atraentes para oferecer um futuro honrado (DWORKIN, 2003, p. 274).

            A nosso ver, a integridade possibilita a flexibilização acerca do entendimento do Direito, de modo que:

(...) quando um juiz declara que um determinado princípio está imbuído no direito, sua opinião não reflete uma afirmação ingênua sobre os motivos dos estadistas do passado, uma afirmação que um bom cínico poderia refutar facilmente, mas sim uma proposta interpretativa: o princípio se ajusta a alguma parte complexa da prática jurídica e a justifica; oferece uma maneira atraente de ver, na estrutura dessa prática, a coerência de princípio que a integridade requer. O otimismo do direito é, nesse sentido, conceitual; as declarações do direito são permanente construtivas, em virtude de sua própria natureza. Esse otimismo pode estar deslocado: a prática jurídica pode determinar por não ceder a nada além de uma interpretação profundamente cética. Mas isso não é inevitável somente porque a história de uma comunidade é feita de grande conflitos e transformações. Uma interpretação imaginativa pode ser elaborada sobre terreno moralmente complicado, ou mesmo ambíguo (DWORKIN, 2003, p. 274-275).

            Para Dworkin (apud COSTA, 2011, p. 99), os magistrados são autores e críticos que atuam no que denomina de “romance em cadeia”, eles introduzem acréscimos na tradição que interpretam, por isso, podemos encontrar terreno fértil entre a literatura e o direito ao se criar o gênero literário do romance em cadeia.  Para realizar tal façanha, Dworkin propõe que imaginemos um grupo de romancistas que se propõe a escrever um romance em série, e cada romancista da cadeia interpretará os capítulos anteriores para escrever o capítulo posterior. Tal capítulo será acrescentado pelo romancista seguinte e assim sucessivamente. Cada romancista deve escrever o capítulo de forma que seja criado da melhor maneira possível, assim a complexidade inerente a essa tarefa representa a complexidade de se decidir um caso difícil à luz do direito como integridade. O romancista criará um único romance a partir do material que recebeu, do que ele próprio recebeu e acrescentou, bem como daquilo que os seus sucessores na trama serão capazes de acrescentar. Ele deve criar o melhor romance possível como se fosse a obra de um só autor, mas que é produto de várias mãos.

(...) se for um bom crítico, seu modo de lidar com essas questões será complicado e multifacetado, pois o valor de um bom romance não pode ser apreendido a partir de uma única perspectiva. Vai tentar encontrar níveis e correntes de sentido, em vez de um único e exaustivo tema. (DWORKIN, 2003, p. 277).                                                          

            Dworkin[17] (apud COSTA, 2011, p. 100) preceitua que para atingir tal desiderato devemos distinguir: a dimensão da adequação e a dimensão do ajuste, ou a compatibilidade com o material que lhe foram entregues. A dimensão da adequação determina que não se pode adotar uma interpretação, ainda que, pela sua complexidade, com diferentes leituras de personagem, trama e objetivos que essa interpretação descreve. A adequação não significa que a interpretação deve-se ajustar a cada segmento do texto, não o desqualifica se algumas linhas ou tropos são acidentais, ou mesmo que alguns elementos da trama são erros, pois, a interpretação deve fluir ao longo de todo o texto e será mal sucedida se deixar sem explicações partes estruturantes do texto. Se o romancista não encontrar interpretação que não possua falhas ele não terá cumprido a sua tarefa.

            Noutro viés, caso a interpretação dada pelo magistrado não seja compatível com o material que lhe fora entregue, Dworkin[18] assevera que o mesmo:

(...) deve abandonar o projeto, pois a consequência de adotar a atitude interpretativa com relação ao texto em questão será, então, uma peça de ceticismo interno: nada pode ser considerado como continuação do romance: é sempre um novo começo (DWORKIN, 2003, p. 278).

           Nesse sentido, Dworkin[19] (apud COSTA 2011, p. 100) afirma que o intérprete pode achar que nenhuma interpretação isolada se ajusta ao conjunto do texto, mas que mais de uma se encaixa. A segunda dimensão da interpretação exige do intérprete o julgamento das possíveis interpretações e qual delas se ajustam melhor à obra em desenvolvimento, depois de observados todas as perspectivas da questão.

            Tomando-se por base tais explicações, chegasse à conclusão de que no momento em que nenhuma das dimensões apresentadas for desqualificada, haverá, por conseguinte a pleiteada integração entre o conteúdo programático e a interpretação dada pelo romancista.

(...) também não podemos estabelecer uma distinção muito nítida entre a etapa em que um romancista em cadeia interpreta o texto que lhe foi entregue e a etapa em que ele acrescenta seu próprio capítulo, guiado pela interpretação pela qual optou. Ao começar a escrever, ele poderia descobrir naquilo que escreveu uma interpretação diferente, talvez radicalmente diferente (DWORKIN, 2003, p. 279).

            Malgrado tratar-se de tema complexo, nada pragmático, Dworkin (2003) indaga sobre a opinião nesse contexto, para tanto, formula a seguinte pergunta: “a opinião sobre a melhor maneira de interpretar e dar continuidade ao romance em cadeia é uma opinião livre ou forçada?”.

            Pois bem, a pergunta acerca da opinião do romancista mostra-se bem objetiva, mais objetiva ainda mostra-se a sua resposta, in verbis, formulada pelo i. filósofo norte-americano:

Nenhuma dessas duas descrições incipientes – de total liberdade criativa ou coerção mecânica do texto – dá conta de sua situação, pois, cada um deve, em certo sentido, sofrer ressalvas em decorrência da outra. Você sentirá liberdade de criação ao comparar sua tarefa com outra, relativamente mais mecânica, com a tradução direta de um texto em língua estrangeira. Mas vai sentir-se reprimido ao compará-la a uma tarefa relativamente menos dirigida, como começar a escrever um romance (DWORKIN, 2003, p. 281).

            Nesse afinamento, o intérprete deve basear as suas opiniões naquilo que lhe parece correto, na medida em que decide se uma interpretação é apropriada, se de fato ela se ajusta ao eixo do romance em cadeia tornando-o mais atraente (COSTA, 2011, p. 100). Atento a isso, verifica-se que não se está sujeito a coerção, já que nenhuma opinião poderá ser constrangida, salvo fatos externos e irredutíveis que todos estejam de acordo (DWORKIN, 2003, p. 282)

            Segundo afirma Costa (2011, p. 100), a interpretação do ponto de vista do escritor e a coerção que ele sofre são de tais formas incontroversas que todos sentem essa mesma força que o autor vivencia, já que tal interpretação se dá pelo

romance em cadeia e constitui a obra de um único autor. Imprescindíveis as colocações de Dworkin no que concerne a vinculação do intérprete ao eixo interpretativo.

           Assim sendo:

Ainda que cada um dos romancistas anteriores da cadeia assumisse suas responsabilidades de maneira bastante séria, o texto deveria mostrar as marcas de sua história, e você teria de adaptar seu estilo de interpretação a essa circunstância. Poderia não encontrar uma interpretação que fluísse ao longo do texto, que se adequasse a tudo aquilo que o material que lhe deram considera importante. Você deve diminuir suas pretensões (como talvez o façam os escritores conscienciosos que participam da equipe de autores de uma novela interminável) ao tentar elaborar uma interpretação que se ajuste ao conjunto do que você considera, no texto, como mais fundamental do ponto de vista artístico. Mais de uma interpretação pode sobreviver a essa prova mais branda. Para escolher entre elas, você deve se voltar para suas convicções estéticas de base, inclusive para aquelas que considera formais. É possível que inclusive para aquelas que considera formais. É possível que nenhuma interpretação sobreviva, mesmo a essa prova mais atenuada. Esta é a possibilidade cética que mencionei há pouco: você terminará, então, por abandonar o projeto, rejeitando sua tarefa por considerá-la impossível. Mas não pode saber de antemão que vai chegar a esse resultado cético. Primeiro, é preciso tentar. A fantasia do romance em cadeia será útil de diversas maneiras nesse último argumento, mas essa é a lição mais importante que tem a ensinar. A sábia opinião de que nenhuma interpretação poderia ser melhor deve ser conquistada e defendida como qualquer outro argumento interpretativo (DWORKIN, 2003, p. 284-285).

            Por fim, e não menos importante, pondera Dworkin[20] (apud COSTA, 2011, p. 100), que, o intérprete que pretende ser um romancista nessa cadeia terá muitas decisões difíceis a tomar, dessa forma, diferentes romancistas tomarão decisões diferentes, mas as suas decisões devem estar vinculadas ao romance em execução que lhe foi entregue.

            O modo de interpretação proposto por Dworkin possibilita que a trama possa ser escrita por diversos romancistas, com opiniões distintas, inclusive, mas que, sobretudo, o projeto recebido não seja desvirtuado, em outras palavras seria dizer que o romancista deve manter coerência no fazimento do projeto que lhe foi entregue.

2      Os princípios e as regras em Alexy

              O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em seus graus variados e, ainda, pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. Desse modo, o âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes (ALEXY, 2002, p. 90).

            Na mesma oportunidade, Alexy (2002, p. 91), classificou as regras como sendo normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige, ou seja, nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é uma regra ou um princípio.

2.1  Uma análise acerca da teoria de Dworkin

           

            Segundo o Desembargador Federal Néviton Guedes[21] (2012), no Brasil, estamos acostumados a atribuir a Robert Alexy as qualidades e os problemas que frequentemente são divisados na teoria dos princípios, sobretudo, na vertente que busca a sua identificação com os direitos fundamentais. Não podemos esquecer, contudo, que o próprio Robert Alexy, expressa e penhoradamente, reconhece ter buscado em Dworkin as bases de sua teoria dos princípios como mandados de otimização.

           

            Como já mencionado alhures, Dworkin em sua teoria supra estudada faz duras críticas ao positivismo jurídico. Numa forma de conceituar o chamado princípio jurídico, Alexy (1945, p. 130) assevera que a crítica de Ronald Dworkin ao positivismo apoia-se essencialmente em sua teoria dos princípios jurídicos. Segundo Alexy, analisar o conceito de princípio jurídico a partir de uma discussão com Dworkin não só oferece a vantagem de permitir discutir, no contexto da crítica de uma teoria abrangente e sutil, algumas das várias questões ainda não resolvidas que se conectam a esse conceito, mas também abre a possibilidade de investigar um pouco mais a suposição de Hart.

           Afirma Alexy[22] que:

Dworkin desenvolveu suas concepções sobre o status lógico, a fundamentabilidade e o emprego dos princípios no contexto de um “ataque geral contra o positivismo” para o qual a teoria de Hart lhe serviu como alvo. O objeto de sua crítica é constituído por três teses, que, segundo Dworkin, constituem o esqueleto fundamental não só da teoria de Hart, mas de toda teoria positivista. A primeira tese diz respeito à estrutura e à fronteira do sistema jurídico. Segundo ela o direito de uma sociedade é constituído exclusivamente por regras que podem ser identificadas e diferenciadas de outras regras sociais, especialmente de regras morais, com base em critérios que não dizem respeito a seu conteúdo, mas sim à sua origem (pedigree). O exemplo principal para um tal critério de identificação é a regra de reconhecimento de Hart. A segunda tese resulta da primeira. Se o direito consiste exclusivamente em um conjunto de regras válidas de acordo com o critério de identificação e se existem casos, como salienta Hart, nos quais essas regras, por causa de sua vagueza, não vinculam, através de uma consequência jurídica, aquele que decide, então ele deve decidir de acordo com critérios não pertencentes ao ordenamento jurídico, uma vez que o direito não lhe fornece qualquer critério. Se, contudo, alguém só pode decidir com base em critérios não pertencentes ao ordenamento jurídico, ele então não está, através de sua decisão, ligado ao ordenamento jurídico, e tem, portanto poder discricionário (discretion). A terceira tese se relaciona ao conceito de obrigação jurídica. Segundo ela, só se pode falar que alguém tem uma obrigação jurídica (e, em consequência disso, um terceiro tem um direito) quando há uma regra que exprima tal obrigação. Disso se segue que em casos difíceis, nos quais o juiz deve, no sentido da segunda tese, construir pela primeira vez uma regra, com base em seu poder discricionário, como se fosse um legislador, ele não exprime meramente uma obrigação já existente, mas, ao contrário, uma obrigação que não existia até sua sentença e que é com ela pela primeira vez estabelecida (ALEXY, 1945, p. 130-131).

            Alexy (1945, p. 131), deixa claro que o ponto central do ataque de Ronald Dworkin a teorias desse tipo constitui a tese de que os indivíduos têm direito independentemente do fato de regras anteriores correspondentes terem sido criadas. Descobrir tais direitos, e não criar novos direitos seria a tarefa do juiz. Além disso, nos casos difíceis (hard cases), haveria apenas uma resposta correta. Embora não haja um procedimento para provar conclusivamente essa resposta em cada caso, disso não decorreria que nem sempre exatamente uma afirmação sobre direitos seja verdadeira.

No contexto de uma teoria como essa, os princípios desempenhariam um papel decisivo no deslinde. A mais sólida teoria seria aquela que contém princípios e atribuições de pesos a princípios que melhor justifiquem as prescrições da constituição, as normas estabelecidas e os precedentes. Dworkin entende por “princípios” todos os padrões que, não sendo regras, podem servir como argumentos para direitos individuais. As três teses do positivismo, que segundo Dworkin são defeituosas, decorreriam de um desconhecimento tanto do papel que os princípios de fato desempenham, quanto também do papel que eles têm que desempenhar na argumentação jurídica. O significado dos princípios seria já evidente a partir do fato de várias decisões poderem neles se apoiar e se mostra de forma ainda mais clara através do fato de normas jurídicas poderem ser restringidas ou suprimidas através deles. Princípios devem consequentemente ser vistos como uma parte do ordenamento jurídico. O ordenamento jurídico não seria, portanto um sistema composto exclusivamente por regras jurídicas. Além disso, não seria possível identificar os princípios através de uma regra social de reconhecimento. A identificação dos respectivos princípios a se levar em conta pressuporia considerações essencialmente morais (ALEXY, 1945, p. 130-131).

            Com base nisso, a primeira tese seria falsa.  No mesmo sentido aflora a insustentabilidade da segunda tese que resultaria do fato de os princípios, diferentemente das regras, oferecerem sempre apoio ao juiz. Assim, quando uma resposta com base em uma regra não for possível, seria ela dada com base em princípios. Como eles pertencem ao ordenamento jurídico, o juiz nunca teria poder discricionário, no sentido de não estar vinculado ao ordenamento jurídico. Por fim, a terceira tese seria falsa, pois o juiz não inventaria sua resposta, mas, com base nos princípios, descobriria quais direitos as partes possuem (ALEXY, 1945, p. 131).

Esse esboço rudimentar da teoria de Dworkin já deixa claro o papel que os princípios nela desempenham. Das várias questões que tal teoria levanta, devem ser abordadas a seguir apenas aquelas referentes ao status lógico, à fundamentação e à aplicação dos princípios. Com isso deverá ficar em primeiro plano a análise do conceito de princípio jurídico e sua delimitação em relação ao conceito de norma jurídica ou de regra jurídica. Em conexão a essa análise deverão ser abordadas algumas conclusões dela decorrentes para a teoria da fundamentação e da aplicação dos princípios (ALEXY, 1945, p. 131).

            O entendimento de Dworkin é cristalino no sentido de reconhecer que os direitos dos indivíduos existem mesmo sem que nenhuma norma os tenha positivado, neste mesmo caminho caberia então ao magistrado apenas reconhecer estes direitos.           

2.2  Análise acerca do tudo ou nada proposto por Dworkin       

            A primeira parte da tese da separação de Dworkin, a tese de que regras são uma questão de tudo ou nada, depende de sua tese de que as exceções a uma regra são em princípio enumeráveis. Destarte, se não for possível, como afirma Ronald Dworkin, enumerar essas exceções, pelo menos em princípio, então uma formulação completa da regra não é possível. Se, porém, uma formulação completa da regra não for possível, por sua vez não se pode somente com base nos respectivos pressupostos conhecidos da regra assumir com segurança a consequência jurídica. Dessa forma, sempre é possível que o caso dê ensejo à inclusão de uma nova exceção na forma de uma característica negativa no antecedente da regra. Caso isso ocorra, não será a regra, em sua formulação até então conhecida, aplicada (ALEXY, 1945, p. 134).

           Sob essa óptica:

Com certeza poder-se-ia pensar que isso não afeta seu caráter tudo ou nada, pois, em tais casos, em sua nova formulação, ela seria aplicada ou não aplicada. A tese de que as exceções são em

princípio enumeráveis se relacionaria não somente às exceções conhecidas até então, mas, mais que isso, a todas as exceções em que se possa pensar. Porém, contam contra essa variante da tese tudo ou nada suas consequências sistemáticas. O fato de a existência de uma regra supor todas as suas possíveis exceções significa que toda regra contém todos os casos de aplicação em todos os universos possíveis para ela. Se é razoável aceitar isso no que diz respeito a regras, deve ser razoável também aceitar isso no que diz respeito a princípios. Entre regras que contêm todos os casos de aplicação em todos os universos possíveis e princípios que contêm todos os contraexemplos em todos os universos possíveis existe, no que diz respeito à possibilidade de enumeração, quando muito uma diferença de grau. A tese da separação rigorosa deveria ser então abandonada. Se essa consequência deve ser evitada, é preciso partir da variante da tese tudo ou nada que se apoia nas exceções conhecidas (ALEXY, 1945, p. 134).

            Tomando por base os dizeres de Dworkin, é plenamente possível pensar em sistemas normativos que são constituídos exclusivamente por regras que não aceitam exceções, exceto aquelas que tiverem sido estatuídas, ou seja, contenham uma regra que proíba restrições a regras através de cláusulas de exceção. Nos ordenamentos jurídicos modernos, aos quais Dworkin faz alusão, não são porém sistemas normativos desse tipo. Uma análise da prática ensina isso. Soma-se a isso, o fato de, em inúmeros casos, não se poder ter certeza de que mais uma nova exceção deve ser estatuída pode ser explicado através da relação entre regras e princípios. O próprio Dworkin explica que, com base em um princípio, toda regra pode tornar-se inaplicável em circunstâncias especiais. Com isso, resta clarividente que exatamente a existência dos princípios afasta a hipótese do caráter tudo ou nada como critério de distinção entre regras e princípios (ALEXY, 1945, p. 134).

           E continua Alexy ao tecer a afirmação de que:

Se a inaplicabilidade de uma regra com base em um princípio não significa que ela se torna simplesmente inválida, então isso significa que, com base no princípio, uma cláusula de exceção à

regra é estatuída. Se se aceita que os contraexemplos a princípios não são enumeráveis, então deve também se aceitar que os casos de sua aplicação não são enumeráveis. Se os casos da aplicação de princípios não são enumeráveis e se a aplicação de princípios pode conduzir a exceções a regras, então, em virtude disso, não podem as exceções a regras ser enumeráveis. Se princípios não são aplicáveis em um modo tudo ou nada, em virtude disso as regras também não são. Com certeza há procedimentos simples para salvar o caráter tudo ou nada das regras. Em vez de tentar completar as regras através da inclusão, em suas formulações, de pressupostos de exceção completos, o que, como demonstrado, sob condições aceitáveis não é possível, pode-se tentar alcançar esse objetivo através da inserção de cláusulas gerais de reserva. Assim é possível facilmente acrescentar às características conhecidas do antecedente de uma regra cláusulas como “e se, não em conformidade com um princípio, outra coisa for juridicamente comandada” ou “e se, não a partir de razões jurídicas observadas, coisas diferentes exigem”. A regra se transforma imediatamente em um fenômeno tudo ou nada. Quando as características conhecidas se apresentam e quando nenhum princípio comanda algo diferente, ou quando nenhuma razão jurídica observada exige algo diferente, resulta então necessariamente a consequência jurídica (ALEXY, 1945, p. 134-135).

            Ocorre, porém, que essa tentativa de salvamento apresenta desvantagens. A menor destas desvantagens consiste em que a verificação do cumprimento da cláusula se iguala à verificação da aplicabilidade de um princípio.  Com base nisso, as regras com cláusulas gerais de reserva têm, na verdade, a mesma função que regras se cláusulas e princípios possuem. No caso das regras com cláusulas gerais de reserva, o caráter tudo ou nada consegue ser claramente efetivo quando as questões realmente decisivas são respondidas. No contexto da tese tudo ou nada esse é, porém geralmente o caso. A tese diz respeito pura e simplesmente ao fato de que quando os pressupostos de uma regra são preenchidos, independentemente do modo como eles foram concebidos em seus pormenores, a consequência jurídica deve ser realizada (ALEXY, 1945, p. 135).

            Mercê de tais considerações e consubstanciado na crítica, afirma Alexy (1945, p. 135), que, as regras com que contenham cláusulas gerais de reserva, constituem simplesmente um caso extremo em que a fraqueza técnica da tese tudo ou nada se mostra de forma muito clara. Elas se parecem com regras que contêm expressões como “razoável”, “justa”, “contra os costumes”, “reprovável” e outras, como a regra do parágrafo 1º da lei de proteção aos animais (ninguém pode, sem motivos razoáveis, causar dor, sofrimento ou dano a um animal). Entretanto, também no caso de normas que não contêm expressões desse tipo, pode se mostrar, com toda clareza, a fraqueza técnica da tese tudo ou nada. Assim, sem sombra de dúvidas nos casos de vagueza da justificação de uma afirmação interpretativa, frequentemente são necessários argumentos que mal podem ser diferenciados dos argumentos que é preciso apresentar para o cumprimento de cláusulas gerais de reserva.

            Se de um lado mostra-se lógico e coerente o pensamento de Dworkin, do outro, resta irretocável a sabedoria de Alexy, o que não nos é dada a possibilidade de acreditarmos que seu raciocínio desconstitui a tese esposada por Dworkin, no entanto, forçoso concluir que o caráter tudo ou nada consegue ser efetivo apenas quando a interpretação é conhecida. Assim, a primeira desvantagem não é, antes de mais nada, algo provocado através da inserção de cláusulas de reserva, mas simplesmente uma consequência particularmente acentuada da formulação tecnicamente fraca da tese tudo ou nada (ALEXY, 1945, p. 135).

           Salienta ainda Alexy[23] que:

(...) A verdadeira desvantagem da inclusão de cláusulas gerais de reserva consiste nas consequências que dela resultam. Se regras com cláusulas como “e se, não em conformidade com um princípio, outra coisa for juridicamente comandada” podem ser estabelecidas, o correspondente é possível em relação a princípios. Mas se princípios com uma condição como “se nenhum outro princípio, com resultado contraditório, tiver precedência” são estabelecidos, então também os princípios são aplicáveis de um modo tudo ou nada. Se, em um caso concreto, verifica-se que nenhum princípio com resultado contraditório tem precedência sobre um respectivo princípio, então a decisão decorre necessariamente deste princípio (ALEXY, 1945, p. 135).

            De fato, como muito bem afirma Alexy[24], a maior desvantagem que se pode ter com a inclusão destas cláusulas gerais são as consequências que delas advierem. Lado outro, conclui-se que quando se abdica destas cláusulas de reserva, tanto as regras, quanto os princípios não são questão de tudo ou nada, mas se noutro giro elas são empregadas, tanto as regras, quanto os princípios estão sujeitos ao caráter tudo ou nada (ALEXY, 1945, p. 135).

            Fecha-se aparentemente o problema ao notarmos que o mero caráter tudo ou nada isoladamente não constitui assim, independentemente do que se decida, um critério de distinção entre regras e princípios.

2.3 A colisão das regras em Alexy

            Acerca da irremediável colisão entre regras, torna-se possível que muitas contradições entre regras sem cláusulas eliminam-se através da inserção de exceções. Pois, se é proibido abandonar a sala antes de a campainha soar e obrigatório abandoná-la quando há um alarme de incêndio, é fácil reconhecer esta como exceção àquela. Raz entende que tais constelações, ele se refere à relação entre a prescrição de legítima defesa e as prescrições penais especiais, assemelham-se, em princípio, a colisões de princípios. Existiria apenas a diferença de que em conflitos de regras a relação de prioridade valeria para todos os casos, enquanto no caso de princípios ela poderia se modificar caso a caso (ALEXY, 1945, p. 136).

           Com esse entendimento, o raciocínio aponta para a ideia de que:

Isso fundamenta uma diferença em princípio do procedimento de colisão. O fato de uma regra sempre prevalecer sobre outra em determinados casos, sem com isso retirar desta seu vigor, significa que ela estatui uma exceção. Pelo menos a partir do momento em que é certo que uma das regras justifica uma exceção à outra, não se pode mais falar em um conflito entre as regras. O conflito é eliminado de vez, do mesmo modo quando se elimina do ordenamento jurídico uma entre duas regras contraditórias. Com os princípios ocorre de forma diferente. Em outro caso pode ser válida uma outra relação de prioridade.  Quando porém a eliminação de uma contradição através da inserção de uma exceção não é possível, pelo menos uma das regras deve ser inválida. A possibilidade de manter ambas as regras como partes efetivas do ordenamento jurídico e decidir, em um caso concreto, de acordo com o peso, está excluída. Um juiz não pode considerar simultaneamente válidas e nem pode simultaneamente aplicar duas regras cujas hipóteses de incidência ocorrem em um caso, regras essas que possuem consequências jurídicas contraditórias. O fato de uma regra ser válida e aplicável a um caso significa que sua consequência vale. Se ambas as regras devessem ser simultaneamente consideradas

válidas e aplicáveis, deveriam então ser proferidos, em um decisão, dois juízos concretos de dever ser jurídico que se contradizem. Essa possibilidade, do modo específico como fundamentada, deve ser excluída. Por isso o teorema da colisão de Dworkin é verdadeiro para regras sem cláusulas de reserva (ALEXY, 1945, p. 136).

            Existem também casos em que as cláusulas não chegam a ser relevantes, e assim os princípios não determinam outra solução além daquela de que as regras contraditórias sem cláusulas prescrevem. Tais casos acontecem sempre que os princípios que apoiam as regras que se chocam possuírem o mesmo peso. Entretanto, também poderá ocorrer quando o peso dos princípios que apoiam as regras se diferenciam e especialmente quando os motivos a favor de uma regra são somente um pouco mais fortes que os motivos a favor da outra, pois somente isso ainda não significa que as cláusulas foram cumpridas (ALEXY, 1945, p. 137).

           Ao expor seu pensamento, Alexy é enfático ao esclarecer a necessidade de se resolver o conflito entre regras sem cláusulas, admitindo que a colisão seria resolvida a partir da inserção de exceções, e que desse modo, a aplicação da exceção não necessariamente tiraria a validade da regra principal.

2.4 O teorema da colisão e a terceira forma de reconstrução de regras         

            No que concerne ao segundo critério de distinção, o teorema da colisão, é conveniente não perder de vista a possibilidade de reconstruir regras e princípios com ou sem cláusulas de reserva. Estas cláusulas de reserva constituem um instrumental analítico que permite representar propriedades significativas das regras e dos princípios no plano de suas formulações, e dessa maneira discuti-los de forma mais precisa. O emprego das sobreditas cláusulas apresenta ainda, a vantagem de poder abranger diferenças que se baseiam simplesmente no modo de representação das regras e dos princípios enquanto tais (ALEXY, 1945, p. 136).

            Feito este introito, insta destacar que além da reconstrução de regras sem cláusulas de reserva e da reconstrução com cláusulas de reserva relacionadas a princípios, é possível se pensar em uma terceira forma de reconstrução. Assim as cláusulas poderiam se relacionar a regras em vez de princípios, tendo, portanto como conteúdo algo como “e se, não em conformidade com uma outra regra, outra coisa for comandada”. Aqui não se alude porém ao teorema da colisão. Uma tal cláusula de reserva simples relacionada a regras leva simplesmente ao fato de que cada uma das regras contraditórias entre si qualifica a outra como sendo aplicável. Sobremaneira a contradição não é com isso eliminada, outrossim, cláusulas qualificadas relacionadas a regras não oferecem uma alternativa (ALEXY, 1945, p. 137).

           Sob essa argumentação, Alexy[25] considera que:

(...) Tais cláusulas podem ser absolutas ou relativas ao caso. Quando são absolutas, possuindo um conteúdo como “e se, não através de uma regra contrária a essa regra mais importante em todos os casos, outra coisa for comandada”, com a distinção de uma regra como mais importante em todos os casos, será a outra regra declarada inválida, ou será estatuída uma exceção a ela. A contradição, no sentido do teorema da colisão, está eliminada. Se elas são relativas, possuindo como conteúdo algo como “e se não através de uma regra contrária a essa regra mais importante no caso concreto, outra coisa for comandada”, então significam essas duas regras juntas nada mais que uma regra que, desse modo, coloca à disposição duas consequências jurídicas que seexcluem mutuamente, que devem ser escolhidas em casos isolados, de acordo com a importância. Um exemplo de uma tal regra seria algo como a regra “quando chover deve-se fechar ou abrir a janela, dependendo do que for mais importante”. Mas assim não há mais uma colisão, mas sim uma nova regra. Essa regra pode colidir com outras regras, no sentido do teorema da colisão. Com certeza poderia se achar que a escolha que é necessária de acordo com essa nova regra corresponde à ponderação entre dois princípios (ALEXY, 1945, p. 137).

            Por fim, é preciso assinalar que o teorema da colisão é válido para regras. Na verdade, quando se emprega cláusulas relacionadas a princípios, inúmeras colisões desaparecem. No entanto, existem casos que devem ser resolvidos no sentido do teorema, de modo que ele permaneça aplicável (ALEXY, 1945, p. 137).

            Nessa perspectiva, percebe-se então que toda reconstrução sempre significa que, ou ocorre uma contradição que deve ser solucionada de acordo com o teorema, ou, que um conflito de tal tipo não mais existe.

2.5 A colisão de princípios em Alexy

       

            Robert Alexy em sua obra denominada “Teoria Discursiva do Direito”, examina que contra a validade do teorema da colisão no âmbito dos princípios, ou seja, como aplicar, em caso de colisão de princípios, o princípio que tem o maior peso no caso concreto, sem que isso signifique que o princípio que cedeu seja inválido, pode-se, em primeiro lugar, facilmente argumentar com base em exemplos (ALEXY, 1945, p. 138).

            Utilizando-se de exemplos, sendo o primeiro deles proposto pelo próprio Dworkin, Alexy[26] busca demonstrar a colisão de princípios e sua formas de solução.

           Colha-se a exemplificação exarada por Alexy[27]:

Um exemplo adequado como objeto de demonstração, devido a seu caráter extremo, fornece o próprio Dworkin, através de um “princípio abstrato de igualdade”, que ele formula como princípio não efetivo do direito de responsabilidade e que também ao mesmo tempo se relaciona ao direito das obrigações. Esse princípio determina que em caso de interrupção de serviços o mais rico deve suportar os danos. Que um tal princípio colida com os princípios do direito das obrigações, independentemente do modo como eles são formulados isoladamente, não precisa ser mencionado. O que é importante é somente que essa colisão é uma colisão diferente daquela colisão entre o princípio da auto-organização ou da auto-obrigação e o princípio da confiança, que deve ser superada no âmbito dos negócios jurídicos. O teorema da colisão é verdadeiro em relação a este último. Ambos devem ser considerados. No primeiro caso é diferente. Os princípios do direito das obrigações excluem o princípio da responsabilidade do mais rico. Do modo como eles se constituem, podem apenas eles ou esse princípio valer. Com isso, a colisão deve ser resolvida como uma contradição entre regras. Assim, há colisões entre princípios que devem ser tratadas como contradições entre regras. (ALEXY, 1945, p. 138).

           E continua ao pontuar que:

Contra isso não se pode objetar que a prescrição da responsabilidade do mais rico não seria um princípio, mas sim uma regra que contradiz as regras do direito das obrigações, não constituindo, assim, uma colisão de princípios. Essa prescrição constitui uma contraparte aos princípios do direito das obrigações e poderia teoricamente interagir com eles. Porém, outra objeção é possível. Nela, o conceito de pertinência ao ordenamento jurídico tem um papel especial. Podem ser distinguidas formulações diversas desse conceito. Para fins da argumentação aqui exposta deverá ser empregado um conceito bastante amplo de pertinência, sem que com isso se afirme que essa variante é adequada para todos os fins. De acordo com isso, um princípio pertenceria já então ao ordenamento jurídico quando existir pelo menos um caso em seu âmbito em que exista justificadamente uma razão para a decisão. A objeção começa com uma concessão.  (ALEXY, 1945, p. 138).

            Na verdade há casos nos quais, que, entre dois princípios, apenas um pode pertencer ao ordenamento jurídico e, nesse sentido, pode valer. Colisões desse tipo, em que se trataria da pertinência ao ordenamento jurídico, devem ser diferenciadas de colisões entre princípios cuja pertinência ao ordenamento jurídico estaria fora de questão, por óbvio. Para estas vale o teorema da colisão (ALEXY, 1945, p. 138)    

            O que é interessante nessa objeção segundo Alexy[28], é que ocorre uma significativa modificação do problema. Enquanto até então parecia que as colisões entre princípios seriam equivalentes em geral a contradições entre regras, apresentam-se as colisões entre princípios, de agora em diante, em outro plano categorial.

            Tanto no caso das regras, quanto no caso dos princípios, pode-se, no caso de uma contradição, tratar de qual regra ou qual princípio pertence ao ordenamento jurídico. Além disso, no caso de princípios cuja pertinência ao ordenamento jurídico é certa, pode ainda se tratar de qual deles, em casos isolados, convém da prioridade (ALEXY, 1945, p. 138).    

            Sendo assim, essa objeção deve ser aceita e entendida como uma  verdadeira restrição do âmbito de validade do teorema em apreço.

2.6 Abrangência de aplicação do teorema da colisão

            Segundo Alexy (1945, p. 139), novamente pode-se facilmente encontrar exemplos que também não são abrangidos pelo teorema da colisão restrito. Tal teorema nunca é aplicável a todos os princípios absolutos. Estes princípios absolutos são aqueles os quais não se pode dizer que, em virtude de seu menor peso em um caso concreto, eles devam ceder a outros princípios. Se, como faz Dworkin, concebem-se as prescrições da Constituição como prescrições que possam mostrar o comportamento lógico de princípios.

            Menciona-se a titulo de exemplo, o artigo 1º, parágrafo 1º, proposição 1 (um) da Lei Fundamental: “a dignidade do ser humano é inviolável”.  Aqui, o caráter absoluto de tais princípios é, com certeza, em grande medida uma questão técnica. Na verdade nenhum tribunal pode, por exemplo, dizer, em um caso concreto, que a proteção da existência do estado teria prioridade sobre a proteção à dignidade humana, justificando assim uma violação à dignidade humana.

           A propósito:

Na interpretação do conceito de inviolabilidade da dignidade humana são necessários porém argumentos que não se distinguem estruturalmente daqueles argumentos que devem ser expostos na fundamentação de uma relação de precedência entre princípios. Nesse sentido, é típica a seguinte determinação do Tribunal Constitucional Federal na decisão sobre a escuta: “no que diz respeito ao denominado princípio da inviolabilidade da dignidade humana, do artigo 1º da Lei Fundamental [...], tudo depende assim da fixação de quais as circunstâncias em que a dignidade humana pode ser violada. Evidentemente não se pode fazer afirmativas gerais sobre essa violação, mas sempre somente considerando o caso concreto.” Isso não pode significar que se deve decidir caso a caso, mas somente que, quando as antigas determinações específicas não são suficientes, o conteúdo do conceito de violação da dignidade humana deve, considerando cada novo caso, continuar a ser determinado mais especificamente. Isso significa, sob o ponto de vista do manejo formal da prescrição, nada mais que aquilo que ocorre quando uma expressão aberta de uma regra é determinada mais precisamente através de uma regra semântica.  Assim, o teorema da colisão não é adequado para a distinção entre princípios absolutos e regras. Ele deve portanto ser mais uma vez restringido (ALEXY, 1945, p. 139).    

            Malgrado a relevância do teorema da colisão, o que se vê é que sua aplicação não abarcará a sobrepujança em relação a determinados princípios, eis que como já estudado, quando a estivermos diante de determinado princípio ainda que de peso menor, mas que pelo seu caráter mostra-se absoluto, este não se sujeitará aos predicados do referido teorema.

2.7 Uma questão de ponderação dos Princípios

            

            Há alguns passos a serem seguidos para se fazer a ponderação. Justamente por isso que entendemos a teoria de Alexy como procedimental. A uma porque primeiro se investigam e identificam os princípios (valores, direitos, interesses) em conflito, e quanto mais elementos forem trazidos mais correto poderá ser o resultado final da ponderação. A duas, pois, atribui-se o peso ou importância que lhes corresponda, conforme as circunstâncias do caso concreto; e por fim, decide-se sobre a prevalência de um deles sobre o outro, ou, outros (AMORIM, 2005, p. 06).

            Santiago[29] (apud, AMORIM, 2005, p. 06), entende que o resultado da ponderação é a decisão em si, a solução corretamente argumentada conforme o critério de que, quanto maior seja o grau de prejuízo do princípio que há de retroceder, maior há de ser a importância do cumprimento do princípio que prevalece.

Devemos sempre lembrar, antes de iniciar qualquer ponderação, que nenhum princípio deve ser inválido e nenhum tem precedência absoluta sobre o outro. Mas pode ser formulada uma regra de procedência geral ou básica quando se determina em quais circunstâncias especiais um princípio deve ceder ao outro; é uma cláusula ceteris paribus que permite estabelecer exceções (AMORIM, 2005, p. 06).

            Alexy [30] promove a seguinte indagação acerca do teorema da colisão: Há de se perguntar se, pelo menos com essas duas restrições, ele pode ser sustentado? .

           A resposta é objetiva, não obstante exemplificativa no sentido de que:

Esse é o caso quando se reconstroem princípios sem cláusulas de reserva. Se, ao contrário, empregam-se cláusulas, as colisões podem ser excluídas. Isso se mostra claramente com base na ponderação de bens do Tribunal Constitucional Federal. Na decisão do caso Lebach, tratava-se de se saber se um documentário sobre um delito criminal grave, no qual o nome e a foto dos envolvidos são mostrados, fere os direitos de um dos participantes, se o documentário é transmitido pela televisão pouco tempoantes de sua soltura da prisão. O Tribunal Constitucional Federal respondeu a essa questão na forma de uma ponderação “entre a proteção da personalidade, garantida no artigo 2º, parágrafo 1º, em conexão com o artigo 1º, parágrafo 1º da Lei Fundamental e a liberdade de informar através de radiodifusão, prevista no artigo 5º, parágrafo 1º, proposição 2 da Lei Fundamental.” Considere-se a primeira N1 e a segunda N2. Se houvesse apenas N1 a transmissão seria proibida; se houvesse apenas N2 ela seria permitida. Consideradas isoladamente, N1 e N2 conduzem assim a uma contradição. Típico do caráter lógico de normas de direito fundamental é que a corte constitucional não fala de uma contradição, mas sim de uma situação de tensão. Se N1 ou N2 “merece a precedência” deve ser “averiguado através da ponderação de bens no caso concreto”. O procedimento da corte corresponde assim exatamente ao teorema da colisão de Dworkin (ALEXY, 1945, p. 139-140).  

            Noutro giro, bem possível porém se mostra uma outra reconstrução, a saber, a caracterização da colisão como uma situação de tensão significa que a proibição não pode ser deduzida sem problemas a partir de N1 e também que a permissão não pode ser deduzida sem problemas a partir de N2. Assim N1 implica a primeira e N2 implica a segunda somente sob o pressuposto de que a partir de considerações referentes a uma prescrição contrária, respectivamente aqui N2 e N1, nada diferente resulta. Se isso for compreendido como uma cláusula de reserva na formulação da prescrição, a colisão notoriamente desaparece (ALEXY, 1945, p. 140).

            Nesse modo de reconstrução, Alexy (1945, p. 140) sugere imediatamente a objeção de que isso não muda essencialmente nada. Segundo ele não faria diferença alguma uma situação de ponderação ser reconstruída de modo que a ponderação ocorresse entre duas prescrições ou então que exatamente essa ponderação ocorra por causa de uma das prescrições. Essa objeção é em certa medida correta. Entretanto, ela tem que se ocupar do fato de que não só entre princípios, mas também entre regras, colisões de cláusulas de reserva relacionadas a princípios podem ser suficientemente eliminadas.

            Tendo em vista que a reconstrução de cláusulas não é nada mais que a representação de qualidades que não são expressas nas formulações sem cláusulas, é preciso então, se o teorema da colisão duplamente restrito deve servir para a distinção, que haja uma diferença entre princípios e cláusulas relacionadas a princípios em regras, que, além disso, encontram-se tanto nas regras quanto nos princípios (ALEXY, 1945, p. 140).

            Determina-se, portanto, que a ponderação em Alexy requer a necessidade de investigação no sentido se identificar quais princípios restam violados, com base nisso verificar a importância de cada um deles e por fim, decidir qual princípio deve ser aplicado.

3      CONCLUSÃO

             Ante todo o arrazoado aqui expendido, podemos concluir que a súmula impeditiva de recurso de apelação possui respaldo na necessidade de uma rápida prestação jurisdicional, consubstanciada na sua gênese e carga principiológica que denota importante conjugação.

           Cabe aos operadores do Direito analisarem a súmula impeditiva de recurso como um meio de efetivação dos princípios processuais constitucionais aqui já debatidos

             Desse modo, temos que tomar por relevantes os ensinamentos de Dworkin quando o mesmo apresenta a possibilidade de integridade do Direito pela via de um princípio, o qual atribuiu o nome de o princípio da integridade.

            O que almejava-se  era poder promover a conexão de princípios aos direitos dos cidadãos em determinada sociedade. Atuava então o magistrado no âmbito de reconhecer esses direitos. 

            Essa pretensa integridade pretende dar a melhor resposta possível e ao mesmo passo impor limites ao ativismo judicial, isso decorre do fato de o magistrado estar adstrito às dimensões do ajuste e adequação na escolha do princípio aplicável.

            Para alcançar essa integridade, foi criada a figura mítica de um jurista que tudo sabe. Incumbe a Hércules, argumentar com base em princípios e promover uma aguçada interpretação com o fim de escolher a melhor decisão aplicável ao caso.

            Importante concluir que, inegavelmente, a distinção proposta por Alexy entre princípios e regras e de certa forma atacando a teoria de Dworkin, está por demais consagrada no campo jurídico, perfazendo mais uma forma de se interpretar o ordenamento jurídico sob outro enfoque, mas com as mesmas inquietudes.

4  LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO

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[1] Revista âmbito jurídico – Súmula Impeditiva de Apelação: breves considerações. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/pdfsGerados/artigos/10868.pdf  > Acesso em: 23                 de maio de 2015.

[2]  SÚMULA, op. cit., p. 02

[3] DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. 9. ed. Cambridge: Harvard University Press, 2002.

[4] O raciocínio jurídico entre princípios e regras - Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242932/000936212.pdf?sequence=3> acesso em 26/10/15

[5] REGRAS, PRINCÍPIOS E POLÍTICASPÚBLICAS EM RONALD DWORKIN: A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DAS DECISÕES JURÍDICAS: Disponível em:                <http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/article/view/4756/3658> Acesso em 28/10/15.

[6] Tema a ser estudado a seguir.

[7] COSTA, Carlos Henrique Generoso, A Interpretação em Ronald Dworkin – Revista CEJ, Brasília, Ano XV, n, p. 55, p. 93-104, out./dez. 2011. Disponível em:          <https://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1504/1527> Acesso em 28/10/15.

[8] DWORKIN, Ronald - O Império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

[9] Op Cit, p. 101.

[10] DWORKIN, Ronald - Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

[11] DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978.

[12] Op Cit.

[13] Op Cit.

[14] Op Cit.

[15] Op Cit, 2003.

[16] Op Cit.

[17] Op Cit.

[18] Op Cit.

[19] Op Cit.

[20] Op Cit.

   [21] GUEDES, Néviton - A importância de Dworkin para a teoria dos princípios, 2012, artigo publicado na revista Conjur. Disponível em: <     http://www.conjur.com.br/2012-nov-05/constituicao-poder-ronald-dworkin-teoria-principios > Acesso em 01/10/2015.

[22] Op Cit.

[23] Alexy, Robert, 1945- Teoria discursiva do direito / Robert Alexy; organização, tradução e estudo introdutório Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,                2014.

[24] Op Cit.

[25] Op Cit.

[26] Op Cit.

[27] Op Cit.

[28] Op Cit. 1945, p.138.

[29] SANTIAGO, José Maria Rodríguez de. La ponderación de bienes e intereses den el derecho administrativo. Madrid: Marcial Pons, 2000.

[30] Op Cit.

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