I - INTRODUÇÃO
É comum pessoas carentes, ao procurarem as redes hospitalares públicas junto aos municípios em busca da obtenção de medicamentos gratuitos para o tratamento de doenças a que são acometidas, verem suas pretensões negadas pelos hospitais, sob a justificativa da ausência, em estoque, dos medicamentos requeridos, bem como a falta de verba para a aquisição deles.
Nestes casos, indaga-se quem seriam os legitimados passivos, vale dizer, os possíveis responsáveis pela situação em comento.
Clara está a legitimação passiva dos Municípios, que tem o a obrigação de prestar serviços de atendimento à saúde da população através de suas redes hospitalares e outros centros de atendimento. Tal dever decorre do comando contido no artigo 30, VII, da Constituição Federal, que dispõe competir aos Municípios "prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população."
De fato, o direito à saúde da população local deve ser protegido diretamente pelo ente federado mais próximo a ela, qual seja, o Município. Entretanto, cumpre indagar se é tal pessoa política de direito público a única responsável pelo fornecimento de medicamentos aos indivíduos, e, em última análise, pela saúde da população.
Quanto ao Estado, percebe-se que prevalece, também, o entendimento favorável à sua responsabilidade, o que pode ser ilustrado pela decisão da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, proferida em sede de agravo de instrumento, no processo de número 2001.04010062158:
ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO SOCIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA.
Município e Estado são integralmente responsáveis pelo fornecimento
de remédios aos doentes mentais carentes, razão porque estão
passivamente legitimados "ad causam", não podendo ser excluídos da lide.
(Data da decisão: 16/08/2001 Documento: TRF400081820)
A legitimidade passiva da União Federal para figurar em ações relativas à obrigação de fazer, em especial, de fornecer gratuitamente os medicamentos necessários ao tratamento dos carentes é questão controversa, havendo divergências jurisprudenciais no que tange à sua inclusão ou não ao pólo passivo das referidas demandas.
Tal questão é de suma relevância prática, tanto no que concerne à responsabilidade da União Federal perante os indivíduos necessitados de medicamentos, quanto no que diz respeito à definição da justiça competente, qual seja, a Estadual ou a Federal.
II – DOS ARGUMENTOS PELA ILEGITIMIDADE DA UNIÃO
A defesa trazida pela União nas referidas ações apoia-se na sua ilegitimidade ativa, ao argumento de não caber a ela a realização de atos individualizados, mas tão-somente atribuições gerais, razão pela qual a causa de pedir das referidas ações, por envolverem a efetiva execução dos serviços públicos de saúde, não poderia ser demandada à União. Para tanto, defende-se com fincas na Lei nº 8.080 de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Em seu artigo 16, tal norma determina a competência da direção nacional do Sistema Único de Saúde:
Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete:
I - formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição;
II - participar na formulação e na implementação das políticas:
a) de controle das agressões ao meio ambiente;
b) de saneamento básico; e
c) relativas às condições e aos ambientes de trabalho;
III - definir e coordenar os sistemas:
a) de redes integradas de assistência de alta complexidade;
b) de rede de laboratórios de saúde pública;
c) de vigilância epidemiológica; e
d) vigilância sanitária;
IV - participar da definição de normas e mecanismos de controle, com órgão afins, de agravo sobre o meio ambiente ou dele decorrentes, que tenham repercussão na saúde humana;
V - participar da definição de normas, critérios e padrões para o controle das condições e dos ambientes de trabalho e coordenar a política de saúde do trabalhador;
VI - coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica;
VII - estabelecer normas e executar a vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras, podendo a execução ser complementada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios;
VIII - estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade sanitária de produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano;
IX - promover articulação com os órgãos educacionais e de fiscalização do exercício profissional, bem como com entidades representativas de formação de recursos humanos na área de saúde;
X - formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional e produção de insumos e equipamentos para a saúde, em articulação com os demais órgãos governamentais;
XI - identificar os serviços estaduais e municipais de referência nacional para o estabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde;
XII - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
XIII - prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional;
XIV - elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e os serviços privados contratados de assistência à saúde;
XV - promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal;
XVI - normatizar e coordenar nacionalmente o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados;
XVII - acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais;
XVIII - elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal;
XIX - estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e financeira do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal.
Parágrafo único. A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional.
Com base nestas disposições, argumenta-se que à União caberiam apenas atribuições gerais, de formulação de políticas, estabelecimento de normas, coordenação de sistemas, enfim, todas genéricas, sendo-lhe estranha a efetiva execução dos serviços de saúde.
Afirma-se ainda que o artigo 198 da Carta Magna preconiza a descentralização do sistema, sendo, pois, delimitadas as competências nas esferas do governo. Assim, em razão da descentralização constitucional das funções de cada esfera de governo, caberia à União tão somente a normatização das ações e a política de saúde em nível nacional, competindo aos Municípios a realização dos exames, fornecimento de medicamentos e demais providências diretas.
Alega-se, por fim, que a responsabilização da União comprometeria a execução orçamentária de todo o sistema, não sendo possível economicamente que ela atenda a milhares de pacientes cadastrados e atendidos pelos hospitais e postos de saúde da rede pública e conveniada.
Tais argumentos, data venia, não merecem prosperar, eis que se apóiam em razões de cunho meramente político, além de não condizerem com aquilo determinado pelo ordenamento jurídico.
Entretanto, há decisões no sentido de excluir a União do pólo passivo das referidas ações. A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, em agravo de instrumento contra liminar proferida em cautelar inominada, decidiu pela sua ilegitimidade, conforme se extrai da ementa dos autos do processo de número 9602123893:
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - LIMINAR PROFERIDA EM CAUTELAR INOMINADA DETERMINANDO QUE A UNIÃO FEDERAL, SOLIDARIAMENTE COM A CLÍNICA SÃO VICENTE, FORNEÇA MEDICAMENTOS NECESSÁRIOS AO TRATAMENTO DA HEPATITE DO TIPO C CONTRAÍDA, SEGUNDO ALEGA O AGRAVADO, POR CONTAMINAÇÃO DE SANGUE USADO EM TRANSFUSÃO.
I - INEXISTE RESPONSABILIDADE DA UNIÃO FEDERAL, POIS A TRANSFUSÃO DE SANGUE, A QUE FOI SUBMETIDO O AGRAVADO, NÃO FOI EFETIVADA EM HOSPITAL DA REDE PÚBLICA FEDERAL.
II - AUSENTE O REQUISITO DO NEXO CAUSAL ENTRE A AÇÃO ESTATAL E O CONTRAIMENTO DO VÍRUS DA HEPATITE TIPO C.
III - AGRAVO PROVIDO. (Data da decisão: 09/04/1997)
III – DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO, EM SOLIDARIEDADE COM OS ESTADOS E MUNICÍPIOS.
A União é parte legítima para figurar no pólo passivo dessas demandas, conforme se passará a demonstrar.
Ab initio, mister se faz esclarecer o conceito de legitimidade, e, em especial, legitimidade passiva. Afirma Luiz Rodrigues Wambier:
" para que se compreenda a legitimidade das parte, é preciso estabelecer-se um vínculo entre o autor da ação, a pretensão trazida a juízo e o réu. (...) Assim, como regra geral, é parte legítima para exercer o direito de ação aquele que se afirma titular de determinado direito que precisa da tutela jurisdicional, ao passo que será parte legítima, para figurar no pólo passivo, aquele a quem caiba observância do dever correlato àquele hipotético direito." (1)
Temos, pois, que legitimado passivo é aquele que, acaso julgada procedente a ação, sofrerá o ônus dela decorrente, ônus este apto a propiciar e fornecer os meios à efetiva realização do direito do autor, legitimado ativo.
A União, os Estados e o Município são responsáveis solidários pela saúde junto ao indivíduo, sendo, pois, legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelos hospitais, sejam municipais ou federais, do fornecimento de medicamentos aos necessitados.
III.I. O CONCEITO JURÍDICO DE COMPETÊNCIA
Primeiramente, para que se rebata os argumentos contrários à inclusão da União no pólo passivo, é necessário que se estabeleça a definição do que seja competência, bem como a diferença entre competência legislativa e competência administrativa dos Entes Federados.
Na definição de José Afonso da Silva, competência é a
"faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções" (2)
A Constituição Federal estabelece as matérias próprias de cada ente, valendo-se, para a distribuição de competências, do princípio da predominância do interesse. Consoante tal diretriz, a União rege-se pelo interesse geral e os Estados-membros pelo interesse regional, enquanto aos Municípios concernem assuntos de interesse local.
Interesse local, segundo Alexandre de morais, refere-se "àqueles interesses que dizem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)..." (3)
A utilização do princípio da predominância do interesse possui especial relevância no que tange à competência legislativa, em que cada Ente Federado irá proceder à elaboração de normas, válidas e eficazes para seus respectivos territórios, valendo-se, assim, dos interesses neles predominantemente envolvidos. A competência legislativa é efetivada através das respectivas casas legislativas de cada ente, a saber, Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais.
Conforme leciona Alexandre de Morais, o artigo 24 da Constituição Federal,, que se refere à competência legislativa, "... prevê as regras de competência concorrente entre a União, os Estados e Distrito Federal, estabelecendo quais as matérias que deverão ser regulamentadas de forma geral por aquela e específica por estes." (4)
Deflui-se que, de fato, a competência legislativa da União é direcionada somente às normas gerais, enquanto a competência dos Estados e Municípios referem-se às normas específicas e particularizantes daquelas editadas pela União, adaptando seus princípios e diretrizes de acordo com as peculiaridades regionais e locais.
Nesta linha de idéias, pode-se afirmar que a competência legislativa atribuída pelo artigo 24, XII, relativa à previdência social, proteção e defesa da saúde refere-se à elaboração de normas jurídicas concernentes a tais matérias, pelo que competirá à União uma regulamentação de forma geral, enquanto os Estados e Municípios normatizarão de forma particularizante.
Por sua vez, a competência administrativa relaciona-se não à elaboração de leis, mas à prática e execução das determinações normativas e dos serviços públicos, realizados pela pessoa pública política, titular do direito delegado pela Constituição Federal.
Tal competência pode ser exclusiva de cada ente ou comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em sendo comum, compete aos quatro Entes a promoção de ações conjuntas, devendo haver cooperação entre eles. A competência administrativa comum é prevista no artigo 23 da Constituição Federal e tem por objetivo a proteção de forma ampla dos interesses elencados neste dispositivo, tendo em vista, ainda, o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
O artigo em cometo dispõe, em inciso II:
" Art. 23. É competência comum da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios:
I – (...)
II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
(...)"
Leciona Alexandre de Moraes que
"O texto constitucional enumera as matérias nas quais existe a coincidência entre interesses geral, regional e local, disciplinando, ainda, que a lei complementar federal fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e bem-estar em âmbito nacional." (5)
Portanto, a saúde é competência administrativa comum das três esferas de poder, não havendo que se falar em responsabilidade da União restrita à elaboração de normas gerais. A competência administrativa, em que os interesses gerais e locais se coincidem, atribui aos três entes federados o poder-dever de realizar ações efetivas, e não de elaborar e regulamentar de normas.
III. II – DO ARTIGO 30, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Dispõe o artigo 30, VII, da Carta Magna:
" Art. 30. Compete aos Municípios:
(...)
VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população.
(...)"
A responsabilidade da União e dos Estados não pode ser elidida pela supracitada competência administrativa atribuída aos municípios.
A uma, porque o próprio artigo em comento refere-se à cooperação técnica e financeira da União e do Estado, incluindo os demais Entes na responsabilidade pela saúde.
A duas, porquanto outros dispositivos constitucionais incluem expressamente a União, os Estados e o Distrito Federal como responsáveis pela saúde pública. Além do artigo 23, II, da Constituição Federal (anteriormente citado) que estabelece o poder – e conseqüentemente a responsabilidade - comum dos Entes Federados, a Carta Magna dedica mais quatro artigos (196 a 200) relativos à saúde. Cumpre analisarmos alguns deles, abaixo transcritos:
"Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1.º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§ 2.º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3.º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4.º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho
Percebe-se, pois, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, sendo sua execução feita diretamente ou através de terceiros. Foi estabelecido, ainda, normas relativas ao SUS – Sistema Único de Saúde. O SUS, por sua vez, é regulamentado pela Lei 8.080/90, onde também é possível extrair a responsabilidade solidária dos entes:
" Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;"
Esclareça-se que o supracitado inciso IX, do artigo 7º, que prevê a descentralização dos serviços para os Municípios em nada retira a responsabilidade dos outros entes em garantir que o serviço seja prestado com eficiência.Aliás, cumpre a tais entes o repasse de verbas aptas à garantia da execução dos serviços. Devem responder, pois, pelo descumprimento de suas obrigações.
Por outro lado, mesmo que tenham efetivado o repasse e cumprido para com seus deveres, são ainda partes legítimas, vez que a legitimidade é aferida em abstrato, não se confundindo com a procedência da ação. Se, no curso do processo, restar provado o cumprimento das obrigações do Estado e da União, comprovando-se o erro do Município, a ação será julgada improcedente com relação aos primeiros, que não perdem, por isso, a condição de partes legítimas.
Vários são os julgados no sentido da legitimidade da União, dos quais cita-se dois:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA –FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL – PRESENTES OS REQUISITOS QUE AUTORIZAM A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
I - Apesar de a Agravante expor que não lhe compete o fornecimento imediato de medicamentos, o fato de ter-lhe sido atribuído o planejamento global e financeiro do SUS por si só a legitima a figurar como ré na relação em comento, uma vez que quaisquer ações realizadas pelo Sistema Único de Saúde dependem de uma atuação coordenada dos entes públicos envolvidos na sua organização;
II - A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 23, II, ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência públicas;
III - O fumus boni iuris e o periculum in mora apresentam-se de forma inconteste no caso em tela. O primeiro encontra-se presente nos documentos acostados aos autos, bem como do fato de se basear o pedido em direito garantido na Constituição Federal de 1988 e em legislação ordinária (Lei n.º 9.313/96). O segundo se faz presente diante do notório risco de vida que a enfermidade exposta traz ao seu portador, tornando indispensável o fornecimento dos medicamentos pleiteados;
IV - Agravo de Instrumento desprovido
(TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM EXECUÇÃO CRIMINAL – 66870 Processo: 200002010602119 UF: RJ Órgão Julgador: QUARTA TURMA Data da decisão: 19/03/2002)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PARA TRATAMENTO DA AIDS - LEGITIMIDADE PASSIVA - COMINAÇÃO DE MULTA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DE TUTELA DEFERIDA EM JUÍZO
I - Em face da expressa disposição do art. 1o da Lei nº 9313/96, é incontestável a obrigação do SUS de fornecer medicamentos aos portadores do vírus HIV.
II - O art. 198 da Constituição Federal, bem como a Lei nº 8080/90, legislações que regem o SUS (Sistema Único de Saúde), consagram a competência solidária da União, dos Estados e dos Municípios.
III - Cabível a cominação de multa, nos termos do art. 461 do CPC, para garantir o efetivo cumprimento da obrigação.
IV - Recurso e remessa oficial improvidas.
(TRIBUNAL - SEGUNDA REGIÃO - APELAÇÃO CIVEL – 318279 Processo: 200151010073282 UF: RJ Órgão Julgador: SEXTA TURMA Data da decisão: 09/04/2003 Documento: TRF200092576)