A natureza jurídica do art. 28 da Lei 11.343/2006.

Discussões jurídicas acerca da penalização do usuário de drogas.

Leia nesta página:

Assunto polêmico e discutido na doutrina e jurisprudência brasileira, bem como quando consideramos o grau de complexidade dos problemas advindos do uso de tóxicos. Saber tipificar os casos concretos e fundamentá-los corretamente.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Em 23 de agosto de 2006 entrou em vigor a nova Lei de Tóxicos (Lei 11.343/06), vindo, assim, a substituir a anterior Lei 6.386/76. Embora a nova lei não seja perfeita, ela tem a finalidade de estabelecer um novo sistema, de modo que trata de forma distinta o usuário, o dependente e o traficante. Esse tema tem grande relevância para estudantes de direito em geral, por tratar de assunto tão polêmico e discutido na doutrina e jurisprudência brasileira, bem como quando consideramos o grau de complexidade dos problemas advindos do uso de tóxicos, os quais se mostravam alvo de grande preocupação social, já na primeira lei.

 

PROBLEMA

Tem-se ampla discussão na doutrina acerca da natureza jurídica do dipositivo da atual lei de drogas, que trata do uso de substâncias intorpercentes, o que repercute, a depender do conceito adotado, em uma incoerência entre o preceito normativo primário, conduta, e o secundário sanção.

 

OBJETIVO GERAL

 

Explorar e elucidar a imputabilidade do usuário de drogas no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, adquirir conhecimento relevante para o decorrer da graduação.

 

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 

  • Fazer uma análise doutrinária e jurisprudencial da natureza jurídica da conduta do usuário de drogas, contida no art. 28 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), individualizando, dessa forma, a mais adequada ao ordenamento brasileiro, sob um ponto de vista técnico e social.
  • Por meio da exploração do tópico anterior, identificar a conduta sancionatória mais adequada à atingir os fins esperados pela lei.

 

JUSTIFICATIVA

 

O escolhido tema apresenta vários posicionamentos e interpretações para decidir qual foi a natureza jurídica que o legislador contemplou ao inserir no artigo 28 da nova lei de drogas, determinadas penas para usuários dessas substancias ilícitas.

 

DESENVOLVIMENTO

 

A revogada lei Lei 6.368/76 dispunha que a posse de substancias entorpecentes é crime. Assim dispunha o art. 16 da referida lei, in verbis:

Art. 16. Adquirir, guardar, ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena – Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 30 (trinta) a 100 (cem) dias-multa. (BRASIL, 1976)

 

Em 2006 o legislador por meio da Lei 11.346 alterou essa norma de modo a tratar, no novo texto, o assunto de forma mais brandaquanto  modificou o   seu preceito secundário, deixando de estabelecer pena privativa de liberdade e multa, e adotou às penas mais educativas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida de comparecimento a programa ou curso.

Atualmente, assim dispõe o art. 28 da referida lei atual de drogas:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

§ 3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.

§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.

§ 5º A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.

§ 6º Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:

I - admoestação verbal;

II - multa.” (BRASIL, 2006)

 

As correntes de pensamento que buscam solucionar tal questão:

  • De acordo com o STF[2] o art. 28  faz  parte  do  Direito  penal  e  é  "crime"  houve  mera  despenalização,  não  se  podendo  falar  em abolitio criminis (BRASIL, 2007);
  • o art. 28 pertence ao Direito penal, mas não constitui "crime", sim, uma infração penal sui generis, houve  descriminalização  formal  e ao  mesmo  tempo despenalização, mas não abolitio criminis (GOMES; BIANCHINI, 2002);

 o  art.  28  não  pertence  ao  Direito  penal,  sim,  é  uma  infração  do  Direito  judicial sancionador,  seja  quando  a  sanção  alternativa  é  fixada  em  transação penal,  seja  quando  imposta  em  sentença  final 

 


 

[2] EMENTA:I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C.Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado.

[1] EMENTA:I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza jurídica de crime. 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência", também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L. 11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C.Penal, art. 12). 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado.

  • (no  procedimento  sumaríssimo  da  lei  dos juizados), tendo ocorrido descriminalização substancial (ou seja: abolitio criminis) (GOMES; BIANCHINI, 2002).

A primeira corrente afirma que a prática é crime por fazer parte do Código Penal e o que houve foi uma despenalização, ou seja a não adoção da pena privativa de liberdade.A segunda corrente afirma que mesmo estando dentro do Direito Penal não constitui crime e sim uma infração penal sui generis,o que houve foi uma descriminalização formal (acabou o caráter criminoso do fato e por  já não  ser punido  com  reclusão  ou  detenção  (art.  1º  da  LICP), mas não um abolitio criminis. Por ultimo Gomes e Bianchini (2002) relatam que ocorreu a descriminalização substancial, ou seja, abolitio criminis.

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Se nota que os autores construíram pensamentos totalmente opostosmas, analisando os seguintes conceitos ficará mais fácil um futuro posicionamento.

Descriminalizar significa retirar de algumas condutas o caráter de criminosas. Na doutrina, há três espécies de descriminalização.

Na primeira delas, a descriminalização formal, que nos interessa, a conduta deixa de ser criminosa, mas não é retirada dentro do direito penal, ou seja, transforma-se o crime em uma infração penal sui generis.

Na segunda espécie, ocorre a descriminalização penal, no sentido de se eliminar o caráter criminoso do fato e transformá-lo num ilícito civil ou administrativo.

Na última espécie, conhecida como descriminalização substancial ou abolitio criminis o fato deixa de ser criminoso e a conduta é legalizada.

 

CONCLUSÃO

 

Visto que a conduta do usuário não foi tida como legal, que a mesma continua sendo considerada crime e quepermanece no código penal conclui-se que não há como descordar das palavras do professor Luiz Flávio Gomes quando o mesmo classifica o art.28 em infração penal sui generis pois a lei não prevê medida privativa da liberdade para fazer com que  o usuário cumpra as medidas  impostas  (não  há  conversão  das  penas  alternativas  em  reclusão  ou  detenção  ou mesmo em prisão simples);o  fato  de  a  CF  de  88  prever,  em  seu  art.  5º,  inc.  XLVI,  penas  outras  que não  a  de reclusão e detenção, as quais podem ser substitutivas ou principais (esse é o caso do art. 28) não  conflita,  ao  contrário,  reforça  nossa  tese  de  que  o  art.  28  é  uma  infração  penal  sui generis exatamente porque conta com penas alternativas distintas das de reclusão, detenção ou prisão simples.

 

REFERÊNCIAS

ANDREATO, Danilo. Notas sobre o art. 28 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas). 2013. Disponível em: <http://daniloandreato.com.br/tag/infracao-sui-generis/>. Acesso em: 11 nov. 2014.

BRASIL. Lei nº 6.638, de 21 de agosto de 1976. Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências.. Lei de Tóxicos. Brasília, DF, 21 out. 1976. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6368.htm> . Acesso em:15 nov. 2014.

BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências.. Lei de Drogas. Brasília, DF, 23 ago. 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm> . Acesso em: 15 nov. 2014..

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 430105, Questão de Ordem no Recurso Extraordinário. Relator: Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 13 de fevereiro de 2007. Diário Oficial da União. Brasília, 26 abr. 2007. Trata da despenalização do uso de Drogas.Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28despenaliza%E7%E3o+e+uso+e+drogas%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/p63m6fp> Acesso em: 13 nov. 2014.

GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Usuário de drogas: a polêmica sobre a natureza jurídica ao art. 28 da Lei 11.343/06. 2002. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/13510-13511-1-PB.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2014.

 

 

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Alice Maiara Magalhães Luna

Acadêmica do V Semestre Noite do Curso de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará- FAP/CE

Raissa Pinheiro Moreira Fernandes

Bacharelanda do curso de Direito, VII semestre.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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