A relevância do princípio da ofensividade para o Direito Penal moderno

20/11/2015 às 16:51
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Não é possível ao Direito Penal defender valores morais, éticos, culturais, religiosos, ideológicos, estéticos, sob pena de se instalar a intolerância. E a intolerância é incompatível com o Estado Constitucional e Democrático de Direito.

Nulla necessitas sine injuria: lição latina que prega que não deve haver punição se o ato praticado não causou lesão. Essa é a base do Princípio da Ofensividade, também chamado de Lesividade ou Danosidade. Este princípio visa o reconhecimento da atipicidade de condutas que não causem lesão a bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, visto que este deve ocupar-se apenas da proteção aos bens jurídicos mais relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, não lhe sendo possível defender valores morais, éticos, culturais, religiosos, ideológicos, estéticos, sob pena de se instalar a intolerância. E a intolerância é incompatível com o Estado Constitucional e Democrático de Direito.

O Princípio da Ofensividade tem ligação direta com o Princípio da Intervenção Mínima. De um lado, a intervenção mínima somente admite a interferência do Direito Penal quando estivermos diante de agressão a bens jurídicos importantes. Por outro, o princípio da Ofensividade vai esclarecer, restringindo ainda mais o poder do legislador, quais são as condutas que poderão ser incriminadas, ou seja, servirá de ponto cardeal ao jurista para que interprete a lei penal sob a ótica garantista.

Muitos positivistas estudiosos do Direito Penal criticam este o Princípio da Ofensividade sob a afirmação de que não ele não tem previsão legal no Brasil. Data venia, estão equivocados, já que o art. 98, inciso I da Constituição Federal de 1988 prevê:

A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

Assim, quando a Carta Magna trata a infração penal de menor potencial ofensivo, aponta que o Direito Penal deve guiar-se pela ofensividade, ou seja, pela conduta que cause lesão ou perigo concreto de lesão a um bem jurídico tutelado pela lei.

O professor Luiz Flávio Gomes, grande baluarte do Direito Penal Moderno, descreve com clareza o princípio da ofensividade:

Por força do princípio da ofensividade não se pode conceber a existência de qualquer crime sem ofensa ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria). Desse princípio decorre a eleição de um modelo de Direito penal com característica predominantemente objetiva, fundado em pelo menos dois pilares a proteção de bens jurídicos e a correspondente e necessária ofensividade (GOMES, 2007).

Esta é uma das bases da Teoria Constitucionalista do Delito defendida pelo professor citado, objeto de estudo de extrema importância a quem interessa em aprofundar-se no estudo das Ciências Penais e à qual aderimos. Em apertada síntese, para esta teoria, não existe crime sem ofensa ao bem jurídico (porque não existe crime sem resultado, como diz o art. 13 do Código Penal). Adotando o conceito bipartido de crime, este possui dois requisitos: fato típico e antijurídico. O fato típico, nos crimes dolosos, ramifica-se em parte objetiva e parte subjetiva. A parte objetiva reparte-se em dimensão formal e material. A dimensão material divide-se em dois juízos valorativos: conduta e resultado jurídico. Portanto, se não há lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico tutelado, não há crime.

Assim, vemos a aplicação deste e de outros princípios já incorporados à legislação e à prática jurídica como um avanço muito importante para que a cada dia o Estado Constitucional e Democrático de Direito seja uma realidade na justiça brasileira. Prova desse avanço é que os tribunais superiores vem utilizando frequentemente estes princípios como fundamento de suas decisões, como podemos ver a seguir:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE FURTO SIMPLES. EXCEPCIONALIDADE DA SÚMULA N. 691 STF. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal tem admitido, em sua jurisprudência, a impetração da ação de habeas corpus, quando, excepcionalmente, se comprovar flagrante ilegalidade, devidamente demonstrada nos autos, a recomendar o temperamento na aplicação da súmula. Precedentes. 2. A tentativa de furto de tubos de pasta dental e barras de chocolate, avaliados em trinta e três reais, não resultou em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade. 3. Este Supremo Tribunal tem decidido pela aplicação do princípio da insignificância, quando o bem lesado não interesse ao direito penal, havendo de ser considerados apenas aspectos objetivos do fato, que deve ser tratado noutros campos do direito ou, mesmo, das respostas sociais não jurídico-penais, o que não se repete em outros casos, quando se comprova que o bem jurídico a ser resguardado impõe a aplicação da lei penal, notadamente considerando-se os padrões sócio-econômicos do Brasil. Precedentes. 4. Ordem concedida. (HC 106068 / MG - MINAS GERAIS. Relatora:  Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento:  14/06/2011. Órgão Julgador:  Primeira Turma. DJe-150 DIVULG 04-08-2011 PUBLIC 05-08-2011)

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O professor Celso Antonio Bandeira de Mello diz que violar um princípio é muito mais grave do que violar qualquer lei, pois a desatenção ao princípio vai implicar ofensa a todo o sistema de comandos e não apenas a um dado específico. Diz o insigne jurista que é a forma mais grave de ilegalidade, porque representa subversão de valores fundamentais do ordenamento jurídico. (MELLO, 2010, p. 959). Com essa lição, compreendemos a importância do respeito aos princípios constitucionais (aqui em especial ao princípio da ofensividade, objeto de nosso estudo), visto que toda solução jurídica democrática passará obrigatoriamente por eles.

Finalizando, reforçamos a importância do Princípio da Ofensividade para o Direito Penal Moderno, posto que sua aplicação é necessária para que se garanta a eficácia da Constituição Federal e também para que sempre se busque impedir que sua validade aconteça apenas no campo das ideias.

 

REFERÊNCIAS

GOMES, Luiz Flávio. Direito penal: introdução e princípios fundamentais: volume 1 – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

________. O Direito Penal antes de depois de Roxin. Disponível em: http://www.blogdolfg.com.br. Acesso em: 12 abril 2009. Material da 2ª aula da Disciplina Princípios constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais - Universidade Anhanguera-Uniderp|REDE LFG.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 10ª edição. Niterói: Ed. Impetus, 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

PINTO, Antonio Luiz de Toledo (org.); WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos (org.); CÉSPEDES, Lívia (org.). Vade Mecum compacto. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

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Sobre a autora
Leonellea Pereira

Doutoranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismos (UFBA). Especialista em Ciências Penais (UNIDERP) e também em Gestão de Políticas Públicas de Gênero e Raça (UFBA). Graduada em Direito (UEPB). Advogada (OAB/BA) na Presidência da OAB Subseção Irecê - BA (2022-2024). Professora do Curso de Direito da Faculdade Irecê - FAI. Técnica Universitária da UNEB Campus XVI - Irecê. Mediadora Judicial (NUPEMEC/TJBA/CNJ). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7207217841688056. E-mail: [email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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