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O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2002

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6 - Alterações da estrutura das associações e fundações, promovidas pelo Código Civil de 2002

Em alguns aspectos, houve inovação do Código Civil de 2002, no que pertine à estrutura das associações e fundações.

Apesar do pouco tempo de vigência da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, referidas alterações têm sido objeto de muita discussão, principalmente no meio jurídico. Há aqueles que arriscam dizer que alguns dos artigos modificados estão fadados à revogação.

Tentaremos, então, abordar as principais mudanças ocorridas, subdividindo o tópico em cada uma das duas espécies de pessoa jurídica que se vai tratar.

Antes, porém, deve ser destacada uma importante e ampla alteração promovida pelo Novo Código Civil. Com o advento desse Novo Diploma Legal, a Primeira Parte do Código Comercial foi substituída pelo Livro II da Parte Geral daquele Código, sob o título "Direito de Empresa". Conforme anota José Costa Loures e Taís Maria Loures D. Guimarães [10], com a entrada em vigor da nova Lei, resolveu o legislador reunir num só Código de Direito Privado as obrigações comuns aos campos civil e comercial. Na área comercial, optou-se pela forma das sociedades comerciais ou industriais, melhor qualificadas como empresariais, cuja regulamentação encontra-se no Livro II da Parte Especial (artigos 980 a 989). Entretanto, inobstante encontrarem-se as ditas sociedades fora do Título II da Parte Geral, que dispõe sobre as Pessoas Jurídicas, a elas aplicam-se, subsidiariamente, as disposições concernentes às associações, por força do disposto no parágrafo único do art. 44, do Código Civil. Significa dizer: a partir do Código Civil de 2002, as normas pertinentes às associações aplicam-se, subsidiariamente, a quaisquer espécies de sociedades.

6.1 - Principais modificações no regime das associações

Segundo o disposto no art. 53, do Código Civil, as associações são constituídas "pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos."

A teor da sobredita norma, ficou expressamente previsto que as associações não se destinam a atividades que tenham finalidades econômicas, tais como a comercialização de bens ou serviços.

Em seguida, trouxe inovação o art. 54, do Código Civil, na medida em que passou-se a estipular o que deverão conter os estatutos de uma associação, sob pena de nulidade. Os requisitos são os seguintes: 1) a denominação, os fins e a sede da associação; 2) os requisitos para admissão, demissão e exclusão dos associados; 3) os direitos e deveres dos associados; 4) as fontes de recursos para a sua manutenção; 5) o modo de constituição e funcionamento dos órgãos deliberativos e administrativos; 6) as condições para alteração das disposições estatutárias e para a sua dissolução.

A possibilidade do estatuto da associação instituir categorias de associados, com vantagens especiais, também constitui uma novidade, e foi tratada no art 55, da nova Lei Civil, verbis: "Os associados devem ter direitos iguais, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais." Releva notar que a lei foi silente quanto ao tipo de vantagem que poderia ser instituída, ficando, ao nosso entender, facultado aos instituidores da associação fazê-lo, respeitados os limites legais.

Merece destaque, também, a questão da aprovação de contas da associação. À luz do art. 59, Parágrafo único, do Código Civil, as assembléias gerais só podem aprovar as contas e alterar os estatutos com a aprovação de 2/3 dos presentes na mesma. Ainda, ficou expressamente consignado que as assembléias gerais só poderão ser instaladas, em primeira convocação, com a presença da maioria absoluta (metade mais um) dos associados e, nas convocações seguintes, com a presença de pelo menos 1/3 dos associados. Conforme acentua Daniel Rech, "esta parece ser uma das inovações importantes e que vão alterar a forma de decidir de muitas associações, já que, em muitas vezes, as associações aprovam as contas com qualquer número de associados presentes." [11]

Por outro lado, o quorum mínimo de instalação das assembléias gerais é questão que deve gerara alguma polêmica. Na maioria dos casos, problemas não existirão, pois o número de associados é pequeno. Entretanto, se imaginarmos associações de grande monta, geralmente presentes em grandes empresas, autarquias, etc., com milhares de associados, seria um tanto trabalhoso reunir a maioria absoluta dos mesmos, ou, ainda, um terço deles, em segunda convocação, para a inauguração dos trabalhos da assembléia geral. Há que se aguardar como o assunto será tratado, revelando-se como solução possível, ao nosso entendimento, a adoção de critérios de representatividade de grupos, dentro de uma mesma associação, para fins de comparecimento e instauração das assembléias gerais.

Ainda sobre as decisões da assembléia geral, a exclusão de associados do quadro social (em não se configurando hipótese de justa causa, nos termos do estatuto – art. 57, 1ª parte) somente poderá ocorrer pela decisão da maioria absoluta dos associados presentes na assembléia, sendo esta convocada especialmente para este fim (art. 57, 2ª parte). Convém salientar que, contra a decisão do órgão que decretar a exclusão, caberá recurso para a assembléia geral (parágrafo único do art. 57, do Código Civil).

Finalizando o Capítulo II (Das associações), inserido no Título II (Das Pessoas Jurídicas) do Livro I (Das Pessoas), da Parte Geral do Código Civil, encontra-se o art. 61, que trata da dissolução da associação, sendo esta a redação de seu caput: "Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referida no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes."

Na verdade, a novidade introduzida pela nova Lei Civil, quanto a este tema, encontra-se no parágrafo primeiro da supra transcrita norma. Consoante o que lá está disposto, mediante previsão do estatuto ou, no silêncio deste, por deliberação dos associados, existe a possibilidade das contribuições que os associados prestaram à associação serem a eles devolvidas. Entretanto, para que tal ocorra, algumas condições devem estar preenchidas, quais sejam: 1) as dívidas e obrigações da entidade devem estar quitadas; 2) configurado o primeiro requisito, deve haver patrimônio remanescente; 3) as contribuições do respectivo associado devem estar devidamente comprovadas através de registro. Tem-se, assim, no caso de dissolução da associação, a possibilidade dos associados reaverem as contribuições que a ela destinaram, desde que preenchidos os requisitos já enumerados. De se observar que a lei anterior não consagrava esta hipótese.

Sendo ou não o caso de restituir as contribuições aos associados, é importante ressaltar que todo o patrimônio remanescente (acaso existente), na dissolução da entidade, deve ir para uma entidade afim, nos termos do já citado art. 61, caput. Inexistindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, onde a associação tiver sede, outra associação nas condições indicadas neste artigo, o patrimônio remanescente reverterá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União (art. 61, § 2º, do Código Civil).

6.2 - Principais modificações no regime das fundações

A primeira e mais importante alteração promovida pelo Código Civil de 2002, no que pertine às fundações, está consagrada no parágrafo único do art. 62, verbis: "A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência."

A limitação constante na supra transcrita norma não existia no Código revogado. Na opinião de José Costa Loures e Taís Maria Loures D. Guimarães, ainda na égide do Código Civil de 1916, "a compreensão comum confirmava a communis opinio octorum de que os fins das fundações seriam filantrópicos, científicos, culturais, ou de interesse altruístico ou social na sua atividade" [12].

Em seguida, dispõe o art. 63 que "quando insuficientes para constituir a fundação, os bens a ela destinados serão, se de outro modo não dispuser o instituidor, incorporados em outra fundação que se proponha a fim igual ou semelhante."

A novidade desta norma reside no fato de que, anteriormente, no caso de um determinado acervo patrimonial não ser suficiente para constituição da fundação pretendida pelo instituidor, tal numerário ou conjunto de bens reverteria em títulos da dívida pública, até sua plena eficiência. Agora, com a possibilidade deste acervo acrescer ao de outra fundação, que guarde finalidade igual ou semelhante, privilegiou o legislador a satisfação de um interesse social, favorecendo as fundações já existentes.

Merece destaque, também, o conteúdo do art. 67, verbis: "Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma: I – seja deliberada por dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação; II – não contrarie ou desvirtue o fim desta; III – seja aprovada pelo órgão do Ministério Público, e, caso este a denegue, poderá o juiz supri-la a requerimento do interessado."

Houve alteração, portanto, do quorum deliberativo para as reformas do estatuto da fundação. Enquanto o Código anterior exigia maioria absoluta, há que se verificar, agora, para tal fim, a vontade de dois terços dos competentes para gerir e representar a fundação, indicando uma maior rigidez para o aspecto de deliberação quanto às alterações do estatuto.

Por último, devem ser analisadas as modificações constantes do texto do art. 69, verbis: "Tornando ilícita, impossível ou inútil a finalidade a que visa a fundação, ou vencido o prazo de sua existência, o órgão do Ministério Público, ou qualquer interessado, lhe promoverá a extinção, incorporando-se o seu patrimônio, salvo disposição em contrário no ato constitutivo, ou no estatuto, em outra fundação, designada pelo juiz, que se proponha a fim igual ou semelhante."

Acerca da norma legal em epígrafe, merecem registro duas alterações promovidas em relação ao Código revogado. A primeira delas refere-se ao motivo determinante da extinção das fundações. Enquanto na Lei anterior o motivo de sua extinção estava relacionado à caracterização de sua nocividade, agora há que se ter em mente se o objeto da mesma constituiu ou não fim ilícito. Para José Olympio de Castro Filho, apud José C. Loures e Taís Maria L. D. Guimarães, "parece difícil, senão impossível, visualizar como ilícita a finalidade de uma fundação regularmente instituída e registrada, sob a fiscalização tutelar do Ministério Público, salvo na hipótese pouco provável de sobreviver norma legal que vede a finalidade antes tida como ilícita, ou não contrária á ordem jurídica ou aos bons costumes." [13]

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A segunda alteração introduzida no art. 69 diz respeito à legitimação para se promover a ação de extinção de uma fundação. Deve ser compreendido que o novo Código generalizou a legitimação ativa para tal fim, pois, agora, ao lado da preferencial iniciativa tutelar do órgão do Ministério Público, e da minoria dissidente de que tratava o art. 29, do Código de 1916 [14], qualquer interessado estará apto a fazê-lo, estando, obviamente, configurado qualquer um dos motivos alinhados na lei.


7 - Aspecto intertemporal para adaptação das associações e fundações às regras do Código Civil de 2002

Conforme já destacado no início deste trabalho, o Novo Código Civil fixou o prazo de 01 (um) ano para que as associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, possam se adaptar às novas disposições constantes da Lei nº 10.406/2002 (art. 2.031, do Código Civil).

Este e outros dispositivos compreendem o aspecto intertemporal que deverá ser respeitado pelos tipos de pessoas jurídicas acima alinhados e, também, pelos empresários, a teor da parte final do art. 2.031, do Código Civil.

Tais previsões encontram-se, em boa parte, situadas no Livro Complementar (Das Disposições Finais e Transitórias) do Novo Código, e serão objeto de análise no presente tópico.

Inicialmente, transcrevemos a literalidade do art. 2.031:

"Art. 2.031. As associações, sociedades e fundações, constituídas na forma das leis anteriores, terão o prazo de um ano para se adaptarem às disposições deste Código, a partir de sua vigência; igual prazo e concedido aos empresários."

A norma em epígrafe explica-se por si só. As associações, sociedades e fundações, assim como os próprios empresários individuais, estão obrigados a se adaptar às novas regras trazidas pelo novo Código até a data de 11 de janeiro de 2004, ou seja, até a data em que verificado um ano de vigência da Nova Lei.

Em seguida, há que ser enfocada a regra do art. 2.032, que trata das modificações a serem observadas pelas fundações, verbis:

"Art. 2.032. As fundações, instituídas segundo a legislação anterior, inclusive as de fins diversos dos previstos no parágrafo único do artigo 62, subordinam-se, quanto ao seu funcionamento, ao disposto neste Código."

Considerando que, nos termos do parágrafo único do art. 62, a fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência, prevê, agora, o legislador, que as fundações instituídas sob a égide da Lei anterior, com finalidades diferentes das hoje exigidas, também estarão submetidas às regras do Novo Código, no que pertine ao seu funcionamento.

Por sua vez, dispõe o art. 2.033, do Código Civil vigente:

"Art. 2.033. Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no artigo 44, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código."

Conforme já visto, as pessoas jurídicas tratadas no art. 44 são as associações, as sociedades e as fundações. A partir da norma em epígrafe, todos os atos que importem em modificação de seus respectivos instrumentos constitutivos, bem como sobre sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, deverão respeitar as regras do novo Código. Apenas não estarão abrangidas por esta regra as disposições constantes em leis especiais, como, por exemplo, a Lei de Sociedades Anônimas.

Por último, registrando o aspecto intertemporal para os casos de dissolução e liquidação das associações, sociedades e fundações, vejamos o disposto no art. 2.034, verbis:

"Art. 2.034. A dissolução e a liquidação das pessoas jurídicas referidas no artigo antecedente, quando iniciadas antes da vigência deste Código, obedecerão ao disposto nas leis anteriores."

Considerando as alterações promovidas pelo novo Código, no que pertine à dissolução e liquidação das pessoas jurídicas supra enfocadas, optou o legislador por manter o regramento da Lei anterior, para os casos de dissolução e liquidação das referidas pessoas jurídicas, cujo processo tenha se iniciado anteriormente a 11 de janeiro de 2003.

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Sobre o autor
Homero Francisco Tavares Júnior

Mestre em Direito pela UFMG. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte. Assessor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES JÚNIOR, Homero Francisco. O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 125, 8 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4480. Acesso em: 23 abr. 2024.

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