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A política criminal antidrogas no Brasil:

tendência deslegitimadora do Direito Penal

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14/11/2003 às 00:00
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5 Considerações finais

A filosofia subjacente ao notório fracasso do sistema proibicionista, relativamente à drogadição, é a de ainda tratar com severidade o tráfico de entorpecentes, mas buscar mecanismos eficazes na contenção dos danos sociais relacionados ao uso de drogas.

Se ainda persiste a criminalização da matéria em diversos países, o quadro que se recolhe do direito comparado é, contrariamente, de aplicação de penas de dimensão pedagógica em substituição às clássicas sanções.

O Brasil, em certa medida, aderiu a nova ordem mundial, preconizando o emprego de abordagens alternativas, no que concerne ao tratamento destinado a usuários de drogas ilícitas.

A tese antiproibicionista foi reforçada, em nosso país, recentemente, pela elaboração de uma nova legislação antitóxicos, orientada por importante documento político, qual seja, o plano nacional antidrogas.

A nova legislação antitóxicos, a despeito das imperfeições técnicas apresentadas, acompanhava a estratégia moderna de desprizionalização de determinadas condutas.

Contudo, em virtude do veto a disposições penais do texto legal o Estado permaneceu com o poder de intervenção severa, contrariando a visão minimalista do Direito Penal.

A dicotomia até então existente entre a política antiproibicionista e a legislação repressiva vigente prejudica a consolidação dos programas voltados à diminuição dos danos no âmbito da saúde pública.

A troca de seringas, o tratamento de substituição e as salas sanitárias são programas que, comprovadamente, apresentam resultados satisfatórios na contenção dos danos à saúde, na diminuição da mortalidade, da morbilidade, marginalização e criminalidade.

O drogadito não é discriminado e encontra nos profissionais, envolvidos com os serviços de redução, o apoio indispensável ao resgate de valores sociais e morais, componentes fundamentais no caminho da abstinência.

Não se quer inferir, com isso, que a proposta abolicionista seja pressuposto essencial para que as medidas redutoras alcancem a eficácia desejada.

Porém, é certo que a incriminação da posse e aquisição de substâncias entorpecentes, em tudo contraria a tendência mundial na contenção da problemática das drogas.

A clandestinidade facilita a aproximação do usuário com o crime e violência do tráfico, contribui para a disseminação de doenças infecto-contagiosas, condenando o indivíduo aos estereótipos de enfermo e delinqüente.

Em consequência, a descriminalização e a legalização têm sido merecedoras de intensos debates acerca de uma possível implementação e pretensa eficácia.

Entretanto, a importação de um modelo político-criminal possui certo risco, depende de vários aspectos sociais e econômicos do país, Portanto, merece análise prudente e rigor em sua perspectiva.

A descriminalização, realizada através da transferência da infração penal a outro ramo do Direito, é opção contra a falta de adequação da pena privativa de liberdade, relativamente aos ilícitos de consumo de drogas. Porém, as sanções administrativas, para alcançarem o fim esperado, necessitam de maior controle e adaptação ao público-alvo.

A legalização das drogas não traz a resposta almejada à questão social. Legalizando as drogas seriam eliminados o estigma e a marginalização, em contrapartida o usuário restaria condenado à dependência perpétua, sem atendimento apropriado, em função do acesso livre às substâncias.

Por outro lado, o modelo proibicionista, alicerçado na idéia de um mundo livre das drogas, revela a convicção ilusória de que incriminações rigorosas podem refrear o uso indevido de drogas.

A história da toxicomania encontra-se vinculada à evolução da humanidade e a utilização de substâncias, que provocam alterações da consciência, é assumida como sendo freqüente na experiência social.

Desse modo, se erradicar as drogas da sociedade não é exeqüível, a solução plausível e viável será tornar menos prejudicial o convívio a todos os indivíduos.

Para tanto, a estratégia eficaz tem de ir além de medidas repressoras contra o tráfico de entorpecentes, devendo atingir, necessariamente, o consumidor, personagem que impulsiona a atividade criminosa.

Nessa ordem, reafirmar o direito à saúde e à dignidade de todo o cidadão, dependente químico ou não, é dever do Estado, no plano judiciário, legislativo e social, que não pode ser coibido por visões pouco pragmáticas da realidade, traduzidas em imperfeições legislativas e posições conservadoras, as quais não acompanham a evolução da política criminal antidrogas.


Notas

01. Luís Duarte Patrício, Droga: libertar idéias, descriminalizar consumo. Disponível em <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 11 nov. 2002.

02. Salo de Carvalho, A Política Criminal das Drogas no Brasil: Do discurso oficial às razões da descriminalização. 2. ed. Rio de Janeiro: LUAM, 1997. p. 19.

03. Salo de Carvalho, op.cit., p. 250.

04. Ibid., p. 201.

05. Renato Flávio Marcão; Bruno Marcon, Direito Penal brasileiro: do idealismo normativo à realidade prática. Disponível em <http://www.mp.sp.gov.br/justitia/CRIMINAL/crime2020>. Acesso em: 03 nov. 2002. p. 02.

06. Salo de Carvalho, op.cit., p. 37.

07. César Roberto Bittencourt, Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, pág. 202.

08. Elías Neuman. Elías Neuman, Reflexiones sobre Esteriotipos y Represión en Materia de Drogas. Revista do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Brasília, v.1, n.13, p. 31.

09. Sérgio Habib, A nova lei de tóxicos e a despenalização do uso de drogas. Revista Jurídica Consulex, nº139, ano VI, p. 13.

10. Ibid.,p.13.

11. Cristiano Avila Maronna e Carlos Alberto Pires Mendes, Nova Lei de Tóxicos: O Reflexo do Irrefletido. Boletim IBCCRIM, ano 09, nº 111, fev. 2002. Disponível em <http://www.ibccrim. org.br/ boletim/0004>. Acesso em: 01 ago. 2002.

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13. Ibid., p. 02.

14. INSTITUTO PORTUGUÊS DE DROGAS E TOXICODEPENDÊNCIA, Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Disponível em<http://www.ipdt.pt/>. Acesso em: 09 dez. 2002.

15. Salo de Carvalho, op.cit., p. 195.

16. INSTITUTO PORTUGUÊS DE DROGAS E TOXICODEPENDÊNCIA, Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Disponível em<http://www.ipdt.pt/>. Acesso em : 09 dez. 2002.

17. Ibid.

18. INSTITUTO PORTUGUÊS DE DROGAS E TOXICODEPENDÊNCIA, Drogas e Prisões: 2002. Portugal. Disponível em <http://www.ipdt.pt/investigacao/prisoes/prisionais_iscte.html>. Acesso em: 29 set. 2002.

19. Ibid.

20. INSTITUTO PORTUGUÊS DE DROGAS E TOXICODEPENDÊNCIA, Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Disponível em<http://www.ipdt.pt/>. Acesso em: 09 dez. 2002.

21. Renato Posteri, Tóxicos e Comportamento Delituoso. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p.74.

22. Fernando Falabella Tavares de Lima, Reflexão sobre a descriminalização do uso e drogas no Brasil. Disponível em <http://www.netpsi.com.br>. Acesso em: 23 ago. 2002.

23. INSTITUTO PORTUGUÊS DE DROGAS E TOXICODEPENDÊNCIA, Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Disponível em<http://www.ipdt.pt/>. Acesso em: 09 dez. 2002.

24. Salo de Carvalho, op.cit., p. 205-206.

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31. Vide Constituição Federal, artigo 196, caput.

32. António Filipe, Droga: o mito da legalização. Disponível em <http://www.pcp.pt/avante>. Acesso em: 05 out. 2002.

33. Luiz Fernando Marques & Denise Doneda, In: Troca de seringas: ciência, debate e saúde pública. Brasília: Ministério Público, 1998. p. 144.

34. Fábio Mesquita, In: Troca de seringas: ciência, debate e saúde pública. Brasília: Ministério Público, 1998. p. 105.

35. Alex Wodak apud Fábio Mesquita; Inácio Francisco Bastos; Luiz Fernando Marques (Orgs.). Troca de seringas: ciência, debate e saúde pública. Brasília: Ministério Público, 1998. p. 66.

36. Fábio Mesquita, Estratégia de Redução de Danos. Disponível em <http://www. aidscongress.net/article.php?id_comunicacao. Acesso em: 22 nov. 2002. p. 01.

37. Ibid., p. 01.

38. INSTITUTO PORTUGUÊS DE DROGAS E TOXICODEPENDÊNCIA. Estratégia Nacional de Luta contra a Droga. Disponível em<http://www.ipdt.pt/>. Acesso em 09 dez. 2002.

39. Fábio Mesquita, op.cit., p. 02.

40. Pat O''Hare, in: Redução de danos: alguns princípios e a ação prática. INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL E CRIMINOLOGIA DE SÃO PAULO. Disponível em <http://www.imesc. sp.gov.br>. Acesso em: 15 set. 2002.

41. Fábio Mesquita, op.cit., p.03.

42. Alex Wodak, op.cit., p. 58.

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45. Alex Wodak, op.cit., p. 56.

46. Francisco Inácio Bastos, In: Troca de seringas: ciência, debate e saúde pública. Brasília: Ministério Público, 1998. p. 92-93.

47. Gerry V. Stimson apud Fábio Mesquita; Inácio Francisco Bastos; Luiz Fernando Marques (Orgs.). Troca de seringas: ciência, debate e saúde pública. Brasília: Ministério Público, 1998. p. 21.

48. Daniel do Rosário, Consumo mais saudável nas salas de chuto. Jornal Expresso, 05 mai. 2001. Disponível em <http://semanal.expresso.pt/pais/artigos/interior.asp?edicao=1488&id_artigo= ES24961>. Acesso em: 15 nov. 2002.

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49. Bernard Huwiler apud Graça Rosendo. Dois membros do Governo visitaram uma sala de chuto, em Berna. Jornal Expresso, 05 mai. 2001. Disponível em <http://semanal.expresso.pt/pais/artigos/interior.asp? edicao= 1488&id_artigo=ES24961>. Acesso em: 15 nov. 2002.

50. Fábio Mesquita, Estratégia de Redução de Danos. Disponível em <http://www.aidscongress.net/article. php?id_comunicacao. Acesso em: 22 nov. 2002.

51. As drogas em destaque: O papel essencial do tratamento de substituição, As drogas em destaque: O papel essencial do tratamento de substituição. Jan/fev. 2002. Disponível em <http://www.emcdda.org/multimedia/ publications/Policy_briefings/pb1_3/pb01_ PT.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2002. p. 01.

52. Alex Wodak, op.cit., p. 60.


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Sobre a autora
Paula da Rosa Almeida

bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela UFSM/RS, aluna da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Paula Rosa. A política criminal antidrogas no Brasil:: tendência deslegitimadora do Direito Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 131, 14 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4486. Acesso em: 30 dez. 2024.

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