Medidas de urgência e execução das astreintes

25/11/2015 às 00:22
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Sobre execução provisória de astreintes no processo cívil.

1.   POSSIBILIDADE DE IRREVERSIBILIDADE DAS MEDIDAS DE URGÊNCIA.

Como todos sabem, convivemos com um “impasse” jurídico, onde, de um lado, temos que chegar à solução da lide o mais rápido possível, tendo em vista que justiça que tarda não é justiça, é injustiça; e do outro, devemos observar o rito processual de maneira mais solene, observando todos os requisitos de validade do processo, a fim de que seja assegurado ao réu o contraditório e a ampla defesa em todas as fases do processo.

    Muitos “artifícios” têm sido usados para tentar alcançar a tão sonhada celeridade processual. Cada vez mais se tem ouvido falar em conciliação, procedimento sumaríssimo, meios que tentam “enxugar” a máquina judiciária. Nesse contexto, verificamos a utilização, cada vez mais frequente, de liminares e de antecipação de tutela, que possibilitam ao autor obter determinada providência jurisdicional ainda no decorrer do processo. Essas duas situações supracitadas representam espécies demedidas de urgência.

    O juiz age no processo de forma “administrativa”, isto é, conduzindo o andamento do processo, permitindo a produção de provas necessárias ao julgamento do processo, entre outras coisas. O juiz, como regra, só se posiciona a respeito do mérito da causa no momento em que profere a sentença. Como dito, esta é a regra, uma vez que, as medidas de urgência, como o próprio nome já diz, são usadas em momentos de urgência, desde que preenchidos alguns requisitos específicos, sempre apoiados no periculum in mora (perigo na demora). Essas medidas de urgência possibilitam a exceção à regra supracitada, permitindo ao juiz proferir decisão de grande importância no curso do processo, antes da sentença final.

    É bem verdade que o juiz não vincula a sentença ao que decidiu em liminar ou antecipação de tutela, uma vez que estas têm como características a revogabilidade e provisoriedade. Mas o que dizer dos casos em que ao final do processo se vê que a medida não deveria ter sido deferida? Como fica a situação do réu, nos casos em que o autor já usufruiu de todos os efeitos do deferimento da medida de urgência? O que fazer se “não se poder voltar atrás a pedra depois de lançada, a palavra depois de proferida e a oportunidade perdida”?

    Prevendo essas situações desagradáveis, o art. 273 do CPC, em seu § 2°, determina que: “não se concederá a antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”. priori, devemos deixar bem claro que a doutrina é praticamente unânime em entender que o perigo de irreversibilidade acima diz respeito aos efeitos do provimento e não ao provimento em si, pois, como foi dito, enquanto decisão provisório, é revogável. Como quase tudo em direito, existe divergência doutrinária no que diz respeito à interpretação desse artigo. Dentre a várias correntes, uma entende não ser possível o deferimento de antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade. Isso porque, de acordo com os seguidores dessa corrente, o § 2° do art. 273 do CPC é “inflexível”, devendo ser interpretado do ponto de vista gramatical. Ora, isso seria correto? O Direito deve ser observado do ponto de vista da “letra fria da lei”? Acreditamos que não, pois seria um pouco precipitado. Assim sendo, nos parece mais apropriada a corrente doutrinária que entende que o juiz não só pode, como deve deferir a tutela antecipada quando, mesmo diante do perigo de irreversibilidade, o autor demonstrar uma situação de evidente dano irreparável ou de difícil reparação.

    Devemos lembrar que deve ser observado o princípio da proporcionalidade, o qual exige ponderação, entre os direitos em conflito, ou seja, exigi-se a busca do equilíbrio desses direitos.  Em casos onde há conflito entre bens jurídicos, quer seja fundamentais ou não, o juiz, ao julgar a ação cautela ou antecipação de tutela deve ter como norte o princípio supracitado, devendo proteger, desde que cumprido os requisitos, aquele bem mais importante.

É de grande importância saber que, em caso de eventual irreversibilidade da tutela antecipada (tendo o autor usufruído de seus efeitos), onde só depois (na fase da sentença) se viu que ela não deveria ter sido deferida, o “prejuízo” sofrido pelo réu será convertido em perdas e danos, devendo o autor pagar ao réu o valor correspondente ao benefício que usufruiu em face da decisão que lhe foi anteriormente favorável.

    Contudo, para que a antecipação dos efeitos irreversíveis da tutela seja concedida, deve ficar evidente que o direito a ser protegido (do autor) seja mais valioso do que aquele que será sacrificado (do réu). Deve-se observar, ainda, que, para que seja antecipada a tutela de efeitos irreversíveis, deverá haver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, evitando assim, que este instituto seja usado para abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu.

    Concluímos que a regra do art. 273, § 2° do CPC (requisito da reversibilidade), ainda que se trate de requisito de grande importância para a segurança jurídica das decisões a serem proferidas em caráter de urgência, não pode se tornar obstáculo instransponível para a concessão dessas medidas. Essa é uma tendência da melhor doutrina e da jurisprudência com relação a tal requisito.

Por fim, queremos ressaltar a importância de uma atuação responsável e consciente por parte dos magistrados, que terão a difícil tarefa de deferir ou não antecipação de tutela de efeitos irreversíveis. Para isso, o juiz deve ser aberto e sensível aos valores de seu tempo, de seu lugar, bem como bastante atento aos detalhes do caso concreto, tendo em vista que o direito de pequeno valor para um, poderá ser um último “fio” de sobrevivência para outro.

2.   EXECUÇÃO DAS ASTREINTES.

Como visto anteriormente, o juiz pode deferir antecipações de tutela, as quais podem satisfazem o autor no todo em parte o seu pedido. Neste momento podemos nos perguntar: o que fazer caso o devedor não cumpra a decisão? Poderá ser executada tal decisão interlocutória? Como fazê-lo? Que meios o processo civil dispõe para que sejam cumpridas as decisões judiciais? Nos próximos parágrafos, tentaremos discutir uma das soluções para essas perguntas, as astreintes.

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O que são astreintes? Bem... Como o próprio Nome já diz, astreintes, do latim astringere, de ad stringere (apertar, compelir, pressionar), é uma multa diária imposta por descumprimento de condenação judicial em obrigação de fazer ou obrigação de não fazer, a fim de constranger o vencido a cumprir a sentença judicial, evitando uma demora desnecessária.

É bem verdade que em diversos casos de antecipação da tutela, o réu queira se “esquivar” do cumprimento daquilo que nela foi decidido. Reflita conosco: a antecipação de tutela é concedida em casos onde há perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Se há esse perigo e ele é iminente, não se pode esperar pela “boa vontade” do réu em cumprir o que lhe foi determinado.

O § 5º do artigo 461 do CPC, permite expressamente o uso de medidas inominadas pelo juiz, sempre que necessário para a efetivação da tutela concedida. Entre essas medidas inominadas está a multa diária (ou astreintes, se preferirem).

Como a tutela antecipada é revogável, tanto por meio de recurso ou pela prolação de sentença contrária ao que foi decido anteriormente, por inúmeras vezes o réu deixa de cumprir a tutela antecipada, mesmo incorrendo em multas diárias, isso porque sua intenção é conseguir “reverter” a situação, ou seja, conseguir mudar o entendimento do juiz, para que a tutela seja revogada. Assim, ele ficaria livre tanto do ônus da tutela antecipada quanto das astreintes.

É importante saber que o tema é bastante “polêmico”, nem mesmo a doutrina chegou a um entendimento uniforme sobre a possibilidade ou não de execução das astreintes, em antecipação de tutela, antes da sentença transitada em julgado. Parece-nos um pouco precipitado esse pensamento, pois, se o fundamento da antecipação da tutela é justamente o perigo de dano, como poderia o autor esperar até o trânsito em julgado para ver cumprida a tutela antecipada. Assim, não faria sentido o uso de tutela antecipada contra réu que não a cumprisse. Há um dito popular que diz: “a parte que mais dói no homem é seu bolso”. E isso é a mais pura verdade.

Concluímos ser não só possível, como necessária a aplicação de astreintes. Devemos lembrar, ainda, que a idéia de que tudo pode mudar até a sentença condenatória, como forma de se “esquivar” do cumprimento da decisão interlocutória (tutela antecipada), é facilmente superada. Isso porque, as medidas de urgência são, em sua essência, revogáveis, retornando tudo ao estado ad Quo. E, como vimos no tema estudado anteriormente, nos casos de irreversibilidade de seus efeitos, converte-se em perdas e danos.

3.  BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.

TOMAZONI, Fernanda Ruiz. Tutelas de urgência: (IR) Reversibiidade. 1ª Edição. São Paulo: Juruá Editora, 2008.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 45ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Curso de Processo Civil. 11ª Edição. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2008.

MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. 6ª Edição. Atlas. São Paulo, 2010.

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Sobre o autor
Tiago Santos de Lima

Cursando Direito na Faculdade de Olinda - Focca e Servidor do TJPE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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